Como ocorrem os ciclos econômicos

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[Esse texto foi extraído do primeiro capítulo do livro America’s Great Depression,(1963), de Murray Rothbard.]

O estudo dos ciclos econômicos deve se basear em uma teoria dos ciclos que seja satisfatória. Mergulhar em um maço de dados estatísticos sem um “pré-julgamento” é inútil. Os ciclos ocorrem no mundo econômico, portanto uma teoria útil sobre ciclos econômicos deve ser integrada à teoria econômica geral. E, ainda assim, tal integração, ainda que uma simples tentativa, é a exceção, e não a regra. A ciência econômica, nas últimas décadas, foi perversamente fissurada e dividida em inúmeros compartimentos herméticos — cada esfera raramente se relaciona às outras. Somente nas teorias de Schumpeter e Mises a teoria dos ciclos foi integrada à economia geral. [1]

A maior parte dos especialistas em ciclos econômicos, que despreza qualquer integração sistemática como sendo impossível de ser deduzida e muito simplificada, está dessa forma (consciente ou inconscientemente) rejeitando a economia em si, pois se alguém cria uma teoria dos ciclos com pouca, ou nenhuma, relação com a teoria geral da economia, isso significa que essa teoria geral deve estar incorreta, pois falha ao não explicar esse vital fenômeno econômico. Para os institucionalistas — esses coletores de dados brutos — e provavelmente para outros grupos, essa é uma conclusão bem-vinda. Entretanto, até os institucionalistas têm que usar a teoria de vez em quando, para fazer análises e recomendações; e, na verdade, o que eles acabam usando, sempre que necessário, são um emaranhado de adivinhações e insights, tirados de maneira não metódica de várias teorias distintas. Poucos economistas perceberam que a teoria dos ciclos econômicos criada por Mises não é apenas mais uma teoria: ela, na verdade, se assemelha muito a uma teoria geral do sistema econômico.[2] A teoria de Mises é, de fato, a análise das conseqüências inevitáveis da intervenção no livre mercado feita pela expansão creditícia bancária. Seguidores da teoria de Mises freqüentemente se mostram muito modestos ao expressar suas asserções; eles têm abertamente declarado que a teoria é “somente uma das muitas explicações possíveis para os ciclos econômicos”, e que cada ciclo pode ser explicado por diferentes teorias causais. Nesse, assim como em vários outros setores, esse tipo de ecleticismo está deslocado. Dado que a teoria de Mises é a única que se origina de uma teoria econômica geral, ela é a única que pode fornecer uma explicação correta. A menos que estejamos preparados para abandonar a teoria geral da economia, devemos rejeitar todas as explicações propostas que não se conectem a ela.

Ciclos Econômicos e Flutuações Econômicas

Em primeiro lugar, é importante distinguir os ciclos econômicos das costumeiras flutuações econômicas. Vivemos necessariamente em uma sociedade que está sempre em mudanças contínuas e incessantes, mudanças que nunca podem ser precisamente esquematizadas com antecedência. As pessoas tentam prever e antecipar essas mudanças da melhor maneira que lhes é possível, mas tais previsões nunca podem ser reduzidas a uma ciência exata. São os empresários que têm a função de prever mudanças no mercado, tanto as condições de demanda quanto as de oferta. Os mais bem sucedidos têm lucros em igual proporção à sua acurácia de julgamento, ao passo que os previsores mal sucedidos são jogados para a margem. Como resultado, os empresários bem sucedidos no livre mercado serão aqueles mais adeptos a antecipar as futuras condições do mercado. No entanto, as previsões nunca poderão ser perfeitas, e os empresários continuarão a diferir no sucesso de seus respectivos julgamentos. Se não fosse assim, não haveria lucros nem prejuízos nos negócios.

Destarte, mudanças ocorrem continuamente em todas as esferas da economia. Os gostos do consumidor mudam; as preferências temporais, e consequentemente as proporções entre investimento e consumo, mudam; a mão-de-obra muda em quantidade, qualidade, e locação; recursos naturais são descobertos, enquanto outros são exauridos; mudanças tecnológicas alteram as possibilidades de produção; mudanças climáticas alteram as safras, etc. Todas essas mudanças são aspectos típicos de qualquer sistema econômico. De fato, não poderíamos conceber uma sociedade onde não houvesse mudanças, uma sociedade na qual todos fizessem as mesmas coisas dia após dia, e nenhum dado econômico jamais mudasse. E mesmo se pudéssemos conceber tal sociedade, é duvidoso que houvesse pessoas suficientes com a intenção de torná-la uma realidade.

Por essa razão, é absurdo esperar que todas as atividades econômicas sejam “estáveis”, como se essas mudanças não ocorressem. Estabilizar e erradicar essas flutuações iria, de fato, eliminar qualquer atividade produtiva racional. Pegando um caso simples e hipotético, suponha que uma comunidade é visitada a cada sete anos por gafanhotos. A cada sete anos, portanto, muitas pessoas fazem preparativos para enfrentar os gafanhotos: produzem equipamentos anti-gafanhotos, contratam especialistas treinados para lidar com gafanhotos, etc. Obviamente, a cada sete anos há um “boom” na indústria de combate aos gafanhotos, a qual, felizmente, está em “depressão” nos outros seis anos. Pergunta: ajudaria ou atrapalharia se todos decidissem “estabilizar” a indústria de combate aos gafanhotos insistindo que ela produzisse o maquinário de maneira uniforme a cada ano, apenas para vê-lo se enferrujar e se tornar obsoleto? As pessoas deveriam ser forçadas a fabricar máquinas antes que se precise delas; ou a contratar pessoas antes que elas sejam necessárias; ou, inversamente, a postergar a construção de máquinas necessárias para agora — tudo em nome da “estabilização”? Se as pessoas querem mais carros e menos casas do que antes, deveriam elas ser forçadas a continuar comprando casas e, simultaneamente, proibidas de comprar carros, tudo em nome da estabilização? Como o Dr. F.A. Harper sentenciou:

Esse tipo de flutuação econômica ocorre diariamente em nossas vidas. Ocorrem flutuações violentas, por exemplo, na safra de morangos em diferentes épocas do ano. Será que por isso deveríamos cultivar nas estufas uma quantidade de morangos que seja suficiente para estabilizar essa parte da nossa economia por todo o ano? [3]

Podemos, portanto, esperar flutuações econômicas específicas sempre. Não há nenhuma necessidade de uma “teoria dos ciclos” para esclarecer essas flutuações. Elas são simplesmente os resultados de mudanças nos dados econômicos e são totalmente explicadas pela teoria econômica. Muitos economistas, no entanto, atribuem as depressões econômicas usuais às “fragilidades” causadas por uma “depressão na construção civil” ou por uma “depressão agrícola”. Mas declínios em uma indústria específica jamais podem inflamar uma depressão geral. Mudanças nos dados irão causar aumento nas atividades de um setor, e declínio nas de outro. Não há nada nesse caso que possa explicar uma depressão econômica generalizada — que é um fenômeno do verdadeiro “ciclo econômico”. Suponha, por exemplo, que uma mudança nos gostos do consumidor, e na tecnologia, leve a uma mudança da demanda — de produtos agrícolas para outros bens. Não faz sentido dizer, como muitos fazem, que uma depressão agrícola vai levar a uma depressão geral, pois os agricultores nesse caso iriam comprar menos bens, e as indústrias que vendem aos agricultores iriam comprar menos de seus fornecedores, etc. Isto seria ignorar o fato de que as pessoas que estão produzindo os outros bens que agora são preferidos pelos consumidores irão prosperar; suas demandas aumentarão.

O problema dos ciclos econômicos envolve a questão geral da expansão (boom) e da depressão; não se trata de estudar indústrias específicas e imaginar quais fatores fazem com que cada uma delas prospere ou entre em depressão, relativamente. Alguns economistas — tais como Warren e Pearson ou Dewey e Dakin — não acreditam que existam flutuações gerais da economia — eles crêem que movimentos generalizados são apenas o resultado de diferentes ciclos que ocorrem, com durações distintas e específicas, nas várias atividades econômicas. Considerando que tais ciclos variáveis (tais como o “ciclo de 20 anos da construção civil” ou o “ciclo de sete anos dos gafanhotos”) realmente possam existir, eles são, não obstante, irrelevantes para um estudo dos ciclos econômicos em geral ou para as depressões econômicas em particular. O que estamos tentando explicar são as expansões (booms) e os colapsos (busts) econômicos que ocorrem de maneira generalizada por toda a economia.

