Competição e atividade empresarial

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V. O longo prazo e o curto

Nesse capítulo, abordaremos um aspecto do processo competitivo – empresarial a que aludimos, até agora, apenas brevemente: a possibilidade de interpretações alternativas a longo prazo e a curto prazo.  Essa possibilidade, como descobriremos no próximo capítulo, será de grande importância na avaliação normativa do processo.  Além disso, ela fornece, sobre a natureza do processo competitivo – empresarial, novosinsights que são valiosos em si mesmos.  Eles decorrem naturalmente das ideias desenvolvidas nos capítulos anteriores e as complementam.  O fato de, ao perseguirmos esses insights sermos forçados a criticar com vigor a posição ortodoxa sobre a importância e a interpretação da distinção entre longo prazo e curto prazo, ao mesmo tempo justifica e requer um tratamento cuidadoso das questões envolvidas.

A literatura sobre o longo prazo e o curto prazo

Várias ideias bastante diferentes têm sido apresentadas na literatura e descritas como “longo prazo”.  Cada um desses usos da expressão centra sua atenção em algum aspecto mais ou menos importante da tomada de decisões microeconômicas ou do processo de ajuste de mercado.  Já que, nesse capítulo, enfatizarei um aspecto adicional e pouco notado do mercado, para o qual a expressão “longo prazo” parece apropriada, é necessário passar em revista os usos existentes da expressão, a fim de que o leitor possa perceber, sem ambiguidade, o que desejo enfatizar no meu próprio tratamento.

1. A acepção mais comum da expressão “longo prazo” é que ela se refere, simplesmente, a um espaço de tempo de longa duração.  E os economistas têm, de fato, frequentemente utilizado a expressão nesse sentido.  Não se deve esquecer que, a longo prazo, assegurou-nos Keynes, estaremos todos mortos.  Mais importante é que, quando se fala de consequências a longo prazo de uma determinada política ou decisão, ou acontecimento, quer-se dizer das consequências tal como elas se revelam durante um período de tempo ilimitado.  As consequências a curto prazo, ao contrário, referem-se às consequências que se revelam dentro de ‘um período relativamente curto após a decisão ou o acontecimento relevante [1].  É de acordo com essa terminologia, por exemplo, que Stigler distingue entre uma curva de demanda de curto prazo e uma curva de demanda de longo prazo, em que a última reflete as reações a preços alternativos, dado todo o tempo necessário para o completo ajuste desses preços diferentes [2].  Para Marshall, o significado da doutrina segundo a qual “o valor normal de uma mercadoria é aquele que as forças econômicas tendem a provocaralongo prazo” é que esse é “o valor médio que as forças econômicas provocariam se as condições gerais da vida fossem estáticas por um período de tempo longo o suficiente para possibilitar que todas elas produzissem todo o seu efeito” [3].

2. Estreitamente relacionada com o uso precedente do termo é a distinção habitual entre lucros a longo prazo e lucros a curto prazo.  Lucros a longo prazo são aqueles calculados por um empresário com um horizonte muito longo, levando em conta o perfil completo dos fluxos de recebimentos e dispêndios no decurso desse longo período esperado.  Lucros a curto prazo são aqueles computados em antecipação, ao ignorar-se todos os recebimentos e dispêndios que são esperados somente depois de alguma data futura relativamente longínqua.  É em torno desses conceitos que tem girado a controvérsia a respeito do realismo da hipótese de maximização de lucros [4].  É em função desses conceitos que os autores têm discutido possíveis estratégias alternativas para empresas competidoras [5].  E é a pertinência dessa distinção entre objetivos a longo prazo e objetivos a curto prazo da empresa que Alchian criticou severamente, por eliminar “a teoria do capital da teoria da empresa e de grande parte da teoria do preço” [6].

3.  Outro uso da expressão “longo prazo” que está também estreitamente relacionado com a duração do período de tempo permitido para que os ajustes se produzam consiste na noção tradicional de “custos a longo prazo”.  Enquanto o uso tradicional da noção depende, grandemente, da distinção entre “fatores fixos” e “fatores variáveis”, essa distinção expressa-se em termos de duração do período durante o qual se imagina que o produtor faça seus ajustes [7].  Para as curvas de custo de Viner, o curto prazo é um “período que é longo o bastante para permitir qualquer mudança de total de produção tecnologicamente possível, sem alterar a escala da fábrica, mas que não é longo o bastante para permitir qualquer ajuste de escala da fábrica [8].  O “longo prazo” é “um período longo o bastante para permitir que cada produtor faça, na escala da sua fábrica, as mudanças tecnologicamente possíveis que ele deseja fazer” [9].  Ao utilizar essa noção de “longo prazo” para qualificar “custos”, não se está referindo a um horizonte futuro mais distante (como em “lucros a longo prazo”), nem a consequências que se revelam à medida que passam períodos mais longos de tempo (como em “demanda a longo prazo”); GO está-se referindo, ao contrário, à gama de opções com que se depara um produtor que dispõe de todo o tempo necessário para fazer qualquer ajuste que ele possa desejar introduzir.

4.  Essa distinção tradicional entre custos a longo prazo e custos a curto prazo em termos de fatores fixos e variáveis foi fortemente criticada por Alchian.  “Na realidade”, argumenta Alchian, “não existem fatores fixos em qualquer outro intervalo que não seja o instante exato, quando todos são fixos.  (…) Não há restrições tecnológicas ou legais que impeçam alguém de variar qualquer dos seus insumos.  (…) O fato é que os custos de variar os insumos diferem entre insumos, e os coeficientes desses custos variam com o intervalo de tempo dentro do qual a variação deve ser feita” [10].  Alchian então prossegue para construir uma distinção entre custos a curto prazo e a longo prazo, não com base nos períodos de tempo durante os quais alguns fatores são fixos, mas com base nos diferentes custos em que um produtor deve incorrer à medida que varia o tempo disponível para preparar-se para atender à nova demanda.

5.  Hirshleifer propôs preservar a distinção convencional entre custos a curto prazo e custos a longo prazo, interpretando a fixidez de insumos a curto prazo de uma forma que Alchian não considerou.  “O que ‘fixa’ um fator fixo não é que não se pode variá-lo imediatamente, se se quiser, mas que não se quer variá-lo em resposta a uma flutuação apenas temporária na demanda.  (…) Quanto mais permanente se espera que uma mudança em demanda seja, quanto mais racional se torna a ‘desfixação’ de fatores, e então ela tem lugar” [11].  Nesse uso, a expressão “custos a longo prazo” refere-se, então, às opções tal como elas aparecem para um produtor que espera que determinadas condições de mercado persistam por um longo tempo.  (A interpretação de Hirshleifer da distinção convencional entre custos a longo prazo e custos a curto prazo parece coincidir com a que foi detalhada uma década antes por Machlup.) [12].

