A natureza é uma imensidão perfeita e fonte inesgotável de recursos. Ela representa a “sociedade” de todos os seres vivos, matérias orgânicas e inorgânicas, enfim, de tudo quanto existe no Universo. Podemos mesmo dizer que a natureza é a “cooperação” de recursos materiais e imateriais. O leão precisa de alimentar-se de zebras para sobreviver. A zebra, de capim e folhas verdes. O capim e as árvores precisam da água da chuva para a sua sobrevivência. E a chuva é, por sua vez, produzida pela condensação do vapor da água ou das nuvens. Os seres aquáticos, atmosféricos e do subsolo têm todos à sua disposição os recursos de que necessitam para sobreviverem. A natureza é, em suma, uma interacção “racional” recíproca e harmónica de recursos. E dessa interacção “racional” da natureza, o homem desponta-se por ser único animal dotado de razão e único ser capaz de perceber o valor dessa interação. É a qualidade da racionalidade que confere ao homem a posição de domínio sobre todos os outros recursos naturais, daí ser ele o que mais se beneficia da natureza.
Desse modo, olhando para o conjunto de recursos à sua disposição, o petróleo é dos mais importantes meios de que o homem se serve para suprir directa e indirectamente as suas necessidades e melhorar o seu padrão de vida. Nos dias de hoje, os países têm empreendido estudos e investigações nos seus solos para a descoberta desse recurso natural tão caro e procurado por mercados de todo o mundo. Dependendo da reserva petrolífera que se possa descobrir em determinado solo, o petróleo pode tornar-se numa fonte abundante de recursos que ajudam sobremaneira várias gerações a aumentar o seu padrão de vida. É, por isso, de todo o interesse investigar o impacto económico, político e social da exploração desse recurso para se corrigir o seu aproveitamento inadequado, de modo que possa contribuir efectivamante para o melhoramento constante do padrão de vida dos homens ao longo de várias gerações.
12.1 – A EXPLORAÇÃO PETROLÍFERA E O IMPACTO SOBRE AS SUAS ECONOMIAS
Apesar de o petróleo ser um recurso muito transacionável no mercado internacional e, por conta disso, gerar para o seu possuidor enormes quantidades de dinheiro, historicamente, é muito difícil relacionar a exploração desse recurso com o desenvolvimento económico e social. Tirando o grupo de poucos países, onde se incluem a Noruega, Qatar e os Emirados Árabes Unidos, que têm sido citados como bem sucedidos em transformar a exploração petrolífera em recursos úteis que viabilizaram o desenvolvimento económico, a maior parte dos países que exploram o petróleo continua mergulhada na pobreza extrema e em constantes conflitos armados. Os efeitos da exploração petrolífera sobre as economias incluem um crescimento económico menor do que o esperado, o mono-mercado, a pobreza e a desigualdade acentuadas, impactos ambientais devastadores, corrupção desenfreada, inflação, endividamento, incidências de conflitos, guerras, etc. Segundo Terry L. Karl, quando comparados a países que dependem da exportação de commodities agrícolas, os países exportadores de petróleo e minérios sofrem com situações incomuns de grande pobreza, sistema de saúde deficiente, má nutrição generalizada, altas taxas de mortalidade infantil, baixa expectativa de vida e baixo desempenho escolar – descobertas surpreendentes considerando os fluxos de receitas em países ricos em recursos naturais.
E sobre Angola, vale lembrar, a situação não é diferente: a inflação, a corrupção, o endividamento e os conflitos armados têm sido pragas crónicas. A inflação tem-se mantido em dois dígitos nos últimos anos, situando-se actualmente na taxa de 27%. Dados do Ministério das Finanças, recolhidos a partir de 2010, indicam uma inflação crónica, atingindo o pico no ano de 2016, justamente o ano em que ocorreu a queda do preço do petróleo e consequentemente a diminuição das receitas públicas.
