Na aula anterior, vimos que toda ação requer o uso de meios para atingir fins. Em Economia, chamamos tais meios de bens, os quais se subdividem em duas categorias: bens de consumo, ou bens de primeira ordem, e bens de produção, ou bens de ordens superiores.
Os bens de consumo ou de primeira ordem são aqueles que servem para atender a fins imediatos, como um pão que você usa para comer ou um caderno que você usa para anotar ideias. Já os bens de produção ou de ordens superiores são aqueles que nos valem apenas como intermediários para os fins que realmente almejamos, como fábricas e insumos. A categoria a que um determinado bem pertence dependerá de como o utilizarmos. Se pegarmos um pão para comer, ele terá sido utilizado como um bem de consumo; se, porém, o utilizarmos para fazer torradas, então ele terá sido usado como bem de produção. Da mesma forma o caderno: se ele for usado para se nele tomarem notas, será assim um bem de consumo; mas se o for para se nele escrever um romance, terá sido um bem de produção.
Segundo Rothbard, o processo necessário envolvido em qualquer ação se chama produção, que é o uso pelo homem dos elementos disponíveis em seu ambiente como meios indiretos para se obter um bem de consumo que, esse sim, será usado como meio direto para satisfazer o desejo ou necessidade do indivíduo.[1]
É interessante observar que existe nesse processo uma série de fatores constantes, isto é, que são encontrados em todos os processos de produção. O tempo, por exemplo, é um desses fatores, como também o trabalho e a terra, entendida como recursos da natureza. Assim, em todo processo produtivo, sempre será necessário o uso de tempo, de trabalho e de terra.[2] Quando o fator de produção é encontrado na natureza, ele é chamado de fator original de produção; quando, todavia, ele é fabricado para então ser utilizado na produção de outro bem, ele é chamado de bem de capital. Bens de capital são aqueles fatores de produção que não foram encontrados diretamente na natureza, mas sim produzidos pelo ser humano e utilizados na produção de outros bens.[3]
Entretanto, há ainda outro fator de produção que é indispensável em qualquer processo produtivo: trata-se do que Rothbard denomina ideia tecnológica, ou simplesmente receita.[4] Uma ação não envolve apenas o uso de meios, mas também a ideia de como os meios devem ser usados. Assim, para fazer um bolo, você precisa tanto dos ingredientes quanto do modo de preparo. Toda ação pressupõe, portanto, o uso de uma teoria, seja essa teoria cientificamente elaborada, seja apenas uma vaga ideia de como as coisas devem ser feitas. É justamente por esse motivo que não faz sentido negligenciar a teoria em nome da prática, já que toda prática pressupõe uma teoria, ainda que de maneira inconsciente e não cientificamente elaborada.
A diferença entre a receita e os outros fatores de produção é que a receita, uma vez aprendida, não precisa mais ser criada, tornando-se um recurso ilimitado. Uma receita pode ser reproduzida infinitas vezes sem se perder. Desse modo, ela não precisa mais ser economizada e se torna portanto uma condição geral da ação.[5]
Deve-se deixar claro que nem todo bem é material. Coisas imateriais, como amizade e influência, se forem usadas em uma ação, também deverão ser consideradas como bens econômicos. “‘Econômico’”, dirá Rothbard, “de maneira nenhuma é equivalente a ‘material’”.[6]
Como elucidamos em aula anterior, o valor de um bem é a importância atribuída ao fim que se espera obter através dele. Daí fica evidente de onde bens de consumo derivam seu valor. Mas, se bens de consumo valem na medida em que podem satisfazer desejos e necessidades diretamente, donde se origina o valor dos bens de produção ou ordens superiores? Ora, bens de produção são avaliados conforme a sua utilidade na produção de bens de consumo; logo, derivam seu valor igualmente do fim que se espera obter pelo uso do bem de consumo final que são capazes de produzir.[7]
Outra implicação ulterior importante diz respeito ao tempo: dado que o tempo é um recurso escasso e, portanto, deve ser economizado, quão mais rápido um fim for atingido melhor para o agente. Nas palavras de Rothbard, o homem prefere que seus fins sejam atingidos no espaço de tempo mais curto possível.[8] Isso significa que o homem sempre escolherá o meio mais rápido de sair do ponto A, que é o ponto onde ele se encontra, para o ponto B, que é o ponto em que seu desejo foi satisfeito. Assim, o homem sempre optará pelo período de produção mais curto possível.
