É comum, nos dias de hoje, e sobretudo na época da quadra festiva, o apelo emotivo dos media, dos cidadãos e instituições estatais, ao combate e até mesmo à criminalização da especulação, tida como a causa principal do aumento dos preços no mercado. Até mesmo alguns economistas se juntam ao coro dessas reclamações, advogando estar em defesa de um presumível interesse social. Para esses leigos, o que causa a subida de preços dos bens e serviços é a especulação. Isso mostra bem a falta de conhecimento acerca das funções que a especulação exerce no mercado.
Segundo Ludwig von Mises, “qualquer acção humana é especulativa no sentido de que o futuro é incerto. Quando alguém sai de casa com um guarda-chuva, pois existem nuvens no céu, está especulando que poderá chover. Quando uma empresa acumula estoques em vez de reduzir o preço até atender toda a demanda existente, está especulando ao apostar que a demanda irá aumentar no futuro”. Na verdade, a especulação é a essência de qualquer actividade económica, pois, voltando a Ludwig von Mises, “sem especulação não pode haver nenhuma atividade económica”. A especulação ocorre quando existe algum excesso da oferta que, em consequência da baixa de preços, os especuladores prevêem os movimentos futuros do mercado, estocando produtos para uma venda futura. É assim que, no dizer de Rodrigo Constantino, “a actividade dos especuladores serve para transferir a oferta de um período no qual ela é menos urgente, quando os preços são menores, para um período no qual ela é mais necessária, como indicado por preços maiores”. Dito de outra forma, numa situação de desequilíbrio entre a oferta e a procura, a especulação tende a equilibrar os preços uma vez que desloca o excesso de oferta do período anterior para um período futuro de excesso de procura. A especulação torna-se assim numa questão de praxeologia, ou seja, da compreensão da lógica da acção humana. O especulador, na sua actividade, corre inúmeros riscos, pois, sendo uma actividade de previsão, nem sempre as coisas correm como o previsto. Temos ainda que dizer que a especulação não é uma actividade exclusiva para comerciantes e empresários, pois os consumidores também especulam ao adiarem muitas vezes o consumo de determinados bens e serviços para períodos futuros.
Assim, não é correcto criminalizar e culpar a especulação pelos aumentos de preços, pois, num mercado livre, o desequilíbrio entre a oferta e a procura é sempre de pouca dura. O que realmente causa o aumento repentino de preços é a intervenção do estado na economia que, por intermedio da limitação de preços e da produção obstrói o funcionamento normal do mercado, situando os preços acima ou abaixo do ponto de equilíbrio entre a oferta e a procura. A par dessa forma de intervenção, a maior causa do aumento dos preços está na inflação, causada pela impressão da moeda pelo estado de forma descontrolada. Todo esse problema do intervencionismo no mercado está fundamentado no facto de o estado procurar negar ou anular fatalmente a escassez. Olhando para nós (Angola), a acção da fiscalização de preços é totalmente contraproducente, afinal, protege os criminosos e combate os verdadeiros agentes económicos. Os criminosos são os empresários do estado ou os que fazem lobby político, aqueles que possuem o monopólio das licenças de importação e produção, que estabelecem os preços a bel-prazer, enquanto os especuladores, esses sim verdadeiros empresários, vivem do mercado, especulando através do estudo da acção humana e a cooperação social.
Nessa perspectiva, culpar os especuladores por uma alta nos preços é ignorar princípios básicos de economia, ou, como dito pelo economista Rodrigo Constantino, é condenar um termómetro por mostrar a febre do doente. De facto, a especulação é a essência da vida humana. Como toda acção humana é propositada, por lógica é ela toda especulativa. Assim, sem especulação, não há acção humana e, por conseguinte, não há vida humana. Mais uma vez, o estado ao procurar combater a especulação está a agir contra a própria natureza dos seres humanos.
Como bem observou Mises:
O empreendedor é, na realidade, um especulador, alguém que possui uma estimativa quanto às futuras condições do mercado e está ávido para realizar empreendimentos que, caso antecipem correctamente as futuras demandas dos consumidores, irão resultar em lucros…O que distingue o empreendedor bem-sucedido das outras pessoas é precisamente o facto de ele não se deixar levar pelo que foi ou pelo que é, mas de agir em função da sua opinião sobre o que será. Ele vê o passado e o presente como as outras pessoas; mas sua visão do futuro é diferente. Suas ações são dirigidas por uma estimativa do futuro que não é a mesma da maioria das pessoas.
Importa dizer que o processo produtivo não é linear, que, em determinadas ocasiões, por algum erro de cálculo dos empreendedores, estes falham nas suas previsões e não conseguem fornecer os bens em quantidades e preços requeridos pelo mercado em algum sector. Para além dessa situação ser apenas sectorial, é de curto prazo. A solução que os empreendedores encontram é a especulação temporal e espacial ou geográfica. Ou guardam a produção para venda futura (especulação temporal), ou a escoam para locais de maior procura (especulação geográfica). Pode ocorrer também que os empreendedores vendam a sua produção com prejuízos. Mas isso não é característica do mercado; as taxas de sucesso empreendedorial sempre superam as taxas de fracassos.
Logo, os especuladores são os heróis da nossa economia, que, mais do que persegui-los, deveriam ser acarinhados e protegidos.