Fig. nº4/Fonte: Minfin
De realçar ainda que, em 2019, o mercado de bens e serviços passou a ser quase impossível de ser operarado pelos agentes económicos, sobretudo os retalhistas. Os preços subiam diariamente, de tal modo que um retalhista poderia comercializar um kg de açúcar a 500 kzs hoje, e, assim que fosse ao grossista para a reposição do estoque no dia seguinte, encontrar o quilo a ser comercializado a 700 kz, fazendo com que o seu dinheiro perdesse o poder de compra ao ponto de diminuir a sua riqueza. Todo o esforço tem sido empregado pelo estado para combater esse fenómeno. O Banco Central angolano e os órgãos de inspecção dos governos locais têm intensificado as suas acções, adoptando medidas de aumento ou diminuição das reservas mínimas obrigatórias dos bancos comerciais ou o controlo dos preços praticados por capitalistas “gananciosos” e “malvados”, mas sem que tais acções resultem nalguma melhoria significativa. Nessas tentativas fracassadas do estado angolano em controlar a inflação, os empresários e a especulação têm sido apontados como os únicos vilões da fita. Durante o mesmo período, pode ver-se o mesmo comportamento ascendente do endividamento, com o pico a registar-se em 2010. Como se pode ver, o crescimento da dívida foi notável até mesmo no período em que o preço médio do petróleo estava acima de 100 dólares por barril. Apesar de o gráfico abaixo retratar apenas a divida interna segundo o Ministério das Finanças, informações apontam que a divida acumulada esteve muito acima dos 60% do PIB.
Fig. nº5/Fonte: Minfin
Se olharmos para as receitas petrolíferas enquanto principal fonte de financiamento do Orçamento Geral do Estado, observamos uma relação directa com a produção da inflação. No ano em que a inflação atingiu o auge, isto é, a taxa de 30,87%, foi justamente o ano em que se registou o menor preço do petróleo durante a década em analise. Significa isso que nesse ano o Estado foi forçado a socorrer-se de uma política monetária expansionista para fazer face às suas despesas face a queda das receitas petrolíferas. Acresce-se ainda que a queda do preço do petróleo forçou o Estado para mais endividamento.
Fig. nº6/ Fonte: Minfin
Face a essa relação sinistra entre a exploração do petróleo e o rastro de miséria e maldição que a cada dia corroem o poder económico das famílias, é de todo premente analisar-se a causa desse relacionamento, de modo que se possa encontrar soluções que invertam as suas consequências actuais.
12.2 – EXPLICAÇÕES PARA A MALDIÇÃO DO PETRÓLEO E DE OUTROS RECURSOS NATURAIS
Diante do catastrófico desempenho das economias dos países exportadores de petróleo, não é exagerado considerar o petróleo como um recurso da maldição, fenómeno também conhecido como o paradoxo da abundância. É paradoxal ver economias sem recursos naturais, terem um desempenho económico e social acentuado comparativamente às economias petrolíferas. Recorrendo à economia, ela ensina-nos que, a par da poupança e investimentos, da quantidade e qualidade da população, da capacidade tecnológica, a quantidade de recursos naturais de que um país dispõe é também um factor determinante para o desenvolvimento económico. Dessa forma, variados estudiosos se têm dedicado na busca de explicações, procurando encontrar as causas e soluções. Se o petróleo gera enormes quantidades de dinheiro, por que não gera riqueza no lugar da pobreza? Sabendo-se que é um recurso fugaz, como aproveitá-lo de forma a criar uma economia sustentável? Em suma, como tornar o petróleo num recurso com significado de bênção?
Geralmente, as diversas abordagens sobre o assunto atribuem a maldição do petróleo a variadíssimas causas interligadas entre si, podendo ser sintetizadas em: a volatilidade dos preços do petróleo no mercado internacional, a doença holandesa, a falta de capacidade técnica dos países exportadores para explorarem o recurso em benefício próprio, deficiência das políticas públicas redistributivas, sistemas políticos, etc. Igualmente, algumas propostas têm sido apontadas e elas incluem: a criação de fundos soberanos e de estabilização económica que servem para atenuar o impacto da volatilidade dos preços, maiores investimentos na educação e saúde para melhorar a qualidade técnica dos recursos humanos disponíveis para o controlo da indústria, promoção de instituições políticas mais democráticas e transparentes e as políticas cambiais e fiscais mais ajustadas ao contexto.[1]
Olhando para as causas, pode-se realmente estabelecer alguma relação com o fenómeno da maldição do petróleo, mas sem, no entanto, se mostrarem suficientes para uma explicação geral e coerente que se requer. A volatilidade dos preços do petróleo no mercado internacional causa indiscutivelmente choques repentinos de diminuição de receitas, o que, em muitos casos, gera incertezas que afectam o crescimento económico e o planeamento a longo prazo. Em Angola, por exemplo, com a queda do preço do petróleo em 2015, temos vindo a observar uma política fiscal bastante volátil. Antes desse período, Angola contava com uma legislação tributária estável e bem mais favorável ao mercado. Depois da queda do preço do petróleo no mercado internacional, começou-se com a introdução de uma legislação fiscal de forma muito mais intensa e instável, tudo isso feito com a intenção de equilibrar as contas públicas. Mas o Qatar, apesar de ter tido os mesmos problemas enfrentados pelos outros países que também exportam o petróleo, é hoje um País que podemos considerar como bem-sucedido no aproveitamento das receitas petrolíferas.
