Como é sabido, no universo, existem milhões de tipos de coisas, cada uma das quais tendo um conjunto de características ou atributos específicos que formam a sua teoria própria da natureza. Uma cabra, uma pedra, uma molécula, um homem, uma cenoura: tudo isso faz parte da infinita lista de coisas que formam o universo e que possuem propriedades específicas, descobríveis por meio do estudo feito pelo homem. Assim, cada coisa, tendo em conta a sua natureza, possui uma condição própria para se desenvolver e prosperar. E nesse diapasão, tendo em conta a sua natureza, para o seu melhor desenvolvimento e sustento, a cenoura precisa de melhores condições tais como: solo, água, luz solar, clima, etc. e deve evitar tanto quanto possível certas condições como pragas, enchentes ou secas para sobreviver e se desenvolver. O conjunto de condições que permitem o sustento e desenvolvimento da cenoura constitui a sua ética.
Assim como a cenoura, o homem também tem sua própria ética, isto é, condições naturais que lhe permitem construir a sua civilização e a sua prosperidade. Na frase da Rothbard, “Os seres humanos são únicos no universo porque eles podem e estudam a si mesmos, bem como o mundo que os cerca, e tentam descobrir quais objectivos devem ser alcançados e quais meios eles devem empregar para alcançá-los…O homem, portanto, ao buscar objectivos e caminhos para obtê-los, precisa de descobrir e trabalhar dentro da estrutura da lei natural: as propriedades de si mesmo e dos outros entes e os caminhos pelos quais eles podem interagir.” Significa isso dizer que o “bem” é tudo o que conduz para vida e o desenvolvimento do ser vivo enquanto o “mal” simboliza tudo o que prejudica a vida ou prosperidade de tais seres. Assim, dotado de razão, o homem é única espécie com capacidade para esculpir uma ética para si mesmo e para outros seres, isto é, único ser que adopta valores e propósitos e escolhe os caminhos para atingi-los.[1]
Esse processo de escolha ética de adoptar valores e de escolha de melhores fins e meios exige do homem uma aprendizagem constante por meio de estudos de relação e causa de vários elementos que compõem a natureza. O homem não deve conformar-se com soluções proporcionadas pelas gerações anteriores e deve, por obrigação natural, continuar com o processo de descoberta de novas soluções ou questionar algumas soluções encontradas. O processo contínuo de expurgar ideias falsas é a melhor maneira possível de agir ética. É a escolha de meios e fins que determina se uma acção é ética ou não. Fins e meios inadequados conduzem a uma acção antiética, portanto, acções maléficas para o homem que devem ser imediatamente evitadas ou descartadas.
Resulta daí que a acção humana é movida por ideias que podem ser éticas ou correctas e ideias erradas ou antiéticas. Enquanto as verdadeiras conduzem à vida, à civilização e ao progresso social, as falsas conduzem ao declínio e ao fracasso. Nessa senda, para a manutenção da vida humana e do progresso continuo, é requerido a descoberta e a proliferação de ideias verdadeiras.
Essa constatação reforça a natureza social do homem, que também só se realiza cooperando com outros homens na base da troca recíproca de bens e serviços. Um homem isolado de outros homens, uma comunidade isolada de outras comunidades, dificilmente se sustentaria ao longo dos anos. A vida seria bastante tediosa se cada sociedade e geração estivessem apartadas das descobertas de outras sociedades. O progresso do homem só foi possível porque este percebeu a importância da cooperação e também da transmissão inter-geracional do conhecimento propiciado pela cooperação. E bem, o homem cedo entendeu a importância da proliferação da cooperação baseada na troca de bens e serviços. Como aponta Mises,
O homem só pode avançar seu pensamento porque seus esforços se apoiaram sobre os de gerações passadas, que forjaram as ferramentas do pensamento, os conceitos e as terminologias, e formularam os problemas… A continuidade da evolução humana, semeando para a descendência e colhendo no solo preparado e cultivado pelos ancestrais, se manifesta também na história da ciência e das ideias. Herdamos dos nossos antepassados não apenas uma provisão de vários tipos de bens que são a fonte de nossa riqueza material; herdamos também ideias e pensamentos, teorias e tecnologias, às quais nosso pensamento deve a sua produtividade.[2]
É nesse contínuo processo de descoberta, preservação e proliferação de ideias verdadeiras e necessárias ao progresso humano que assenta a ideia do activismo. Ao longo da história, o termo activismo foi sempre usado para significar a defesa de algo, ou descrito como uma doutrina que privilegia a prática da transformação social. Só mais recentemente é que o activismo passou a ter conotação pejorativa ou negativa, como acto de militância, privilegiando a acção directa através de meios pacíficos ou violentos, como a defesa, propagação e manifestação pública de ideias, até a afronta aberta à Lei, chegando inclusive à prática de terrorismo. Dessa forma foram surgindo várias formas de activismo como: feminista, educação, LGBT, ambiental, político, religioso, racial etc.