Ao considerarmos movimentos generalizados dentro da economia, torna-se imediatamente evidente que tais movimentos devem ser transmitidos através do meio geral de troca — a moeda. A moeda é o elo entre todas as atividades econômicas. Se um preço sobe e o outro desce, podemos concluir que a demanda se deslocou de uma indústria para outra; mas se todos os preços sobem ou descem conjuntamente, alguma mudança deve ter ocorrido na esfera monetária. Somente mudanças na demanda por, e/ou na oferta de, moeda irão causar uma mudança generalizada nos preços. Um aumento na oferta de moeda, com a demanda por ela permanecendo a mesma, causará uma queda no poder de compra de cada unidade monetária, isto é, um aumento geral dos preços; inversamente, uma diminuição da oferta monetária irá causar um declínio generalizado dos preços. Por outro lado, um aumento na demanda geral por moeda, a oferta permanecendo a mesma, levará a um aumento no poder de compra da unidade monetária (uma queda generalizada dos preços); ao passo que uma queda na demanda levará a um aumento generalizado dos preços. Portanto, mudanças nos preços gerais são determinadas por alterações na oferta de e na demanda por moeda. A oferta de moeda consiste no estoque de dinheiro existente na sociedade. A demanda por moeda é, em última análise, a disposição das pessoas em manter saldos líquidos, e isso pode ser expresso como a ânsia em adquirir moeda em uma troca, bem como a ânsia em se reter moeda em seus balanços (ou saldo de caixa). A oferta de bens na economia é um componente da demanda social por moeda; um aumento da oferta de bens irá, outras coisas permanecendo constantes, aumentar a demanda por moeda e, desta forma, tenderá a diminuir os preços. A demanda por moeda tenderá a diminuir à medida que o poder de compra da unidade monetária for crescendo, pois cada dólar será mais eficaz no saldo de caixa (serão necessários menos dólares para se comprar bens). Inversamente, um poder de compra menor (preços maiores) significa que cada dólar é menos eficaz, e mais dólares serão necessários para fazer o mesmo trabalho.

Assim, o poder de compra do dólar permanecerá constante quando o estoque de, e a demanda por, moeda estiverem em equilíbrio entre si: ou seja, quando as pessoas estiverem dispostas a manter em seus saldos de caixa a quantia exata de moeda em existência. Se a demanda por moeda exceder o estoque, o poder de compra da moeda vai aumentar até o momento em que a demanda não mais for excessiva; e, nesse ponto, o mercado voltará a se equilibrar. Inversamente, uma demanda menor que a oferta irá diminuir o poder de compra do dólar, isto é, aumentará os preços.

Contudo, flutuações gerais em toda a economia, e na “relação da moeda”, não fornecem por si sós a solução para o misterioso ciclo econômico. É verdade que qualquer ciclo na economia em geral deve ser propagado por essa relação da moeda: a relação entre o estoque de, e a demanda por, moeda. Mas essas mudanças em si explicam pouco. Se a oferta monetária aumenta ou a demanda cai, por exemplo, os preços vão subir; mas por que isso geraria um “ciclo econômico”? Especificamente, por que isso traria uma depressão? Os primeiros teóricos dos ciclos econômicos estavam corretos ao focar sua atenção na crise e na depressão: essas eram as fases que confundiam e abalavam, da mesma maneira, os economistas e leigos, e essas são as fases que mais precisam ser explicadas.

O Problema: O Conjunto de Erros

A explicação para as depressões, portanto, não será encontrada recorrendo-se a flutuações específicas, ou mesmo gerais, da economia. O principal problema que uma teoria que pretenda explicar as depressões deve resolver é: por que ocorre repentinamente um conjunto generalizado de erros por toda a economia? Essa é a primeira pergunta a se fazer para qualquer teoria dos ciclos. A atividade econômica vai se desenvolvendo bem, com a maioria das empresas colhendo belos lucros. De repente, sem qualquer aviso, as condições mudam e o grosso das empresas passa a sofrer prejuízos; repentinamente elas descobrem que cometeram erros atrozes de previsão.

Nesse momento se faz uma revisão de toda a atividade empreendedora. Os empresários estão, em grande parte, no ramo das previsões. Eles precisam investir e pagar seus custos no presente, na expectativa de obter lucros ao venderem para consumidores ou para outros empreendedores mais adiante na estrutura de produção de uma economia. Os melhores empresários, com a melhor capacidade de prever as demandas do consumidor ou de outros produtores, obtêm lucros; os ineficientes, prejuízos. Dessa forma, o mercado fornece o campo de treinamento que vai recompensar e expandir os empresários perspicazes, e eliminar os ineficientes. Via de regra, apenas alguns poucos empresários sofrem prejuízos ao mesmo tempo; a maioria obtém lucro ou fica no equilíbrio. Como, então, se explica esse fenômeno curioso da crise depressiva, quando quase todos os empresários repentinamente passam a ter prejuízos? Em resumo, como que todos os astutos empresários do país puderam cometer tais erros conjuntamente, e por que todos esses erros repentinamente se revelaram ao mesmo tempo? Esse é o grande problema da teoria dos ciclos.

Não é legítimo responder que mudanças súbitas nos dados econômicos são a causa. Afinal de contas, é função dos empresários prever mudanças futuras, sendo algumas delas abruptas. Por que os prognósticos deles falharam tão avassaladoramente?

Outro aspecto comum dos ciclos econômicos também pede uma explanação. É um fato bem conhecido que as indústrias de bens de capital flutuam mais fortemente do que as indústrias de bens de consumo. As indústrias de bens de capital — especialmente as indústrias que fornecem matéria-prima, material de construção, e equipamentos para outras indústrias — são as que mais se expandem durante a fase do boom econômico, e as que sofrem mais severamente durante a depressão.

Um terceiro aspecto de todo boom econômico que precisa de uma explicação é o aumento, que sempre acontece, da quantidade de dinheiro na economia. Reciprocamente, normalmente ocorre — apesar de não ser uma regra universal — uma diminuição da oferta monetária durante a depressão.

A Explicação: Expansão (Boom) e Depressão

Em um mercado puramente livre e desimpedido não haverá essa quantidade conjunta de erros, já que empresários treinados não irão todos cometer erros ao mesmo tempo. [4] O ciclo de “expansão-contração” é produzido pela intervenção monetária no mercado, mais especificamente pela expansão do crédito bancário aos negócios. Suponhamos uma economia com uma dada quantidade de dinheiro. Parte desse dinheiro é gasta com consumo; o resto é poupado e investido em uma vigorosa estrutura de capital, com várias ordens de produção. A proporção do consumo em relação à poupança ou investimento é determinada pela preferência temporal das pessoas — uma medida que diz o quanto elas preferem a satisfação presente à futura. Quanto menos elas preferirem satisfazer suas preferências no presente, menor será sua taxa de preferência temporal, e menor, portanto, será a taxa pura de juros, que é determinada pelas preferências temporais dos indivíduos na sociedade. Uma taxa de preferência temporal baixa resultará em proporções maiores de investimentos em relação ao consumo, um aumento da estrutura de produção, e uma formação de capital. Preferências temporais altas, por outro lado, resultarão em maiores taxas puras de juros e em uma menor proporção de investimento em relação ao consumo. As taxas finais de juros de mercado refletem a taxa pura de juros mais o risco do empreendimento e os componentes do poder de compra. Graus variáveis do risco do empreendimento criam uma estrutura de taxas de juros, ao invés de uma taxa única, e os componentes do poder de compra refletem as mudanças no poder de compra da moeda, bem como a posição específica do empresário em relação às mudanças que ele espera nos preços. O fator crucial, entretanto, é a taxa pura de juros. Essa taxa de juros primeiramente se manifesta na “taxa natural”, ou aquilo que é geralmente chamado de “taxa de lucro” corrente. Essa taxa corrente se reflete na taxa de juros do mercado de crédito, uma taxa que é determinada pela taxa de lucros corrente. [5]

Mas o que acontece quando os bancos “criam” dinheiro novo (seja na forma de cédulas ou de depósitos bancários) e fazem empréstimos?[6] Esse novo dinheiro flui para o mercado de crédito e diminui a taxa de juros dos empréstimos. Isso faz parecer que a oferta de fundos poupados para investimento aumentou, pois o efeito é o mesmo: a oferta de fundos para investimento aparentemente aumenta, e a taxa de juros diminui. Os empresários, em resumo, são iludidos por essa inflação bancária, sendo levados a acreditar que a oferta de fundos poupados é maior do que realmente é. Assim, quando os fundos poupados aumentam, os empresários investem em “processos de produção mais longos”, isto é, a estrutura do capital é aumentada, especialmente nas “ordens mais altas”, que são aquelas mais afastadas do consumidor final. Os empresários pegam seus fundos recentemente adquiridos e estimulam um aumento dos preços dos bens de capital e de outros bens de produção, e isso provoca uma mudança do investimento: este sai das ordens menores de produção (perto do consumidor) e vai para as ordens maiores (as mais distantes do consumidor) — isto é, das indústrias de bens de consumo para as de bens de capital. [7]