Não pode haver dúvida de que cada um desses usos da distinção entre longo prazo e curto prazo chama nossa atenção para aspectos importantes das decisões de mercado e da sua interação no mercado.  Ao chamar a atenção, durante o resto deste capítulo, para uma distinção negligenciada que poderia parecer ajustar-se naturalmente a uma terminologia baseada na “duração do prazo”, estou criticando sobretudo autores anteriores por deixarem de notar um aspecto importante do processo de mercado.  Ao mesmo tempo, porém, estarei também argumentando que a distinção “convencional” entre custos a longo prazo e custos a curto prazo parece exigir uma reformulação em termos dessa outra distinção negligenciada.

Sobre custos empatados e o curto prazo

A distinção que desejo enfatizar pode ser melhor introduzida em termos do conceito, largamente aceito, decustos empatados.  Custos empatados, reconhece-se, não são de modo algum custos, do ponto de vista do presente.  Isto é, quando se fizeram despesas passadas e irrecuperáveis, essas despesas não devem afetar, e não afetam de modo algum, quaisquer decisões que estão sendo tomadas agora.  Como o que passou, passou, sacrifícios assumidos no passado, que não podem ser evitados por qualquer via de ação atualmente disponível, simplesmente não afetam as escolhas atuais entre as vias de ação alternativas que estão agora disponíveis.

Decorre daí, portanto, que quando uma empresa se vê com uma determinada fábrica na qual foram incorridas obrigações inevitáveis, suas decisões atuais de produção não precisam (e não devem) levar em conta essas obrigações.  Mesmo se essas obrigações exigem dispêndios atuais em dinheiro por parte da empresa, esses dispêndios não podem, de modo algum, ser considerados custos a “curto prazo”.  Isto é, do ponto de vista dá empresa com aquela sua fábrica, a eficiência ao tomar decisões de produzir não exige que esses dispêndios sejam levados em conta agora.  Em termos do conceito econômico de custo, esses dispêndios não são, de modo algum, custos; desse ponto de vista, eles não envolvem nenhum sacrifício de oportunidade.

Suponhamos agora que alguém tome uma unidade do produto final produzido por uma empresa e se pergunte quanto foi sacrificado a fim de que ela pudesse ser produzida (tanto em base média como marginal).  Deve ser evidente que ao menos duas respostas completamente diferentes podem ser dadas; que cada uma dessas respostas é perfeitamente válida; e que, na verdade, é a ambiguidade da pergunta que é responsável pela multiplicidade de respostas.  Perguntar quanto foi sacrificado para produzir um produto é referir-se a um ponto no tempo quando a decisão de dedicar-se à sua produção foi tomada.  Mas um produto pode ter sido produzido por meio de uma sequência de decisões, as últimas decisões possibilitadas pelas decisões já tomadas.  Nesse caso, é perfeitamente adequado perguntar, com respeito a cada decisão separadamente, o que p produtor planejava sacrificar para obter o produto ao tempo em que essa decisão foi tomada.  Assim, para qualquer produto dado, toda uma série de perguntas pode ser validamente feita sobre o custo a que o produto foi produzido.  E toda uma série de respostas diferentes e igualmente válidas para essas perguntas pode ser dada.

Essa multiplicidade de medidas de custo é perfeitamente apropriada para os fins de custos em geral com que os economistas se preocupam.  Afinal de contas, estamos interessados no custo de produção para compreender as opções alternativas diante dos produtores potenciais que contemplam decisões de produção [14].  Cada uma dessas opções apresenta-se como uma oportunidade de receber receita, fazendo o sacrifício exigido para a produção.  Para compreender a decisão que um produtor toma a qualquer momento dado, devemos levar em conta o sacrifício pertinente envolvido.  Para explicar as decisões tomadas anteriormente, num longo processo de produção (como, por exemplo, justificar uma decisão de construir uma nova fábrica de sapatos), deve-se presumir que se considera que o fluxo de receita esperado com as vendas de sapatos durante a vida útil da fábrica mais que justifique os sacrifícios presentes e futuros (inclusive, especialmente, o custo de construção da fábrica) que o construtor acredita que devem ser assumidos para produzir esse fluxo de receita.  Por outro lado, para explicar as decisões tomadas muito mais tarde, no longo processo de produção (como, por exemplo, justificar a decisão de operar a fábrica em um certo nível de produção), devemos presumir que se considera que o fluxo de receita relevante esperado mais que justifica os sacrifícios exigidos para a produção, uma vez construída a fábrica.  A cifra do último custo, como discutido, não inclui o custo de construção da fábrica.

Parece perfeitamente natural rotular os custos de produção, do ponto de vista de um produtor potencial que, até aqui, não tomou nenhuma medida no longo caminho da produção, como “custos a longo  prazo”.  Esses custos, dessa perspectiva, incluem todos os sacrifícios que ele pensa que deve assumir, desde agora até que tenha finalmente alcançado suas metas de produção.  Por outro lado, parece adequado rotular como “custos a curto prazo” aqueles sacrifícios que o produtor vê-se obrigado a fazer (a fim de produzir seu produto) quando ele já está equipado com uma fábrica.  O que torna esses últimos custos “custos a curto prazo”, deve-se observar, não é que o produtor não está livre para “variar” sua fábrica.  Como Alchian argumentou, não há nada que impeça um produtor de alterar seus insumos de maquinaria.  E, de novo, esses são custos a curto prazo, não por causa de qualquer padrão de expectativa que, por acaso, o produtor alimenta, mas porque, com uma parte do longo processo de produção já executada, a distância restante até a meta final está, assim, mais curta [15].  Na realidade, cada estágio em que devem ser tomadas decisões, durante uma longa sequência de decisões de produção, fornece um “prazo” diferente de custos.  Quanto mais perto a decisão está da meta final de produção, mais curto o prazo dos custos pertinentes.