Dito isso, podemos então conceituar o activismo como sendo todo o acto que visa à descoberta, preservação e a proliferação de ideias que atendam à natureza e o progresso humano. E de facto devemos nosso progresso social a um conjunto de pensadores ou activistas que de forma oral e por escrito nos legaram ideias que possibilitaram a sociedade de hoje.
Durante o ano de 1513, o filósofo Nicolau Maquiavel escreveu uma das obras mais influentes da filosofia política, O Príncipe. Ele escreveu essa obra como um livro de conselhos aos príncipes, sendo a característica mais distinta desse livro o seu apoio ao poder absolutista dos reis, como estratégia para o autor ser cooptado para os lugares cimeiros da corte. Na época em que o O Príncipe foi escrito, a actuação dos poderes dos Reis estavam confinada às reivindicações do princípio moral, pelo que o livro serviu como um estímulo para romper com as barreiras morais que ainda eram significativas.
O Príncipe veio operar uma transformação profunda no paradigma da teoria política, redefinindo-a com o fim de manter e expandir o poder do príncipe, podendo esse objectivo justificar todos os meios para alcançá-lo. Maquiavel passou então a defender o engano, a aparência, a hipocrisia e a desonestidade por parte dos príncipes, como formas de manter e expandir o poder. Como ele aponta, “o príncipe precisa estar disposto a se tornar um grande mentiroso e enganador”, aproveitando-se de todos os crédulos: pois “os homens são tão simples” que “o enganador sempre encontrará alguém pronto para ser enganado”. Foi por causa desse seu posicionamento que Maquiavel foi insultado pela Europa toda aquando do surgimento do seu livro, tendo sido considerado como o pregador do mal ou então como o “Velho Nick”.[3]
Contrariamente a Maquiavel, em 1920, o então jovem economista, Ludwig von Mises, elaborou e publicou aquele que viria a ser o mais importante artigo de economia já escrito, “O cálculo económico sob o socialismo”. Mises elaborou esse artigo como refutação económica ao socialismo em ascensão na Europa e não só, durante as primeiras décadas do século XX. O artigo de Mises foi o primeiro a desafiar a teoria socialista à época em voga ao redor do mundo. Mises demonstrou por meio desse ensaio que o planeamento económico centralizado é inerentemente irracional e, logo, impossível, porque precisa de um sistema de preços para possibilitar o mecanismo de trocas de cada recurso escasso, processo necessário para o funcionamento de uma economia. Esses preços só podem surgir por meio da concorrência em uma sociedade em que haja propriedade privada, pelo que, sem um sistema de preços de unidades de bens e serviços, seria impossível o funcionamento de uma sociedade concebida por teóricos socialistas. Como dissemos acima, foi dos mais eminentes escritos feitos por um economista para refutar e enterrar de vez a teoria socialista.[4]
Infelizmente, como ficou demonstrado nos exemplos anteriores, nem todos os activistas ou pensadores percorreram dentro da metodologia que permita identificar ideias verdadeiras que melhorem a condição humana. Assim como Nicolau Maquiavel, diversos outros activistas embarcaram num emaranhado de teorias e ideias vãs, cujas aplicações se revelaram num verdadeiro desastre para a humanidade. Dois factores podem ter contribuído para essa situação: o factor epistemológico ligado a abordagem metodológica das ciências sociais e a “democratização” da ciência.
O factor epistemológico ocorreu essencialmente na abordagem metodológica, ao se procurar aplicar o método positivo, utilizado nas ciências físicas e biológicas, para as ciências da acção humana ou ciências sociais.
Outro factor consiste nas várias abordagens que tendem a considerar a demanda ou opinião de um grupo como sancionada pela ciência. Seguindo essa abordagem, os interesses de um determinado grupo social devidamente identificados e expostos publicamente devem encontrar acolhimento estatal, porque, de certa forma, esta demanda ou opinião de grupo fica sancionada ou autorizada pela ciência. Aqui a própria ciência passa a fazer juízos de valor, sendo que, na maioria dos casos, a opinião de grupo não passa de uma simples preferência não sujeita ao argumento racional ou científico.
O activismo, eivado da falta da análise racional, tornou-se num espantalho para aqueles que fazem do infortúnio de outras pessoas seu hobby ou seu ganha-pão, confundindo a verdade com a falsidade. Os activistas em voga são muitas vezes indivíduos sem qualquer força moral, que procuram refugiar-se nos problemas sociais usando espantalhos para fugirem das suas próprias responsabilidades e da dura realidade social. Outras vezes, são indivíduos que, sabendo das brechas do sistema político actual, usam o espantalho do activismo para se inserirem no meio político e assim serem beneficiários das vantagens que o sistema lhes proporciona.