Se tudo isso fosse o resultado de uma diminuição genuína nas preferências temporais e de um aumento verdadeiro na poupança, tudo estaria bem, e a nova e aumentada estrutura de produção poderia se manter indefinidamente. Mas acontece que essa mudança é o produto de uma expansão creditícia bancária. Prontamente esse novo dinheiro irá percorrer todas as cadeias econômicas, desde os tomadores de empréstimo até os fatores de produção: salários, aluguéis, juros. Agora, a menos que as preferências temporais tenham mudado, e não há razão para imaginar que elas tenham, as pessoas irão correr para gastar suas rendas — que agora estão maiores — seguindo ainda a antiga proporção de consumo-investimento. Portanto, as pessoas rapidamente irão restabelecer a antiga proporção, e a demanda irá novamente voltar das ordens mais altas para as ordens mais baixas. As indústrias de bens de capital irão descobrir que todo o seu investimento foi um erro: aquilo que se imaginou que seria lucrativo não o era realmente, pois não havia uma verdadeira demanda por parte de seus clientes — no caso da indústria de bens de capital, outros empresários. Os investimentos nas ordens maiores de produção se revelam meros desperdícios, e esses maus investimentos devem ser liquidados.

Uma explicação sempre muito utilizada para a crise é a de que ela se origina de um “subconsumo” — uma deficiência da demanda dos consumidores por bens vendidos a preços que poderiam ser lucrativos. Mas isso contradiz o fato já bem conhecido de que são as indústrias de bens de capital, e não as de bens de consumo, que realmente sofrem em uma depressão. A deficiência é da demanda empresarial por bens de maior ordem, e isso, por sua vez, ocorre devido a um retorno da demanda para a sua proporção antiga.

Em suma, os empresários foram iludidos pela inflação creditícia bancária a investirem excessivamente em bens de capital de ordens mais altas, os quais só poderiam se manter prosperamente se houvesse preferências temporais menores e poupança e investimentos maiores; tão logo essa inflação permeou o público, a velha proporção de consumo-investimento foi restabelecida, e os investimentos nos negócios de ordens maiores se revelaram um desperdício.[8] Os empresários foram levados a esse erro devido a uma expansão artificial do crédito, e sua conseqüente adulteração da taxa de juros de livre mercado.

O “boom”, então, é na verdade um período de investimentos ruins e imprevidentes. É o período quando erros são cometidos devido à distorção causada pelo crédito bancário no livre mercado. A “crise” chega quando os consumidores decidem restabelecer suas proporções desejadas. A “depressão”, na realidade, é o processo pelo qual a economia se ajusta aos desperdícios e erros do boom, e restabelece o serviço eficiente dos desejos do consumidor. O processo de ajustamento consiste em uma rápida liquidação dos investimentos desnecessários. Alguns desses investimentos serão completamente abandonados (como no caso das cidades fantasmas do oeste americano, que foram construídas durante o boom de 1816-1818, e abandonadas durante o Pânico de 1819); outros serão deslocados para outros fins. Como regra, o que sempre deve ser feito não é lamentar erros passados, mas fazer o uso mais eficiente do estoque de capital existente. Em suma, o livre mercado tende a satisfazer com a máxima eficiência os desejos voluntariamente manifestados pelo consumidor, e isso inclui os desejos do público relativos ao consumo presente e futuro. O boom inflacionário atrapalha essa eficiência, e distorce a estrutura de produção, que passará a não mais servir o consumidor apropriadamente. A crise sinaliza o fim dessa distorção inflacionária, e a depressão é o processo pelo qual a economia precisa passar para poder voltar a servir os consumidores de maneira eficiente. Em resumo, e esse é um ponto importante para se compreender, a depressão é o processo de “recuperação”, e o fim da depressão anuncia o retorno ao normal, e à eficiência ótima. A depressão, portanto, longe der ser um flagelo nocivo, é o retorno necessário e benéfico da economia ao normal, após as distorções impostas pelo boom. Logo, todo boom sempre precisa de um bust(colapso).

Sabendo-se que muito pouco tempo se passa desde o momento em que o novo dinheiro sai das empresas e vai até os fatores de produção, a pergunta inevitável é: por que, então, todos os booms não chegam rapidamente ao fim? A razão de isso não acontecer é porque os bancos sempre chegam para o socorro. Ao verem que seus fatores estão indo para as indústrias de bens de consumo, descobrindo que seus custos estão aumentando e que elas estão sem fundos, as empresas tomadoras de empréstimo voltam aos bancos para pegar mais. Se os bancos continuarem a expandir o crédito, eles darão uma sobrevida a esses tomadores de empréstimo. Esse novo dinheiro, uma vez mais, irá fluir para os negócios, repetindo aquele mesmo processo já descrito, e as indústrias de bens de capital poderão novamente tirar os fatores das indústrias de bens de consumo. Ou seja, uma expansão contínua do crédito bancário poderá manter os tomadores de empréstimo um passo à frente da resposta dos consumidores. E é nisso, como já vimos, que se constituem as crises e depressões: a restauração pelos consumidores de uma economia eficiente, e o fim das distorções causadas pelo boom. Claramente, quanto maior for a expansão do crédito, e quanto maior for a sua duração, maior será a duração do boom. O boom vai terminar quando a expansão do crédito bancário finalmente acabar. Evidentemente, quanto mais tempo o boom durar, mais pródigos serão os erros cometidos, e mais longa e mais severa será a necessária depressão que fará os reajustes.

Portanto, a expansão creditícia bancária aciona todas as fases do ciclo econômico: o boom inflacionário, marcado pela expansão da oferta monetária e por maus investimentos; a crise, que chega quando a expansão do crédito cessa e os maus investimentos se tornam evidentes; e a depressão recuperativa, o necessário processo de ajustamento através do qual a economia retorna aos modos mais eficientes de satisfazer os desejos do consumidor. [9]

Quais, especificamente, são os aspectos essenciais da fase de depressão-recuperação? Os projetos imprevidentes e dispendiosos, como dissemos, devem ou ser abandonados ou usados da melhor maneira possível. Empresas ineficientes, que foram estimuladas pelo boom artificial, devem ser liquidadas, ou terem suas dívidas reduzidas proporcionalmente, ou serem entregues aos seus credores. Os preços dos bens de produção devem cair, particularmente nas ordens mais altas de produção — isso inclui os bens de capital, a terra, e os salários. Da mesma forma que o boom foi marcado por uma queda das taxas de juros, isto é, de diferenciais de preços entre os estágios de produção (a “taxa natural” ou a taxa de lucro corrente), bem como da taxa de empréstimo, o processo de depressão-reajuste consiste em um aumento desse diferencial de juros. Na prática, isso significa uma queda nos preços de bens de ordens mais altas relativamente aos preços praticados nas indústrias de bens de consumo. Não apenas os preços de certas máquinas devem cair, mas também os preços de todos os agregados de capitais, por exemplo, os valores das ações e dos imóveis. Na verdade, esses valores devem cair mais do que o rendimento oriundo desses ativos, de maneira que isso reflita o aumento geral da taxa de juros de retorno.

Dado que os fatores devem migrar das ordens mais altas de produção para as mais baixas, sempre haverá um inevitável desemprego “friccional” em uma depressão, mas não há motivos para que ele seja maior do que o desemprego presente em qualquer outra área que esteja sofrendo uma grande mudança em sua produção. Na prática, o desemprego será agravado pelas inúmeras falências, e pelos grandes erros que serão revelados durante o processo, mas, mesmo assim, não há motivos para que ele não seja apenas temporário. Quanto mais rápido for o ajuste, mais transitório será o desemprego. Agora, o desemprego irá progredir além do estágio “friccional” e se tornar realmente severo e duradouro caso os salários sejam mantidos artificialmente altos e forem impedidos de ser diminuídos. Se os salários forem mantidos acima daquele nível de livre mercado que equilibra a demanda por e a oferta de mão-de-obra, os trabalhadores permanecerão permanentemente desempregados. Quanto maior for essa discrepância, mais severo será o desemprego.