As várias informações sobre a economia de Qatar apontam como principal factor de sucesso da sua economia a exploração petrolífera e do gás natural, coadjuvadas com a visão política do sheik Hamad Bin Khalifa Al-Thani. Até 1930, a economia de Qatar dependia da pesca e a extracção de pérolas. De 1925 a 1949 o País esteve sujeito a uma crise de fome que resultou em emigração de tribos e famílias desse território. No entanto, com a descoberta e o início da exploração do petróleo, essas crises foram sendo ultrapassadas, o que contraria as causas apontadas.[2]
Igualmente, têm sido insustentáveis as várias propostas de soluções que vêm sendo apresentadas. Milhões de dólares têm sido alocados nas áreas de educação e saúde, sem que isso tenha resultado na capacidade desses países controlar tecnicamente as indústrias petrolíferas. Têm sido ainda criados vários fundos e projectos sociais de apoio ao investimento e desenvolvimento económico, que, para além de muitas vezes se transformarem em centros de enriquecimento ilícito, têm-se mostrado também muito distantes do propósito ou das razões da sua criação.
Habituados ao positivismo metodológico, conjugado com a ânsia permanente de transformar a economia, escrava e servil do estado, economistas e estudiosos de várias áreas têm sido incapazes de oferecer explicações mais plausíveis e eficazes do fenómeno da maldição petrolífera, assim como encontrar soluções para torná-lo num recurso com significado de bênção. Vamos em seguida, à luz da teoria econômica praxeológica, apontar os fatores causais e rastrear as cadeias de causa e efeito do fenómeno maldição do petróleo para depois propormos soluções adequadas e incontestáveis.
De modo geral, as economias petrolíferas enfrentam essencialmente quatro vírus sociais endêmicos, a saber: a inflação, endividamento, corrupção e os conflitos armados. Na verdade, o fenómeno da inflação tem sido um enigma até mesmo entre economistas. Erradamente, a inflação tem sido definida por economistas do estado como sendo o aumento generalizado dos preços no mercado. Essa forma errada de se ver a inflação, tem gerado muita confusão, pois, atribui a causa e o ônus desse fenómeno ao mercado e aos empreendedores, o que oculta a verdadeira causa. De lembrar que o mercado livre pode em dado momento produzir flutuações de preços em alguns sectores, mas nunca a inflação. E quando as flutuações de preços ocorrem, significa que em algum momento houve deslocamento dos investimentos de um sector para outro, gerando subidas parciais ou sectoriais de preços no curto prazo. Portanto, é impossível explicar a subida generalidade dos preços de bens e serviços sem a intervenção de um agente extra mercado na economia.
