Capítulo V – “Unidades de Trabalho” e “Unidades de Pagamento”

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Chegamos então a um curto capítulo de Keynes, chamado “A Escolha de Unidades”. Este possui menos de 9 páginas, porém exige uma atenta análise, pois mostra de forma evidente as inconsistências do seu pensamento, assim como os conceitos vagos, inconstantes e por vezes contraditórios que ele considera como sendo básicos.

Ele começa a dizer que as unidades que os economistas normalmente utilizam são insatisfatórias. Ele justifica isso utilizando

“os conceitos do Dividendo Nacional, a reserva de capital real e o nível geral do preço” (p. 37)

O dividendo nacional, por exemplo, como dito por Alfred Marshall e A. C. Pigou, mede

“a quantidade de produção atual ou a renda real e não a quantidade de produção, ou rendimento monetário” (p. 38)

Tendo isso como base, Keynes inicia uma tentativa para erguer “uma ciência quantitativa.” Isso é “uma grave objeção para esta definição, pelo motivo de que a produção de bens e serviços de uma comunidade é um composto não homogêneo que não pode ser calculado, estritamente falando, exceto em alguns casos especiais, como, por exemplo, quando todos os itens de uma produção são incluídos na mesma proporção em outra produção.”

Essa rejeição para com a tentativa de calcular o dividendo nacional (ou como os Americanos o chamariam, a arrecadação nacional) na “realidade” é perfeitamente válida contanto que sirva a seu propósito. Como também são as seguintes objeções de Keynes a respeito da forma com que Pigou tentava lidar com o fator de obsolescência. Como mostra Keynes, quando Pigou pensa a respeito da obsolescência, onde não houve nenhuma mudança na quantidade física das fábricas ou equipamentos sob consideração, ele:

“está secretamente introduzindo mudanças no valor” (p. 39, Itálicos do Keynes.)

Keynes implica que Pigou na realidade, é incapaz de “pensar a respeito de novos equipamentos contra antigos, enquanto, devido a mudanças na técnica, os dois não são idênticos.” E Keynes conclui que por mais que Pigou esteja na “direção e conceitualização corretas e satisfatórias para análise econômica. Até que um sistema satisfatório de unidades seja adotado, sua definição precisa é uma tarefa impossível.” Ele acrescenta que a tentativa de comparar produções “reais” de mercadorias não homogêneas ou equipamentos, apresenta “dilemas que permitem alguém confiantemente dizer, que é insolucionável”.

Estas críticas à “indeterminância quantitativa” (p. 39) de tais conceitos como a “arrecadação nacional” e “o nível geral do preço” devem ser tidas como corretas. Keynes acrescenta que tais conceitos pertencem apropriadamente, apenas ao “campo histórico e de descrição estatística nas quais, precisão absoluta, não é habitual ou necessária”:

“Para dizer que a produção líquida hoje é maior, mas o nível do preço menor, do que a um ou dez anos atrás, é uma proposição de teor semelhante à afirmação de que a Rainha Victoria era uma monarca melhor, mas não uma mulher mais feliz que a Rainha Elizabeth–uma proposição não insignificante e não irrelevante, porém inadequado como material para as equações diferenciais. Nossa precisão será ridícula, se tentarmos usar conceitos tão relativamente vagos e não quantitativos, como base de uma análise quantitativa” (p. 40)

Tendo feito todas essas críticas perfeitamente válidas, Keynes faz algo surpreendente. Após pontuar que não podemos unir mercadorias ou bens de capital não homogêneos, para adquirir qualquer resultado relevante, na “realidade” (mas apenas em relação a valor monetário) ele levemente supõe que possamos juntar trabalhos não homogêneos, para conseguir um resultado significativo de “unidades de trabalho reais”.

Evidentemente, e isso deve estar claro, que o trabalho de diferentes trabalhadores, não é apenas tão não homogêneo quanto mercadorias ou bens de capital, como é infinitamente mais. Verdade, não é possível misturar uma tonelada de areia a uma tonelada de relógios de ouro e conseguir um resultado relevante, em qualquer outro sentido, além de um peso, que é de importância econômica nula. Mas é bem justificável misturar milhões de alqueires de trigo de mesma qualidade comercial, ou milhões de libras de algodão de mesma qualidade, para adquirir um resultado economicamente relevante.