Aspectos Secundários da Depressão: Contração Deflacionária do Crédito

O que foi dito acima são os aspectos essenciais da depressão. Outros aspectos secundários também podem se desenvolver. Por exemplo, não há necessidade de deflação (diminuição da quantidade de dinheiro) durante uma depressão. A fase depressiva começa com o fim da inflação, e pode prosseguir sem quaisquer mudanças adicionais do lado monetário. No entanto, a deflação quase que sempre existiu nessa situação. Na fase do boom, a inflação se deu como uma expansão do crédito bancário; agora, as dificuldades financeiras e as falências ocorridas entre os tomadores de empréstimos levam os bancos a ficarem mais modestos e a, assim, contrair o crédito. [10] Sob o padrão-ouro, os bancos têm outra razão para contraírem o crédito — se eles tiverem terminado a inflação devido a uma fuga de ouro para os países estrangeiros. A ameaça dessa fuga força os bancos a contraírem seus empréstimos excessivos. Ademais, o rompante de falências pode levantar dúvidas a respeito da capacidade de os bancos honrarem seus depósitos; e os bancos, estando inerentemente falidos, não podem arcar com tais questionamentos. [11] Logo, a oferta monetária irá se contrair devido a essas corridas aos bancos, que realmente ocorrem, e também porque os outros bancos irão ficar mais austeros — apertando suas finanças -, temendo tais corridas.

Outro aspecto secundário comum em depressões é um aumento na demanda por dinheiro. Esse “desespero por liquidez” é o resultado de vários fatores: (1) as pessoas esperam uma queda nos preços, devido à depressão e à deflação; sendo assim, elas irão reter mais dinheiro e gastar menos, esperando essa queda dos preços; (2) sob pressão dos bancos e de outros credores, os tomadores de empréstimos irão tentar pagar suas dívidas liquidando outros ativos em troca de dinheiro; (3) o rompante de prejuízos e falências faz com que os empresários fiquem mais precavidos com relação a investimentos até que o processo de liquidação esteja finalizado.

Com a oferta monetária em queda, e a demanda por dinheiro aumentando, uma queda geral de preços é a conseqüência da maioria das depressões. Essa queda, no entanto, é causada pelos aspectos secundários — e não pelos aspectos inerentes — da depressão. Quase todos os economistas, até mesmo aqueles que crêem que se deve permitir que o processo de ajuste da depressão ocorra livre de obstáculos, têm uma visão muito sombria da deflação secundária e da queda de preços, e afirmam que esses dois fatores desnecessariamente agravam a severidade das depressões. Essa visão, entretanto, é incorreta. Esses processos não apenas não agravam a depressão, como têm efeitos benéficos.

Não há, por exemplo, qualquer justificativa para a hostilidade que se tem em relação ao “entesouramento”. Em primeiro lugar, não há um critério para definir o que é “entesouramento”; a acusação inevitavelmente se resume a dizer que A acha que B está mantendo mais saldos líquidos do que A julga apropriado para B. Certamente não há um critério objetivo para decidir quando um aumento nos saldos líquidos se torna um “entesouramento”. Em segundo lugar, vimos que a demanda por dinheiro aumenta como resultado de certas necessidades e valorações que as pessoas fazem; em uma depressão, temores de liquidações de empresas e expectativas de declínio nos preços particularmente estimulam esse aumento. Sob quais critérios essas valorações podem ser consideradas “ilegítimas”? Uma queda generalizada dos preços é a maneira que um aumento na demanda por dinheiro pode ser satisfeita, pois preços menores significam que a mesma quantidade de moeda nos saldos líquidos tem maior efetividade, maior força “real” sobre bens e serviços. Ou seja: o desejo por saldos líquidos reais maiores atinge esse objetivo.

Ademais, a demanda por dinheiro irá diminuir novamente assim que o processo de liquidação e ajuste estiver finalizado, pois o término desse processo remove todas as incertezas relativas às falências iminentes, e põe um fim na procura desesperada por dinheiro por parte de quem pegou empréstimo. Uma queda rápida e desimpedida nos preços — tanto de bens gerais (que se ajustam à nova quantidade de dinheiro), e particularmente dos bens de ordens maiores (que se adaptam aos maus investimentos causados pelo boom) -, irá rapidamente terminar os processos de realinhamento e eliminar expectativas de outras quedas. Assim, quanto mais cedo os vários ajustes, primários e secundários, forem efetuados, mais rapidamente a demanda por dinheiro cairá mais uma vez. Esta, é claro, é apenas uma parte do “retorno ao normal” da economia geral.

Nem o aumento do “entesouramento”, nem a queda dos preços, irão interferir no ajuste primário da depressão. O aspecto importante desse ajuste primário é que os preços dos bens de produção caem mais rapidamente do que os preços dos bens de consumo (ou, de maneira mais acurada, os preços dos bens de ordens mais altasdiminuem mais rapidamente do que os preços dos bens de ordens mais baixas); não interfere em nada no processo de ajuste primário o fato de todos os preços estarem caindo com a mesma intensidade. Nada mais é do que um mito comum, que acomete a leigos e economistas na mesma intensidade, dizer que preços em queda têm um efeito depressivo nos negócios. Isso não é necessariamente verdadeiro. O que importa para os negócios não é o comportamento geral dos preços, mas o diferencial entre preços de venda e custos (a “taxa natural de juros”). Se os salários, por exemplo, caem mais rapidamente do que os preços dos produtos, isso estimula as atividades empresariais e o emprego.

A deflação da oferta monetária (via contração do crédito) é tão mal afamada junto aos economistas quanto o entesouramento. Mesmo alguns teóricos misesianos deploram a deflação e não vêem benefícios advindos dela.[12] No entanto, a contração deflacionária do crédito ajuda enormemente a acelerar o processo de ajustamento, e, dessa forma, a conclusão do processo de recuperação dos negócios, de maneiras ainda não reconhecidas. O ajustamento consiste, como sabemos, de um retorno aos padrões de consumo-poupança desejados. Entretanto, o processo de ajustamento será menor que o necessário se as preferências temporais em si mudarem: isto é, se a poupança aumentar e o consumo declinar, relativamente. Em resumo: o que pode ajudar em uma depressão não é mais consumo, mas, ao contrário, menos consumo e mais poupança (e, concomitantemente, mais investimentos). Preços em queda estimulam uma maior poupança e um menor consumo porque promovem uma ilusão contábil. A contabilidade das empresas registra o valor dos ativos em seu custo original. É bem sabido que aumentos gerais de preços distorcem os registros contábeis: o que parece ser um grande “lucro” pode apenas ser o suficiente para repor os ativos agora mais caros. Durante uma inflação, portanto, os “lucros” das empresas são em grande parte artificiais, e o consumo é maior do que seria se a ilusão contábil não estivesse ocorrendo — talvez o capital esteja até mesmo sendo consumido sem o conhecimento do indivíduo. Em um período de deflação, a ilusão contábil é revertida: o que parece ser prejuízo e consumo de capital, pode na verdade significar lucros para a empresa, já que os ativos agora custam menos para serem repostos. Esse “exageramento” dos prejuízos, no entanto, restringe o consumo e encoraja a poupança; uma pessoa pode pensar que ela está meramente repondo o capital, quando na verdade ela está fazendo um investimento adicional nos negócios.

A contração do crédito terá um outro efeito benéfico ao promover a recuperação. Como vimos, a expansão creditícia bancária distorce o livre mercado ao diminuir os diferenciais de preço (a “taxa natural de juros” ou a taxa de lucro corrente) no mercado; já a contração do crédito, por outro lado, distorce o livre mercado na direção oposta. O primeiro efeito da contração deflacionária do crédito é o de diminuir a oferta de dinheiro nas mãos dos negócios, particularmente nos estágios mais altos da produção. Isso reduz a demanda por fatores nesses estágios mais altos, diminui os preços dos fatores e a renda advinda deles, e aumenta os diferenciais de preços e taxa de juros. Isto estimula a alteração dos fatores, em resumo, dos estágios mais altos para os mais baixos. Isso significa que a contração do crédito, quando ela vem depois da expansão do crédito, acelera o processo de ajustamento do mercado. A contração do crédito retorna a economia às proporções de livre mercado mais rapidamente do que de outra maneira.

