Com o sucesso da influência de Adam Smith sobre o pensamento econômico, a chamada Escola Clássica, que envolvia Smith, Ricardo e outros grandes economistas, tornou-se o paradigma teórico da economia política.
Além da tese do equilíbrio, segundo a qual a economia de mercado possui informações “dadas” que permitiriam criar relações matemáticas certas ou probabilísticas entre alguns elementos, podendo obter, assim, funções de oferta e demanda, esses teóricos esposavam também a tese do valor-trabalho, que sustenta que o valor de um bem deriva da quantidade de trabalho empregado no processo de produção desse bem. Adam Smith diz que “o preço real de cada coisa – o que ela custa à pessoa que deseja adquiri-la – é o trabalho e o incômodo que custa a sua aquisição”.[1] Ricardo endossa essa tese, dizendo que esse é de fato o fundamento do “valor de troca”[2] de todas as coisas, com exceção, acrescenta ele, daquelas coisas que “não podem ser multiplicadas pela atividade humana”[3], como pinturas famosas e vinhos de qualidade peculiar, cujo valor é determinado então pela escassez.
É interessante notar que a teoria de Ricardo já começa com uma exceção, pela qual ele acaba admitindo que a tese do valor-trabalho não se aplica a todas as coisas. Além disso, essa teoria não resolve aquilo que ficou conhecido como o paradoxo do valor: por que a água, que é bastante útil, custa bem menos que o diamante? Evidentemente, havia alguma coisa errada com a teoria.
Foi na década de 1870 que três economistas mudariam o enfoque da teoria do valor, de maneira totalmente independente, isto é, sem que um tivesse conhecimento dos avanços perpetrados pelos outros. Trata-se de Carl Menger, com a publicação dos seus Princípios de Economia Política, em 1871, William Stanley Jevons, com A Teoria da Economia Política, também em 1871, e Léon Walras, que em 1874 publicou os Elementos da Teoria Política Pura.
O avanço trazido por esses três autores foi o de remover a origem do valor dos bens da quantidade de trabalho necessário para obtê-los e colocá-la na utilidade que eles representavam para o consumidor. Eles mudaram o foco do produto para o consumidor, do objeto para o sujeito. O valor derivava, agora, das avaliações subjetivas do consumidor sobre os bens, e não dos custos e do trabalho empregados na sua produção.
Utilidade, segundo Menger, “é a aptidão que uma coisa tem para servir à satisfação de necessidades humanas”.[4] Para Jevons, influenciado pelo utilitarismo de Jeremy Bentham, é a qualidade de um objeto, serviço ou ação que o torna capaz de dar prazer aos indivíduos ou afastá-los do sofrimento.[5] E, para Walras, um bem é útil desde que possa servir a um uso qualquer, desde que atenda a uma necessidade qualquer e permita a sua satisfação.[6] Vale a pena lembrar que, não obstante esses terem sido a tríade a que se atribui a revolução marginalista, foi Friedrich von Wieser quem cunhou o termo utilidade marginal.[7]
Essas definições de utilidade não diferem muito, mas há uma diferença substancial entre, de um lado, as teorias de Jevons e Walras e, de outro, a de Carl Menger. Acontece que Jevons e Walras consideram fundamental expor a teoria da utilidade em termos matemáticos.
Diz Stanley Jevons, em A Teoria da Economia Política: “É claro que, se a Economia deve ser, em absoluto, uma ciência, deve ser uma ciência matemática.” Ele reconhece que se pode objetar que prazer e sofrimento não são passíveis de mensuração. Mas afirma que os medirá a partir dos seus efeitos quantitativos.[8]
Léon Walras se manifesta no mesmo sentido, afirmando que a dificuldade em medir a utilidade não é insuperável, e supõe que seja possível quantificá-la.[9] A partir daí ele começa a expor as suas equações.
No Princípios de Economia Política, de Menger, contudo, não há absolutamente nenhuma equação. Ele expõe sua teoria exclusivamente em termos de linguagem corrente. Por focar nas relações causais e concretas que acontecem na vida real, sua análise foi chamada de “causal-realista”.
Segundo Mateusz Machaj, em Menger as utilidades marginais são finitas e discretas, ao passo que em Jevons e Walras elas são contínuas e infinitesimais, o que as torna passíveis de serem empregadas em equações diferenciais. Na prática, se uma unidade marginal é infinitesimal e faz parte de uma função de utilidade já existente, pode-se definir matematicamente uma solução ótima para as alocações. Contudo, se a unidade é discreta, isso significa que ela é possuída por um ser agente, o qual deverá portanto escolher em que irá empregá-la, e não será possível conhecer sua melhor forma de alocação a partir de um cálculo abstrato.[10]
Dessa forma, enquanto Jevons e Walras nos levam a uma ciência econômica de funções pressupostas, de um mundo estático, Menger nos conduz a uma ciência econômica de escolhas reais em um mundo em constante transformação, colocando-nos assim em conformidade com a realidade natural das coisas.
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Notas
[1] Adam Smith, A Riqueza das Nações, Coleção Os Economistas, p. 87.
[2] David Ricardo, Princípios de Economia Política e Tributação, Coleção Os Economistas, p 25.
[3] Idem, p. 25.
[4] Carl Menger, Princípios de Economia Política, p. 76.
[5] William Stanley Jevons, A Teoria da Economia Política, Coleção Os Economistas, p. 69.
[6] Léon Walras, Compêndio dos Elementos de Economia Política Pura, Coleção Os Economistas, p. 45.
[7] Mateusz Machaj, “A revolução de Carl Menger”. Disponível em: < https://rothbardbrasil.com/a-revolucao-de-carl-menger/>.
[8] Jevons, idem, pp. 48-52.
[9] Walras, idem, pp. 50-51.
[10] Mateusz Machaj, idem.