Nossa interpretação da distinção entre custos de prazo mais curto e mais longo não deixa de estar relacionada com d uso comum (citado acima, no ponto 1), em que o termo longo prazo se refere a um período de tempo suficiente para que todos os ajustes se realizem.  Como se constata empiricamente, é provável que as primeiras medidas nas sequências de decisões de produção (como a construção da fábrica) venham a ser tomadas com relativamente pouca frequência — precisamente porque, uma vez construída uma fábrica, ela representa um recurso disponível que não custa nada.  Assim, o efeito de uma mudança em custos a longo prazo, tal como um aumento na construção da fábrica, só será sentido no mercado à medida que se considerarem períodos cada vez mais longos de tempo.  A curto prazo, só as mudanças em custos a curto prazo se manifestam sob a forma de padrões modificados de total de produção e preço.

Deve-se observar, além disso, que essa interpretação da distinção entre custos a longo prazo e a curto prazo é, sob alguns aspectos, semelhante ao uso comum (citado na seção anterior no ponto 2) que distingue entre lucros a longo prazo e a curto prazo.  Em ambos os usos, as considerações de “longo prazo” chamam atenção para as grandezas que se aplicam a toda a duração de um período de tempo que se espera longo.  Deve-se notar, contudo, que a “brevidade” relevante para “lucros a curto prazo” é de um tipo diferente da que é relevante para “custos a curto prazo”.  No caso de lucros a curto prazo, imagina-se que, por alguma razão inexplicada, o horizonte da empresa está tão próximo que os únicos recebimentos e dispêndios relevantes para o cálculo do lucro são aqueles esperados num futuro próximo.  No caso de nossos custos a curto prazo, por outro lado, a explicação para limitar a atenção aos sacrifícios esperados durante um futuro próximo é apenas uma simples explicação: a meta de produção pode ser alcançada num futuro próximo, já que todas as medidas anteriores necessárias já foram tomadas e não exigem nenhum sacrifício presente.

O fato de autores anteriores terem, geralmente, desprezado esse tipo de distinção entre custos a longo prazo e custos a curto prazo parece refletir uma relutância em aceitar a possibilidade de mais de uma resposta para a pergunta: “Quanto custou produzir um determinado produto?” Consequentemente, a diferença entre o custo a longo prazo de produzir um determinado produto, e seu custo a curto prazo, tem sido buscada nas diferentes circunstâncias sob as quais o produto pode ser produzido, tais como o tempo disponível para a produção ou os, tipos de expectativas alimentadas quando se inicia a produção.  De minha parte, achei perfeitamente compreensível que o custo de produzir um determinado produto possa ser de uma grandeza quando reportado à primeira de uma longa sequência passada de decisões, e de uma grandeza diferente quando reportado a outra decisão nessa sequência.

Procurarei, agora, demonstrar que a distinção entre longo prazo e curto prazo que identificamos no contexto de custos é, meramente, um exemplo de um aspecto geral e profundamente importante do processo competitivo – empresarial que tem sido quase completamente ignorado na literatura.

Custos, lucros e decisões

Podemos ver a generalidade da distinção entre longo prazo e curto prazo, para a qual chamamos a atenção, examinando com mais cuidado o que está envolvido num projeto que exige uma sequência de decisões em que as primeiras decisões são condições prévias para as posteriores.

Como foi discutido, as primeiras decisões (na medida em que elas são tomadas tendo em vista as consequências de toda a sequência de decisões futuras que essas primeiras decisões tornam possíveis) exigem que se comparem todas as consequências futuras positivas com todos os sacrifícios futuros relevantes.  Para as decisões posteriores, os fluxos de consequências positivas e sacrifícios a serem comparados são fluxos a curto prazo.  Quando, ao longo do tempo, a “lucratividade” do projeto está sendo avaliada, é necessário examinar de novo a importância comparativa dos ganhos que foram obtidos com o projeto e dos sacrifícios que foram feitos em seu benefício.  E aqui encontramos, no contexto de lucros, o que já descobrimos no caso de custos — que eles não podem ser tratados abstratamente, mas devem ser reportados a decisões específicas.

Estudantes principiantes da teoria da empresa aprendem que, a curto prazo, pode ser de interesse da empresa continuar a produzir, mesmo se as receitas não cobrem nem os custos “fixos” nem os custos variáveis.  No caso de a receita lograr cobrir além dos custos variáveis, ensina-se aos estudantes, a empresa está produzindo em melhor situação.  Às vezes, isso é explicado asseverando-se que, embora a empresa esteja de fato tendo perdas (porque suas receitas são menores que a soma dos seus custos fixos e variáveis), ela estaria sofrendo perdas ainda maiores se abandonasse o excedente de receita sobre custos variáveis que é possibilitado pela produção.

Deve ser evidente que essa não é a maneira mais proveitosa de explicar por que, desde que as receitas excedam os custos variáveis, é vantajoso continuar a produção.  A verdade, como vimos, é que, para a empresa com determinada maquinaria, os custos “fixos” associados com a maquinaria não são, de modo algum, custos atuais, já que esses dispêndios foram, inevitavelmente, incorridos no passado.  Para a tomada atual de decisões, a curto prazo, eles não são sacrifícios relevantes.  Do ponto de vista de tal tomada de decisões a curto prazo é lucrativo produzir, pela simples razão de que as receitas potenciais da venda da produção prometem exceder os custos de produção relevantes a curto prazo.  É ao mesmo tempo verdade que esse processo de produção deve ser julgado como não tendo sido lucrativo do ponto de vista da decisão a “longo prazo”, tomada no passado, de construir a fábrica.  De um ponto de vista de “longo prazo” (em que são os custos a longo prazo que devem ser comparados com a receita) uma determinada partida de produtos pode ser vista como capaz de gerar uma receita insuficiente para cobrir os custos; ao mesmo tempo, um ponto de vista de mais curto prazo (só os custos a curto prazo são relevantes) pode considerar que a mesma receita, gerada pela mesma partida de produtos, mais que justifica os custos correspondentes.  O mesmo projeto que, agora, é visto como uma proposta perdedora do ponto de vista a longo prazo, poderia ser lucrativo de uma perspectiva a curto prazo.  Uma vez que reconhecemos que a lucratividade de um projeto pode ser avaliada exclusivamente em termos da data da decisão que acionou tal projeto, passa a ser perfeitamente compreensível que, quando mais de uma decisão foi necessária para concluir o projeto, a “lucratividade” deste depende da decisão particular escolhida para a avaliação.  As mesmas receitas que aparecem como excedente sobre custos, quando os custos são avaliados de um ponto de vista, revelam-se necessárias (e, possivelmente, insuficientes) para cobrir os custos, quando estes são avaliados de outro ponto de vista [16].