Mas, pode-se contestar, será que a contração do crédito não poderia compensar excessivamente os erros do boom e causar ela própria distorções que precisam de correção? É verdade que a contração do crédito pode super-compensar e, enquanto ocorre a contração, ela pode levar as taxas de juros a níveis maiores que os de livre mercado, e a menos investimentos do que também ocorreria no livre mercado. Mas dado que a contração não leva a maus investimentos, ela não levará a qualquer período doloroso de depressão e ajustamento. Se os empresários forem iludidos a pensar que menos capital está disponível para investimento do que é realmente o caso, nenhum dano duradouro na forma de investimentos desperdiçados ocorrerá.[13] E mais ainda, por sua natureza, a contração do crédito é severamente limitada — ela não pode ser maior que a amplitude da inflação precedente.[14] Já a expansão do crédito não enfrenta tais limitações.

Política Governamental em uma Depressão: Laissez-Faire

Se o governo deseja que uma depressão acabe o mais rápido possível, e que a economia retorne à sua prosperidade normal, qual caminho ele deve adotar? A primeira e mais clara prescrição é: não interfira no processo de ajustamento do mercado. Quanto mais o governo intervém para atrasar o ajuste de mercado, mais longa e mais dura será a depressão, e mais difícil será o caminho para a recuperação completa. A obstrução do governo agrava e perpetua a depressão. Ainda assim, as políticas governamentais para acabar com as depressões sempre acabaram por agravar todos os malefícios que elas espalhafatosamente tentavam curar (e isso aconteceria de maneira ainda mais intensa atualmente). De fato, se fizermos uma lista das várias maneiras pelas quais o governo pode obstruir o ajuste do mercado, vamos descobrir que estamos listando justamente o arsenal de políticas que um governo consideraria “antidepressivas”. Destarte, aqui vão as maneiras pelas quais um processo de ajustamento pode ser estorvado:

  1. Impedir ou atrasar liquidações. Emprestar dinheiro a empresas cambaleantes, pedir aos bancos que emprestem mais, etc.

 

  1. Inflacionar ainda mais. Mais inflação bloqueia a necessária queda de preços, atrasando o ajustamento e prolongando a depressão. Mais expansão do crédito estimula mais criação de maus investimentos, os quais, por sua vez, terão que ser liquidados em uma próxima depressão. Uma política governamental de “dinheiro fácil” impede o retorno do mercado a taxas de juros necessariamente mais altas.

 

  1. Manter os salários altos. Preservar artificialmente o nível alto dos salários em uma depressão garante um massivo e permanente desemprego. Mais ainda, em uma deflação, quando os preços estão caindo, manter os mesmos salários nominais significa que os salários reais estão subindo. Em face da queda da demanda, isso agrava enormemente o problema do desemprego.

 

  1. Manter os preços altos. Manter os preços acima de seu nível de livre mercado irá criar excedentes invendáveis, e impedir um retorno à prosperidade.

 

  1. Estimular o consumo e desencorajar a poupança. Vimos que mais poupança e menos consumo acelera a recuperação; mais consumo e menos poupança agrava ainda mais a escassez de capital poupado. O governo pode encorajar o consumo com políticas como “vale-refeição” e outros “fundos de assistência social”. Ele pode desencorajar a poupança e o investimento com mais impostos, particularmente sobre os ricos, sobre as corporações e sobre propriedades. De fato, qualquer aumento de impostos e de gastos governamentais vai desencorajar a poupança e o investimento, e estimular o consumo, dado que gastos do governo sempre serão consumo. Alguns desses fundos particulares teriam sido poupados e investidos; todos os fundos do governo são consumidos.[15] Qualquer aumento do tamanho do governo sobre a economia, portanto, altera a proporção de consumo-investimento da sociedade em favor do consumo, e prolonga a depressão.

 

  1. Subsidiar o desemprego. Qualquer subsídio ao desemprego (via seguro-desemprego, assistencialismo, etc.) irá prolongar o desemprego indefinidamente, e atrasar a mudança de trabalhadores para áreas onde empregos estejam disponíveis.

 

Essas, portanto, são as medidas que irão atrasar o processo de recuperação e agravar a depressão. Ainda assim, elas são as políticas governamentais favoritas e consagradas, e, como veremos, foram as políticas adotadas na depressão de 1929-1933, por um governo considerado por muitos historiadores como sendo uma administração “laissez-faire”.

Dado que a deflação também acelera a recuperação, o governo deveria encorajar a contração do crédito, ao invés de interferir nela. Em uma economia sob o padrão-ouro, como a que havia em 1929, impedir a deflação traz outras conseqüências infelizes: uma deflação aumenta a proporção de reservas do sistema bancário, e gera mais confiança, tanto no cidadão quanto no investidor estrangeiro, de que o padrão-ouro será mantido. Temores a respeito do padrão e do sistema monetário irão precipitar exatamente a corrida bancária que o governo tão ansiosamente quer evitar. Existem outros princípios durante uma deflação que, mesmo havendo corridas bancárias, não devem ser ignorados. Por exemplo, os bancos, assim como ocorre com qualquer outro negócio, não deveriam ser isentos de pagar suas obrigações. Qualquer interferência em uma corrida bancária — que é quando os bancos são colocados em cheque — irá estabelecer os bancos como grupos privilegiados, não obrigados a pagarem suas dívidas, e isso irá levar inevitavelmente a mais inflação, a expansões de crédito, e a depressões. E se, como afirmamos, os bancos são inerentemente falidos e as “corridas” simplesmente revelarem essa falência, será benéfico para a economia que o sistema bancário seja reformado, de uma vez por todas, por um expurgo completo do sistema de reservas fracionárias. Tal expurgo traria forçosamente a público os perigos desse sistema bancário, e, mais do que qualquer teorização acadêmica, um seguro contra tal prática nociva por parte dos bancos, no futuro.[16]

A regra mais importante de uma política governamental sólida em uma depressão, portanto, é não interferir no processo de ajustamento. O governo pode fazer algo mais positivo para ajudar o ajuste? Alguns economistas têm advogado que o governo decrete um corte de salários com o intuito de estimular o emprego, como, por exemplo, uma redução de 10 por cento para absolutamente todas as categorias. Mas um ajuste de livre mercado é o oposto de qualquer política para “todas as categorias”. Nem todos os salários precisam ser reduzidos; o grau de ajuste necessário para preços e salários difere caso a caso, e só pode ser determinado por um mercado livre e desimpedido.[17] Intervenções do governo podem apenas causar distorções maiores no mercado.

Entretanto, existe uma coisa que o governo pode fazer positivamente: ele pode diminuir drasticamente seu papel relativo na economia, cortando gastos e impostos, particularmente impostos que interferem na poupança e no investimento. Reduzir os níveis de taxação e de gastos irá automaticamente alterar a proporção entre poupança-investimento-consumo da sociedade, em favor da poupança e do investimento, diminuindo grandemente o tempo requerido para se retornar a uma economia próspera.[18] Reduzir impostos que recaem mais pesadamente sobre a poupança e o investimento irá diminuir ainda mais as preferências temporais.[19]Além disso, depressão é uma época de esforço econômico. Qualquer redução de impostos, ou de qualquer regulamentação interferindo no livre mercado, irá estimular uma atividade econômica saudável; qualquer aumento de impostos, ou outro tipo de intervenção, irá deprimir a economia ainda mais.

Em suma, o papel adequado de uma política governamental durante uma depressão é adotar estritamente o laissez-faire, incluindo um rigoroso corte orçamentário, possivelmente acoplado a um estímulo real a uma contração do crédito. Por décadas, tal programa foi rotulado de “ignorante”, “reacionário”, ou “Neandertal” por economistas convencionais. Ao contrário, esta é a política claramente ditada pela ciência econômica para aqueles que desejam acabar com a depressão da maneira mais rápida e limpa possível.[20]

Pode-se alegar que a depressão só começou quando a expansão do crédito cessou. Então por que o governo não deveria continuar a expansão creditícia indefinidamente? Em primeiro lugar, quanto mais longo for o boom inflacionário, mais doloroso e severo será o necessário processo de ajustamento. Em segundo, o boom não pode continuar indefinidamente, porque eventualmente o público vai perceber que a política governamental é de inflação permanente, e irá abandonar o dinheiro em troca de bens, comprando-os enquanto a moeda ainda vale mais do que valerá no futuro próximo. O resultado será uma “inflação descontrolada”, ou mesmo hiperinflação, tão familiar à história, e particularmente ao mundo moderno.[21] Hiperinflação, sob qualquer perspectiva, é muito pior do que qualquer depressão: ela destrói a moeda — a força vital da economia; arruína e esfacela a classe média e todos os “grupos sob renda fixa”; sua devastação é, portanto, ilimitada. E, além disso, ela finalmente leva ao desemprego e a padrões de vida bem mais baixos, pois não há sentido em trabalhar quando a renda do trabalho se deprecia hora a hora. Com isso, perde-se mais tempo caçando bens para se comprar. Para evitar tal calamidade, portanto, a expansão do crédito deve ser interrompida em algum momento, e isso trará a depressão.

