CAPÍTULO 15- POBREZA: CAUSAS E IMPLICAÇÕES

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O problema da pobreza está intimamente ligado à interpretação que é feita sobre a propriedade enquanto instituição pilar da sociedade, isto é, enquanto instituição garante da harmonia e da prosperidade social. Como bem asseverou Hans-Hermann Hoppe, depois da acção, a propriedade é a instituição mais importante das ciências sociais. No entanto, apesar de ser um conceito ou instituição muito comum nas nossas vidas, (já que os contratos, trocas ou vendas envolvem sempre propriedade), poucas são as pessoas ou estudiosos que a entendem ou a estudam de forma pormenorizada e aprofundada. A evolução das ciências sociais pode ser resumida na compreensão da pertença da propriedade à ordem “natural” ou “convencional” das coisas, isto é, se ela é inerente à natureza humana ou uma criação, invenção ou engenharia social dos homens. Foi a partir do estudo da propriedade e da desigualdade que ela gera que o problema da pobreza começou a despertar interesse entre os homens.

É comum, nas abordagens genéricas, confundir-se a pobreza com a desigualdade. Desse modo, foi no ambiente da incompreensão da função social da propriedade e da confusão entre a desigualdade e a pobreza que evoluíram as ciências sociais.

Richard Pipes, na sua obra “Liberdade e Propriedade”, faz uma extraordinária narrativa sobre os primórdios da teorização da propriedade. Para ele, a abordagem histórica da propriedade evoluiu radicada numa crença bem difundida na existência de uma “Idade de Ouro”. Segundo essa crença por ele retratada e atribuída a um poeta grego, existiam quatro idades “metálicas” da humanidade, sendo a de Ouro, da Prata, do Bronze e do Ferro, e cada uma delas marca um certo declínio moral progressivo em relação à anterior. “A Idade de Ouro” representa uma fase da humanidade em que os homens viviam num Paraíso, os recursos eram abundantes, não havia propriedade privada, tudo era comum e as palavras “meu” e “seu” são desconhecidas…O mito da Idade do Ouro foi mantido durante a Idade Média e alimentou outros mitos que mais tarde viriam a impulsionar e inspirar as viagens do descobrimento… A Idade de Ouro alimentou ainda a crença de que existiam regiões nos confins do mundo, onde as pessoas continuavam a viver em tal estado de bem-aventurança. “Por causa do Pecado Original, a maior parte da humanidade estava excluída desses domínios, mas eram acessíveis a heróis e santos capazes de superar grandes perigos…Impressionado por esses mitos, Colombo empreendeu as suas viagens de descobrimento e quando encontrou os nativos do Caribe pela primeira vez, o que mais o chocou, assim como a seus companheiros, foi sua nudez, o que o fez lembrar-se logo de Adão e Eva antes da queda. Ele ficou ainda mais impressionado com o fato de que “não tinham malícia alguma” e “nunca negavam qualquer coisa que possuíssem, se esta lhes fosse pedida; pelo contrário, convidavam qualquer um a compartilhá-la…”

Igualmente, o geógrafo e explorador italiano, Américo Vespúcio, dominado pelo mesmo mito, retratou em suas viagens um quadro encantador dos indígenas americanos, que, para ele, não tinham

“capitães”, mas viviam em liberdade. Se iam para a guerra, era para vingar a morte de um parente, não para saquear ou dominar. Não conheciam nem religião nem lei, nem casamento. Não faziam comércio, e não davam valor algum ao ouro e pedras preciosas. Viviam num paraíso terrestre… O autor, Italiano Pedro Mártir d’Anguiera, um militar italiano que servia na Espanha, também fez a mesma descrição dos indígenas americanos: entre eles, a terra é um bem comum, assim como o sol e a água: E… Meu e Teu (as sementes de todo o mal) não têm lugar entre eles. Contentam-se com tão pouco, que num país tão grande têm muito mais abundância que escassez. De maneira que… parecem estar no mundo dourado, sem fadiga, vivendo em jardins abertos, que não são entrincheirados com fossos, nem divididos por cercas ou defendidos com muros. Lidam constantemente um com o outro, sem leis, sem livros e sem juízes.”[1]

Foi sobre esses mitos que se construiu e continua a construir-se a maior parte da literatura, na verdade utópica, que nos inculca a ideia de que a propriedade e a desigualdade (confundida com a pobreza), são instituições humanas não sancionadas pela natureza e que constituem a fonte de todo mal.

Anos mais tarde, isto em 1750, um dos mais influentes filósofos do século XVIII e principal influenciador da Revolução Francesa, Jean-Jacques Rousseau, apercebendo-se que a Academia de Dijon estava a oferecer um prémio para o melhor ensaio sobre a questão: “o progresso das artes e das ciências tem feito mais para corromper ou para purificar os costumes?”, decidiu participar do concurso, tendo produzido o seu ensaio “Discurso sobre as ciências e as artes”. A sua tese fundamental era que “a história da humanidade não passara da história de um calamitoso declínio, “o mesmo declínio que se observara nas “idades metálicas”. A humanidade era essencialmente boa por natureza, mas fora corrompida pela civilização e pela cultura, acrescentou Rousseau. Num outro concurso realizado pela mesma academia em 1753, oferecendo um prémio para o melhor ensaio sobre a questão: “qual é a origem da desigualdade entre os homens, e se está ela autorizada por Lei Natural?”, Rousseau voltou a participar, tendo produzido o seu “O Discurso sobre a origem da desigualdade.” Nessa obra, o ataque foi direccionado à propriedade como causa da desigualdade, em vez da civilização, da cultura e da aquisição de conhecimentos, como foi no primeiro ensaio.[2]

Como se pode ver, nessas e noutras obras subsequentes de Rousseau e de outros autores influentes, é bastante notável a narrativa utópica advinda do mito da “Idade de Ouro” e do “Bom Selvagem”, e quão esses mitos moldaram a nossa sociedade e a forma como pensamos. Embora houvesse também autores com uma abordagem mais pragmática, o facto é que as abordagens utópicas tiveram um peso mais significativo. Foi a partir dessa construção histórica da propriedade radicada na utopia que nasceu a problemática das abordagens sobre a pobreza e a desigualdade e todo um atabalhoado sistema de políticas públicas que visavam explicar e buscar soluções para esses fenómenos.

Por isso, para uma abordagem que se queira real ou objectiva, é nosso propósito nesse texto resgatar os conceitos da desigualdade e pobreza dessas elucubrações utópicas e trazê-los para o mundo real da economia. É a essa tarefa que nos propomos neste texto.

 

15.1- O Processo de Criação de Riqueza

 

A riqueza é uma criação inesperada e espontânea do instinto de sobrevivência dos homens. O instinto de sobrevivência dotado de razão faz com que a acção seja propositada. Sendo que não há homens iguais no tempo e no espaço, a procura de conforto, inerente à natureza humana, gera a divisão de trabalho. E porque o instinto impele o homem a sobreviver, resulta daí que cada homem tem de se engajar em alguma actividade económica. É no engajamento individual em actividades económicas que surge a divisão de trabalho. Uma vez estendida e estabelecida, a divisão do trabalho é um arranjo em que cada indivíduo se especializa em produzir um bem, para o qual se acha qualificado, e desta maneira ganhar seu sustento. Como bem explicado por George Reisman:

a divisão do trabalho — cujo desenvolvimento pleno só pode existir sob o sistema capitalista —, além de beneficiar a todos ao criar mais bens e serviços, também proporciona enormes ganhos ao multiplicar a quantidade de conhecimento que entra no processo produtivo. Apenas considere isso: cada ocupação distinta, cada subocupação — desde o neurocirurgião ao entregador de pizza —, possui seu próprio e único corpo de conhecimento (a soma de todo o conhecimento em uma dada especialidade). Em uma sociedade capitalista, baseada na divisão do trabalho, a quantidade de corpos de conhecimento distintos que participam do processo de produção é proporcional à quantidade de ocupações existentes. E a totalidade desse conhecimento opera em benefício de cada indivíduo consumidor, quando este adquire os produtos produzidos por outros. E o mesmo é válido para o indivíduo produtor, na medida em que sua produção é auxiliada pelo uso de máquinas e equipamentos (bens de capital) previamente produzido por outros.[3]

É com esse conhecimento disperso, inesperado e espontâneo que se cria uma infinidade de produtos para a satisfação de necessidades, e cuja produção não seria possível sem a divisão de trabalho.