Resumindo, descobrimos que, tanto para os lucros como para os custos, os mesmos acontecimentos podem merecer rótulos completamente diferentes, dependendo do ponto de vista a partir do qual são avaliados.  A possibilidade de avaliar acontecimentos de mais de um ponto de vista tem por origem; como vimos, a circunstância de que esses acontecimentos são os resultados, não de uma decisão única, mas de uma sequência de decisões indispensáveis.  Como cada decisão na sequência era uma condição prévia para o resultado final, a importância econômica desse resultado final pode ser avaliada em termos de cada uma dessas decisões separadamente.  O resultado dependeu, de fato, de cada uma dessas decisões.  Considera-se que cada uma é “responsável” pelo resultado e, por isso, fornece um ponto de vista legítimo e talvez altamente interessante a partir do qual se pode avaliar o que foi alcançado.

Demonstrarei agora como esse mesmo fenômeno — o de que os mesmos acontecimentos podem ser interpretados de maneiras completamente diferentes, dependendo da “duração do prazo” da interpretação — estende-se ao processo competitivo – empresarial em geral.  Demonstrarei que, como os fenômenos de mercado representam, frequentemente, os resultados de longas cadeias de decisões em que cada uma é uma condição prévia para as decisões posteriores, um processo de mercado que é considerado competitivo de um ponto de vista pode revelar-se monopolístico quando avaliado de um ponto de vista diferente.  Esseinsight importantíssimo é a verdadeira finalidade deste capítulo, e as discussões até aqui devem ser consideradas introdutórias.

Decisões empresariais, o longo prazo e o curto prazo

Para essa discussão, então, sem pedir desculpas, utilizarei as expressões longo prazo e curto prazo no sentido sugerido pelo meu tratamento de custos e lucros.  Uma visão a mais longo prazo será aquela que se tem a partir da perspectiva de uma decisão anterior numa sequência (em que as primeiras decisões são condições prévias para as decisões posteriores); uma visão a mais curto prazo será, aquela que se tem a partir da perspectiva de uma decisão posterior na sequencia.  Com essa terminologia, e com os insights das seções anteriores em mente, examinemos uma vez mais a natureza da tomada de decisões empresariais.

Recorde-se que a atividade empresarial “pura” envolve uma decisão de comprar num mercado, com a intenção de revender a um preço mais alto num segundo mercado.  Temos aqui uma sequência de decisões, em que a primeira, a de comprar, é uma condição prévia para a decisão subsequente de vender.  Claramente, então, toda sequência empresarial concluída pode ser avaliada de um ponto de vista a longo prazo (isto é, antes da decisão de comprar) ou de um ponto de vista a curto prazo (imediatamente antes da decisão de vender).  Se a compra e venda empresarial tomou a forma de uma transação de arbitragem, em que os compromissos de comprar e vender são simultâneos, esses dois pontos de vista coincidirão completamente.  Mas se o compromisso final de vender foi tomado somente depois da decisão de comprar, há lugar paradiferentes interpretações da sequência de decisões empresariais, dependendo do fato de se adotar uma perspectiva a longo ou a curto prazo.

Vale lembrar, ademais, que num mundo de conhecimento imperfeito, as atividades dos produtores são, quase invariavelmente, empresariais.  A decisão de produzir envolve uma decisão de comprar insumos no mercado de meios de produção, a fim de vender o produto (resultante desses insumos) com lucro no mercado de produtos.  Contando que a entrada seja livre, como vimos no capítulo 3, um empresário-produtor está sujeito à competição de outros empresários-produtores.  Só quando, por acaso, o produtor é o único proprietário de um recurso necessário, de modo que a entrada de outros empresários na sua linha de produção está excluída, ele é capaz de monopolizar sua atividade produtiva específica.  O fato de ser ele proprietário monopolista do recurso essencial, como vimos, desvia a atividade empresarial para a produção de outros produtos (ou, pelo menos, para outros métodos de produção).  Examinemos agora a possibilidade (mencionada no final do capítulo 3) de que um produtor, que é o único proprietário de um determinado recurso, tenha ganho sua posição de monopólio comprando todos os direitos para esse recurso.  Durante a maior parte do capítulo 3, considerei os produtores monopolistas que se “descobriram” proprietários únicos de determinados recursos como uma consequência da distribuição de recursos “dada” inicialmente.   Agora, desejo tratar do caso do produtor que se tornou proprietário monopolista de um recurso em virtude da sua própria atividade empresarial como comprador de recursos.  Temos aqui um caso em que a possibilidade de interpretações diferentes da atividade empresarial a longo ou a curto prazo torna-se diretamente relevante.

O caso que desejo examinar é aquele em que um empresário comprou todo o suprimento disponível de um recurso e depois, tendo, desse modo, se estabelecido numa posição de monopólio, prosseguiu para explorar essa posição por meio de suas decisões de produção e determinação do preço do produto.  Quando se procuram descrever as decisões de produção e fixação de preços desse empresário do ponto de vista que considera sua propriedade do recurso como dada, deve-se descrevê-las, simplesmente, como decisões de um monopolista.  A propriedade do recurso, exclusiva do produtor, fornece-lhe alguma proteção contra a competição de outros empresários que poderiam tentar produzir o que ele quer produzir.  Como a entrada nessa atividade produtiva específica está, assim, bloqueada para os empresários competidores, sua atividade competitivo – empresarial é desviada para outros canais.  A propriedade monopolista do recurso pelo produtor distorceu, assim, o processo competitivo de mercado.  Como o monopolista do recurso está, na medida que sua posição de proprietário monopolista permite, protegido contra a competição de outros, ele pode achar possível garantir um lucro de monopólio, restringindo a utilização do seu recurso monopolizado.  Tudo isso parece a descrição perfeitamente normal de uma situação de monopólio, tal como ela foi analisada no capítulo 3.

Nossas discussões anteriores neste capítulo, porém, alertaram-nos para a possibilidade de que os mesmos acontecimentos possam ser descritos em termos completamente diferentes, dependendo do ponto de vista no tempo.  Deve ser evidente que, no nosso caso presente, temos diante de nós mais um exemplo dessa possibilidade.

