Capítulo IV – OS FORA DA LEI – 1. O motorista de táxi clandestino

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O negócio de táxis nos Estados Unidos geralmente opera em detrimento dos grupos pobres e minoritários, de duas formas: como consumidores e como produtores.  Enquanto consumidores, sua condição fica bem demonstrada com as “piadas étnicas de táxi” e pelo subterfúgio e embaraço que os negros enfrentam para conseguir um táxi, o que geralmente não conseguem.  As razões não são difíceis de compreender.  As tarifas de táxi são fixadas em lei e invariáveis, não importando o destino da corrida.  No entanto, alguns destinos são mais perigosos do que outros, e os motoristas relutam em atender essas áreas, que geralmente são as áreas onde moram os pobres e as minorias. Assim, quando têm escolha, os motoristas de táxi tendem a selecionar os passageiros pelo statuseconômico ou cor da pele.  É importante consideramos que, dados os índices diferenciais de criminalidade, é o controle das tarifas de táxi pelo governo, e ele apenas, que engendra essa situação.  Na ausência desses controles, as tarifas para áreas sem segurança poderiam ser fixadas de forma a compensar os motoristas de táxi pelos riscos maiores envolvidos.  Se isso fosse feito, os negros teriam de pagar mais do que os brancos por uma corrida, senão através de uma bandeira mais cara do taxímetro, talvez na forma de táxis mais velhos e em pior estado.  Mas, pelo menos, poderiam contar com os serviços de táxi quando assim desejassem.  Pelo sistema atual, eles não podem sequer escolher. 

Para o consumidor pobre e negro, a incapacidade de conseguir um táxi não é um inconveniente pequeno, embora muitos da classe média branca possam pensar o contrário.  Os planos e rotas do transporte público (ônibus e trem) foram elaborados e construídas há cinquenta, até a 75 anos atrás.  Naqueles tempos, as linhas de transporte em geral pertenciam à iniciativa privada, que dependia dos usuários para o lucro e o sucesso; portanto, eram projetadas especificamente para atender as necessidades dos usuários.  Em muitos casos, essas linhas de transportes são inadequadas às necessidades da comunidade de nossos dias.  (As linhas de trânsito, hoje, são de propriedade estatal, e, portanto, falta o incentivo para adequá-las às necessidades do usuário.  Se o consumidor se recusa a usar um corredor de trânsito, e o corredor deixa de ser lucrativo, a autoridade pública simplesmente compensa a diferença com recursos da receita tributária global.) Consequentemente, os habitantes da cidade têm de escolher entre um rápido percurso de táxi para casa e um percurso longo, indireto e com paradas, via trânsito público.  Isso se aplica especialmente aos grupos pobres e minoritários, a quem falta poder político para influenciar as autoridades de trânsito ou as decisões relativas à construção de novas linhas. 

O pouco acesso a táxis em áreas em que o transporte público é inadequado é, em geral, mais do que inconveniente.  Quando está envolvida uma questão de saúde, por exemplo, o táxi é um substituto excelente e barato para uma ambulância.  Mas, nas periferias pobres que são servidas inadequadamente pelo transporte público e cujos moradores não podem ter carros, geralmente é difícil encontrar um táxi. 

Pelo sistema atual, os pobres também sofrem na condição de produtores.  Na cidade de Nova Iorque, por exemplo, o governo exige que todos os táxis sejam licenciados.  As licenças (“medalhões”) são estritamente limitadas em número – tanto é assim, que já chegaram a ser vendidas por 30 mil dólares.  Os preços variam, dependendo se a licença é para um táxi individual ou integrante de uma frota.  Isso efetivamente barra o pobre de entrar no ramo como dono.  O que teria acontecido ao herói de Horatio Alger, se ele tivesse de ter pagado 30 mil dólares antes que pudesse entrar no ramo de engraxate ou de entrega de jornais?

Há alguns anos atrás, em resposta às limitações impostas a eles, tanto como consumidores quanto como produtores, os pobres e os membros de grupos minoritários começaram a entrar no ramo de táxis, no mais tradicional estilo de se honrar uma tradição americana que datava da Guerra da Independência (1776): desobedecendo à lei.  Simplesmente colocavam taxímetros, luzes e sinais especiais em seus carros usados e declaravam que eram táxis.  Nesses táxis “piratas”, cruzavam as ruas das áreas dos guetos, que eram evitadas pelos taxistas licenciados, e começaram a ganhar a vida honestamente, ainda que de forma ilegal.  Seu sucesso inicial em evitar a punição pelas leis existentes provavelmente devia-se a dois fatores: o receio da polícia de provocar “desassossego” nos guetos, se esses táxis fossem molestados, e o fato de que os clandestinos trabalhavam só dentro dos guetos e, portanto, não faziam concorrência aos táxis licenciados. 