Deve ser realçado de forma segura que a inflação é um fenómeno exclusivamente monetário, que só ocorre com o aumento da massa monetária em circulação de forma arbitrária. Diga-se que, no âmbito da teoria económica, o dinheiro é uma mercadoria que funciona como meio de troca e reserva de valor, que só aumenta com o processo produtivo. Sendo mercadoria, o dinheiro opera com as mesmas leis do mercado. Quanto maior for a quantidade de dinheiro oferecido, mantendo a sua demanda constante, menor é seu preço, o que implica na diminuição do seu poder de compra. Isto significa que, quando a oferta de dinheiro aumenta de forma artificial, mais quantidades de dinheiro serão necessárias para adquirir o mesmo bem, pois, agora há mais dinheiro do que a oferta de bens. A inflação é, apenas, a reacção do mercado face ao aumento arbitrário da massa monetária. Ou seja, a inflação é sobre aumentos na oferta de moeda e não sobre diminuição da produção. O foco nos aumentos de preços a fim de estabelecer a situação da inflação ignora os aumentos na oferta de moeda, o que causa uma má interpretação do estado da economia. Em suma, é o aumento artificial da moeda que corrói o seu poder de compra, aumentando os preços de bens e serviços de forma generalizada no mercado.[3]
Note-se que o aumento de preços não é a única consequência da inflação. Esta também redistribui a renda e a riqueza e é a principal causa das depressões económicas. Acontece que, quando o dinheiro falsificado entra no mercado, os primeiros a receberem o dinheiro impresso ou falsificado são beneficiados, pois, ao introduzirem esse dinheiro, eles encontram os bens a serem transacionados a um preço anterior à inflação a ser introduzida. Mas, à medida que o dinheiro falsificado entra em vários extractos da cadeia comercial, os efeitos da inflação causada por ela tendem a ser maiores. Desse modo, os primeiros a tomarem contacto com esse dinheiro tendem a ser mais beneficiados do que os consumidores ou público em geral. Portanto, gera-se um processo de enriquecimento dos falsificadores e o empobrecimento dos consumidores, implicando num efeito redistributivo da renda e riqueza.[4]
Igualmente, as depressões económicas, marcadas pela expansão e contracção, são, no geral, fenómenos monetários gerados pela inflação. Com a inflação crónica, as empresas tendem a investir em carteiras de investimentos com maior rentabilidade, o que pressupõe o direccionamento para carteiras de bens de produção em detrimento do sector de bens essenciais. Essa postura sujeita os países produtores de petróleo a uma dependência externa no fornecimento de bens de primeira necessidade, o que carrega consigo um processo amplo de aculturação.
Mas as consequências da inflação não se limitam aos aspectos económicos, ela também comporta a dimensão cultural, política e moral. Ela aumenta os preços, promove a política redistributiva, empobrecendo o público em geral; distorce o sistema económico, promove o roubo e a imoralidade, legitimando a expropriação de todos os proprietários legítimos de bens na sociedade. Assim visto, conclui-se então que as consequências da inflação são devastadoras socialmente.
Demonstrada a monstruosidade da inflação, resta-nos agora saber como se dá esse fenómeno na economia petrolífera. Respondendo à última questão, fica claro que o processo da falsificação do dinheiro só ocorre pela acção directa do estado, operado por meio dos bancos centrais e comerciais.
A relação entre a exploração petrolífera e a inflação é uma relação oculta, só vista por olhos mais atentos e que buscam tenazmente compreender os fenómenos económicos. De acordo com a lei que rege o Banco Nacional de Angola, todas as receitas petrolíferas em moeda estrangeira devem ser depositadas em instituições financeiras domiciliadas no País, que posteriormente poderão ser utilizadas para o pagamento de diversas despesas e encargos suportados pela Concessionária Nacional e as sociedades investidoras, nacionais e estrangeiras. Para pagamentos em moeda nacional, a Concessionária Nacional e as sociedades investidoras, nacionais e estrangeiras são obrigadas a vender a moeda estrangeira ao Banco Nacional de Angola para efeitos de conversão. Depois de convertidas em kwanzas, parte dessas receitas são então canalizadas para cobrir o Orçamento Geral do Estado, (OGE) e posteriormente para o financiamento de vários Fundos Públicos. Os Fundos Públicos, por sua vez, utilizam os recursos financeiros provenientes da exploração do petróleo na concessão de crédito a economia, gerando assim o processo inflacionário através da expansão creditícia. Ao serem alocadas para carteiras de financiamento à economia, as receitas petrolíferas aumentam as reservas fraccionárias das instituições financeiras, fazendo com que se dê início ao processo de produção da inflação. Assim, à medida em que esses recursos vão circulando de Banco em Banco, esses irão produzir a inflação de acordo com as taxas de reserva obrigatória estabelecidas pelo Banco Central. E uma vez que esses Fundos são regularmente financiados por meio das receitas petrolíferas, o processo inflacionário torna-se igualmente regular, o que eleva, com frequência, os índices da inflação.