Convém esclarecer que a divisão de trabalho não é apreendida ou entendida da mesma forma por todos os indivíduos ou por todas as sociedades. Existem homens mais engajados no processo produtivo, mais ambiciosos e habilidosos, e são esses que irão captar ou comprar o trabalho dos outros indivíduos, aumentando dessa forma a produtividade marginal do trabalho. É com esses membros mais ambiciosos e inteligentes que geram a produtividade que, cada vez mais, a poupança cresce, sendo canalizada para os investimentos, gerando mais e mais produção de bens e serviços. O progresso social propiciado pela divisão de trabalho não é um processo automático e uniforme. Depende, em certa medida, da quantidade e qualidade da população, do factor tecnológico e dos recursos à disposição da natureza. E, no que concerne à quantidade e qualidade demográficas, existem dois factores importantes a considerar para que a força de trabalho contribua para uma maior divisão de trabalho e para o progresso social. Temos a considerar o factor liberdade individual em primeiro lugar, seguido de um ambiente desenvolvido e favorável a institucionalização da divisão de trabalho.

Como sabemos, cada ser humano é único na terra e nasce sem aptidão para lidar com a natureza à sua volta. A unicidade e inaptidão ao nascer exigem do homem uma vivência em liberdade, fazendo as suas próprias escolhas e os seus próprios julgamentos. São as escolhas e julgamentos feitos de forma livre que tornam o homem pleno e, consequentemente, abrem caminho para uma maior variedade e diversidade inatas dos homens. Essa maior variedade e diversidade entre as pessoas será então um factor contributivo para uma maior especialização e extensão da divisão de trabalho, estabelecendo-se assim a relação causal entre liberdade e crescimento económico. Mas a liberdade por si só não é suficiente para impulsionar o processo da criação da riqueza; é preciso que ela ocorra num ambiente com instituições onde ela é respeitada, protegida e incentivada. A maior extensão da divisão de trabalho só ocorre e se multiplica num ambiente onde existe instituições que incentivam o livre mercado e protejam a propriedade privada. Portanto, é a liberdade e o livre mercado que impulsionam o crescimento económico e consequentemente o progresso da sociedade. Como diz Mises, o que é chamado de progresso económico é o efeito conjunto das actividades das três classes – dos poupadores, os cientistas-inventores e os empresários, operando numa economia de mercado, na medida em que não é sabotada pelos esforços da maioria. A esse respeito, e como comprovam os dados históricos, a Revolução Industrial e o derivado e consequente desenvolvimento económico do Ocidente, foram um produto de sua relativa liberdade de acção, que permitiu a invenção, inovação, mobilidade e avanço do trabalho.

Em suma, na medida em que seja bem compreendida a divisão de trabalho e haja uma preferência temporal baixa por parte dos indivíduos de um determinado território agindo livremente, não há como pôr termo ao processo do progresso social.

 

2 – O Fenómeno da Pobreza e a sua Relação com a Desigualdade

 

Como foi exposto acima, a criação da riqueza é um processo natural dos homens na busca da satisfação dos seus desejos. Sendo que riqueza é o conjunto de bens materiais e imateriais, disponíveis e acessíveis em determinado tempo e lugar, criados pelo homem para melhorar a sua qualidade de vida, não há como pôr termo ao processo de criação de riquezas, já que a acção humana tende a opor-se ao desconforto. Esse conjunto de bens materiais e imateriais têm de estar disponíveis e acessíveis à maioria da população para serem considerados de riquezas.

Acontece, porém, e como já dissemos, que os indivíduos possuem diferentes habilidades e talentos. Cada um de nós é único, nunca será copiado, nunca será reproduzido, parafraseando Cris Rossini.  Essa singularidade dos indivíduos tem influência em todos os aspectos da vida. Existem aqueles que são mais engajados no processo produtivo, enquanto uns priorizam mais o lazer. Não descuramos as influências quer endógenas quer exógenas no processo das preferências, mas é certo que os homens têm diferentes escalas de prioridades. Enquanto uns preferem passar o maior tempo de suas vidas produzindo, comercializando bens e serviços, ou filosofando, outros preferem dedicar-se em actividades de lazer, bebendo álcool, ir ao cinema, teatro, praticar desportos, etc. É a escala de prioridades ou de preferências de cada indivíduo agindo livremente que os torna desiguais. Não se pode esperar os mesmos resultados para dois indivíduos com preferências diferentes. Os mais engajados no processo produtivo tendem a acumular mais riquezas do que outros que possuem preferências diferentes. Portanto, a desigualdade é natural entre homens, pois é gerada pelos indivíduos agindo livremente. Ela é produto da liberdade. Dois indivíduos ricos podem ser desiguais, assim como podem ser dois homens pobres. Não existe nada de mal em os homens serem desiguais, afinal, fomos concebidos diferentes pela própria natureza. A desigualdade entre os homens é também um factor da divisão de trabalho, que em grande medida contribui para o progresso social. Como Rothbard reconheceu: “O desenvolvimento da variedade individual tende a ser, simultaneamente, causa e efeito do progresso da civilização… Além disto, há a variedade dos interesses e talentos individuais que permite o aumento da especialização e da divisão de trabalho, das quais dependem as economias civilizadas.”[4]

Da mesma forma, a sociedade, apesar de ser um todo, por factores geográficos e etno-linguísticos, é composta por vários núcleos ou centros delimitadores, que podemos chamar de Nações, Municípios, Províncias, Estados, Países, ou Ombalas, como são designadas as divisões administrativas em Angola. Como os indivíduos que compõem os vários núcleos sociais se diferem uns dos outros, essas mesmas diferenças são também notadas entre vários núcleos, ou seja, entre vários Municípios, Nações ou Estados. São as diferenças entre indivíduos e, também, as diferenças geográficas que explicam a diferença de progresso social, ou o nível de criação de riquezas entre países. Os indivíduos que compõem um determinado País, podem interpretar melhor a divisão de trabalho do que outros que vivem noutro País, que, ajudados ou não com recursos naturais, empreenderão acções que resultarão na diferenciação entre países ou Nações. Mas, ainda assim, contanto que nos países analisados haja condições de sobrevivência humana, não se pode dizer que haja entre eles um rico e outro pobre. São apenas países que, contendo indivíduos e condições geográficas diferentes, possuem condições matérias diferentes, talvez um mais que outro. É esse erro que se comete com maior frequência ao rotular-se a desigualdade como pobreza, quando deveríamos analisar numa perspectiva de riquezas em suas várias formas.

Galberto Filianes, um especialista em relações internacionais, conta que em trabalho com a ACORD, uma ONG que prestava serviços para a criação de resiliência no Município dos Gambos, mais propriamente no sector da Taka, foi-lhes atribuída a tarefa de elaborar um inquérito sobre as prioridades de necessidades daquelas populações. Conta que a equipa de trabalho ficou bastante chocada com as respostas que recebiam dos inquiridos. Enquanto os inquiridores esperavam, como prioridade de suas necessidades, escolas públicas, roupa, hospitais, bens alimentares, energia eléctrica, os inquiridos apenas respondiam que precisavam de medicamentos ou mangas de vacinação para o gado. Ele notou mais tarde que a pobreza que eles atribuíam àquele povo estava na verdade nas suas mentes, habituadas a viver em áreas urbanas.