Se tentamos categorizar o caso em pauta do ponto de vista de longo prazo, isto é, da data antes daaquisição, pelo “monopolista”, de todo o suprimento do recurso essencial, as coisas aparecem sob um enfoque completamente diferente.  Antes que nosso produtor adquirisse controle único da oferta do recurso, ele não era de modo algum um monopolista.  Ele não estava, para fabricar o produto desejado, em posição melhor que qualquer outro empresário-produtor potencial.  Outros produtores poderiam, se quisessem, ter comprado um pouco (ou todo) do suprimento do recurso, com a finalidade de fabricar o produto.  Seu fracasso em fazê-lo reflete, presumivelmente, seu fracasso em perceber a lucratividade dessa linha de produção (isto é, aparentemente, eles não só não viram lucro em produzir parte do suprimento do produto, como nem mesmo esperavam lucro do controle único do suprimento).  Nosso produtor que, sábia ou desavisadamente, comprou todo o suprimento do recurso, acreditava que seu uso na produção do produto prometia lucros suficientemente altos para tornar o empreendimento interessante, pelo menos enquanto ninguém mais possuísse o recurso.  Seu estado de alerta empresarial ao adquirir esse recurso antes dos seus concorrentes é, assim, a base do curso subsequente dos acontecimentos.  Sua compra do recurso, num campo que estava livremente aberto a todos os empresários, foi, certamente, um passo normal no processo competitivo – empresarial não distorcido.  Sua posição única subsequente no mercado de produtos, quando avaliada do ponto no tempo antes que ele adquirisse o recurso, aparece exatamente como o resultado de qualquer outra medida empresarial bem sucedida.  Os lucros que nosso produtor é capaz de assegurar, ao explorar sua posição única, aparecem, desse ponto de vista, como lucros empresariais abocanhados pelo empresário mais alerta num mercado competitivo.  Exatamente os mesmos recebimentos que, do ponto de vista a curto prazo (tomando-se sua perspectiva a partir de depois da aquisição do recurso), aparecem como rendas de monopólio adquiridas pela exploração da propriedade única do recurso, revelam-se lucros empresariais puros (sem nenhuma relação com a propriedade de qualquer recurso) quando reportados, a partir de uma perspectiva a longo prazo, à decisão empresarial original à qual eles devem ser atribuídos (isto é, a decisão de comprar o recurso).  Do ponto de vista de curto prazo, os lucros do produtor originam-se do seu monopólio do recurso; do ponto de vista de longo prazo, esses lucros originam-se, não da propriedade do recurso, mas da decisão de adquirir o recurso [17].  Nenhuma das descrições é menos “verdadeira” que a outra; da sua própria perspectiva, cada descrição é a única descrição correta e relevante.

Alguns casos adicionais

É instrutivo comparar o caso que acabamos de discutir com o caso de um empresário que, sem propriedade única de recursos e com a entrada na sua linha de produção livremente aberta, é, ainda assim, o único produtor do seu produto.  No capítulo 3, insistimos em não classificar como monopolista esse empresário.  Assinalei que a única razão de esse empresário ser o único produtor do seu produto é a diferença entre seu próprio julgamento empresarial e os julgamentos de outros empresários.  Outros não veem nenhum lucro nessa linha de produção; o empresário produtor, certo ou errado, acredita que descobriu uma atividade lucrativa.  Os fatos de p empresário produtor ser o único vendedor do seu produto e de a curva de demanda para ele ser a de todo o mercado para o produto não qualificavam de modo algum sua atividade como a de um monopolista.  Ele é um empresário que, num campo de competição aberta, percebeu como lucrativa uma atividade que outros não perceberam assim.

Deve-se notar que, nesse caso (o caso do empresário que é o único produtor de um produto sem propriedade monopolista do recurso), sua atividade é perfeitamente competitiva, não só do ponto de vista do longo prazo, como também do ponto de vista do curto prazo.  O empresário não só enfrentava competição aberta quando tomou a decisão de adquirir os recursos para o seu produto, como continua a enfrentar a mesma competição, mesmo depois que adquiriu os recursos, já que não adquiriu controle único sobre todo o suprimento do recurso.  Caso sua atividade se revele lucrativa, podemos esperar que, mais cedo ou mais tarde, outros empresários entrarão nesse campo e erodirão seus lucros empresariais.

O que distingue esse último caso, então, do caso do proprietário monopolista de recurso discutido antes é a possibilidade da erosão futura dos lucros.  Estando um recurso monopolizado para sempre, os lucros de monopólio possibilitados pela propriedade do recurso não podem minguar devido a qualquer processo competitivo.  Embora, como vimos, a atividade do produtor (com propriedade monopolista do recurso) deva ser descrita como plenamente competitiva, do ponto de vista a longo prazo, isso não significa que, se permitimos que tempo bastante se passe, seus lucros serão varridos por meio de qualquer processo de competição a “longo prazo”.  Nesse caso, seu julgamento empresarial mais competente não fará com que suas decisões sejam emuladas, porque esse julgamento fez com que ele impedisse outros de reproduzirem sua atividade.  A única coisa que podemos querer dizer, ao descrever a atividade do produtor com propriedade única de recursos como plenamente competitiva, do ponto de vista do longo prazo, é que não havia nada, no estado do mercado antes que ele adquirisse o recurso, que inibisse o curso normal do processo empresarial-competitivo (e que, de fato, sua compra do recurso era totalmente coerente com esse processo).  Evidentemente, se é possível esperar que o suprimento do recurso assim adquirido seja periodicamente renovado (de modo que o produtor adquiriu somente um monopólio temporário), então a liberdade de entrada de outros empresários no mercado desse recurso tenderá, dando-se o tempo suficiente, a eliminar todos os lucros derivados dessa linha de produção (como para todas as linhas de empenho empresarial).  Mas é ainda verdade que, enquanto durar o monopólio do recurso do produtor, ele será capaz de explorar sua posição única, sem medo da competição de outros que produzam exatamente o que ele está produzindo, mesmo se, do ponto de vista do longo prazo, seu lucro é visto como lucro empresarial ganho num mercado plenamente competitivo.

Um caso especial surge quando a competição empresarial no mercado de recursos força o preço do recurso para cima, até o ponto em que seu valor de mercado reflete, plenamente, o valor de capital do fluxo de receitas de monopólio a serem obtidas com sua exploração (de modo que, a despeito da aquisição de todo o suprimento do recurso por aquele que oferece o lance mais alto, sua posição de monopólio não gera mais lucros, vista do ponto de vista do longo prazo) [18].  Podemos imaginar uma linha de produção caracterizada por marcadas economias de escala, de modo tal que a produção seria realizada da maneira mais econômica “se uma única empresa produzisse para todo o mercado.  Então a vigorosa competição empresarial no mercado de recurso poderia tratar todo o suprimento do recurso como uma unidade indivisível e, assim, tender a oferecer lances mais altos para seu preço, a fim de eliminar lucro subsequente.  Mas o que oferecesse o lance mais alto, uma vez adquirido por ele todo o suprimento do recurso, iria ainda tomar suas decisões de produção “monopolisticamente” — isto é, de uma forma que restringisse o uso do recurso monopolizado, de modo a maximizar o excedente de receitas sobre dispêndios para os recursos não monopolizados utilizados.  (Caso ele não fizesse isso, não só ele não estaria obtendo lucros, no sentido a longo prazo, como estaria, na realidade, perdendo dinheiro, já que a competição no mercado de recursos fez com que aumentassem os dispêndios para o recurso monopolizado, a fim de prever tal excedente máximo.)

