Capítulo III – LIVRE EXPRESSÃO – 2. O caluniador e o difamador

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É fácil ser um advogado da livre expressão, quando ela se aplica aos direitos daqueles com quem estamos de acordo.  Mas o teste crucial refere-se ao discurso controverso – declarações que podemos considerar viciosas e sórdidas. 

Agora, não há, talvez, nada mais repugnante ou vicioso do que a difamação.  Portanto, temos de tomar especial cuidado ao defender o direito de livre expressão dos difamadores, pois, se ele puder ser protegido, os direitos de todos os demais – que não ofendem tanto – certamente estarão mais assegurados.  Mas, se o direito de livre expressão dos difamadores e caluniadores não for protegido, os direitos dos outros estarão menos assegurados. 

A razão de os libertários civis até hoje não terem se envolvido na proteção dos direitos dos difamadores e caluniadores é evidente – a difamação é ruinosa para as reputações.  São abundantes as histórias cruéis sobre empregos, amizades etc., perdidos.  Longe de se preocuparem com o direito de livre expressão do difamador e do caluniador, os libertários civis têm se preocupado em proteger aqueles que tiveram suas reputações destruídas, como se isso fosse, por si próprio, imperdoável. Mas, obviamente, proteger a reputação de uma pessoa não é um valor absoluto.  Se fosse, ou seja, se as reputações fossem realmente sacrossantas, então teríamos de proibir a maior parte dos tipos de comunicação que podem denegrir a reputação de alguém, mesmo as verdadeiras.  A crítica desfavorável e a sátira ao cinema, teatro, música ou a critica literária não poderiam ser permitidas.  Qualquer coisa que depreciasse a reputação de qualquer indivíduo ou instituição teria de ser proibida. 

Naturalmente, os libertários civis negariam que sua objeção à calúnia e à difamação compromete-os com a visão aqui colocada.  Eles reconheceriam que a reputação de uma pessoa nem sempre pode ser protegida, que às vezes ela tem de ser sacrificada.  Mas isso, diriam eles, não isenta o difamador.  Pois a reputação de uma pessoa não é algo com que se possa lidar de forma leviana, não pode ser prejudicada sem bons motivos. 

Mas o que é a “reputação” de uma pessoa? Que coisa é essa que não pode ser “tratada com leviandade”? Sem dúvida, não é uma possessão que se possa dizer que pertence a ela da mesma forma como lhe pertencem suas roupas.  Na verdade, a reputação de uma pessoa sequer “pertence” a ela.  A reputação de uma pessoa é o que os outros pensam dela; consiste dos pensamentos “que outras pessoas têm a seu respeito”. 

Um homem não possui sua reputação, da mesma forma como não possui os pensamentos dos outros – porque isso é tudo do que consiste sua reputação.  A reputação de um homem não lhe pode ser roubada, da mesma forma como não lhe podem ser roubados os pensamentos de outras pessoas.  Se sua reputação “lhe foi tirada”, de um modo ou de outro, pela verdade ou pela falsidade, antes de tudo, ele não a possuía e, portanto, não deveria poder recorrer à lei por danos. 

O que, então, estamos fazendo, quando objetamos ou proibimos a difamação? Estamos proibindo alguém de afetar ou tentar afetar os pensamentos de outras pessoas.  Mas o que significa o direito de livre expressão, senão que somos livres para tentar afetar os pensamentos dos que nos rodeiam? Então, temos de concluir que a difamação e a calúnia são consistentes com o direito de livre expressão. 

Por fim, por mais paradoxal que possa ser, as reputações provavelmente ficariam mais seguras sem as leis que proíbem o discurso difamatório! Com as leis atuais proibindo a difamação, há uma tendência natural de se acreditar em qualquer mácula que seja lançada a público sobre o caráter de alguém.  “Se não fosse verdade, não seria publicado”, argumenta o público crédulo.  No entanto, se a difamação e a calúnia fossem permitidas, o público não seria tão facilmente enganado. Choveriam tantos ataques, que teriam de ser substanciados, antes que pudessem ter algum impacto.  Poderiam ser organizados órgãos como o Consumers Union ou o Better Business Bureau* para atender a demanda do público por informações precisas sobre as “indecências”. 

O público logo aprenderia a considerar e avaliar as afirmações dos difamadores e caluniadores – se a estes últimos fossem dadas rédeas soltas.  Um difamador ou caluniador não mais teria o poder de arruinar a reputação de uma pessoa. 

 

*Sindicato dos Consumidores e Bureau para Melhores Negócios.  (N.T.)

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