Noutro episódio, conta que, depois do Município dos Gambos, foram enviados para trabalho num outro Município, no caso o de Chipindo, na localidade de Sangueve, que dista a uns quilómetros da sede, distância que impossibilitava o regresso dos populares da região no mesmo dia. Era ele e um cidadão americano trabalhando para a mesma ONG. O soba daquela localidade, sensibilizado com a situação deles, “à moda africana”, disse-lhes que não se preocupassem com o lugar onde passariam a noite, pois ele possuía uma casa muito grande onde poderia acomodá-los. Lá passaram a noite, e, de regresso, o seu colega americano contara que não vira casa grande nenhuma, pois se tratara de uma casa de três quartos. Como ele próprio conta,

na verdade, sobre o segundo episódio, foi tão engraçado para um cidadão nova-iorquino ouvir a palavra casa muito grande. Na sua vivência, ele habituou-se a arranha-céus e mansões majestosas e, certamente, ao ouvir a expressão casa grande, estava a imaginar como americano e eu, casa grande imaginava como angolano, portanto, tinha uma mínima ideia do que o soba estava a dizer.

Para dizer que, quando nos deparamos com uma situação, avaliamo-la segundo nós próprios: a nossa formação, a nossa cultura, o nosso género, os nossos mitos, estereótipos, etc. Nas aldeias dos Gambos, diz-se rico àquele que tem mais de 100 cabeças de gado; já nalgumas áreas do Bengo é rico aquele que tem mais de duas canoas de pesca e tantas palmeiras para extração de dendém e marufo. Em suma, são estes desvios ou barreiras que um investigador deve ter em conta para evitar distorções nas conclusões de um determinado estudo.

Há cerca de dois anos, um vídeo exibido no YouTube tornou-se viral. Os protagonistas do vídeo eram dois músicos angolanos, Dog Murras e MCK, fazendo uma radiografia do modo de vida dos Khoisans na (até então) província do Cuando Cubango. No vídeo, nota-se os músicos em choque total. Dog Murras, vendo uma idosa alimentando-se de “olonhandi”, uma fruta própria do tempo seco e muito comum no sul de Angola, exclamou pedindo intervenção do estado. “Em pleno século XXI ainda há pessoas a comer isso!” Vociferou Dog Murras. Ao longo do vídeo, ele narra uma situação de Quimbos abandonados e, confundido, atribuiu a causa à fome, mostrando sua ignorância e desconhecimento sobre o facto de que os Khoisans sendo povo nômada, migram constantemente consoante seja o tempo seco ou de chuva à procura de melhores condições de vida. De lembrar que se trata de duas figuras que, apesar de serem angolanas, possuem cultura distinta dos Khoisans e são profundamente desconhecedoras das realidades ou modos de vida de outros povos. Abaixo o Link do vídeo

https://youtu.be/k7z4WSLUJb0?si=53XgeE8ebXPEuchm

Esses episódios mostram que o debate sobre a pobreza está geralmente centrado na análise das condições de vida de uma determinada sociedade, usando padrões de outra sociedade. Tratando-se de indivíduos, a pobreza é atribuída analisando a condição de vida de uma pessoa, usando como critério o padrão de outra, que, geralmente, vive numa sociedade com valores, hábitos e cultura diferentes.

Não há dúvidas de que a Europa seja um território cujo povo conseguiu, como nenhum outro no mundo, o progresso social, com tudo o que isso significa, que, somada a colonização, tornou o mundo europeu o padrão da beleza, da cultura, da religião, do progresso, sendo outras coisas analisadas por boas ou más de acordo com o que se encaixa nos padrões da cultura europeia. Por regra, todas essas abordagens que colocam a pobreza como fenómeno da desigualdade, estão revestidas de algum grau de preconceito, baseado na existência de uma classe ou raça superiores em relação a outras. Diz-se que o padrão de vida de um cidadão considerado pobre hoje na sociedade europeia é superior a de um rico antes da revolução industrial. A quantidade de bens e serviços que um cidadão pobre desfruta hoje era inimaginável para um lorde ou nobre das sociedades mediáveis. Mas, ainda assim, eles viviam de acordo com o padrão de vida possível naquela altura.

A mesma comparação pode ser feita em relação aos vários países que compõem o nosso planeta. Se compararmos a cultura, os hábitos e costumes, o grau de acumulação de riquezas de uma sociedade africana em relação a europeia ou asiática, notamos diferenças substanciais entre elas. No entanto, as diferenças entre sociedades contemporâneas, ou entre indivíduos que viveram em períodos diferentes no mesmo espaço geográfico, não justifica a tese de que umas sejam melhores ou mais pobres em comparação com outras. Aliás, se assim fosse, penso que o próprio conceito de riqueza seria muito ambíguo. Os ricos de cada geração anterior seriam sempre tidos como pobres por cada geração posterior, assim como cada região ou País teria como pobres ou atrasados cidadãos de outras regiões ou países, com cultura diferente da deles. O facto de, em todos os momentos e em todos espaços geográficos, as pessoas quererem bens e serviços que não existem ou inacessíveis, não quer dizer que essas pessoas sejam pobres. Todas as sociedades tiveram ou serão sempre abraçadas por alguma necessidade. A pobreza é um fenómeno temporal e local. Temporal e local significa isto: que deve ser analisada tendo como referência o mesmo tempo e entre indivíduos que vivem na mesma localidade e simultaneamente possuam a mesma cultura.

Como bem enfatizado por Ludwig Von Mises,

… não se pode falar de civilizações superiores ou inferiores, nem considerar certas raças como mais atrasadas. Há civilizações, de várias raças, diferentes da civilização ocidental dos povos de origem caucasiana, mas elas não são inferiores. Cada raça tem uma mentalidade própria. Não se podem comparar civilizações usando padrões de comparação extraídos de uma delas. Os ocidentais consideram a civilização chinesa como estagnada e os habitantes da nova Guiné como bárbaros primitivos. Mas os chineses e os nativos da nova Guiné desprezam a nossa civilização tanto quanto desprezamos a deles. Tais opiniões são julgamentos de valor e, portanto, arbitrárias. As diversas raças têm estruturas lógicas diferentes. Cada civilização é adequada à mente da sua raça, assim como a nossa civilização é adequada à nossa mente. Somos incapazes de compreender que aquilo a que chamamos de atraso, para alguns, não é atraso. Visto pelo ângulo de sua lógica, é uma forma de se ajustar às condições da natureza, melhor do que a nossa, supostamente progressista.”[5]

Portanto, uma abordagem séria sobre a pobreza é necessária para entendermos quais as suas reais causas e como evitar que mais pessoas vivam ad aeternum envoltos a esse fenómeno.

 

15.3 – As Causas da Pobreza

 

Embora a riqueza seja, como dissemos acima, um produto espontâneo do instinto de sobrevivência do homem, portanto, uma condição que deveria ser natural entre homens ao longo de um certo percurso histórico, a realidade tem-se mostrado, porém, bem distinta desse desiderato. Para além das catástrofes naturais como secas, cheias, pestes, pandemias, terramotos ou tsunamis, que a dada altura podem condicionar, alterar e baixar o padrão de vida de determinados indivíduos, o facto é que existem milhares de pessoas em cada sociedade que, numa situação normal, se encontram a braços com a pobreza. Aliás, a condição natural dos homens tem sido de extrema escassez, sendo a produção material actual um fenómeno novo, surgido na Europa durante a revolução industrial. Chamamos pobreza a condição de um indivíduo ou família que, em determinado tempo e lugar, não tem acesso a bens materiais e imateriais disponíveis à maioria e que melhoram a sua qualidade de vida. Posto isso, a pergunta que não se cala é: por que então existe pobreza no mundo? Por que os bens disponíveis não são acessíveis à maioria?