Então, analisando o activismo actual, podemos avistar dois tipos de activistas sociais: os primeiros são os emotivos e ingénuos, que acreditam piamente que o estado é omnipotente e único com vocação e força para resolver, de forma mágica, todos os problemas da sociedade, e que todo o problema social que existe é resultante da falta de vontade política. Esses são uma espécie de caçadores de necessidades e sonhos e acreditam que as pessoas não deveriam mais trabalhar porque o estado existe para os cuidar, proteger e os alimentar. A sua função consiste em procurar, entre a comunidade, sonhos, necessidades e problemas, para depois expor essas demandas ao estado, impingindo-o a resolvê-las e fazer disso causa social e política. A meta desses activistas é a construção de uma sociedade comunista e, por isso, procuram a todo custo fugir das responsabilidades sociais que a vida impõe. Confundem a desigualdade e todo padrão de vida diferente da Europa com a pobreza e fazem dessa diferença um tipo de activismo social. Geralmente, a curto prazo sonham em viver numa típica cidade europeia e então procuram impingir o governo local a construção desse sonho, um sonho do tipo “fazer de Benguela a Califórnia de Angola”.
O segundo grupo de activistas é do tipo oportunista, demagogo e invejoso, geralmente constituído por intelectuais que não medem meios para se inserirem no meio político. Estes, em regra, entendem o engodo que é a política e lutam para serem partícipes na distribuição do bolo. Eles percebem que a política é um jogo de tráfico de favores e influências e que, no jogo democrático, ou você assume o papel de explorador ou de explorado e então luta para se inserir do lado do explorador ou do poder, para depois traficarem-no entre o seu grupo de interesses. Eles almejam posições altas na política e no aparelho do estado para a satisfação do próprio ego.
É dentro da abordagem demagoga e pseudocientífica que repousa a maior parte do que é tido como activismo social nos nossos dias. Ao invés de priorizar uma análise criteriosa e metodológica que permite perscrutar ideias que levem ao progresso da humanidade, o activismo de hoje prefere abraçar ideias falsas, antiéticas e demagógicas que desvirtuam o processo de busca de soluções para os vários problemas sociais. Vários exemplos podem ser apresentados como prova de como o activismo de hoje se tornou num emaranhado de ideias populistas e que, em última instância, representam apenas interesses de grupos. De entre vários pontos de demanda social, geralmente dirigidos ao estado para os resolver, podemos destacar os seguintes:
- A luta pelo aumento de salários;
- A luta contra a desigualdade;
- Aumento dos salários mínimos nacionais;
- A luta pela regulação dos preços;
- A luta por mais democracia;
- Implementação das autarquias;
- Distribuição da merenda escolar em todo o País;
- Não à mercantilização do ensino (comunismo escolar);
- Alteração da constituição;
- A falta de emprego (JLO, cadé o meu emprego?), etc.
Numa análise criteriosa, esse leque de reivindicações, para além de apontarem para soluções erradas, elas desresponsabilizam o indivíduo enquanto único ser responsável de si mesmo. Por exemplo, a reivindicação do aumento do salário mínimo nacional, economicamente, ignora a natureza do dinheiro enquanto uma mercadoria que deve obedecer, como qualquer outra mercadoria, à lei da oferta e procura. O dinheiro surge na sociedade primeiramente como mercadoria e só depois dá-se a sua conversão em dinheiro. Vale recordar que a mão-de-obra é uma mercadoria como qualquer outra. Desse modo, a ideia de um salário mínimo estabelecido pelo estado implica sempre a violação do cálculo económico dos custos, o que faz com que o estado estabeleça os preços fora daqueles aprovados pelo mercado. Sendo assim, a política de salários mínimos causa desemprego, pois, o estado ao estabelecer o preço da mão-de-obra acima do preço do mercado, deixa as pessoas com pouca qualificação fora do mercado de trabalho, forçando-os ao desemprego involuntário e à mendicância. Por outro lado, para garantir os salários mínimos, geralmente o estado recorre à sua política predilecta, que é a fabricação do dinheiro. Ao fabricar dinheiro o estado aumenta a quantidade da massa monetária em circulação, o que faz com que haja mais dinheiro em circulação para uma quantidade fixa de mercadorias. Com esse fenómeno, o dinheiro desvaloriza-se e perde o poder de compra. E é esse fenómeno que gera a inflação.
Igualmente, quando uma reivindicação tem por base o aumento de preços, o estado, para contrapor essa tendência, geralmente recorre à política do controlo de preços. Recorrendo à ciência económica, ela ensina-nos que o controlo de preços no mercado gera escassez de produtos, ao potenciar a mortalidade das empresas.