Esse caso especial deve ser comparado àquele em que a entrada numa linha de produção caracterizada por poderosas economias de escala não depende da posse prévia de um determinado recurso.  (Podemos imaginar uma linha de produção que exige apenas recursos disponíveis em tal abundância no mercado que não podem ser monopolizados.) Num caso tal, pode-se novamente esperar que a vigorosa competição empresarial tenda para a emergência de um produtor único.  Mas /lesse caso, a competição não só tenderá para a eliminação do lucro, como também o fará sem qualquer subutilização de recursos que possa ser associada ao monopólio de recursos [19].

Observações adicionais sobre competição a longo prazo e monopólio a curto prazo

A literatura não se refere com frequência à possibilidade de que a atividade de um produtor monopolista possa, de um ponto de vista de mais longo prazo, ser tomada como plenamente competitiva.  Contudo, alguns notaram que uma posição de monopólio pode ser conquistada por meio de competição e atividade empresarial.  E é interessante observar como os autores que fizeram observações a esse respeito trataram o fenômeno.  Há um tempo atrás, numa passagem um tanto confusa, Schumpeter discutiu o caso em que uma nova combinação empresarial consiste de um truste protegido contra competição externa.  “Pôr em prática uma organização monopolística é uma ação empresarial e seu produto é expresso em lucro.  Uma vez funcionando sem percalços, a fábrica, nesse caso, continua ganhando um excedente que, daí em diante, porém, deve ser imputado às forças naturais ou sociais sobre as quais repousa o monopólio — tornou-se uma receita de monopólio.  O lucro derivado da fundação de um negócio e o retorno permanente são distinguidos na prática; o primeiro é o valor do monopólio, o último é, simplesmente, o retorno pela situação de monopólio” [20].  Essa passagem parece distinguir entre o que acontece quando o truste é formado e o que acontece depois.  A formação do truste é uma ação empresarial lucrativa que produz um lucro imediato (que é o valor capitalizado do futuro fluxo de receitas de monopólio a serem esperadas do truste).  O último fluxo de receitas do monopólio é, simplesmente, o retorno normal sobre os recursos e os arranjos sociais que tornaram essas receitas possíveis.  Escrevendo muito mais tarde, Schumpeter refere-se à possibilidade de “um elemento de ganho genuíno de monopólio nesses lucros empresariais: os prêmios oferecidos por uma sociedade capitalista ao inovador bem sucedido” [21].  Mas, aqui, ele parece se referir a uma parte do lucro empresarial total que deriva da posição de monopólio (possibilitada por inovação patenteada).  Samuelson, por outro lado, parece ter reconhecido que, quando há liberdade de entrada para a possibilidade de assegurar lucros de monopólio (por meio de inovação patenteada), os ganhos percebidos, ex-post, como lucros de monopólio, são, do ponto de vista ex ante, simplesmente um incentivo à inovação empresarial criadora [22].

Uma percepção particularmente clara do papel da competição empresarial em assegurar posições únicas (se não monopolísticas) é aquela apresentada por Heflebower.  Na sua discussão das posições diferenciais de mercado ganhas por empresas, Heflebower enfatiza que a posição de uma empresa define os tipos de atividade em que ela é capaz de se engajar, e que isso engloba atributos diferenciais adquiridos por habilidade passada e sorte [23].  “Uma vez alcançada uma forte posição como vendedor diferenciado, isso se parece com uma fortificação bem projetada: se mantida e adaptada para desenvolvimentos de meios utilizáveis de defesa, aqueles que a desafiam (…) devem ter uma força de ataque muito maior”.

O que emerge, então, da nossa discussão de interpretações a longo prazo e a curto prazo do monopólio, bemcomo das referências na literatura à aquisição competitiva de posições superiores, é um insightextremamente enriquecido do caráter do processo empresarial – competitivo de mercado.  A qualquer momento dado, o mercado apresenta uma série de gostos dos consumidores, um padrão de propriedade de recursos, e um conjunto de possibilidades tecnológicas (em que os recursos podem ser utilizados para satisfazer aos desejos dos consumidores).  Com conhecimento imperfeito, é inevitável que, em qualquer período dado de tempo, o padrão de transações e processos de produção que estão sendo iniciados no mercado deixe de refletir, plenamente, as realidades do mercado.  As frustrações e lamentos gerados pela experiência no mercado (à medida que os planos de produção e de consumo são forçados a enfrentar os verdadeiros fatos do mercado) forçam mudanças nesses planos.  O curso das mudanças de planos assim impostas aos participantes do mercado é liderado pelo estado de alerta de empresários à medida que eles se tornam conscientes da existência de oportunidades de lucro até então inexploradas, ou do potencial de prejuízo de alguns dos padrões existentes de atividade.  No caso de a entrada ser livre, essa atividade competitivo – empresarial resulta na mudança contínua das qualidades dos produtos, métodos de produção e padrões de contratação de recursos, por meio das mudanças nos preços ofertados e pedidos por empresários.

Como foi esclarecido no capítulo 3, o processo de mercado é competitivo, no sentido de que cada oportunidade, de comprar ou de vender, que um tomador de decisões põe à disposição do mercado é oferecida com plena consciência “empresarial” de que ela deve ser um tanto mais atraente que as oportunidades que serão, provavelmente, ofertadas por outros.  Com a entrada livre para todos os recursos, como vimos, o curso do processo de mercado gerado pela competição empresarial será regido pela rapidez com que os diversos empresários alerta ficam sabendo de oportunidades rivais que eles devem superar.  Como situação especial, discutimos a distorção introduzida nesse processo pela propriedade monopolista de um recurso.  Investigamos de que maneira tal propriedade pode gerar um padrão de produção que, deliberadamente, subutiliza o recurso monopolizado, desviando o curso da atividade empresarial rival para outros canais.