Esses tempos idílicos, porém, não durariam.  Os motoristas clandestinos, talvez estimulados por seu sucesso no gueto, começaram a se aventurar fora dele.  Se antes os motoristas de táxis licenciados já olhavam os piratas com desagrado, agora mostravam franca hostilidade com relação a estes.  E com bons motivos.  Nessa época, o lobby dos taxistas em Nova Iorque pressionou, com sucesso, a Câmara de Vereadores a aprovar uma lei que aumentava as tarifas de táxi.  O movimento caiu vertiginosamente, e o efeito imediato foi uma sensível redução da renda dos taxistas licenciados.  Estava óbvio que muitos de seus antigos passageiros estavam usando táxis clandestinos.  A essa altura, os motoristas de táxis licenciados, irados, começaram a atacar e queimar os táxis clandestinos, e estes devolviam na mesma moeda.  Após algumas semanas de violência, chegaram a um acordo.  O amarelo, a cor tradicional dos táxis, deveria ser reservado aos táxis licenciados.  Os clandestinos teriam de usar outra cor.  Também foi discutido um plano para licenciar os táxis clandestinos. 

E quanto ao futuro do ramo de táxis na cidade de Nova Iorque? Se a política dominante de “consenso liberal” se mantiver, como geralmente acontece em questões desse tipo, será conseguido algum compromisso com os clandestinos, e eles talvez passem a operar sob o regulamento da comissão de táxis.  Talvez lhes seja concedida uma licença restritiva, em deferência aos táxis amarelos.  Sendo assim, o sistema permanecerá tal como hoje – uma situação que faz lembrar um bando de ladrões que permite a alguns novos membros juntarem-se a ele.  Mas não seria dado fim à roubalheira, e nem as vítimas teriam qualquer ajuda substancial.  Suponhamos que, de acordo com um plano, fossem criadas 5 mil novas licenças.  Isso poderia ajudar – uma ajuda mínima -, de forma que haveria mais táxis disponíveis, em potencial, para os negros.  Com isso, embora os negros continuem a ser cidadãos de segunda categoria, poderiam ter uma dificuldade ligeiramente menor para conseguir um táxi.  Mas, paradoxalmente, essa concessão à maior necessidade de táxis reprimiria as futuras demandas por melhorias.  Ela possibilitaria à comissão de taxis posar como a liberal e generosa concessora de licenças de táxi, baseada em seu ato de “generosidade” de licenciar táxis clandestinos (mesmo que não tenha concedido uma única licença a mais desde 1939). 

Na qualidade de produtores e empresários, a posição dos pobres poderia melhorar um pouco, pois 5 mil licenças adicionais poderiam resultar num preço de compra menor para as licenças.  No entanto, haveria a possibilidade de que o preço de compra subisse, depois de concedidas as 5 mil licenças extras, pois a grande incerteza que hoje o mantém baixo bem poderia acabar.  Se assim fosse, o valor das licenças continuaria alto, e, no fim das contas, a situação dos pobres não teria melhorado em nada. 

Não! A solução adequada para a crise do táxi não é cooptar pelo movimento dos motoristas de táxis clandestinos, com a oferta de integrá-los no sistema, e sim destruir o sistema de licenças de táxis restritivas. 

Em termos do funcionamento cotidiano do mercado, isso significaria que qualquer motorista qualificado, com carteira de habilitação em dia, poderia usar qualquer veículo que passasse na inspeção de trânsito para apanhar e deixar passageiros em qualquer rua de sua mútua escolha, e por qualquer preço mutuamente acertado.  Com isso, o mercado dos táxis na cidade de Nova Iorque funcionaria exatamente da mesma forma que funcionam os riquixás de Hong Kong.  Ou, para tomarmos um exemplo menos exótico, o mercado de táxis funcionaria da mesmíssima forma que funciona o mercado das baby-sitters: dependendo completamente do acordo e consentimento mútuos entre as duas partes. 

Os problemas de táxi tidos pelos pobres e membros de grupos minoritários seriam resolvidos rapidamente.  Os residentes em áreas de alta criminalidade poderiam, então, oferecer uma compensação aos motoristas de táxi.  Embora seja deplorável que venham a ser forçados a pagar essa compensação, eles não seriam mais cidadãos de segunda categoria, pelo menos no que respeita a conseguir um táxi.  A única solução real e duradoura para esse problema, entretanto, é uma redução do alto índice de criminalidade nas áreas dos guetos, que seria o responsável pela cobrança de extras.  Enquanto isso não acontece, entretanto, as pessoas que vivem nessas áreas não devem ser proibidas de tomarem as medidas necessárias para obterem um serviço de táxis adequado. 