E ainda sobre o activismo moderno, um episódio marcou-me pela negativa. Por conta do meu ofício, em Maio deste ano, fui convidado para uma reunião sindical, a fim de debater sobre o caderno reivindicativo proposto pela união de todos os sindicatos nacionais. No leque das reivindicações, constava o aumento do salário mínimo nacional para 250 Mil kwanzas. O sindicato estava disposto a partir para uma greve, caso esse ponto não fosse satisfeito. Diante da euforia dos presentes, levantei para, inicialmente, questionar se os vários grupos sindicais representados tinham grupos técnicos de estudos prévios dessas propostas. Posteriormente, argumentei, sem adentrar nas questões económicas elementares, que, no caso do Estado, um aumento desses irá naturalmente fazer com que ele aumente igualmente as suas fontes de receitas. Nesse diapasão, o Estado irá aumentar ou os impostos ou imprimir dinheiro ou endividar-se. Para todas essas opções, as consequências serão certamente mais penosas, fazendo com que o próprio aumento causado pela reivindicação seja diluído pela inflação. Lembrei aos presentes que, no passado, os funcionários públicos já auferiam salários milionários, mas sem qualquer poder de compra. Portanto, os funcionários públicos eram milionários pobres. Como era de esperar, a minha intervenção gerou certo alvoroço na sala.
Nesses exemplos e de outros expostos acima, a implementação dessas propostas apontam sempre para soluções erradas, pois, privilegiam a política como solução dos fenómenos económicos ao invés do mercado. De igual modo, ao transferir a solução dos problemas económicos para o Estado, o activismo social desresponsabiliza os indivíduos para lidarem com a natureza tal qual ela é. Essa transferência de responsabilidade social faz com que haja, entre o governo e os activistas, uma relação de amor; um amor que chega até a ser platónico e não uma relação de ódio, como sói dizer-se. Os activistas que agem nessa direcção são os maiores promotores dos políticos ou governantes. São eles que legitimam toda a acção política. Quando eles reivindicam por falta de escolas, pelo elevado nível de vida ou dos preços, pelo desemprego ou por mais escolas, lá no fundo eles pedem por mais acção do governo e transmitem à sociedade a ideia de que o Estado e os políticos são necessários e importantes para o funcionamento e progresso social. Com essas reivindicações, irreflectidamente, os activistas sociais prestam um grande e gratuito serviço aos políticos, legitimando-os como sendo promotores da ordem e do progresso social. Pior: regra geral, os activistas lutam por mais estado, na verdade, por mais impostos, mais endividamento, mais inflação, mais controlo, mais burocracia; – em resumo, lutam por uma liquidação ou anulação completa da sociedade, convertendo-se assim em agentes nocivos à sociedade, iguais aos que se propõem a combater.
Assim, qualquer que seja o tipo de activismo é uma função que exige dos seus agentes um processo racional sério e uma aplicação metodológica acertada, de modo que se possa evitar entrar na confusão comum do certo e errado. Os activistas sérios lutam contra qualquer resquício da política na economia, são antidemocráticos, promotores da justiça e contra as instituições que conservam o sistema actual. Os verdadeiros activistas lutam para que o estado não exista e não interfira na vida das pessoas; não sendo possível a curto prazo, reduzindo-o a níveis insignificantes, para que a médio e longo prazos, morra por inanição. O activismo verdadeiro e sério deve ser feito com bastante estudo, deve ser aquele que, com base teórica, indica a causa dos problemas sociais existentes e, atendo-se aos estudos sociológicos e leis universais, mostra os caminhos para saída da hecatombe social actual. O activismo verdadeiro sabe que as metas devem ser justas e apropriadas e que são condicionadas por meios adequados de os atingir, não embalando por moralismos baratos e apelos emocionais. Os activistas sérios sabem que os problemas sociais não se resolvem por meio da política ou do estado, mas sim, por meio do mercado ou da economia e que, para isso, é preciso trabalho árduo, muita poupança e incentivo ao investimento, empreendedorismo e livre iniciativa privada. Os verdadeiros activistas lutam por mais liberdade, devendo, por isso, ser defensores do capitalismo de livre mercado.
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Notas
[1] Murray N. Rothbard, História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith, Editora Konkin, 1ª edição.
[2] Ludwig von Mises, Ação Humana – Um Tratado de Economia, Instituto Rothbard, São Paulo, 2010.
[3] Murray N. Rothbard, História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Austríaca — A Economia Clássica, Editora Konkin, 1ª edição.
[4] Ludwig von Mises, Socialismo—Uma Análise Econômica e Sociológica, Editora Konkin, P.125.