Mas passar por cima do direito de livre expressão, por qualquer que seja a razão, é um precedente perigoso e jamais necessário. Certamente não é necessário no caso da pessoa que grita “Fogo!”. Os direitos dos frequentadores de cinemas podem ser protegidos sem que se proíba legalmente a livre expressão. Por exemplo, os donos de cinemas poderiam fazer um contrato com seus clientes de estes não gritarem “Fogo!” (a não ser, é claro, que o cinema estivesse pegando fogo). O contrato poderia ser impresso, em letras miúdas, no verso dos ingressos, ou poderia ser uma mensagem em tamanho grande, em pôsteres pendurados nas paredes por todo o cinema, proibindo qualquer perturbação ao entretenimento, ou unicamente proibindo gritar a palavra “Fogo!”. Mas sempre que a proibição aparecesse, o contrato efetivamente poria um fim ao suposto conflito entre o direito à livre expressão e outros direitos. Pois a pessoa que gritasse “Fogo!”, estaria, então, simplesmente violando um contrato e poderia ser tratada como infratora. A situação seria inteiramente análoga para os que celebrassem um contrato para cantar, mas que se recusassem a fazê-lo e, em vez disso, dessem uma palestra sobre economia. O que está envolvido nos dois casos não é o direito de livre expressão, mas a obrigação de honrar um contrato. Por que encarar a proibição desta forma? Há várias razões importantes.
Em primeiro lugar, o mercado seria muito mais efetivo em remover ameaças à saúde e segurança – como a colocada pelo que grita “Fogo!” – do que uma proibição abrangendo todas as situações impostas pelo governo. Um sistema de contratos de mercado funcionaria de forma mais eficiente, porque os empresários dos cinemas e teatros estariam concorrendo uns com os outros com relação à eficiência com que impediriam que irrompessem manifestações que perturbassem a audiência. Assim, teriam um grande incentivo para diminuir o número e a gravidade dessas manifestações. O governo, por outro lado, não oferece incentivo algum. Ninguém,automaticamente, perde dinheiro, quando o governo falha em manter a ordem num cinema ou teatro.
Outra razão para esperarmos sucesso maior do mercado do que do governo é, por sua própria natureza, mais flexível. O governo só pode fazer uma norma abrangendo todas as situações com, no máximo, uma ou duas exceções. O mercado não tem tais restrições. A flexibilidade e complexibilidade do mercado estão limitadas apenas pela criatividade dos que nele atuam.
Em segundo, o sistema governamental de proteção contra o grito de “Fogo!” -uma proibição relacionada a todas as situações – viola o direito de, talvez, uma das minorias mais oprimidas: os sádicos e os masoquistas. E os direitos dos sádicos que gostam de gritar “Fogo!” num cinema lotado e ficar olhando aquela quantidade de gente se rasgando em pedaços no pânico em direção às saídas? E os masoquistas, que se deleitam com o pensamento de que alguém grite “Fogo!” para eles ao estarem dentro de um cinema lotado, com aquela loucura divertida de serem esmagados de encontro à porta da saída? Com uma proibição total pelo governo, é negado a essas pessoas aquele que pode ser seu desejo mais ardente – sua chance de saírem de lá em gloriosas chamas. No sistema flexível do mercado, onde houver uma demanda de serviços, logo surgirá uma forma de atendê-la. Onde houver uma demanda não atendida de sado masoquistas gritando “Fogo!” e olhando, então, a fuga frenética, os empresários se mostrarão à altura de fornecer o serviço desejado.
Essas divagações, indubitavelmente, soarão aos “normais” apenas como conversa fiada. Mas não se deve esperar mais do que isso. Nenhuma classe dominante jamais encarou a condição de oprimidos dos sados masoquistas, exceto com desprezo e escárnio. Os sados masoquistas adultos não agressivos têm tanto direito a suas práticas mutuamente agradáveis como quaisquer outros. Descartar os direitos dos sados masoquistas, como se não merecessem consideração, evidencia os hábitos fascistas de pensamento aos quais a maioria dos “normais” sucumbiu. Os sados masoquistas deveriam ser livres para se abandonarem a suas práticas não agressivas. O público, além do mais, não precisa frequentar teatro algum que advirta claramente que serão permitidos “distúrbios não planejados”. Os sados masoquistas, de sua parte, teriam de refrear seu entusiasmo ao irem a teatros de “normais”.
Por fim, a não ser que a proibição de gritar “Fogo!” num cinema cheio parta de um contrato particular, o direito de livre expressão estará em conflito com algo tido em grande estima – a saber, os direitos das pessoas de não terem seu espetáculo interrompido e serem elas mesmas esmagadas nas saídas.
A liberdade de expressão é, na melhor das hipóteses, um frágil capim, que está sempre correndo o risco de ser arrancado. O que a mantém é algo realmente muito tênue. Por isso, qualquer coisa que tenda a enfraquecê-la ainda mais, tem de receber nossa oposição. Dificilmente haverá uma tática de pânico melhor talhada para destruir a liberdade de expressão do que a criação de um falso conflito entre o direito de falar livremente e outros direitos que nos são muito mais caros. Ainda que seja precisamente isso que a interpretação usual de gritar “Fogo!” faça. Se forem feitas “exceções” ao direito de livre expressão, o frágil elo que o mantém estará enfraquecido. Não há quaisquer exceções legítimas ao direito de livre expressão. Não há caso algum em que o direito de livre expressão esteja em conflito com qualquer outro direito que nos seja caro.
Assim, a pessoa que grita “Fogo!” num cinema lotado, pode ser considerada um herói. Ele nos força a considerarmos o quê está envolvido e o quê precisa ser feito para protegermos um direito precioso que está em perigo.