Reconhecer a necessidade de examinar situações de monopólio não somente do ponto de vista de curto prazo, como também do ponto de vista de longo prazo, ajuda-nos a compreender melhor esse processo competitivo – empresarial.  No capítulo 3, vimos situações de monopólio, como consequência da distribuição da propriedade de recursos “dada”, não ser explicada.  Vemos agora que o próprio curso da competição empresarial pode gerar, repetidas vezes, padrões pelo menos temporários de propriedade de recursos que impedem empresários subsequentes de reproduzirem, imediatamente, o que os empresários mais alerta descobriram que é lucrativo produzir.  Se, como será habitualmente o caso, a propriedade monopolista de recursos assim conquistada é apenas temporária, o ponto de vista do longo prazo apresenta um quadro plenamente competitivo, com os lucros temporários ganhos pelos empresários alerta atraindo seguramente emulação que, mais cedo ou mais tarde, espremerá todos os lucros.  (Do ponto de vista do curto prazo, esse caso apresenta o empresário alerta como beneficiário de uma posição temporária de monopólio [24], que ele pode explorar pelo tempo que durar sua singularidade.) Onde a atividade empresarial alerta adquiriu controlepermanente dos direitos a todo o suprimento de um recurso, temos então a possibilidade de monopólio permanente do recurso (com monopólio permanente dos processos de produção pertinentes), monopólio esse que, embora imune à emulação eliminadora de lucros dos empresários competidores, deve, ainda assim, ser reconhecido como consequência da atividade empresarial livremente competitiva.  Tanto da perspectiva positiva quanto (como discutiremos no capítulo seguinte) do ponto de vista normativo, portanto, é necessário ter em mente as múltiplas facetas apresentadas pelos fenômenos de mercado, tal como elas são determinadas pela “duração do prazo” do ponto de vista adotado.

Tudo isso sublinha a característica essencial do processo de competição com rivalidade (em oposição ao “estado competitivo” da teoria ortodoxa do equilíbrio).  A essência desse processo é a percepção, pelos empresários, de posições temporariamente vantajosas que estão disponíveis para serem agarradas (através da realocação da utilização dos recursos).  A “temporariedade” da vantagem oferecida pode, porém, variar em grande escala.  Numa extremidade do espectro de “temporalidade”, está a oportunidade passageira de lucro que, uma vez percebida e explorada, é quase imediatamente copiada por uma massa de outros empresários, de modo que a “vantagem” oferecida é destruída quase imediatamente.  Se nenhum recurso é “controlado” (por um período mais longo que o necessário para que outros empresários vejam o que está acontecendo), o processo não revela nenhum elemento de monopólio [25].  Posições vantajosas de uma impermanência ligeiramente menor podem ser imaginadas à medida que aumenta o tempo necessário para reunir os recursos necessários para a emulação.  Dependendo da tecnologia de produção, das condições do mercado que cercam a aquisição do recurso, e da psicologia da demanda de consumo, os empresários competidores podem descobrir que, mesmo depois que eles descobriram o segredo do sucesso do empresário pioneiro, seu avanço tornou-o imune aos imitadores, por períodos de durações diversas.  Mais cedo ou mais tarde, o processo empresarial surtirá seus efeitos; os lucros tenderão, mais cedo ou mais tarde, a murchar.  Nesses casos, as por nós chamadas posições de monopólio a curto prazo revelam-se também meramente temporárias.  Somente no outro extremo do espectro, onde se pode imaginar que a vantagem assegurada por um empresário alerta lhe dê controle permanente sobre um recurso necessário, o que chamamos de monopólio a curto prazo pode também ser concebido como permanente.  A rivalidade na competição consiste em explorar vantagens temporárias.  A surpreendente variedade de situações possíveis, acompanhadas por posições empresariais com vantagens de impermanência de graus igualmente variáveis, é capaz de explicar a complexidade do mundo real da produção.  Perceber o funcionamento da competição empresarial através dessas complexidades exige uma consciência não só da temporariedade da vantagem empresarial, como também da diferença entre a compreensão a longo prazo e a curto prazo do processo de mercado.

Essa discussão enfatiza ainda mais minha insatisfação com o tratamento que a teoria ortodoxa do preço (especialmente no ponto em que ela deriva da teoria da competição monopolística) dá a fenômenos tais como a publicidade, a diferenciação de produto, e ao papel das exigências de capital como bloqueios à entrada.  Com observei nos capítulos anteriores, esse fenômenos têm, quase invariavelmente, sido identificados como elementos monopolísticos no mercado.  Insistimos em reconhecer que a publicidade e a diferenciação de produto são armas estratégicas no arsenal competitivo de empresários rivais.  A conquista de uma posição empresarial vantajosa por meio da publicidade ou outras técnicas de diferenciação de produto é feita sem qualquer posição prévia vantajosa e é, assim, plenamente competitiva.  A vantagem temporária assim assegurada não é competitiva só nessa visão “a mais longo prazo” do processo; ela é ainda competitiva no sentido de que os competidores, tão logo ficam sabendo de oportunidades a serem exploradas por meio dessas técnicas, estão livres para adiantar-se imediatamente Rara compartilhar dessas possibilidades — e, assim, eliminá-las.  (Onde, além disso, foram feitos investimentos anteriores num estoque, ou equipamento produtivo especializado, a atividade de venda pode ser vista como a exploração “a curto prazo” do capital empatado assim representado.)

Exigências de capital em larga escala são, frequentemente, citadas como um bloqueio à entrada e, assim, como uma causa poderosa de monopólio [26].  Para nós, tais exigências são vantagens temporárias tidas por empresas existentes como consequência da ausência de custo do capital empatado e do tempo necessário para acumular massas de capital competidor.  Insistimos, além disso, em recordar que as empresas titulares, que se dedicaram outrora a reunir o capital empatado, fizeram isso sem vantagem prévia.  Não somente.a competição de novas empresas (mesmo com poderosas economias de escala) forçará as empresas titulares, mais cedo ou mais tarde, a seguir políticas voltadas para eliminar os lucros, como se deve reconhecer que (do ponto de vista do longo prazo) mesmo a vantagem temporária desfrutada pelas empresas pioneiras origina-se do exercício pleno da atividade empresarial competitiva, por parte dos pioneiros de visão.  Voltaremos, no capítulo 6, a um exame normativo de algumas das questões levantadas pelos insights do presente capítulo.