As pessoas pobres se beneficiariam como produtores, se estabelecessem seus próprios negócios.  Naturalmente, teriam de assumir a propriedade de um carro, mas a barreira artificial e intransponível das 30 mil licenças seria removida. 

Entretanto, há objeções que são feitas ao livre mercado no ramo de táxis:

1.”Um livre mercado levaria ao caos e à anarquia, se fossem eliminadas as licenças.  A cidade ficaria inundada de táxis, e a capacidade de qualquer motorista de táxi de ganhar a vida ficaria reduzida.  Assim, os motoristas debandariam do negócio, e haveria muito menos táxis à disposição do que o necessário.  Sem as licenças para regular a quantidade de táxis, o público ficaria entre duas alternativas insatisfatórias.”

 A resposta é que, mesmo que houvesse uma corrida inicial para o ramo e o mercado ficasse saturado, somente alguns motoristas abandonariam a atividade.  O número de táxis, portanto, não oscilaria erraticamente de uma superoferta tremenda para oferta nenhuma, e vice-versa.  Além do mais, os motoristas que tenderiam a abandonar o ramo seriam os ineficientes cujos ganhos fossem baixos ou aqueles com melhores alternativas em outros ramos.  Ao saírem, eles possibilitariam que aumentassem os ganhos dos que ficassem, e, com isso, o negócio se estabilizaria.  Além do mais, nada nos garante não haver falta ou excesso de advogados, médicos ou engraxates, simplesmente por ser fixado um teto arbitrário do número de pessoas que podem ingressar nestas ocupações. Dependemos das forças da oferta e da procura.  Quando há trabalhadores demais num campo, os salários relativos baixam, e alguns são encorajados a ingressarem em outras ocupações; se há falta, sobem os salários, e aumentam os que exercem essas atividades. 

2.  O argumento de que o licenciamento protege os passageiros é um dos mais falsos para justificar as licenças de táxi.  É o mesmo usado pelos psicanalistas que lutam para nos “proteger” de encontrarmos grupos e outros que invadam seu mercado (a renda), pelos sindicalistas brancos “como o lírio”, que “protegem” o público mantendo fora os negros qualificados, e pelos médicos que nos “protegem” recusando-se a conceder registros profissionais a médicos estrangeiros qualificados.  Hoje em dia, poucas pessoas se iludem com esses argumentos.  Certamente, o exame especial para licença de motorista e as inspeções de carros podem garantir a qualidade de motoristas e de carros. 

3.  “A licença de táxi não teria qualquer valor, se houvesse uma quantidade ilimitada de táxis. Isso seria injusto para com os que tivessem investido milhares de dólares na compra de suas licenças.”

 Podemos lançar alguma luz sobre esse argumento, considerando a seguinte fábula: um proprietário de terras, um “coronel”, concedeu permissão a um grupo de salteadores de roubarem todos os que passassem.  Por esse direito, o coronel cobrava dos salteadores uma taxa de 2.500 dólares.  E então as pessoas abandonaram o sistema. 

Quem poderia arcar com o custo do que se transformara num investimento não lucrativo para os salteadores? Se a escolha estivesse limitada ao coronel e aos ladrões, poderíamos rogar uma praga para cada um dos lados.  Mas, se tivéssemos de escolher um deles, deveríamos ficar a favor dos salteadores, no pressuposto de que estes seriam uma ameaça menor do que o coronel, e talvez tivessem feito o primeiro pagamento com dinheiro ganho honestamente.  Mas em nenhum caso apoiaríamos um plano pelo qual os há muito sofridos viajantes das estradas fossem forçados a pagar aos salteadores por estes terem perdido o privilégio de roubá-los!

Da mesma forma, não se aceitaria que os há tanto sofridos usuários de táxi devessem compensar os proprietários pela desvalorização das licenças já compradas.  Se chegassem a ser postas cartas na mesa entre os proprietários licenciados e os concessores de licenças (políticos), o público talvez torcesse pelos proprietários, baseados em que estes representam um perigo menor para ele e talvez tenham pagado suas licenças com dinheiro ganho honestamente.  Um coronel é um coronel.  O pagamento com recursos públicos significaria apenas continuar a penalizar o público.  Não vindo o dinheiro do bolso dos políticos, são os proprietários das licenças quem tem de sofrer o prejuízo, Quando é comprada uma licença que permite roubar o público, o comprador deve aceitar os riscos que acompanham seu investimento. 

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