Rothbard, a esse respeito, ensina-nos como o aumento da massa monetária produz o processo inflacionário. Na sua obra, Pelo fim do banco central, ele apresenta-nos o seguinte argumento:
…embora o dinheiro, como vimos, seja indispensável para o funcionamento de qualquer economia além do nível mais primitivo, e enquanto a existência de dinheiro confere enormes benefícios sociais, de forma alguma isso implica, como no caso de todos os outros bens, que, as outras coisas permanecendo iguais, quanto mais melhor. Quando a oferta de outros bens aumentar, teremos ou mais bens de consumo que podem ser usados, ou mais recursos de capital que podem ser usados na produção de uma maior oferta de bens de consumo. Mas que benefício directo pode advir de um aumento na oferta de dinheiro?… O dinheiro-mercadoria, funcionando como dinheiro, só pode ser usado em troca, para facilitar a transferência de bens e serviços, e para tornar cálculos económicos possíveis. Mas, uma vez que o dinheiro foi estabelecido no mercado, nenhum aumento em seu suprimento é necessário, e ele não desempenha nenhuma outra função social genuína. Como sabemos da teoria geral da economia, o resultado invariável de um aumento na oferta de um bem é a diminuição de seu preço. Para todos os produtos, excepto dinheiro, esse aumento é socialmente benéfico, pois, significa que a produção e os padrões de vida aumentaram em resposta à demanda do consumidor. Se aço, pão ou casas são mais abundantes e mais baratos do que antes, o padrão de vida de todos é beneficiado. Mas um aumento na oferta do dinheiro não pode aliviar a escassez natural do consumidor ou bens de capital; tudo o que isso faz é fazer o dólar ou o franco mais barato, ou seja, diminuir seu poder aquisitivo em relação a todos os outros bens e serviços. Uma vez que um bem foi estabelecido como dinheiro no mercado, então, ele exerce todo o seu poder como um mecanismo de câmbio ou um instrumento de cálculo. Logo, um aumento na quantidade de dólares que posso utilizar dilui a eficácia do poder de compra, de cada dólar. Portanto, a grande verdade da teoria monetária emerge: uma vez que uma mercadoria está suficiente ofertada para ser adoptada como um dinheiro, nenhum aumento adicional na oferta de dinheiro é necessário. Assim que o dinheiro é estabelecido, um aumento em sua oferta não confere benefício social. Isso significa que, uma vez que o ouro se tornou dinheiro, toda mineração e a produção de ouro foi um desperdício? Não, porque uma maior oferta de ouro permitiu um aumento no uso não monetário do ouro: joias mais abundantes e de baixo custo, ornamentos, obturações para dentes, etc. Mas, mais ouro como dinheiro não era necessário na economia. O dinheiro, então, é único entre bens e serviços, cujo aumento em sua oferta não é benéfico nem necessário; na verdade, tais aumentos apenas diluem o valor único do dinheiro: merecer ser um objecto de troca.
Portanto, com parte das receitas petrolíferas transformadas em inflação, cada aumento dessas receitas que entram para o orçamento do estado e que financiam a economia, implicam um multiplicador da inflação, com efeitos sociais cada vez mais corrosivos.
É a nacionalização ou monopolização estatal que torna parte das receitas petrolíferas e de outros recursos naturais como recursos inflacionados e, consequentemente, cada acréscimo dessas receitas representando uma economia com inflação crónica. Depois da inflação, e como dissemos acima, outras pragas seguem corroendo as economias petrolíferas.
De acordo com a narrativa comum, com a monopolização estatal de recursos naturais, os governos têm dois objectivos principais: distribuir ou criar riqueza. Como agente distribuidor, (sua função predilecta) os governos desses países passam agora a controlar avultadas somas de dinheiro. Com a mentalidade de curto prazo que caracteriza todos os políticos que comandam os governos, eles procuram tirar proveito de todas as formas possíveis durante a vigência de um mandato governamental. Então, como forma de se manterem no poder, os governos de economias dominadas pelo petróleo se esforçam em realizar mega projectos ilusórios, o que obriga o recurso a endividamentos, utilizando muitas vezes o próprio petróleo como garantia desses empréstimos. Desse modo, os países devedores passam a sofrer de interferências externas, forçando um alinhamento com os países credores, o que implica algum controlo ideológico. E esse alto endividamento público impede, inclusive, o financiamento do sector privado.
A corrupção é também outro fenómeno que se pode observar com o monopólio estatal do Petróleo. Quando os gestores públicos gerem avultadas somas de dinheiro provenientes de um sector muito difícil de auditar, como é o petrolífero, a corrupção passa a ser uma prática corrente. Aliás, todo o processo de distribuição envolve sempre algum grau de corrupção, pois quem distribui acaba por se beneficiar sempre de um pouco mais do que os restantes. E nesse caso, quanto mais recursos estatais houver para distribuir, mais corrupção existe e consequentemente as elites governamentais passam a ter fortes interesses pessoais na manutenção do poder, o que lhes faz adoptar a postura de reprimir críticos e adversários políticos potenciais, formando-se assim governos autoritários. A corrupção também impede o crescimento económico, pois a riqueza passa a concentrar-se nas mãos de políticos e seus grupos de interesse, ao invés dos empreendedores, enriquecendo dessa forma preguiçosos e ineptos.
