Aula XIX – O Imposto de Renda

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Após analisar os efeitos da tributação em geral, voltemo-nos à análise de um tributo em particular, o imposto de renda, que, embora não seja o de maior arrecadação (este seria o ICMS), é contudo um dos mais, não sem razão, odiados.

O imposto de renda é um imposto federal cujo fato gerador (ou seja, o fato que enseja sua cobrança) é o surgimento de riqueza nova, isto é, de qualquer acréscimo patrimonial, seja produto de capital, seja produto de trabalho.[1] Ele surgiu na Inglaterra do século XVIII, para subsidiar a Guerra contra a França, e nos Estados Unidos em 1862 para financiar a Guerra Civil.[2] Na Inglaterra, sua implementação se deu inicialmente a título provisório (como aliás toda expansão ditatorial do governo) tendo depois entrado no rol definitivo de tributos, em 1799.[3]

 

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Em primeiro lugar, o imposto de renda se faz um dos mais intrusivos meios de tributação, uma vez que exige do cidadão todo um acervo de informações pessoais a serem concedidas ao governo.[4] Atualmente, a Receita Federal tem inclusive usado as redes sociais para averiguar se o padrão de vida aí ostentado pelos contribuintes é compatível com a sua declaração de imposto de renda, chamando-o a prestar esclarecimentos caso não seja.[5] De fato, qualquer um pode usar as redes sociais para colher informações lá adicionadas publicamente, mas fazê-lo para melhor usurpar de um cidadão os bens que constituem o fruto do seu trabalho é de uma sub-repção nada virtuosa.

Além disso, de vez que a declaração do imposto de renda exige tamanha documentação, as empresas incorrem em grandes gastos de mera burocracia, tendo de investir em advogados e contadores que de outro modo seriam usados para atividades mais produtivas.[6] O gasto que as empresas têm com o registro de informações requeridas pelo governo significa mais riqueza sendo desnecessariamente retirada da economia. Sobre isso, diz Leandro Roque:

Portanto, se o IR for abolido, não apenas todo esse exército de contadores e advogados terá de voltar seus esforços para fins mais produtivos, como também o setor produtivo da economia terá uma vida mais tranquila. Da mesma forma, tempo e dinheiro serão preservados e melhor investidos, já que as pessoas e as empresas não mais terão de manter um calhamaço de criteriosos registros de informações.[7]

Há também as deformidades alocacionais que esse imposto engendra. Segundo Rothbard, tal imposto reduz o consumo e o investimento em poupança.[8] Também diminui a renda geral dos chamados contribuintes, o que lhes reduz o padrão de vida. Ademais, uma vez que esse imposto dilapida o patrimônio do contribuinte, provoca a diminuição da utilidade marginal do trabalho e o aumento da utilidade marginal do ócio ou lazer, o que reduz a produtividade e a riqueza gerais da sociedade.[9] “Crie um imposto de renda bastante alto”, dirá Rothbard, “e o mercado se desintegrará completamente: veremos triunfar as condições econômicas primitivas”.[10]

Mises ensina que essa espécie de tributo afeta gravemente a capacidade futura de investimento das empresas, o que significa menor produção e, por consequência, menor oferta de bens e serviços no futuro, além de menos contratação de mão de obra.[11] Isso é o mesmo que dizer que o imposto de renda atravanca o processo de criação de riqueza, colocando uma bola de ferro nos pés da sociedade. Ele diz o seguinte:

Obviamente, é um equívoco acreditar que essa taxação confiscatória prejudica apenas as suas vítimas imediatas. Os empreendedores e capitalistas, diante da perspectiva de que o imposto sobre a renda ou sobre a propriedade aumente (ou que as isenções acabem ou que as brechas existentes sejam fechadas), preferirão consumir o seu capital em vez de deixá-lo para o fisco, afetando ainda mais o processo de acumulação de capital e os investimentos.[12]

Por fim, é interessante observar que, ao contrário do que se pensa, a cobrança do imposto de renda afeta muito mais cruelmente os mais pobres.

Ubiratan Iorio e Leandro Roque[13] raciocinam do seguinte modo sobre essa questão: se a alíquota do IR fosse aumentada para os trabalhadores de renda mais alta, estes reagiriam a isso negociando um aumento salarial. Mas como? Dado que eles possuem uma renda maior, supõe-se que sejam mais produtivos, já que não ganhariam bem no setor privado se não o fossem. Em outras palavras, o que eles produzem possui mais valor no mercado. Assim, por serem mais produtivos, gozam de maior poder de barganha junto a seus empregadores para pleitearem um aumento salarial. Se o aumento for concedido, isso significa que conseguiram, por assim dizer, repassar parte do imposto para os empregadores. Estes, por sua vez, terão de contratar menos trabalhadores de menor produtividade, ou os contratarão com salários bem menores, e buscarão elevar o máximo que puderem os preços dos produtos, repassando novamente, na medida do possível, o custo do aumento do imposto.