Quando tentamos unir “unidades de trabalho”, na “realidade”, estamos completamente deficientes de qualquer padrão unificado de medição. Como podemos somar uma hora de trabalho de um cirurgião com uma hora de trabalho de um engraxate? Como podemos somar uma hora de trabalho de um Yehudi Menuhin com uma hora de trabalho de um pedreiro? De um ponto de vista estritamente científico, até mesmo uma hora de trabalho de um office boy, nunca será “estritamente” igual a de um outro office boy. Diferenças na velocidade, precisão e inteligência devem ser levadas em consideração. Na “verdade” podem haver diferenças ainda mais impactantes entre a primeira hora de trabalho do mesmo office boy durante a manhã e a sua última hora de trabalho à tarde.

Nenhum destes problemas aparenta preocupar minimamente Keynes. Esquecendo-se de tudo que escreveu a algumas páginas atrás, sobre a “precisão ridícula” das tentativas de somar mercadorias, ele escreve:

“Ao lidar com a teoria do emprego eu sugiro, portanto, utilizar apenas duas unidades de quantificação fundamentais, intituladas, quantidades de valor monetário e quantidade de emprego, a primeira é estritamente homogênea, enquanto a segunda pode vir a ser. Contanto que diferentes classes e tipos de trabalho e assistência assalariada usufruam de uma remuneração relativa mais ou menos fixa, a quantidade de emprego pode ser satisfatoriamente definida aos nossos propósitos, ao pegar uma hora de um emprego de trabalho simples, como a nossa unidade e valorar uma hora de um emprego de trabalho especial, em proporção à sua remuneração; i.e., uma hora de trabalho especial, remunerado, ao dobro das taxas normais, contará como duas unidades.” (Meus itálicos, p. 41.)

Que um eminente economista seria capaz de usar tal conceito e escrever, tal parágrafo em 1936, parece inacreditável. Este é precisamente o conceito que Karl Marx usou em sua tentativa de consagrar a sua famosa teoria do valor trabalho no “O Capital” em 1867. Conceito este que foi destruído, de forma incontestável, por Bohm-Bawerk em 1896.

Marx atribuiu todo o valor de mercadorias ao trabalho destinado a elas. Quando questionado ao que se referia com esse trabalho, e como ele o calculava, ele chamou-o de “trabalho médio simples”:

“Trabalho especializado [ele escreveu] é considerado apenas como um trabalho simples intensificado, ou melhor dizendo multiplicado, de forma que uma quantidade menor de trabalho especializado é igual a uma quantidade maior de trabalho simples. A prática mostra que trabalho especializado pode sempre ser reduzido até alcançar o patamar de trabalho simples. Não importando se uma mercadoria possa ser fruto do trabalho que mais exija especialização, o seu valor pode ser igualado ao produto de um trabalho simples, de forma que este represente apenas uma quantidade definida de trabalho simples.”[1]

Bohn-Bawerk travestiu isso numa passagem no seu Karl Marx e o Fim de Seu Sistema, (edição em inglês, 1898, p.162):

“Com o exato mesmo raciocínio, alguém poderia afirmar e argumentar que a quantidade de materiais contidos em uma mercadoria constitui o princípio e medição de câmbio de valor – essa mercadoria equivale em proporção à quantidade de material incorporada a ela. Dez libras de material em um tipo de produto equivalem a dez libras de material em outro tipo de produto. Se a objeção natural fosse levantada, de que essa afirmação era obviamente falsa, porque dez libras de ouro não equivale a dez libras de ferro, mas sim 40,000 libras, ou então em relação a uma quantidade em libras ainda maior de carvão, poderíamos replicar utilizando o método de Marx, de que é a quantidade de material comum médio que afeta a formação do valor, isso age como unidade de medida. Algo habilidosamente forjado que utiliza material caro e de qualidade especial, conta apenas como composto ou melhor, como material comum multiplicado, de forma que uma pequena quantidade de material manejado com habilidade é igual a uma quantidade maior de material comum. De que essa redução é constantemente feita, como mostra a experiência. Uma mercadoria pode ser feita com o material mais requintado; seu valor o faz igual a mercadorias feitas com material comum, logo, representa apenas uma certa quantidade de material comum.”