Devido a deficiências na compreensão do fenómeno, geralmente as respostas entre filósofos, economistas, antropólogos e clérigos são muito variadas e dificultam de certa maneira um correcto diagnóstico das possíveis causas da pobreza e exaurir delas soluções. Nesse sentido, as causas atribuídas à pobreza variam desde externas, como a exploração por meio da escravidão, colonização e imperialismo; e internas, como a exploração de classes sociais, exploração étnica e comportamento imoral dos indivíduos. Como podemos ver, a pobreza é, geralmente, vista como um fenómeno que deve ser explicado não apenas por meio de doutrinas conspiratórias, mas também sob prisma ilusório, advindo muitas vezes do mito da “Idade de Ouro” o que torna essa abordagem não uma solução, mas sim parte do problema.

Na verdade, a problemática da pobreza está sempre de forma directa ligada à questão comportamental. Embora seja verdade que ela possa ser influenciada por factores externos, na prática ela se manifesta sempre por meio de acções e atitudes das pessoas de uma certa comunidade. De certa forma, a pobreza ou a riqueza é determinada pelo comportamento ou cultura específica e dominante de uma determinada sociedade. A esse respeito, Banfield, citado por Rothbard, demonstra inequivocamente em seu livro “The Unheavenly City”, a influência no padrão de vida daquilo que ele chama de cultura de “classe alta” ou “classe baixa”. Para ele, as definições de “classe” não estão estritamente relacionadas a níveis de renda ou status, mas sim situadas nas diferentes atitudes em relação ao presente e ao futuro. Como ele diz, “os membros das classes média e alta tendem a ser orientados em direcção ao futuro, ser resolutos, racionais e auto-disciplinados, ao passo que pessoas da classe baixa tendem a ser fortemente orientadas para o presente, inconstantes, hedonistas, sem propósitos definidos e, portanto, pouco dispostas a ir atrás de um emprego ou uma carreira com alguma consistência. Os detalhes de toda a descrição do comportamento voltado a médio e longo prazos de um lado e a curto prazo, de outro, são precisamente narrados no livro de Rothbard. Lê-se nesse livro que:

Pessoas com os primeiros valores (de pensamento voltado a longo prazo) citados, portanto, tendem a ter salários mais altos e melhores empregos, e pessoas de classe baixa tendem a ser pobres, desempregados e depender do bem-estar social. Por exemplo, revisões regulares feitas em automóveis para detectar defeitos não fazem parte do sistema geral de valores dos pobres nas áreas urbanas. Do mesmo modo, electrodomésticos frequentemente são gastos e jogados fora, e não consertados quando começam a apresentar os primeiros sinais de defeito. O pagamento parcelado é prontamente aceito sem que haja uma consciência da duração destes pagamentos. O corpo pode ser visto como apenas outra classe de objectos a serem gastos, porém jamais consertados. Desta forma, os dentes acabam não recebendo o cuidado odontológico; posteriormente, há pouco interesse em dentaduras, sejam elas fornecidas gratuitamente ou não. Dentes falsos também costumam ser usados com pouca frequência. Exames oftalmológicos, até mesmo para pessoas que usam óculos, são frequentemente negligenciados-independentemente das facilidades clínicas. É como se a classe média visse o corpo como uma máquina que tem de ser conservada e mantida em perfeitas condições de funcionamento, seja através de próteses, reabilitações, cirurgias cosméticas ou um tratamento constante, enquanto os pobres vêm o corpo como tendo um tempo de utilidade limitado: para ser usufruído durante a juventude e então, com a chegada da idade avançada e da decrepitude, algo que se deve suportar e sofrer estoicamente.  … as taxas de mortalidade entre a classe baixa são, e têm sido, por gerações, muito mais altas que as das pessoas da classe alta. Boa parte deste diferencial não é causado pela pobreza ou pela baixa renda, mas pelos valores ou pela cultura dos cidadãos da classe baixa. Assim, as causas de morte mais comuns e frequentes entre a classe baixa são o alcoolismo, o vício em narcóticos, homicídios e doenças venéreas. A mortalidade infantil também tem sido muito mais alta entre as classes mais baixas, chegando a ser de duas a três vezes mais elevada do que entre as classes mais altas. …sua dificuldade (a da classe baixa) não estava em encontrar empregos estáveis e rentáveis ou adquirir as habilidades necessárias para exercê-los, mas sim na falta de fibra moral para permanecer nestes empregos. Estas pessoas estavam predispostas a uma alta taxa de ausência no trabalho, abandonavam seus empregos sem aviso prévio, eram insubordinadas, e muitas vezes roubavam de seus empregadores.[6]

Posto isso, fica então demonstrado que a pobreza está intimamente ligada à responsabilidade interna das pessoas, com comportamento ou cultura de classe baixa ou voltada a curto prazo, e que a busca das causas da pobreza deve então ser encontrada nas razões que levam as pessoas a essas atitudes. Se a pobreza se manifesta por meio de um comportamento ou cultura, o que então leva ou induz a essa atitude? Serão as causas culturais as únicas que explicam a origem da pobreza?

Bem, ao analisarmos o fenómeno em causa, foi possível categorizar duas causas essenciais da pobreza. Assim as explicações sobre a pobreza podem ser encontradas nos factores culturais ou comportamento natural e nos factores externos ou no comportamento induzido. Quando analisamos o processo da divisão de trabalho, da acumulação de capital, do desejo de enriquecer ou não, realizações científicas ou racionais, capacidade inventiva e de criação, notamos que a atitude que as pessoas tomam perante esses aspectos é fortemente influenciada por factores culturais, aqui incluindo a religião, ideologias, crenças, mitos e ritos, etc.

À medida em que essas crenças são adoptadas por uma franja significativa da população de uma certa comunidade, espera-se, de facto, uma forte influência cultural sobre o processo de enriquecimento ou empobrecimento. Existem sociedades que, pela sua organização cultural, não se mostram muito favoráveis à chamada circulação de classes. É o caso de sociedades marcadas por uma forte hierarquia familiar, culto aos ancestrais e sobre ritos e mitos. O período feudal é descrito como sendo uma época em que não havia praticamente a circulação de classes. No contexto feudal, a condição social de um indivíduo ficava condicionada pelo status social da sua família e dos seus ancestrais. Assim, se alguém nascesse rico ou dentro da classe de nobres, essa condição o acompanharia para o resto da vida. Do mesmo modo, quem nascesse pobre ou camponês permaneceria nessa classe o resto da sua vida. Para sustentar e manter esse sistema, as pessoas recorriam ao morgadio e à primogenitura. A Primogenitura é a tradição comum de herança de toda a riqueza dos pais pelo primeiro filho, de forma a manter o status da linhagem familiar. Já o morgadio é uma forma de organização familiar que cria uma linhagem, bem como um código para designar os seus sucessores, estatutos e comportamentos. Geralmente, no regime de morgadio a herança era inalienável, indivisível e insusceptível de partilha por morte do seu titular, transmitindo-se nas mesmas condições ao descendente primogénito.

Como se pode ver, essa forma de organização social, para além de não permitir a circulação de classes, coloca os outros filhos não primogénitos na condição de pobreza. Eles são obrigados a reinventar-se ou a iniciar a vida do nada, já que são colocados fora da herança. Portanto, à medida em que essa crença é compartilhada pela maioria das pessoas de uma certa comunidade, percebe-se naturalmente o quão podem contribuir para o empobrecimento social.

Sociedades fundadas sobre variados mitos ou ainda sobre o forte sentimento de inveja também reprimem, de certa forma, o processo da acumulação do capital. Fortes crenças em certas divindades induzem as pessoas ao pensamento de predestinação, o que desencoraja a análise racional, o desejo de fazer invenções, melhorias tecnológicas, factores determinantes do crescimento económico. Casos de culturas que, quando alguém morre é enterrado com todos os seus bens, ou de famílias alargadas em que membros abastados são obrigados a sustentar toda a família, entram no rol de factores que vimos citando.