 

NOTAS

[1]. Mises assinalou que, ao elaborarem-se as consequências a longo prazo de mudanças nos dados, leva-se em conta, inevitavelmente, as consequências a mais curto prazo. “A análise a longo prazo inclui sempre, necessariamente, a análise a curto prazo” (Human Action [New Haven: Yale Unversity Press, 1949], p. 649).

[2]. G.J..Stigler, Theory of Price, 3? ed. (Nova York: Macmillan, 1966), pp. 26 passim.

[3]. A. Marshall, Principles of Economics 8? ed. (Londres: Macmillan, 1920), p. 347.

[4]. Ver, por exemplo, F. Machlup, The Economics of Sellers’ Competition (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1952), pp. 426 passim.

[5]. Ver, por exemplo, H.R. Edwards, Competition and Monopoly in the British Soap Industry, p.  51, e sua referência a J.R.  Hicks, “The Process of Imperfect Competition”, Oxford Economic Papers (fevereiro de 1954): 45.

[6]. A. Alchian, “Costs and Outputs”, em The Allocation of Economic Resources, ed. Abramovitz et ai. (Stanford: Stanford University Press, 1959), p. 37.

[7]. A esse respeito, ver F. Machlup, Essays in Economic Semantics (Nova York: W.W. Norton, 1967), p. 52.

[8]. J. Viner, “Cost Curves and Supply Curves”, Zeitschrift fur National-Okonomie 3 (setembro de 1931): 26.

[9]. Ibid., p. 28.

10]. Alchian, “Costs and Outputs”, p. 33. Ver também L. DeAlessi, “The Short Run Revisited”, American Economic Review 51 (junho de 1967): 450-61; R.E. Lucas, “Adjustment Costs and the Theory of Supply”,Journal of Political Economy 75 (agosto de 1967): 321-34.

[11]. J. Hirshleifer, “The Firm’s Cost Function: A Successful Reconstruction?” Journal of Business 35 (julho de 1962): 250.

[12]. Machlup, Economics of Sellers’ Competition, p. 40.

[13]. Ver P.A. Samuelson, Economics, 8? ed. (Nova York: McGraw-Hill, 1970), p. 443; A. Alchian e W.R. Allen,University Economics (Belmont, Calif.: Wadsworth, 1964), p. 283; M. Friedman, Price Theory (Chicago: Aldine, 1962), p. 98; I.M. Kirzner Market Theory and the Price System (Nova York: Van Nostrand, 1963), p. 190 passim.

[14]. Para uma discussão sobre as diversas abordagens possíveis do papel dos custos na teoria econômica, ver J.M. Buchanan, Cost and Choice (Chicago: Markham, 1969), especialmente caps. 1-3.

[15]. Para uma formulação da distinção longo prazo-curto prazo em termos semelhantes a esses, ver Alchian e Allen, University Economics, pp. 338-40.

[16]. Claramente, a distinção entre lucros a longo prazo e lucros a curto prazo enfatizada aqui deve ser nitidamente distinguida da discutida acima, pp. 142-143.

[17]. Deve-se, evidentemente, enfatizar que os lucros a longo prazo que fornecem esse incentivo para atividade empresarial competitiva devem estar poí vir somente através da possibilidade percebida de restrição monopolística. Logo, é essa possibilidade que dirige a atenção do empresário para essa oportunidade específica. Poderia parecer, além disso, que o processo empresarial deveria gerar uma tendência para o monopólio (sem lucros) de recursos, com empresários competidores, determinados a conquistar uma posição de monopólio, dando lances cada vez mais altos para o preço (para todo o suprimento do recurso como uma unidade) para refletir o valor pleno dos futuros lucros de monopólio. O que opera para contrabalançar essa tendência, evidentemente, são as transações e policiamento de custos envolvidos em reunir e manter controle completo sobre um recurso com uma propriedade largamente disseminada. Para uma discussão da instabilidade inerente dos cartéis, ver, por exemplo, Machlup, Economics of Sellers’ Competition, pp. 477-518. Ver também D. Dewey, Imperfect Competition: A Radical Reconstruction (Nova York: Columbia University Press, 1969), pp. 119 passim.

[18]. Ver também cap. 5, n. 17.

[19]. Demsetz realmente criticou o argumento de “monopólio natural” para a regulação das empresas de serviço público por desprezar esse caso (ver H. Demsetz, “Why Regulate Utilities?” Journal of Law and Economics 11 [abril de 1968]: 55-56). Como Demsetz observa (p. 58), sua demonstração da possibilidade de um único produtor emergir com preços não mais elevados que os custos de produção pressupõe (como demonstrei aqui no texto) acesso livre a todos os insumos necessários. Quando leva tempo para reproduzir uma fábrica, um único produtor que possua uma fábrica está, temporariamente, numa posição privilegiada. Assim, o caso das empresas de serviços públicos pode, pelo menos a curto prazo, ser considerado mais semelhante ao caso examinado no parágrafo anterior, do que ao que é discutido aqui.

[20]. J.A. Schumpeter, The Theory of Economic Development (Cambridge: Harvard University Press, 1934), p. 152. Triffin interpreta essa passgem como fazendo uma distinção entre “lucro de monopólio” e “receita de monopólio” (R. Triffin, Monopolistic Competition and General Equilibrium Theory [Cambridge: Harvad University Press, 1940], p. 163).

[21]. J.A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy (Nova York: Harper and Row, 1962), p. 102.

[22]. P.A. Samuelson, “Intertemporal Price Equilibrium: A Prologue to the Theory of Speculation”,Weltwirtschaftliches Archiv 79 (dezembro de 1957): 210.

[23]. R.B. Heflebower, “The Theory and Effects of Nonprice Competition”, em Monopolistic Competition Theory: Studies in Impact, ed. R.E. Kuenne (Nova York: John Wiley, 1967), pp. 188-90.

[24]. Na literatura, os monopólios temporários são às vezes identificados como “monopólios a curto prazo”. Ver, por exemplo, Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy, pp. 99, 102.

[25]. Contrastar com as afirmações na literatura associando toda inovação empresarial com o monopólio, como, por exemplo, F.H. Knight, “An Appraisal of Economic Change: Discussion”, American Economic Review44 (maio de 1954): 65. Ver também acima, cap. 3, n. 26.

[26]. Para discussão, ver J. Bain, Barriers to New Competition (Cambridge: Harvard University Press, 1956), caps. 3,5. Ver também G. J. Stigler, “Imperfections in the Capital Market”, Journal of Political Economy 75 (junho de 1967): 287-92.

 

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