Consequentemente, concluem Iorio e Roque, “a classe média e os pobres acabarão pagando parte daquele aumento do imposto de renda que visava a atacar apenas os ricos, por causa dos maiores preços dos bens e serviços”.[14]

O imposto de renda, portanto, além de promover uma invasão da privacidade na vida do cidadão, ainda subtrai a quantidade total de riqueza existente na sociedade e estorva a formação de riqueza nova, em virtude do desincentivo à poupança, ao investimento e ao trabalho.

 

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Faça-se, contudo, para finalizarmos esta aula, uma observação sobre o mito do repasse de impostos. Costuma-se dizer que os impostos cobrados pelo governo sobre os empreendedores podem ser repassados para os clientes através do aumento do preço dos bens e serviços, mas uma análise mais detida demonstra que semelhante transferência não existe.

Segundo Rothbard, não faz sentido falar em repasse de custos ou impostos pelo aumento do preço, porque existe um, e apenas um, modo pelo qual os preços são formados: pelas demandas finais por estoque.[15]

Consideramos ordinariamente que quaisquer impostos sobre as vendas ou produção elevam o custo da produção e, portanto, são transferidos como um aumento no preço para o consumidor. Os preços, no entanto, nunca são determinados pelos custos de produção, mas o que acontece na verdade é o oposto. O preço de um bem é determinado pelo seu estoque total existente e a demanda determinada para o bem no mercado. No entanto, a demanda determinada não é de forma alguma afetada pelos impostos. O preço de venda é definido em qualquer empresa no ponto máximo de receita líquida, e qualquer preço elevado, devido à demanda determinada, simplesmente reduzirá a receita líquida. Um imposto, portanto, não poderá ser transferido ao consumidor.[16]

Se os preços fossem determinados pelos custos das atividades, então um diamante que fosse achado na floresta não valeria nada ou bem pouco, um buraco cavado no deserto valeria muito, e um original de Rembrandt teria o mesmo valor de uma cópia idêntica.

Suponha agora que dois vendedores de bala de coco do mesmo bairro incorram em custos bastante distintos para fabricar balas de qualidade bem semelhante. Suponha que um deles gaste 10 centavos por bala, enquanto o outro gasta 50. Sendo as balas praticamente idênticas, o valor atribuído a elas pelos consumidores seria também muito parecido, senão igual, e seu preço naquele bairro é de 60 centavos por unidade, a título de exemplo. Parecer-lhe-ia sensato pagar mais caro pela bala cuja fabricação demandou mais recursos, sendo as balas praticamente idênticas em qualidade? Ou você escolheria a bala mais barata, independentemente dos custos incorridos, sendo ambas indistinguíveis? Podemos concluir, então, que o preço de algo deriva do valor atribuído a ele, e não de seu custo de produção.

Além disso, como explica Rothbard, se um produtor pode aumentar seus preços sempre que um imposto lhe é impingido, por que ele não os aumenta antes? Ora, um empresário sempre coloca o maior preço possível em suas mercadorias, um preço tal que, se fosse maior ou menor, ele lucraria menos.[17] Se ele pudesse aumentar o preço a partir do momento que lhe fossem cobrados mais impostos, o que o impediria de aumentar o preço sem que nenhum novo imposto lhe fosse cobrado?

Então, como se dá o repasse? Sucede que, uma vez que o governo aumente os impostos, ele também aumenta os custos de produção. Havendo maior dificuldade em se produzirem novas riquezas, isso gera um aumento da escassez, isto é, uma diminuição da quantidade potencial de bens e serviços. Isso, por sua vez, diminui a oferta, o que, mantendo-se igual a demanda, gera um aumento nos preços. Por conseguinte, o aumento de preços que se segue de um aumento de impostos não deriva de um repasse de custos, e sim de um aumento da escassez.

 

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Notas

[1] Edvaldo Brito, Direito Tributário e Constituição: Estudos e Pareceres, 1. ed. São Paulo: Atlas. p. 757; Leandro Paulsen, Curso de direito tributário, 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 329.

[2] Marcus Abraham, Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense. p. 326.

[3] Cristóvão Barcelos da Nóbrega, História do Imposto de Renda no Brasil: Um Enfoque da Pessoa Física (1922-2013). Receita Federal, 2014. Disponível em: <https://www.ibet.com.br/wp-content/uploads/2016/05/Imp.-Renda.pdf>. p. 18.

[4] Leandro Roque, “Imposto de renda vs. imposto sobre o consumo – uma abordagem liberal clássica”. Disponível em: <https://mises.org.br/Article.aspx?id=667&ac=36308>.

[5] Idem.

[6] Idem.

[7] Idem.

[8] Rothbard, p. Poder e Mercado, p. 114.

[9] Idem, pp. 117-118.

[10] Idem, p. 118.

[11] Mises, “Como a tributação sobre a renda e o lucro afeta os empreendimentos e os investimentos produtivos”. Disponível em: <https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2411>.

[12] Idem.

[13] Ubiratan Iorio e Leandro Roque, “Quatro consequências inesperadas de se aumentar os impostos sobre os mais ricos”. Disponível em: <https://mises.org.br/article/2740/quatro-consequencias-inesperadas-de-se-aumentar-os-impostos-sobre-os-mais-ricos >.

[14] Idem.

[15] Rothbard, Poder e Mercado, pp. 110-114.

[16] Idem, pp. 110-111.

[17] Idem, p. 112.

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