Evitando as Depressões

Evitar uma depressão é claramente melhor do que ter que sofrê-la. Se a política apropriada do governo durante uma depressão é o laissez-faire, o que ele deveria fazer para evitar que haja uma depressão? Obviamente, dado que uma expansão do crédito necessariamente planta as sementes de uma futura depressão, a conduta apropriada do governo é impedir que qualquer expansão inflacionária do crédito se inicie. Esta não é uma prescrição muito difícil, pois a tarefa mais importante do governo é evitar que ele próprio gere inflação. O problema é que o governo é uma instituição inerentemente inflacionária, e, consequentemente, ele quase sempre tem precipitado, encorajado, e dirigido o boom inflacionário. O governo é inerentemente inflacionário porque ele, ao longo dos séculos, adquiriu o controle do sistema monetário. Ter o poder de imprimir dinheiro (incluindo a “impressão” de depósitos bancários) dá ao governo o poder de beber diretamente de uma fonte de receitas sempre disponível. A inflação é uma forma de taxação, pois o governo pode criar dinheiro do nada e usá-lo para desviar recursos que, de outra maneira, iriam para os indivíduos. Esses, por sua vez, são impedidos de fazer semelhante “falsificação”, pois sofreriam pesadas punições. A inflação, portanto, se torna uma substituta da taxação bem aprazível para os funcionários do governo e seus grupos favorecidos, e é uma substituta tão discreta que o público em geral pode facilmente — e é encorajado a — negligenciar. O governo também pode atribuir a culpa pelo aumento de preços, que é uma conseqüência inevitável da inflação, ao público geral ou a alguns segmentos do público pelo qual tem antipatia, como, por exemplo, empresários, especuladores, estrangeiros. Apenas a improvável adoção de uma doutrina econômica sólida poderia levar o público a jogar a culpa em quem realmente é o culpado: o próprio governo.

Bancos privados, é verdade, podem inflar a oferta monetária por conta própria. Isso ocorre ao emitirem títulos de reivindicação (seja ao ouro ou ao papel-moeda do governo) em uma quantia maior do que eles poderiam redimir. Um depósito bancário é equivalente a um recibo de um armazém de dinheiro, um recibo que o banco promete redimir em qualquer momento que o cliente quiser pegar seu dinheiro nos cofres do banco. Todo o sistema bancário de “reservas fracionárias” envolve a emissão de recibos que não podem ser totalmente redimidos. Mas Mises mostrou que, por si sós, bancos privados não poderiam inflar a oferta monetária em grande escala.[22] Em primeiro lugar, cada banco veria que seus pseudo-recibos (ou recibos a descoberto, sem qualquer dinheiro como lastro) recém emitidos seriam rapidamente transferidos para clientes de outros bancos, que iriam exigir desse banco o resgate do valor equivalente. Portanto, quanto menor for a clientela de cada banco, menor será o escopo para a emissão de pseudo-recibos. Todos os bancos poderiam se juntar e concordar em expandir à mesma taxa, mas tal acordo seria difícil de ser realizado. Segundo, os bancos estariam limitados à quantidade de vezes que o público utilizaria depósitos bancários, ou notas bancárias, ao invés do dinheiro padrão; e terceiro, os bancos estariam limitados à confiança que o público tem neles. Caso essa confiança fosse abalada, os bancos poderiam ser arruinados por corridas bancárias que poderiam ocorrer a qualquer momento.

Ao invés de impedir a inflação simplesmente proibindo o sistema de reservas fracionárias, que é algo fraudulento, os governos uniformemente se moveram na direção oposta, e passo a passo foram removendo os controles que o livre mercado impunha à expansão do crédito bancário, ao mesmo tempo em que eles, os governos, se colocavam na posição de orquestrar a inflação. De várias maneiras, eles artificialmente estimularam a confiança do público nos bancos, encorajaram o uso de papel-moeda e de depósitos — ao invés de ouro (até que finalmente proibiram o ouro) —, e puseram todos os bancos sob um controle único — o seu controle —, de maneira que todos pudessem se expandir conjuntamente. O principal artifício para atingir esses objetivos foi o Banco Central, uma instituição que nos EUA ganhou o nome de Federal Reserve System, em 1913. A criação do Banco Central permitiu a centralização e a absorção de ouro pelos cofres do governo, aumentando enormemente a base nacional para a expansão de crédito:[23] também assegurou uma ação uniforme dos bancos, permitindo-os basear suas reservas em contas de depósito criadas junto ao Banco Central, ao invés deem ouro. Depois da criação do Banco Central, cada banco privado não mais determina sua política de acordo com sua reserva particular de ouro; todos os bancos agora estão amarrados uns aos outros e regulados pela ação do Banco Central. O Banco Central, além disso, ao proclamar que sua função é a de “emprestador de última instância” para os bancos em dificuldades, aumenta enormemente a confiança do público no sistema bancário, pois é tacitamente assumido por todos que o governo jamais iria permitir que seu próprio órgão — o Banco Central — falhasse. Um Banco Central, mesmo quando no padrão-ouro, tem poucos motivos para se preocupar com demandas por ouro por parte de seus próprios cidadãos. Mas uma possível fuga de ouro para países estrangeiros (isto é, não-clientes do Banco Central) pode, sim, trazer ansiedade.

O governo assegurou ao Federal Reserve o controle sobre os bancos da seguinte maneira: (1) garantindo ao Federal Reserve System (FRS) um monopólio sobre a emissão de notas; (2) obrigando todos os “bancos nacionais” existentes a se juntarem ao Federal Reserve System, e a manterem todas as suas reservas legais como depósitos no Federal Reserve[24]; e (3) fixando o valor da proporção dos depósitos bancários (dinheiro que pertence ao público) que os bancos deveriam manter como reservas compulsórias no FED. Com isso, a criação do FRS foi inflacionária, pois os requerimentos a respeito dessa proporção — a reserva compulsória — foram sendo reduzidos progressivamente.[25] O Reserve poderia, então, controlar o volume de dinheiro administrando duas coisas: o volume de reservas bancárias, e as reservas compulsórias. O Reserve pode administrar o volume de reservas bancárias (de maneiras que serão explicadas posteriormente), e o governo determina a proporção legal do compulsório, mas admissivelmente o controle da oferta monetária não é perfeito, de modo que os bancos podem manter “excesso de reservas”. Normalmente, no entanto, assegurados da existência de um emprestador de última instância, e obtendo lucros ao maximizarem seus ativos e depósitos, os bancos sempre estarão emprestando o máximo que puderam, sendo limitados apenas pela proporção de reservas que devem depositar no FED como compulsório.

Embora bancos privados desregulamentados seriam mantidos estritamente sob cheque, e seriam bem menos inflacionários do que um esquema envolvendo manipulações do Banco Central,[26] a maneira mais clara de evitar a inflação é banir o sistema bancário de reserva fracionária, e impor um sistema de reserva de ouro de 100 por cento para todas as notas e depósitos. Cartéis bancários, por exemplo, não são muito prováveis sob um sistema bancário desregulamentado — ou sistema bancário “livre” — mas eles, não obstante, poderiam ocorrer. O Professor Mises, conquanto reconheça a superioridade econômica de um padrão-ouro 100 por cento (sistema monetário 100 por cento ouro) em relação ao sistema bancário livre, preferia este último porque reservas de 100 por cento iriam conceder ao governo o controle sobre o sistema bancário, e o governo poderia facilmente alterar esses requerimentos conforme suas tendências inerentemente inflacionistas.[27] Mas a exigência de uma reserva de ouro de 100 por cento não seria apenas mais um controle administrativo por parte do governo: seria o elemento essencial do credo libertário, que diz que a fraude é algo que deve ser legitimamente proibido. Todos, com exceção dos pacifistas extremos, concordam que a violência contra a pessoa e a propriedade deve ser banida, e que agências, operando sob essa lei geral, deveriam defender a pessoa e a propriedade contra ataques. Libertários, defensores do laissez-faire, acreditam que “governos” deveriam se limitar a serem agências de defesa apenas. Fraude é equivalente a furto, pois a fraude ocorre quando uma parte de um contrato, em uma troca, é deliberadamente não cumprida após a propriedade da outra parte já ter sido levada. Bancos que emitem recibos não tendo o lastro equivalente em ouro estão na verdade cometendo fraude, porque assim se torna impossível para todos os proprietários (de títulos redimíveis em ouro) reivindicarem sua propriedade legítima. Portanto, a proibição de tal prática não seria um ato de intervenção governamental no livre mercado; seria parte de uma defesa geral e legítima da propriedade contra esse tipo de ataque, que é o que um livre mercado exige. [28], [29]