Outro factor cultural importante na análise do comportamento económico está ligado a questões religiosas. À medida em que elas são muito influentes ou praticadas pela maioria da população de certa comunidade, elas dizem-nos muito sobre o processo económico. O professor Hans-Hermann Hoppe, no seu livro “Economia, Sociedade e História”, traz uma fascinante descrição das principais religiões praticadas no mundo e como elas impactam a vida económica ali onde são praticadas. Ele traz à análise seis principais religiões: o hinduísmo, budismo, o Islã, confucionismo, Judaísmo e o cristianismo. E, assim, tendo em conta a influência que elas jogam no processo da divisão do trabalho, resumidamente, Hoppe faz a seguinte descrição:

O Hinduísmo 

É uma das religiões que é comparativamente ruim, quando se trata de acumulação de capital, inventividade e assim por diante. O hinduísmo é caracterizado por tabus explícitos contra o uso de certos recursos, – como, por exemplo, as vacas que não podem ser usadas e tabus de associação – em que certos grupos de pessoas não podem se associar a certos outros tipos de pessoas, formando-se assim uma sociedade de castas impedidas; tabus de promessa de reencarnação nas classes mais altas – o que leva as classes mais baixas a não se rebelarem contra o sistema de castas existente, porque rebelar-se contra o sistema impedirá o rebelde de reencarnar em uma casta superior em uma vida futura. O hinduísmo também permite o sacrifício humano, estimula orgias e a submissão – submissão de certos grupos a outros grupos. Todas essas práticas e tabus fazem do hinduísmo uma religião pouco favorável à inventividade e à ciência e, consequentemente, ao progresso económico.

O Budismo

Para o Budismo, a sabedoria suprema consiste no desapego da vida terrena e mundana, considerando a vida ascética como um meio de eliminar ou reduzir a dor que vem da vida normal. Portanto, ele defende uma vida de meditação ascética. O objectivo da religião budista é o Nirvana, sendo que a essência e o propósito da vida para o budista não é a realização individual nesta vida. Acredita-se que a vida que qualquer um está vivendo agora é apenas uma entre milhares de vidas. Portanto, há muito pouca ênfase na felicidade pessoal ou na realização individual. Ensina a aceitação de tudo o que acontece, menorizando assim a realização e o avanço individual. Mais uma vez, o budismo, pelas suas atitudes e crenças, não é uma religião que se possa considerar como sendo impulsionadora da divisão de trabalho.

O Islamismo

No Islã, a ciência e a razão não são reconhecidas como um presente de Deus. O Islã vê a vida na Terra como algo que não tem um propósito inerente ou interno, mas é principalmente uma preparação para a vida eterna que virá depois. O islamismo tem uma orientação familiar e estrutura hierárquica muito forte, que igualmente a torna numa religião que não seja benéfica do ponto de vista económico.

O Confucionismo

O Confucionismo tem uma atitude muito mais positiva em relação à ciência e à investigação e é muito mais adequado para o crescimento económico. É uma religião realista em sua perspectiva e é totalmente deste mundo. Ela não tem um conceito de divindade e não tem promessa de vida após a morte. Não existe crença em milagres para o confucionismo, o que a torna uma religião muito realista e racional.

O Judaísmo 

O Judaísmo exige igualmente uma subordinação rígida à sua família e à sua comunidade. Geralmente influenciados pela sua religião, os judeus vivem muito perto das suas sinagogas e não podem trabalhar durante certos períodos do dia. Nenhuma matemática foi ensinada, nenhuma ciência, nenhuma história, nenhuma geografia e as violações dessas proibições eram severamente punidas com açoites ou com a morte. Portanto, é fácil perceber a incompatibilidade dessa religião com o capitalismo.

O Cristianismo 

O Cristianismo é social e cooperativo e vê o progresso como resultado de um esforço cooperativo. Portanto, é a cooperação entre as pessoas que nos aproxima da verdade. Os mundos material e espiritual são vistos como uma unidade, o homem recebe domínio sobre o mundo e de toda criatura animal e não existe para os cristãos uma idade de ouro que ficou no passado. O progresso é possível e o futuro guarda promessas para os cristãos. O mundo e a verdade são conhecíveis, porque Deus se retirou e podemos descobrir as leis eternas. Com isso fica aqui demonstrado que o cristianismo é sancionado pelo modo de vida capitalista.[7]

Portanto, das seis religiões analisadas, apenas duas se mostraram favoráveis ao crescimento económico e a divisão de trabalho, enquanto as outras quatro funcionam como impeditivas as forças produtivas, o que, na medida em que elas sejam adoptadas pela maioria das pessoas de uma certa comunidade, contribuem para o empobrecimento social.

Mas, olhando para a estrutura organizacional das sociedades modernas, ela bastante heterogénea, conectada globalmente pela comunicação e transmissão de valores de forma universal, dificilmente os valores culturais possuem força suficiente e determinam grandemente os padrões económicos das sociedades. A cultura da produção para o mercado – com as devidas excepções – está crescendo em todas as sociedades, o que, de certa forma, coloca o mundo todo dentro do sistema de produção capitalista. Nessa senda, na condição natural, mesmo com a influência dos factores culturais, das catástrofes naturais ou de factores geográficos, era esperável que a acumulação do capital ou da riqueza fosse um processo contínuo ao longo da história. Contando que a divisão de trabalho estimula a produtividade e a extensão do mercado, gerando mais e mais a poupança e os investimentos, considerando ainda que não haja qualquer interferência extra-mercado duradoura e permanente, o curso da história seria de um progresso social permanente e ininterrupto. Como nos reforça Mises,

Não há razão para supor que esse processo (acumulação de capital) deveria chegar a um fim antes de alcançar o Jardim do Éden, onde toda a escassez desapareceu – a não ser que as pessoas deliberadamente escolham o contrário e comecem a valorar lazer adicional mais elevadamente do que qualquer acréscimo posterior em rendimentos reais. Tampouco há qualquer razão para supor que o processo de desenvolvimento capitalista seria qualquer coisa excepto regular e que a economia se ajustaria flexivelmente não só a toda mudança monetária, mas também a todas as mudanças na taxa social de preferência temporal. É claro, na medida em que o futuro é incerto, haverá erros empreendedoriais, prejuízos e falências. Mas não existe nenhuma razão sistemática pela qual isso deveria causar mais que perturbações temporárias, ou pela qual essas perturbações deveriam exceder uma “taxa natural” de fracassos em negócios, ou flutuar drasticamente em torno dela. As coisas ficam diferentes somente se uma instituição extra-mercado, como o governo, for introduzida.[8]

Portanto, só com o surgimento de uma entidade estranha ao funcionamento normal do mercado, uma instituição que subverta o processo de acumulação da riqueza e monopolize o dinheiro, a produção e o consumo, só assim se pode chegar ao processo da destruição gradual do progresso social, dando-lhe uma espiral descendente ou declínio civilizatório.

Entretanto, os factores culturais não são os únicos, tampouco são os mais determinantes para a explicação da origem da pobreza. Essa insuficiência leva-nos então a segunda categoria da causa da pobreza que está relacionada a factores externos ou no comportamento induzido. Essa categoria refere-se a causas induzidas ou externas ao comportamento humano, geralmente provocadas directamente por entidades ou instituições fora do mercado. No geral, a entidade extra-mercado com poder suficiente de influenciar e forçar a atitude dos membros de uma sociedade no processo produtivo e da acumulação do capital é o estado. As crenças, os mitos, ritos, hábitos e costumes e a religião no geral, são factores culturais geralmente absolvidos por meio da persuasão ou da experiência. Já as crenças ou ideologias do estado são valores impostos à sociedade, o que leva a um comportamento induzido.

Dessa forma, o comportamento induzido pelo governo inibe o processo produtivo de duas formas: por coerção social e desmoralização social. A coerção social manifesta-se por intermédio da tributação – incluindo a inflação e o endividamento – e pela regulação e intervencionismo impostos a todos os que são obrigados a pagar pelo bem-estar social, cujas consequências são a diminuição do incentivo de produzir, aumento da propensão de consumir, aumento dos preços e do desemprego, diminuição da extensão da divisão do trabalho, promovendo assim a escassez dos produtos no mercado.

