Lembrei-me, há alguns minutos, que um belo dia, em uma aula na faculdade de Ciências Econômicas da UERJ, afirmei que as baleias estavam ameaçadas de extinção simplesmente porque não têm donos, ou seja, porque ninguém dispõe de direitos de propriedade sobre elas.
Imediatamente, um aluno — existem muitos alunos espertos — tentou fulminar-me com uma pergunta transcendental. Argumentou ele: “Mestre, por que então as baratas não estão ameaçadas de extinção, já que também ninguém é proprietário de baratas”?
Expliquei-lhe então, diante de toda a turma, recorrendo à doutrina da utilidade marginal, que qualquer bem ou serviço — e os animais não escapam a esta regra que decorre das leis naturais e da ação humana — sempre tem seu valor estabelecido por sua utilidade subjetiva, ou seja, por uma combinação entre utilidade e escassez.
Mais ainda: seu valor — ao contrário do que Adam Smith escreveu na Riqueza das Nações — não é definido pelos custos de produção mais um mark up (lucro), mas sim pela demanda, pelo desejo de seu consumo e que esta talvez fosse a implicação mais importante da teoria da utilidade marginal, antecipada por Hermann Heinrich Gossen (1810-1858), um economista prussiano que anteviu em cerca de duas décadas o que viria a ser descoberto pelo famoso e festejado trio Menger, Jevons e Walras em 1871.
A resposta à perspicaz indagação do aluno, então, pode ser formulada com outras perguntas: baratas possuem algum valor? Ou ratos, pulgas, moscas, mosquitos e assemelhados? E por que esses animais não têm valor? Por que as baleias, pandas e micos dourados, embora tenham valor, estão ameaçados de extinção, enquanto cães, papagaios e gatos, por exemplo — que também têm valor nos mercados — estão livres dessa terrível ameaça?
É evidente que a explicação para o aparente paradoxo está na questão dos direitos de propriedade, uma das garantias da liberdade ampla. O economista belga Gustave de Molinari (1819-1912) escreveu em seu hoje famoso livro Da produção de segurança, publicado em fevereiro de 1849, que:
Os homens que compõem [a cidade ou a sociedade] estão ocupados trabalhando e comercializando os frutos de seus trabalhos. Um instinto natural revela a esses homens que suas pessoas, a terra que ocupam e cultivam e os frutos de seus trabalhos são suas propriedades, e que ninguém, exceto eles mesmos, tem o direito de dispor delas ou tocá-las.
Muito embora De Molinari tenha escrito essa frase como um proêmio à sua brilhante defesa da privatização dos serviços de segurança em regime de competição, é evidente que ela vale para qualquer assunto em que os direitos de propriedade estejam em jogo.
É por essa razão — que decorre naturalmente da condição humana — que qualquer proprietário de um cão ou de um gato ou de um papagaio falante fará de tudo para impedir que terceiros causem danos, furtos ou maldades a esses animais, simplesmente porque eles são seus!
E como ninguém é proprietário de baleias, nem de micos de qualquer cor (salvo os mantidos em cativeiro), os homens não têm interesse em protegê-los, e daí segue que esses animais são “insumos” cobiçados pelas indústrias que extraem seus lucros proporcionados pelas pescas ou caças a esses animais; lucros — frisemos — que só existem porque também existe demanda pelos produtos derivados dessas pescas e caças.
Mas — voltando à pergunta do aluno —, por que isso não se aplica a baratas, pulgas, percevejos, moscas, mosquitos, ratos etc.? Não têm “donos”, é certo, mas então não deveriam também estar ameaçados de extinção? Por que usamos repelentes contra mosquitos? Por que nossa primeira reação, quando vemos uma antipática mosca rondando nosso saboroso prato de peixe, é a de tentar abatê-la? Por que, ao notarmos um rato em nossos quintais, chamamos uma empresa de desratização?
A resposta correta à indagação do aluno que questionou a tese dos direitos de propriedade é: não! Porque na realidade esses animais (as baratas) não constituem aquilo que os economistas chamam de bens (goods); não são goods, mas bads, ou seja, são incômodos, não possuem qualquer utilidade (e, quando a possuem, ela é negativa). Não proporcionam satisfação, mas sim desconforto e, em alguns casos, repugnância e até perigos. Ratos, moscas, mosquitos e baratas, por exemplo, podem provocar doenças. Ninguém “demanda” ratos, com exceção do caso especial dos que gostam de sentir hamsters passeando em seus ombros (e, também, dos que gostam dos sempre simpáticos Mickey e Jerry, para os quais, portanto, existe demanda por seus desenhos animados e, logo, valor).
Portanto, podemos afirmar que a resposta mais adequada ao aluno espertinho deve ser baseada em uma explicação da importância de existirem garantias aos direitos de propriedade, uma das condições, ao lado da economia de livre mercado, para o que Bastiat (1801-1950) denominou de harmonia social.
Por fim, cabe uma pergunta importante: o que fazer para evitar a extinção das baleias e congêneres? Minha resposta poderá parecer radical, absurda ou utópica, mas o fato é que a iniciativa privada sempre — sempre! — reage muito mais depressa do que o estado, em qualquer situação. Os oceanos e áreas terrestres em que vivem animais ameaçados de extinção (porque possuem utilidade para o homem) deveriam ser privatizados e estabelecer-se um regime de competição, exatamente como sugeriu De Molinari para a produção de segurança.
Observemos que, é nos oceanos, onde não existe a propriedade (exceto a das áreas territoriais das Marinhas, ou seja, monopólios coercitivos do estado), que acontece o problema da pesca excessiva, algo que não ocorre nos viveiros de peixes, onde podemos pagar para pescar. O mesmo ocorre com rios, lagos e florestas em que ou não há propriedade privada ou a propriedade é monopólio do estado. Como salientou Walter Block neste artigo:
Estamos lidando aqui com princípios econômicos básicos; eles se aplicam a todos e quaisquer recursos. Se [um indivíduo] é contra águas privadas, então por que ele não é contra as terras também? Não me façam falar novamente sobre a agricultura coletivizada da URSS.
Como libertário, sei que em um ambiente de liberdade de mercado e com direitos de propriedade estabelecidos, terra e água — bens de capital, para os austríacos — seriam necessariamente empregadas por seus donos para maximizar seus lucros, ou seja, para produzirem um valor maior para todos os membros da sociedade. E, como sugere Block no artigo mencionado,
Se assim não o fosse, isto é, se a terra ou a água não fossem utilizadas de modo a se obter delas o maior valor, essa omissão iria criar oportunidades de lucro para outros empreendedores. Estes iriam comprar as áreas em questão e alterá-las para um uso que criasse ainda mais riqueza.
As palavras-chaves, então, são: direitos de propriedade, desestatização, privatização, competição, ação humana e extinção de todos os monopólios do estado ou privados. Em uma só palavra: liberdade.