A “quantidade de emprego” do Keynes, em relação a “unidades de trabalho” é tão incapaz de realizar o cálculo físico ou “real” quanto a quantidade de trabalho do Marx.

“Essa é a minha crença, [escreve Keynes] que muita complexidade desnecessária pode ser evitada se nos limitarmos estritamente às duas unidades, dinheiro e trabalho, quando estamos lidando com o comportamento do sistema econômico como um todo” (p. 43)

Ainda assim essas unidades de quantidade supostamente independentes, intituladas, “quantidades de valor monetário” e “quantidades de emprego,” são ambas, meramente quantidades de valor monetário. Se dez trabalhadores, cada um recebendo $8 por dia, fossem demitidos e dois especialistas, cada um recebendo $40 por dia fossem contratados, não haveria mudança na quantidade de empregos, de acordo com o método de avaliação do Keynes, citado na página 62. A “quantidade de emprego” do Keynes não é uma quantificação dos empregos. Mas a quantidade de dinheiro recebida pelos trabalhadores empregados.[2]

Essa interpretação não é absurda, como é comprovada, pelos próprios argumentos que Keynes utiliza para defender a sua suposta “Unidade de trabalho.” Ele escreve:

“Essa suposição de homogeneidade na oferta de trabalho não é contrariada pelo óbvio fato de que há grandes diferenças nas especializações de trabalhadores e as suas aptidões para diferentes ocupações. Então, se a remuneração dos trabalhadores é proporcional à sua eficiência, se lida com as diferenças, considerando indivíduos como contribuidores para a oferta de trabalho em proporção à sua remuneração.” (Meus itálicos, pp. 41-42.)

Se esta memorável suposição fosse válida, estaríamos igualmente corretos em assumir a homogeneidade da oferta física de bens e serviços. Por isso o preço de mercado de todas as mercadorias ou serviços é proporcional ao seu valor, então “se lida com as diferenças” em relação a cada mercadoria ou serviço como contribuidores para o montante da oferta física em proporção ao seu preço!

Poderíamos acompanhar Keynes, pelo ainda mais logicamente profundo truque de mágica, pelo qual ele tenta defender seu conceito de “unidade de trabalho”. Mas isso seria desnecessário e entediante. A clara verdade é que o conceito de “unidade de trabalho” do Keynes é exposta não apenas a cada uma das objeções que ele mesmo faz em relação ao cálculo quantitativo de mercadorias da arrecadação nacional ou do nível de preços, mas, nos referindo a objeções de natureza ainda mais importantes e fundamentais. Ele salta da frigideira, direto para o fogo. Ele rejeita conceitos com relativa utilidade, para dar espaço a um conceito inútil para seja qual for o objetivo. Após nos explicar que tais coisas como “produção real líquida e nível geral de preços” são “inadequados como material para as equações diferenciais,” Ele brevemente começa a utilizar símbolos algébricos e a equação diferencial ao seu inválido conceito de quantidade de emprego.

O capítulo termina com algumas pretensiosas fórmulas e equações matemáticas, que tentam mostrar que uma das suas vagas e mal definidas “quantidades” é uma “função” uma da outra. É um exemplo perfeito de “precisão ridícula,” de um uso inadequado e desprezível da matemática para a análise econômica.

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Notas

[1] Karl Marx, Capital (Everyman’s edition), I, 13-14

[2] Cf. Benjamin M. Anderson, Economics and the Public Welfare, p. 393. E também Frank H. Knight, The Canadian Journal of Economics and Political Science, fevereiro, 1937, p. 115: “O que alguém acha que ele quer dizer com unidade física de trabalho? Do começo ao fim, Sr. Keynes trata o trabalho como um fluido com um preço uniforme por unidade.”

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