A desmoralização social, por sua vez, ocorre por efeito directo sobre os clientes da caridade ou do estado de bem-estar social. A tese por detrás da assistência social ou o motivo pelo qual estes indivíduos ou famílias recebem essa assistência é o de combater a pobreza. Mas, qualquer que seja o critério pelo qual se queira definir o que é pobreza, é inegável que o número de pessoas ou famílias sob assistência social não acompanha o nível do progresso da própria economia e parece que cada País em qualquer contexto pode produzir os pobres que lhe aprouver para introduzir no sistema de assistência social. De acordo com Rothbard, em 1976, depois de quatro décadas do maior crescimento económico na história americana, num período em que América atingiu o status de ter o maior padrão de vida da história do mundo, com um nível relativamente baixo de desemprego, os gastos totais com o bem-estar social aumentaram em 5.614%, o que demonstra que a ânsia ou a vontade pelo assistencialismo ocorre fora do desejo dos próprios clientes desse sistema. Assim, dificilmente a dimensão da pobreza pode servir para explicar o crescimento da clientela do assistencialismo, já que o próprio sistema produz de forma coerciva os seus próprios clientes.

Desse modo, as consequências do assistencialismo vão desde a falta de disposição para o trabalho, a promoção da irresponsabilidade e imoralidade entre aqueles que o recebem, o que incentiva a procriação irresponsável, o desencorajamento  da autoajuda ao enfraquecer o incentivo financeiro para a reabilitação; a dependência ao auxílio público e à promoção dos conflitos sociais, já que há cada vez mais uma franja da população que vive como reivindicadores ociosos e compulsórios da produção do resto da sociedade, parafraseando Rothbard. De recordar que, nas relações sociais livres, a ajuda social era feita pela família e instituições sociais privadas criadas para o efeito, as quais serviam para ajudar as pessoas a se ajudarem, a conquistar e manter a sua independência e conseguir sobreviver por conta própria.

Assim, analisando as duas causas da pobreza, nota-se que os factores externos são determinantes na influência do padrão de vida. Uma determinada sociedade pode não ter uma divisão de trabalho bem expandida, mas, ainda assim, acumular algum grau de riqueza que se possa ajustar à sua estrutura social. No sul de Angola, as comunidades tradicionais têm estruturas próprias do funcionamento do mercado e do processo da acumulação do capital, isto é, a sua própria forma de geração de riquezas. Geralmente, o gado, como moeda local, é maximizado permanentemente a partir da criação de currais apêndices, não só para evitar que morram todos diante de uma peste, mas também para que os que zelam esses currais apêndices usem o gado na sua produção, permitindo uma maior produção de cereais, o que funciona como uma forma de distribuição e maximização da renda. Não obstante, quem cuida desses currais ainda recebe um pagamento, geralmente feito na forma de gado, ou seja, um dote pelo facto de ter cuidado bem da criação, o que, na língua Umbundo, se chama de “oluhongui.” Portanto, nessas comunidades, apesar das trocas não serem bem intensas, ocorre a acumulação do capital.

Igualmente, a não ser no estado primitivo, onde não se pratica agricultura, ou povos que sejam nómadas, em regra, não acontece que um grupo inteiro ou uma nação inteira opte em ser pobre voluntariamente. Uma ou outra pessoa pode optar por votos de pobreza, enquanto a maioria com certeza lutará para melhorar suas vidas. Afinal, devemos o progresso social a pouquíssimos homens ambiciosos e inteligentes, que com a sua sabedoria mudaram e continuam a mudar a vida de outros homens.

Com base no exposto, não restam dúvidas de que a causa da pobreza está essencialmente e sobretudo ligada ao agente extra-mercado, que distorce o funcionamento do mercado e da sociedade. A explicação para isso é simples. O estado, ao introduzir-se, com as suas políticas públicas de salários mínimos, permite o desemprego; com os seus bancos centrais monopolizando a moeda, imprimindo dinheiro e gerando moeda artificial e expansão creditícia, cria inflação e depressões económicas; com a sua política de restrição da produção e das importações, cria escassez de produtos e com o seu sistema político-democrático que, cada vez mais expropria e destrói a propriedade privada por meio de cada vez mais crescentes impostos, cria uma classe de ociosos que procuram a todo custo viver às custas daqueles que produzem, o que faz com que a longo prazo haja poucos incentivos para produzir, maximizando dessa forma o modo de vida parasitário ou político em detrimento dos produtores que usam meios económicos para viverem, assim colocando a sociedade de braços com a pobreza.

O recém-falecido economista norte-americano, Walter Williams, também chegou à mesma conclusão ao categorizar as causas da pobreza. Para ele, indivíduos, em particular, ou nações inteiras, em geral, são pobres por uma ou mais das seguintes razões: eles não podem ou não sabem produzir muitos bens ou serviços que sejam muito apreciados por outros; eles podem e sabem produzir bens ou serviços apreciados por outros, mas são impedidos de fazer isso; eles voluntariamente optam por ser pobres.[9]

E analisando as causas acima, notamos que o factor mais importante está ligado à segunda razão, já que uma determinada sociedade pode não ter uma divisão de trabalho bem expandida, mas, ainda assim, acumular algum grau de riqueza que se possa ajustar à sua estrutura social.

É exactamente isso que acontece em Angola se procurarmos por explicações da causa da pobreza generalizada que graça fortemente o nosso País. Em primeiro lugar, o nosso processo histórico não tem nada de bom quando o assunto é a acumulação de capital e extensão da divisão de trabalho. Fomos expostos a um processo longo de colonização que, para além dos efeitos do tráfico de escravos, nos sobrecarregou, a certa altura, com uma forte tributação sobre a produção. Conta a literatura oral que, a dada altura, as pessoas foram desincentivadas à maior produtividade, já que havia uma forte tributação colonial que incidia sobre cada celeiro de milho que cada família possuísse. Assim, se um camponês possuísse três tulhas, essas eram tributadas isoladamente, o que penalizava os que mais produziam. Em face desse ambiente tributário feroz, as pessoas foram forçadas a produzirem menos. Seguiu-se, depois da descolonização portuguesa, a Guerra Civil que, para além de enormes perdas de vida, destruiu por completo todo tecido social e produtivo. Não havia com a guerra qualquer interesse de produzir, poupar ou investir. Os bois que as pessoas possuíam e que eram utilizados, por lado, para o cultivo da terra e, por outro, como moeda, foram todos consumidos no esforço da guerra. As pessoas passaram a ter uma forte dependência ao assistencialismo por conta de terem abandonado as suas localidades e procurado fixar-se noutros territórios com maior segurança. A população da província do Cunene, por exemplo, tinha sido praticamente toda ela evacuada para a província da Huíla e aí passaram a viver por longos anos sob a dependência do assistencialismo do governo e de programas das ajudas internacionais como o PAM, UNICEF, ACORD e outros. Nessa altura, dá-se também a aculturação ao parasitismo e a ociosidade, pois todos os jovens eram compulsivamente alistados e integrados nas fileiras militares, o que moldou os jovens e todas as pessoas em idade produtiva a uma cultura de soldado e de funcionalismo público. Foi imposto um sistema de educação estatal voltado para alimentar a guerra e não a produção. A consequência foi um forte incentivo ao parasitismo e ociosidade que, combinados com factores culturais, propiciaram resultados catastróficos para o progresso social.