Temos, ainda, as guerras ou conflitos armados e a sua relação com a exploração do petróleo. A monopolização estatal dos recursos naturais gera um sistema económico feudal, em que donos de terras são expulsos das suas propriedades originalmente apropriadas e em contrapartida essas terras são doadas a capitalistas estatistas, muitas vezes, estrangeiros que as exploram. Ocorre que nos modelos de governos democráticos, grupos étnicos que comandam o estado passam a ser mais beneficiados do que aqueles onde a exploração de recursos naturais é feita. E desse modo emerge o sentimento de exploração tribal ou étnica, o que de certa forma eleva os conflitos armados. Os movimentos separatistas das províncias da Lunda Norte, Lunda Sul e Cabinda, em Angola, são exemplos disso. Nas Lundas, apropriadores originais foram e continuam a ser expulsos das suas terras e, uma vez estas em posse do estado, são doadas aos seus grupos de interesse nacionais e estrangeiros, permitindo-lhes o controlo desses recursos em detrimento dos verdadeiros donos, agora na qualidade de servos ou vassalos. E o mesmo passa-se em Cabo Delgado, em Moçambique, no Congo Democrático, Nigéria e em muitos outros países que exploram os recursos naturais, o que faz com que os conflitos armados sejam uma constante. Com as guerras, promove-se genocídios e infraestruturas são destruídas, tornando esses países económica e politicamente atrasados.
Como vimos, a exploração do petróleo tem as suas consequências na produção da inflação, endividamento, corrupção e conflitos armados, que, se adicionados os efeitos dos sistemas tributários, produzem um verdadeiro rasto da maldição e miséria.
12.3- TORNANDO O PETRÓLEO UMA BÊNÇÃO
Feito o diagnóstico completo das causas da maldição petrolífera, resta-nos então responder a mais duas questões. Primeiro: porque é que a economia petrolífera produz inflação crónica, endividamento elevado, altos índices de corrupção e guerras constantes? A segunda: como tornar o petróleo uma bênção para os países que o exploram?
É preciso dizer que as causas da maldição da exploração do petróleo estão relacionadas com a problemática da atribuição dos títulos de propriedade. A atribuição natural ou ética dos títulos de propriedade para o caso da exploração do petróleo foi completamente ignorada, sendo que, no lugar da apropriação original, produção e troca, colocou-se à atribuição arbitrária dos títulos de propriedade que se manifestam, no caso concreto, através da nacionalização ou monopolização estatal dos direitos fundiários. Havendo a violação ética dos direitos de propriedade, segundo Rothbard, dois tipos de invalidação ética de títulos de terra ocorrem, sendo o “feudalismo”, no qual há contínua agressão dos detentores dos títulos da terra sobre os camponeses engajados na transformação do solo, e a dominação da terra, em que reivindicações arbitrárias de terras virgens são usadas para afastar os transformadores originais da terra.[5] Essa invalidação ética dos direitos fundiários forma a monopolização da terra por meio das nacionalizações, que permitem que o estado se torne proprietário de todas as terras de um país. Consumada a nacionalização, todos os recursos naturais de um país passam para a esfera do estado e, consequentemente, parte dessas receitas entram na economia como dinheiro inflacionário.
Outro aspecto a ser abordado é que com a monopolização estatal dos direitos fundiários, gera-se o feudalismo social, em que grupos de interesses nacionais e estrangeiros passam a ter a posse exclusiva da terra, fazendo com que os benefícios da exploração do petróleo sirvam apenas aos grupos de interesse, enquanto a esmagadora maioria da população fica na dependência da classe dominante nacional e principalmente estrangeira.