Qual, então, deveria ter sido a política governamental apropriada durante os anos 1920? O que o governo deveria ter feito para evitar o crash? Sua melhor política teria sido liquidar o Federal Reserve System, e estabelecer um sistema monetário de reservas de ouro de 100 por cento; não tendo feito isso, ele deveria ter liquidado o FRS e deixado os bancos privados operarem desregulamentadamente, mas sujeitos a rápidas e rigorosas falências caso falhassem em redimir suas notas e depósitos. Não tendo tomado essas drásticas medidas, e dado a existência do Federal Reserve System, qual deveria ter sido sua política? O governo deveria ter exercido vigilância irrestrita, não apoiando e nem permitindo qualquer expansão inflacionária do crédito. Vimos que o FED — o Federal Reserve System — não tem o controle completo do dinheiro porque ele não pode forçar os bancos a emprestarem de acordo com suas reservas; mas tem um absoluto controle anti-inflacionário sobre o sistema bancário, pois tem o poder de reduzir as reservas bancárias à sua vontade, e dessa forma forçar os bancos a parar de inflacionar, ou mesmo contrair, se necessário. Ao diminuir o volume de reservas bancárias e/ou aumentar os compulsórios, o governo federal, tanto nos anos 1920 quanto hoje, tem o poder absoluto de impedir qualquer aumento no volume total de dinheiro e crédito. É verdade que o FRS não tem controle direto sobre alguns criadores de dinheiro, como bancos de investimentos, associações de poupança e empréstimos (S&L associations), e companhias de seguro de vida, mas qualquer expansão de crédito advindas dessas fontes poderia ser mais do que compensada por uma pressão deflacionária sobre os bancos comerciais. Isso é especialmente verdade porque os depósitos nos bancos comerciais (1) formam a base monetária para o crédito expandido por outras instituições financeiras, e (2) são a parte mais ativamente circulante da oferta monetária. Levando-se em conta o Federal Reserve System e seu poder absoluto sobre o dinheiro da nação, o governo federal, desde 1913, deve arcar com a responsabilidade total por qualquer inflação. Os bancos não podem inflar por si sós; qualquer expansão creditícia só pode ocorrer com o apoio e o consentimento do governo federal e de suas autoridades no Federal Reserve. Os bancos são fantoches virtuais do governo, e têm sido desde 1913. Qualquer culpabilidade por qualquer expansão de crédito, e sua conseqüente depressão, deve ser arcada pelo governo federal e por ele apenas. [30]

 

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Murray N. Rothbard (1926-1995) lecionou na Universidade de Nevada, Las Vegas, e serviu como vice-presidente de assuntos acadêmicos do Mises Institute.

  1. Vários neo-Keynesianos têm criado teorias dos ciclos. Entretanto, essas teorias não estão integradas à teoria econômica geral, mas, sim, aos holísticos sistemas keynesianos — sistemas esses que, na verdade, são muito parciais.

 

  1. Não há, por exemplo, nenhuma alusão a tal conhecimento na conhecida discussão feita por Haberler. Ver Gottfried Haberler, Prosperity and Depression (2­­­ª ed., Genebra, Suíça: Liga das Nações, 1939).

 

  1. 3.A. Harper, Why Wages Rise (Irvington-on-Hudson, N.Y.: Foundation for Economic Education, 1957), pp. 118-19.

 

  1. Siegfried Budge, Grundzüge der Theoretische Nationalökonomie (Jena, 1925), citado por Simon S. Kuznets em “Monetary Business Cycle Theory in Germany,” Journal of Political Economy (Abril, 1930): 127-28.

 

Sob condições de livre concorrência . . . o mercado . . . depende da oferta e da demanda . . . não poderia se desenvolver uma desproporcionalidade na produção de bens que pudesse enganar todo o sistema econômico . . . tal desproporcionalidade pode surgir apenas quando, em algum ponto decisivo, a estrutura de preços passa a não se basear somente no jogo da livre concorrência, de forma que alguma influência arbitraria se torna possível.

 

O próprio Kuznets critica a teoria austríaca baseando-se em seu ponto de vista empiricista e contrário à relação de causa e efeito. Ele também, erroneamente, considera essa teoria “estática”.

 

  1. Essa é a “teoria da preferência temporal pura” da taxa de juros; ela pode ser vista em Ludwig von Mises,Human Action (New Haven, Conn.: Yale University Press, 1949); em Frank A. Fetter, Economic Principles(New York: Century, 1915), e idem, “Interest Theories Old and New,” American Economic Review (Março, 1914): 68-92.

 

  1. “Bancos”, nesse caso, também incluem associações financeiras de poupança e crédito, e companhias de seguro de vida, ambas as quais criam moeda via expansão de crédito para a economia.

 

  1. Sobre a estrutura de produção e sua relação com o investimento e com o crédito bancário, ver F.A. Hayek, Prices and Production (2ª ed., London: Routledge and Kegan Paul, 1935); Mises, Human Action; and Eugen von Böhm-Bawerk, “Positive Theory of Capital,” em Capital and Interest (South Holland, Ill.: Libertarian Press, 1959), vol. 2.

 

  1. Inflação” nesse caso é definida como um aumento na oferta de dinheiro, não consistindo de um aumento no dinheiro metálico.

 

  1. Essa teoria “austríaca” dos ciclos econômicos resolve a antiga controvérsia econômica que questiona se mudanças na quantidade de dinheiro podem ou não afetar as taxa de juros. Ela apóia a doutrina “moderna” que diz que um aumento na quantidade de dinheiro diminui as taxas de juros (se esse dinheiro entra primeiramente no mercado de crédito); por outro lado, ela apóia a visão clássica que diz que, no longo prazo, a quantidade de dinheiro não afeta as taxas de juros (ou só afetará se as preferências temporais mudarem). De fato, a fase de depressão-reajustamento é o processo de retorno às taxas de juros de livre mercado.

 

  1. É comum ouvir afirmações que dizem que, já que as empresas não podem achar grandes oportunidades de lucro em uma depressão, a demanda por empréstimos cai e, assim, tanto a oferta monetária como a de empréstimos irão se contrair. Mas esse argumento ignora o fato de que os bancos, se quiserem, podem comprar securities (bônus, ações) para aumentar seus investimentos, compensando, dessa forma, a contração dos empréstimos. Isso sustentaria a oferta monetária. Portanto, a pressão contracionista sempre se origina dos bancos, e não dos negócios que são tomadores de empréstimos.

 

  1. Bancos são “inerentemente falidos” porque emitem muito mais recibos bancários (atualmente na forma de “depósitos” resgatáveis em dinheiro, quando demandados) do que o dinheiro em espécie que realmente possuem. Assim, eles estão sempre vulneráveis a uma corrida bancária. Essas corridas aos bancos não se assemelham a qualquer outro tipo de falência, porque elas consistem simplesmente de depositantes reivindicando a sua propriedade de direito, propriedades as quais os bancos não têm. “Falência inerente”, portanto, é um aspecto essencial de qualquer sistema bancário de “reserva fracionária”. Como Frank Graham disse:

 

A tentativa dos bancos de efetuar as inconsistentes metas de emprestar dinheiro — ou meramente títulos de reivindicação desse dinheiro — e ainda fingir que há esse dinheiro disponível sob demanda chega a ser até mesmo mais absurda que . . . comer um bolo e imaginar que se pode contar com ele para consumo futuro . . . A alegada convertibilidade é uma desilusão que só funciona se o direito de restituição não for corretamente exercido.

 

Frank D. Graham, “Partial Reserve Money and the 100% Proposal,” American Economic Review (Setembro, 1936): 436.

 

  1. Em um país sob o padrão-ouro (tal como os EUA durante a depressão de 1929), os economistas austríacos aceitaram a contração do crédito como sendo talvez um preço necessário a se pagar para se permanecer no ouro. Mas poucos viram quaisquer virtudes corretivas no processo de deflação em si.
  1. Alguns leitores podem perguntar: por que a contração do crédito não leva a maus investimentos, causando sobre-investimentos em bens de ordens menores e sub-investimentos em bens de ordens maiores, revertendo, desta forma, as conseqüências da expansão do crédito? A resposta vem da análise austríaca da estrutura de produção. Não existe uma escolha arbitrária entre investir em bens de ordens menores ou maiores. Qualquer aumento de investimento tem que ser feito nos bens de ordens maiores, pois será necessário alongar a estrutura de produção. Um decréscimo na quantidade de investimento na economia simplesmente reduz o capital de ordens maiores. Assim, a contração do crédito vai causar nãoum excesso de investimento em ordens mais baixas, mas simplesmente uma estrutura menor em relação àquela que de outra forma seria estabelecida.