Actualmente, temos também alguns factores culturais que nada ajudam na ideia da criação de mais riquezas. Observamos ainda o mesmo sistema educativo voltado para as necessidades do estado e, por conta disso, toda a juventude que deveria ser a força motriz de uma economia está empregada no sector estatal que, como sabemos, vive do parasitismo. Ainda hoje, boa parte da juventude é canalizada para as forças de defesa e segurança do estado e lá aprendem mais sobre técnicas de guerra e não produzir para a sua sobrevivência como exige a natureza. Temos uma parte significativa da população nómada e outra que sobrevive de actividades económicas de subsistência que consistem na criação de gado e de actividades agrícolas sem tecnologia. Há ainda o aspecto do estabelecimento de castas sociais por meio do pensamento totêmico. As pessoas acreditam que o resultado do seu trabalho está sempre ligado e condicionado ao totem e assim dificilmente se sai dessa casta. Assim, o grupo totêmico dos vakwombela acredita que a sua sorte ou destino está ligado à chuva, portanto, ao cultivo da terra, e que, mesmo que se dedique a outras actividades econômicas, como, por exemplo, a criação de gado, não terá sucesso por conta do seu totem. O período 2018-2020 foi marcado por uma estiagem, muito mais marcante na parte sul de Angola. Diante desse facto as pessoas, sobretudo das zonas rurais, recorreriam aos sobas e realizavam cerimónias e rituais para interceder junto dos ancestrais pela chuva. Algumas pessoas eram acusadas de feitiçaria, porque acredita-se terem o poder de travar a chuva, o que submetia tais pessoas à agressão ou, quando muito, à morte.

Portanto, essa crença ao poder sobrenatural dos ancestrais é pouco favorável à ciência e à inovação. Há ainda o registo de muitas jovens que se engravidam e cuidam dos seus filhos sem a presença dos pais, o que, de certa forma, atenta contra a instituição da família. A cultura de roubo, inclusive entre trabalhadores, é muito forte. A inveja social aos ricos, que geralmente são sempre ligados ao feiticismo e estigmatizados, e a forte cultura de família alargada, são igualmente factores culturais inibidores do progresso social.

Temos também a registar os factores externos que muito contribuem para a generalização da pobreza. Temos um amplo programa de bem-estar social de ajuda directa aos pobres, tais como: o Kwenda, o mecanismo da segurança social, o programa da merenda escolar, que atrai um desperdício de biliões de Kwanzas. Esses programas, para além de incentivarem uma cultura de corrupção, dependência e preguiça, são também um bom ingrediente para o aumento da procriação irresponsável. Temos ainda a destacar a forte tributação que pesa sobre uma classe incipiente e quase inexistente de empreendedores. Não se esquecendo ainda da expropriação de terras que toma todos os recursos naturais para o estado, colocando os donos da terra ou apropriadores originais na situação de servos.

Em suma, são esses factores culturais e externos que justificam o nosso padrão social degradante.

 

15.4 – A Erradicação da Pobreza

 

Mas, então, o que se pode fazer para incentivar a inovação, a criatividade, a poupança e assim ajudar os pobres por meio da melhoria contínua do seu padrão de vida?

Bem, até mesmo nos círculos intelectuais ortodoxos, a solução económica que tem sido apontada para estimular o processo da acumulação de capital e a divisão de trabalho e assim reduzir a pobreza é a de que o governo se abstenha de qualquer acto que interfira no funcionamento da economia e, por causa disso, diminua ou mesmo extinga as suas despesas. E, a propósito, têm sido apontadas algumas medidas, como, por exemplo: abolir ou pelo menos reduzir drasticamente o nível de todos os impostos, taxações que enfraquecem as energias produtivas, as poupanças, os investimentos e o avanço tecnológico; reduzir ou extinguir as burocracias e os vários monopólios que obstruem o funcionamento do mercado e, por fim, os vários mecanismos de intervenção governamental no mercado, tais como: os mecanismos de salários mínimos obrigatórios, controlo ou fixação de preços, sistema monetário estatal, expropriações de terras de forma utilitária, etc. De uma forma geral têm sido apontadas soluções de autocontenção do próprio estado.

De facto, podemos reconhecer que tais medidas são bastante práticas a curto prazo, ou seja, visam resolver problemas económicos pontuais, mas que não atacam a raiz do problema. O foco na autocontenção do próprio estado para fomentar o progresso social, para além de não repelir o desejo ou as motivações que levam ao empobrecimento, cria um ciclo vicioso de progresso e retrocesso, mantendo ou perpetuando as causas que nos levam à pobreza.

A história humana está cheia de exemplos de avanços e retrocessos que perpetuam o sistema de exploração social. Durante a Revolução Americana, influenciada pelos movimentos liberais-libertários dos séculos XVII e XVIII, os americanos conseguiram impor sobre os seus novos governos vários limites e restrições. Mais especificamente, a Igreja e o Estado foram separados em todos os novos estados, os vários privilégios feudais tinham sido abolidos, o novo governo federal não tinha permissão para cobrar impostos, e qualquer ampliação fundamental em seus poderes precisava de ser consentida de maneira unânime por todos os novos governos estaduais. No entanto, junto com esse movimento liberal, houve sempre alguma resistência institucional nos Estados Unidos. Surgiram, desde o início, forças poderosas da elite que desejava conservar o sistema de altos impostos, controlos e privilégios monopolísticos concedidos pelo governo, que, em 1970, formava o Partido Federalista e a administração federalista, tendo resultado num aumento das despesas públicas e consequentemente da tributação.

Durante o século XIX, a história mais uma vez se repetiu. Os movimentos jeffersoniano e jacksoniano, os partidos Democrata-Republicano e, posteriormente, Democrata, lutavam abertamente pela virtual eliminação do governo da vida americana, isto é, lutavam por um governo que não tivesse um exército e uma marinha permanentes; um governo sem dívidas, sem impostos federais sobre consumo e vendas e virtualmente sem tarifas de importação, um governo que não se envolva em obras públicas ou melhorias internas; um governo que não controle ou regulamente; um governo que deixe a moeda e o sistema bancário livres, sólidos e sem inflação. De facto, durante a presidência de Andrew Jackson, que governou por seus oito anos, foi possível destruir-se o banco central e eliminar a dívida pública. Van Buren, por quatro anos da sua presidência, separou o governo central do sistema bancário. Mas, uma vez mais, em 1840, Van Buren foi derrotado, o que permitiu uma vez mais o surgimento de programas estatizantes e concomitantemente o aumento das despesas públicas.[10]

Portanto, a crença na autocontenção do estado ou na diminuição do poder estatal tem sido um fermento para a manutenção das barreiras do progresso, justamente porque não ataca a raiz do problema. Dissemos que o estado de bem-estar social não foi criado para melhorar o padrão de vida dos pobres, mas que as suas motivações eram externas. Vimos ainda que as principais motivações do estado de bem-estar social, enquanto factor impeditivo da acumulação de capital, é a inveja gerada pela riqueza de outros indivíduos da mesma comunidade ou a riqueza de outros indivíduos de comunidades vizinhas. Como nos lembra Hoppe, “…somente na medida em que temos uma sociedade rica diante de nós é que surge a tentação de algumas pessoas aproveitarem a riqueza que a sociedade acumulou para instituir um sistema onde possam se beneficiar. Neste sentido, quando se opta pela solução da diminuição ou abolição das despesas públicas, não se abole ou se extingue o sentimento de inveja que leva ao estado de bem-estar social. Alias, a redução das despesas públicas pode revelar um esforço na sistematização e perpetuação do modo de vida parasitário movido pela inveja, já que, quanto maior e próspero for o hospedeiro, melhor é a posição do parasita.