A alternativa para converter o petróleo em bênção passa claramente por duas vias: em primeiro lugar, privatizar toda a terra, ou seja, privatizar todos os recursos naturais por meio da concessão ética dos direitos fundiários ou de todos os recursos naturais, concretizadas através da apropriação original, troca e produção, ou, na dúvida, rastrear historicamente toda a cadeia de antigos proprietários de acordo com a teoria libertária. Privatizada a terra, todos os recursos naturais passam para a esfera privada, permitindo que o petróleo seja transaccionado no mercado por agentes económicos e se dê o processo da conversão desse recurso em dinheiro sólido, estancando-se assim qualquer processo inflacionário.
Em segundo lugar, devem ser abolidos os bancos centrais e o papel moeda, estabelecendo-se, no seu lugar, a moeda natural ou mercadoria-moeda, mundialmente conhecida como sistema do padrão ouro. Sem bancos centrais, acaba-se com todas as formas de impressão de dinheiro, o que concomitantemente estanca a inflação. Só uma sociedade baseada em direitos privados e num sistema monetário natural é capaz de acabar de vez com as pragas da inflação, endividamento, corrupção e guerras, permitindo desse modo a promoção do bem-estar e a justiça social. Países referenciados como bem-sucedidos na transformação do petróleo em bênção têm adoptado medidas mais ou menos condizentes com a privatização petrolífera, embora tais medidas acarretem muitos riscos. A Singapura, país mundialmente conhecido como bem cotado a nível dos indicadores de desenvolvimento económico e justiça social, é um bom exemplo disso.
Dados indicam que, mesmo após a sua independência em 1905, a Noruega continuou o “primo pobre” entre os países nórdicos, tendo a situação agravada ainda mais com a segunda Guerra Mundial, quando o território foi ocupado por forças da Alemanha nazista. O país começou a entrar na rota da prosperidade económica apenas nos anos de 1970, com o início da exploração petrolífera. Para alcançar o seu estatuto social actual, a Noruega contou com duas medidas essenciais: ritmo moderado na extracção de recursos petrolíferos para garantir que o petróleo e o gás produzidos fossem extraídos de forma conservadora, o que impediria que os custos para adaptação a uma nova indústria se tornassem altos demais ou que o sector fosse cooptado pelos interesses políticos, e uma outra medida ainda mais importante, consiste em “arrecadar e não gastar”, que visa uma perspectiva de longo prazo para a exploração dos recursos naturais, tendo como objectivo final uma preocupação com gerações futuras, o que, no fundo, confere ao petróleo desse país o estatuto de sector privatizado. No modelo norueguês, as receitas provenientes da exploração petrolífera são todas canalizadas para um fundo, chamado “Fundo de Pensões,” uma espécie de Fundo Soberano. Por sua vez, esse dinheiro é investido no exterior, na compra de acções e somente os dividendos são gastos para as despesas internas do estado, que devem corresponder a apenas 4% do dinheiro do fundo a cada ano. De lembrar que o fundo norueguês é o maior fundo do mundo.[6]
Segundo Arthur Corrêa de Souza, o Fundo Soberano norueguês possui dois principais objectivos: fortalecer a previdência social nas próximas décadas, para fazer frente ao envelhecimento da população e a redução da proporção entre pessoas activas e aposentadas e um segundo objectivo, que é o de preparar o país para o declínio na exploração e produção de petróleo e, mais tarde, para o fim das reservas de petróleo do Mar do Norte. Esse mesmo fundo foi criado no ano de 1990 e é administrado pelo Banco Central da Noruega, estando avaliado actualmente em mais de US $ 1,1 trilhão em activos. O sector do petróleo da Noruega é sujeito ao forte controlo quer das entidades governamentais como dos sectores independentes, para além de estar composto por empresas estatais que operam de acordo com as regras do mercado.
Com esses dados em nossa posse, é claramente fácil explicar o processo da transformação do petróleo norueguês em bênção. A razão é muito simples: quase todas as receitas desse recurso foram privatizadas, quer na forma de poupança ou entesouramento, quer na forma de investimentos. Os 4% retirados dos seus dividendos para reforçar o seu orçamento geram uma inflação menor, que é prontamente diluída pelo crescimento económico de cada ano. Ou seja, o retrocesso económico gerado pelos impostos e pela inflação não é suficiente para inverter o ritmo de crescimento desse país. Esse modelo de exploração petrolífera é também o que é seguido mais ou menos pelo Qatar e pelos Emirados Árabes Unidos. A principal diferença consiste em que, enquanto a Noruega poupa as suas receitas e investe no sector privado estrangeiro, os outros países citados acima gastam essa mesma receita em investimentos aplicados essencialmente em infraestruturas estatais que funcionam igualmente com regras de mercado e que servem para atrair o investimento estrangeiro e a estabilidade económica pós petróleo. O Qatar e os Emirados Árabes Unidos apostam na estratégia de transformação dos recursos no subsolo para infraestruturas no solo.