É daí que deduzimos o fato universal da preferência temporal: um bem ou uma satisfação presente é sempre preferível ao mesmo bem ou satisfação no futuro.[9] Ganhar cem reais hoje é melhor que ganhar cem reais daqui a cinco anos. Contudo, algo deve ser esclarecido sobre esse princípio para que não se faça sobre ele interpretações errôneas. Utilizarei o mesmo exemplo fornecido por Rothbard.[10] Digamos que alguém objete o seguinte: um saco de gelo no verão é preferível a um saco de gelo no inverno, dado qualquer momento. Trata-se isso de uma exceção ao princípio? Não, porque, como Rothbard explica, gelo-no-inverno e gelo-no-verão são dois bens diferentes. Trata-se do mesmo produto, da mesma matéria, mas de bens distintos.
Ainda sobre os fatores de produção, existe uma relação entre eles chamada de lei dos rendimentos, a qual afirma que, com uma quantidade de fatores complementares mantida constante, existe sempre uma quantidade ótima do fator variante.[11] Primeiro, é importante deixar claro que a produção de qualquer bem exige o uso de mais de um fator de produção; porque, se somente um fator de produção fosse exigido para se fazer o bem, então ele já estaria feito, e esse mesmo fator seria o bem em vista. Dado esse fato, existe sempre uma quantidade ótima de cada fator para resultar na maior quantidade observável do bem produzido. O homem sempre buscará utilizar essa quantidade ótima de cada fator de produção, assim obtendo sua maior utilidade possível.
Além disso, de um outro ponto de vista, existem dois tipos de fatores de produção: os específicos e os não específicos. Os específicos são aqueles que só servem para a produção de um único bem. Já os inespecíficos são aqueles que podem ser utilizados na produção de vários bens distintos. Não existe um fator absolutamente inespecífico, pois desse modo ele serviria na produção de todos os bens de consumo imagináveis e seria, por conseguinte, não um bem econômico, mas sim uma condição geral da ação – um bem superabundante. Entretanto, quão menos específico é um fator, mais conversível ele é de um uso para outro; e quão mais conversível ele for, mais dificilmente o seu valor será afetado por mudança nas preferências do público.[12]
Por exemplo, digamos que o tabaco só sirva para fazer cigarros (o que não é verdade). Tratar-se-ia, assim, de um bem específico. Nesse caso, se o público consumidor abandonasse o tabagismo, o tabaco perderia o seu valor completamente, pois não serviria para mais nada. Por outro lado, as terras onde o tabaco era plantado, em sendo fatores altamente conversíveis, podem mudar de tabaco para bens mais urgentes do momento, como o trigo ou o café, assim preservando sua utilidade. Disso se conclui que fatores específicos derivam seu valor inteiramente de um único bem, e que quanto menos específico é um fator mais resistente é o seu valor com relação às variações do mercado, uma vez que ele tem a capacidade de ser convertido em novos usos.[13]
Para finalizar, a Escola Austríaca também apresenta uma dedução sobre a relação entre trabalho e lazer, a qual é derivada da análise apriorística que viemos fazendo até aqui. Porém, a essa dedução se acrescenta um dado empírico, tirado da experiência humana observável: o fato de que o homem considera o lazer um bem de consumo e o trabalho como algo desagradável em geral. Desse modo, o homem apenas se entregará ao trabalho se o valor dele obtido for maior do que o valor que ele pode esperar do consumo de lazer.[14] Evidentemente, o trabalho não é um fim em si mesmo. Embora algumas atividades laborativas proporcionem certa quantidade de prazer àqueles que as realizam, o trabalho sempre terá por finalidade a obtenção de bens de consumo, dentre os quais se encontra o próprio lazer, isto é, o não trabalho.
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Notas
[1] Rothbard, Homem, Economia e Estado, pp. 7-8.
[2] Idem, p. 9.
[3] Idem, p. 9.
[4] Idem, p. 10.
[5] Idem, pp. 10-11.
[6] Idem, p. 11.
[7] Idem, p. 11.
[8] Idem, p. 14.
[9] Idem, p. 14.
[10] Idem, pp. 14-15.
[11] Idem, p. 34.
[12] Idem, pp. 36-37.
[13] Idem, pp. 37-40.
[14] Idem, pp. 41-42.