Por outro lado, e como é sabido, o que leva as pessoas a tolerarem o estado de bem-estar social é a imperceptibilidade das suas acções e motivações e também das suas consequências. Essa imperceptibilidade do estado de bem-estar social é mantida e perpetuada graças ao trabalho dos intelectuais que elaboram textos e discursos que endossam esse sistema. O estado enquanto parasita deve ter uma postura igual a outros parasitas como piolhos, carraças e bitacaias. O facto de o estado moderno ser tolerado enquanto parasita está intrinsecamente ligado à sua forma parasitária. Essa forma tem pouco a ver com a grau da sua exploração, mas sim da imperceptibilidade da sua exploração. Nos primeiros dias em que uma bitacaia se hospeda num corpo humano, praticamente torna-se imperceptível para o hospedeiro. Ele até provoca coceira aprazível.  Tão logo cresce e a sua exploração se torna maior, o incómodo torna-se rapidamente visível para o hospedeiro, o qual procurará desfazer-se dele, porque percebe o mal que lhe faz. Aqueles animais que se alimentam do corpo humano, cuja acção causa dor, esses são rapidamente repelidos ou até mortos. A vida humana é incompatível com a dor.

Portanto, o estado moderno enquanto perturbador do processo da acumulação de capital deve a sua vida ao aumento ou diminuição das despesas públicas, isto é, na imperceptibilidade das suas motivações, acções e consequências, atitudes movidas e mantidas pela inveja e pelo processo da sua sistematização. Significa isso que atacar a raiz das causas da pobreza consiste em reprimir fortemente o sentimento da inveja, advertindo a sociedade sobre as suas consequências.

Dois instrumentos são, desde logo, essenciais para melhorar o padrão de vida dos pobres através da extensão da divisão de trabalho e do processo de acumulação de capital e assim extinguir-se definitivamente o estado de bem-estar social e repelir os factores culturais inibidores do progresso social. Esses instrumentos são a liberdade e a justiça.

Quanto à liberdade, para além de ser critério definidor da felicidade humana, ela é um instrumento da extensão da divisão de trabalho ao melhorar os processos culturais. Com a liberdade, as pessoas aprendem umas com as outras, trocam experiências, cooperam entre si, estimulando-se assim a criatividade, a inovação, a ciência e assim se estendendo a divisão de trabalho. O fundamento económico da liberdade reside no facto de que um ambiente livre permite ao homem o desenvolvimento da sua habilidade e da sua personalidade, armas cruciais para incentivar o génio e a criatividade humana. Só o homem livre é capaz de mais produtividade, ao mesmo tempo que possui mais incentivos para criar novos produtos e serviços que satisfaçam as suas necessidades e de seus semelhantes.

E sobre os fundamentos económicos da liberdade, nada melhor que a experiência para confirmar a teoria. Se analisarmos os países mais desenvolvidos utilizando indicadores de vários organismos internacionais que elaboram índices de desenvolvimento humano e olharmos para a realidade de países como Canadá, EUA, Chile, Reino Unido, Holanda, Bélgica, Alemanha, Suíça, França, Áustria, Japão, Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul, Taiwan, Austrália, Nova Zelândia, só para citar esses, todos eles têm em comum o respeito à propriedade privada e aos direitos a ela relacionados. Há nesses países a aplicação dos princípios de livre mercado baseados no direito de adquirir, possuir e desfazer-se da propriedade da maneira que aprouver ao indivíduo, contanto que ele não viole os direitos de terceiros. Como consequência, as pessoas tornaram-se poupadoras, o que permitiu uma grande produção de bens de capital, os quais, por sua vez, possibilitaram um forte progresso científico e tecnológico.

Em contraponto a isso, em países pobres como Burundi, Uganda, Zimbábue, Sudão, Somália, Etiópia, incluindo Angola, existem violações constantes dos direitos humanos e consequentemente a aplicação da propriedade colectiva, gerando uma sociedade sem estímulos para produzir, dado que os desejos individuais não são reconhecidos e recompensados. Tudo isso reforça a nossa posição de que a pobreza só pode ser erradicada com homens produzindo e trocando livremente as suas propriedades.

Naturalmente esse processo da extensão da divisão de trabalho e acumulação de capital pode ser perturbado por pessoas antissociais que sempre existirão em todos tempos e lugar. Para isso, a sociedade só existirá e prosperará na medida em que, por um lado, for capaz de perceber a necessidade da cooperação e, por outro, for eficaz em reprimir as atitudes perturbadoras da cooperação humana. Neste sentido, a justiça é importante para preservar o capital acumulado, para proteger a propriedade privada, a liberdade é assim estender-se ainda mais a divisão de trabalho. As principais armas para remover a pobreza são, portanto, a liberdade e a justiça. É preciso promover e persuadir todas as pessoas sobre o ideal da liberdade e da justiça. O ideal da justiça e da liberdade deve ser a religião de todos os seres humanos e é preciso formar apóstolos para evangelizarem acerca desses ideais se quisermos ter um mundo próspero e pacífico. Quando as pessoas interiorizarem as instituições da liberdade e da justiça, então, estará declarada uma guerra séria contra o estado de bem-estar social e contra todos os defensores antissociais movidos ou não pela inveja. Portanto, uma guerra que desperta o hospedeiro sobre a importância de se precaver ou desfazer-se dos efeitos maliciosos de qualquer coceira, arranhão ou um parasita e também sobre a sensibilização e persuasão dos invejosos e antissociais que prefiram viver a vida parasitando. E, de facto, como nos ensina Mises, pela sua própria natureza, o homem compreende que, para não comprometer o funcionamento da cooperação social, do progresso e da paz, ele é forçado a abster-se de atender àqueles desejos, cuja satisfação pudesse perturbar o estabelecimento de instituições sociais. O homem sabe que tal renúncia é penosa, mas sabe igualmente que é uma escolha necessária.

Quero chamar atenção para o facto de que, assim como é com o desemprego, a pobreza também é um fenómeno voluntário numa economia livre. Existirão sempre pessoas que, assim como os criminosos que não conseguem interpretar e acatar as regras de uma sociedade, elas também ignorarão as exigências da divisão de trabalho, fazendo votos com a pobreza. Nessa perspectiva, existe a pobreza natural, isto é, voluntária, e a convencional ou artificial, aquela que é criada pelos homens por meio de suas acções ou intervenções nas leis da economia. Assim, contando com o carácter da acção humana, a pobreza natural é excepção à regra e por isso um fenómeno diminuto e impossível de erradicar. Quando falamos em erradicar o fenómeno da pobreza, estamos a referir-nos àquela pobreza criada pelo estado através das suas políticas de bem-estar social.

Posto isso, para erradicar a pobreza, basta que o estado desapareça na vida das pessoas e se comece uma governação privada feita pelas pessoas, controlando as suas próprias associações privadas e voluntárias. Direitos de propriedade privada e a livre troca entre produtores e consumidores de bens e serviços são os únicos instrumentos de que a ciência econômica dispõe e que fundamentam a erradicação da pobreza. Para tal, é preciso que haja liberdade e justiça entre os homens.

 

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Notas

[1] Richard Pipes, Propriedade e Liberdade, (Distribuidora Record de Serviços de Imprensa S.A. rua argentina 171— Rio de Janeiro-1999), P 7-28.

[2] Paul Strathern, Rousseau em 90 minutos, Editor Zahar P 11-15.

[3] George Reisman, “Comprovando a natureza benevolente do capitalismo”.

[4] Murray N. Rothbard, Educação: Livre e Obrigatória, (Instituto Rothbard, São Paulo, 2013), P 18.

[5] Ludwig von Mises, Ação Humana – Um Tratado de Economia, Instituto Rothbard, São Paulo, 2010.

[6] Murray N. Rothbard, Por uma nova liberdade – O Manifesto Libertário, (Instituto Rothbard, São Paulo, 2013), P 118.

[7] Hans-Hermann Hoppe, Economia, Sociedade & História,(Instituto Rothbard, São Paulo, 2021), P 95.

[8] Sobre isso veja também o artigo de Ludwig Von Mises, “A refutação misesiana de Keynes”, Instituto Rothbard, 2020.

[9] Walter Williams, artigo, “A pobreza é fácil de ser explicada”, Instituto Rothbard, 2012.

[10] Murray N. Rothbard, Por uma nova liberdade – O Manifesto Libertário, (Instituto Rothbard, São Paulo, 2013), p.21.

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