Assim, na classificação dos fundos soberanos proposta pelo FMI, nomeadamente: fundos soberanos de estabilização, de poupança, de investimentos, de desenvolvimento e de reservas, os países que melhor têm lidado com o fenómeno do paradoxo da abundância são aqueles que apostam na modalidade dos fundos de poupança, investimentos e reservas, pois essas modalidades conseguem diluir o efeito inflacionário com o pouco dinheiro que entra na economia interna por meio do estado, ao mesmo tempo que possuem poucos incentivos para a promoção da corrupção e do endividamento. Apostam nessa modalidade de categorias de fundos soberanos países como Botswana, Chile, Indonésia, Malásia, Austrália, Canadá e Noruega.
A esmagadora maioria dos países que exportam o petróleo e outros recursos naturais e que sofrem do paradoxo da abundância têm apostado nos fundos soberanos de estabilização e desenvolvimento, permitindo-lhes gastar quase todas as suas receitas petrolíferas em orçamentos públicos. Como vimos, os efeitos dessa postura é gerar inflação crónica, uma vez que parte do dinheiro proveniente do petróleo é canalizado para financiar a economia, gerando inflação por expansão de crédito, o que aumenta a massa monetária em circulação, com os efeitos sobre a corrupção, conflitos armados e endividamento elevado. Estão no grupo desses países Angola e a maioria dos países da OPEP, que, como sabemos, sofrem quase todos com a problemática da maldição dos recursos naturais.[7]
Embora os países que apostam nos fundos de poupança, investimentos e reservas estejam ambos baseados na privatização das receitas petrolíferas, há, no entanto, um perigo à espreita que faz deles pouco eficientes económica e socialmente. A princípio, toda monopolização estatal de recursos naturais implica sempre uma expropriação passada, portanto, a manutenção ou instituição de algum modelo social feudal. Por outro lado, todo investimento estatal sofre sempre com problema de cálculo económico, ou seja, os investimentos feitos pelo estado são e serão sempre diferentes daqueles que seriam caso fossem conduzidos na esfera individual. Desse modo, torna-se sempre difícil aferir a sustentabilidade económica desses investimentos. No caso do fundo de pensão norueguês, não há garantias de que as sucessivas gerações de políticos ou de cidadãos possam vir a ter a mesma consciência económica voltada para o longo prazo. Há sempre o perigo de gerações futuras virem a usar esses fundos de forma a gerarem inflação. Aliás, tem havido na Noruega, sucessivos pedidos para alterar, para mais, os actuais 4 % de receitas provenientes dos dividendos do fundo de pensões que financiam o orçamento do estado. Todo esse cenário mostra como os referidos modelos apresentam variados riscos que possam comprometer a particular transformação em bênção das Receitas petrolíferas.
Portanto, só mesmo com a privatização completa e na medida em que a sociedade esteja consciencializada e seja ensinada sobre a importância da observância dos direitos de propriedade privada poder-se-á transformar de forma sustentada e definitiva as receitas petrolíferas e dos recursos naturais em receitas abençoadas.
_______________________________
Notas
[1] Terry Lynn Karl, Reportando o Petróleo – Um Guia Jornalístico sobre Energia e Desenvolvimento, (Open Society Institute-2005)
[2] Rafael Gonzaga Mariano da Silva, Políticas Públicas e Gás Natural no Catar.
[3] Murray N. Rothbard, Pelo Fim do Banco Central, (Editora Konkin-Agosto de 2021)
[4] Ibid.
[5] Murray N. Rothbard, A Ética da Liberdade, (São Paulo: Instituto Rothbard, 2010)
[6] Arthur Corrêa de Souza, Exploração de Petróleo na Noruega: Um Estudo Sobre o Desenvolvimento do País Sob a Óptica do Petróleo por Meio do Regime de Contratos de Concessão, (Universidade do Sul de Santa Catarina, 2015).
[7] Mano, Gustavo, Royalties do Petróleo e seu Aproveitamento no Brasil: Subnacionalizar as Receitas e “Cidadanizar”, (Universidade Federal Fluminense- 2017).