 

  1. Em uma economia sob o padrão-ouro, a contração do crédito é limitada pelo tamanho total do estoque de ouro.

 

  1. Em anos recentes, tem havido — particularmente na literatura dos “países subdesenvolvidos” — muitas discussões sobre “investimentos” governamentais. Entretanto, não pode haver tal tipo de investimento. “Investimento” é definido como gastos feitos não para a satisfação direta de quem os faz, mas para a de outros, principalmente consumidores. Máquinas são produzidas não para servir o empreendedor, mas para servir o consumidor final, que em troca remunera os empreendedores. Mas o governo adquire seus fundos através do confisco feito sobre indivíduos particulares; e o gasto desses fundos, por sua vez, satisfaz os desejos de funcionários do governo. Esses funcionários forçosamente alteraram a produção: ao invés de satisfazer consumidores individuais, agora deve-se satisfazer os burocratas do governo. Esse gasto, portanto, é puro consumo e não pode de nenhuma maneira ser chamado de “investimento”. (É claro que, mesmo que os funcionários do governo não percebam isso, seu “consumo” é, na verdade,desperdício.)

 

  1. Para mais informações sobre os problemas da reserva fracionária dos bancos, veja adiante.

 

  1. Ver W.H. Hutt, “The Significance of Price Flexibility“, em Henry Hazlitt, ed., The Critics of Keynesian Economics (Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1960), pp. 390-92.

 

  1. Estou em dívida com Mr. Rae C. Heiple, II, por ter me apontado essa.

 

  1. Poderia o governo aumentar a proporção investimento-consumo elevando impostos de alguma maneira? Ele não poderia taxar apenas o consumo mesmo se tentasse; e pode ser demonstrado (e o Prof. Harry Gunnison Brown foi bem longe para isso) que qualquer taxação ostensiva sobre o “consumo” se torna, no mercado, um imposto sobre a renda, afetando tanto a poupança quanto o consumo. Se assumirmos que os pobres consomem uma maior proporção de suas rendas em relação aos ricos, podemos dizer que um imposto sobre os pobres usado para subsidiar os ricos irá aumentar a proporção poupança-consumo e, assim, ajudar a curar a depressão. Por outro lado, os pobres não têm necessariamente uma preferência temporal maior do que a dos ricos, e os ricos podem muito bem tratar os subsídios do governo como um lucro inesperado e que deve ser consumido. Ademais, Harold Lubell sustenta que os efeitos de umamudança na distribuição de renda sobre o consumo da sociedade seriam negligenciáveis, mesmo que a proporção de consumo absoluta seja maior entre os pobres. Ver Harry Gunnison Brown, “The Incidence of a General Output or a General Sales Tax“, Journal of Political Economy (Abril, 1939): 254-62; Harold Lubell, “Effects of Redistribution of Income on Consumers’ Expenditures“, American Economic Review(Março, 1947): 157-70.

 

  1. A defesa de qualquer política governamental deve se basear, em última instância, em um sistema de princípios éticos. Não tentaremos discutir ética nesse livro. Aqueles que desejam prolongar uma depressão irão, é claro, apoiar entusiasticamente essas intervenções governamentais, assim como também irão fazê-lo aqueles cuja ambição primária é colocar mais poder nas mãos do estado.

 

  1. Para o tratamento clássico da hiperinflação, ver Costantino Bresciani-Turroni, The Economics of Inflation(London: George Allen and Unwin, 1937).

 

  1. Ver Mises, Human Action, pp. 429-45, e Theory of Money and Credit (New Haven, Conn.: Yale University Press, 1953).

 

  1. Quando o ouro — que até então estava nas reservas do bancos — é transferido para um recém-criado Banco Central, este fica com apenas uma reserva fracionária, fazendo com que, dessa forma, a base total de crédito e a oferta monetária potencial sejam aumentadas. Ver C.A. Phillips, T.F. McManus, e R.W. Nelson, Banking and the Business Cycle (New York: Macmillan, 1937), pp. 24ff.

 

  1. Muitos “bancos estaduais” foram persuadidos a se juntarem ao FRS através de apelos patrióticos e da oferta de serviços gratuitos. Mesmo os bancos que não se juntaram estão efetivamente sob controle do FRS, pois, para poderem obter papel-moeda, eles precisam manter reservas em algum banco que é membro.

 

  1. A média das reservas compulsórias de todos os bancos antes de 1913 foi estimada em aproximadamente 21 por cento. Em meados de 1917, quando o FRS já estava no domínio completo, a média do compulsório era de 10 por cento. Phillips et al. estimam que o impacto inflacionário inerente à criação do FRS (apontado na nota 23) triplicou o poder expansionista do sistema bancário. Assim, os dois fatores (o impacto inerente, e a diminuição deliberada dos compulsórios) se combinaram para inflar em seis vezes o potencial monetário do sistema bancário americano, como resultado da criação do FRS. Ver Phillips et al., Banking and the Business Cycle, pp. 23ff.

 

  1. Os horrores do “wildcat banking”* nos EUA antes da Guerra Civil se originam de dois fatores, ambos relacionados ao governo e não ao sistema bancário livre: (1) Desde o começo do sistema bancário, em 1814 e em todos os pânicos desde então, os governos estaduais permitiram que os bancos continuassem operando, emprestando e cobrando, etc. sem terem que redimir em espécie. Em resumo, os bancos tinham o privilégio de operar sem terem que pagar suas obrigações. (2) Proibições de filiais bancárias interestaduais (que duraram até 1995), adicionado a um sistema de transporte ruim, impediram que os bancos prontamente exigissem que outros bancos mais distantes redimissem suas notas.

 

*Bancos que emitiam suas próprias notas bancárias (papel-moeda). Muitos desses bancos foram organizados mais com o propósito de emitir notas do que receber depósitos e fazer empréstimos. Muitos falharam. O nome vem do fato de eles estarem localizados em áreas de difícil acesso, habitados por gatos selvagens.

 

  1. Mises, Human Action, p. 440.

 

  1. Uma analogia comum diz que os bancos simplesmente contam com o fato de que as pessoas não irão todas redimir suas propriedades de uma só vez, da mesma forma que engenheiros que constroem pontes também operam sob o princípio de que nem todos na cidade irão atravessar a ponte ao mesmo tempo. Mas os casos são inteiramente diferentes. As pessoas que atravessam uma ponte estão simplesmente requisitando um serviço; elas não estão tentando tomar posse de sua propriedade legítima, como no caso dos depositantes bancários. Uma analogia mais conveniente iria defender fraudadores que nunca teriam sido apanhados se alguém não tivesse casualmente inspecionado os livros. O crime ocorre no momento em que a fraude é cometida, não quando ela é finalmente descoberta.

 

  1. Talvez um sistema jurídico libertário consideraria “recibo de depósitos gerais” (que permite que um armazém devolva qualquer bem homogêneo ao depositante) como sendo “recibo de depósitos específicos”, os quais, como recibo de cargas, cautelas de penhores, recibos de docas, etc. estabeleceriam a propriedade sobre objetos específicos e assinalados. Como Jevons declarou, “Costumava-se considerar como regra de lei geral que, qualquer doação ou designação de bens que não existem, era algo fora de uso.” Ver W. Stanley Jevons, Money and the Mechanism of Exchange (London: Kegan Paul, 1905), pp. 207-12. Para uma excelente discussão sobre os problemas da reserva fracionária de dinheiro, ver Amasa Walker, The Science of Wealth (3a. ed., Boston: Little, Brown, 1867), pp. 126-32, esp. pp. 139-41.

 

  1. Alguns escritores criam muito barulho a respeito da ficção jurídica de que o Federal Reserve System “pertence” aos bancos que são membros do sistema. Na prática, isso simplesmente significa que esses bancos são taxados para ajudar a pagar pelo apoio do Federal Reserve. Se os bancos privados realmente fossem “donos” do Fed, então como pode os funcionários do Fed serem indicados pelo governo, e os “proprietários” serem compelidos a “comandar” os conselhos do Federal Reserve por força de um estatuto governamental? Os bancos membros do Federal Reserve deveriam simplesmente ser considerados agências governamentais.

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