Deflação, livre ou compulsória

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N. do T: com o agravamento da recessão mundial, o temor de alguns “especialistas”, como Guido Mantega, é que haja deflação mundial em 2009. Conquanto de fato haja essa hipótese, ainda que nada duradoura caso de fato ocorra, seria bom que as pessoas se conscientizassem de que uma queda nos preços, principalmente num ambiente de recessão, longe de ser uma catástrofe, pode ser considerada uma benção. Rothbard dá seu parecer sobre as três formas possíveis de deflação, citando inclusive o confisco brasileiro.

Poucas ocorrências têm sido mais temidas e vilipendiadas na história do pensamento econômico do que a deflação. Mesmo David Ricardo, um teórico perceptivelmente pró-moeda forte, era excessivamente desconfiado quanto a deflação; e uma fobia explícita em relação a uma queda nos preços tem sido o ponto central tanto do pensamento keynesiano quanto do monetarista.

Tanto as políticas de crédito fácil quanto o gasto inflacionário sugeridos por Irving Fisher e pela antiga Escola de Chicago, bem como a famosa “regra” friedmaniana das taxas fixas de crescimento da oferta monetária, originaram-se do fervoroso desejo de impedir, pelo menos no longo prazo, que os preços caiam.

É exatamente pelo fato de o livre mercado e o padrão-ouro puro levarem inevitavelmente a preços decrescentes que os monetaristas e os keynesianos conjuntamente louvam o papel-moeda sem lastro e de curso forçado. Entretanto, uma coisa é curiosa: enquanto que uma deflação livre ou voluntária é invariavelmente vista com horror, houve uma aprovação quase que geral em relação às medidas deflacionárias draconianas, ou compulsórias, adotadas na história recente – especialmente no Brasil e na União Soviética -, quando se tentou reverter uma severa inflação.

Mas antes – e principalmente pelo fato de vivermos em uma época de ofuscação semântica em relação a assuntos monetários – algumas clarificações são necessárias. “Deflação” é normalmente definida como uma queda generalizada nos preços, conquanto também possa ser definida como um declínio na oferta monetária, o que obviamente também levará a preços menores. É particularmente importante fazer uma distinção entre duas ações: mudanças nos preços, ou na oferta monetária, resultantes de alterações voluntárias das ações ou valorações que as pessoas fazem no livre mercado, e mudanças deliberadas na oferta monetária impostas por coerção governamental.

A deflação de preços no livre mercado tem sido a vítima preferida dessa fobia anti-deflacionária, tendo sido acusada de causar depressões, contração na atividade empreendedorial e desemprego. Existem três possíveis causas para esse tipo deflação. Em primeiro lugar, um aumento na produtividade e o conseqüente aumento na oferta de bens tende a diminuir os preços no livre mercado. E foi isso que de fato aconteceu durante a Revolução Industrial no Ocidente, a partir de meados do século XVIII.

Ao invés de um problema a ser temido e combatido, uma queda de preços oriunda de um aumento na produção é uma formidável tendência de longo prazo em um ambiente de capitalismo desimpedido. As características da Revolução Industrial foram (1) preços decrescentes, que geraram um aumento no padrão de vida de cada pessoa; (2) custos decrescentes, que mantiveram a lucratividade geral dos negócios; e (3) salários nominais estáveis, cuja conseqüência foi um aumento constante dos salários reais em termos de poder de compra.

Esse é um processo que deve ser aclamado e bem vindo ao invés de reprimido e erradicado. Infelizmente, o inflacionário sistema de papel-moeda inconversível e de curso forçado, vigente desde a Segunda Guerra Mundial, nos fez esquecer essa verdade evidente, e nos acostumou a um horizonte econômico perigosamente inflacionário.

Uma segunda causa de deflação de preços em uma economia livre é quando há um desejo generalizado de se “entesourar” dinheiro – quando as pessoas aumentam a quantidade de dinheiro que querem guardar consigo -, o que faz com que o estoque de “efetivo em caixa” tenha um valor real maior em termos de poder de compra. Mesmo os economistas que aceitam a legitimidade do primeiro tipo de deflação reagem com horror a esse segundo tipo, e exigem que o governo imprima dinheiro rapidamente para impedir que ele ocorra.

Mas o que há de errado com as pessoas desejarem um valor real maior para seu disponível líquido? E por que esse desejo dos consumidores, no livre mercado, deveria ser impedido enquanto outros são satisfeitos? O mercado, com seus perceptivos empreendedores e seu sistema de preços livres, é uma rede interconectada e entrelaçada de agentes, composta de inúmeras partes que se integram de maneira intrincada, porém eficiente. E essa intrincada rede é capaz de se engrenar de forma a se ajustar rapidamente a quaisquer mudanças ocorridas nas valorações dos consumidores.

Qualquer “desemprego” de recursos é conseqüência de uma falha das pessoas se ajustarem às novas condições, insistindo em preços ou salários reais excessivamente altos. Tais falhas seriam rapidamente corrigidas se o mercado tivesse a liberdade de se adaptar – ou seja, se o governo e os sindicatos não interviessem para atrasar e tolher o processo de ajuste.

Uma terceira forma de deflação de preços guiada pelo mercado advém de uma contração do crédito bancário durante recessões ou durante uma corrida aos bancos. Mesmo os economistas que aceitam o primeiro e o segundo tipo de deflação se recusam terminantemente a aceitar esse terceiro, acusando o processo de ser monetário e externo ao mercado.

Mas eles ignoram um ponto chave: a contração do crédito bancário é sempre uma saudável reação à precedente inflação creditícia bancária, inflação essa que só ocorre através de uma intervenção no mercado. As exigências contracionistas sobre os bancos, para que eles redimam em dinheiro suas artificialmente inchadas obrigações financeiras, é exatamente a maneira pela qual o mercado e os consumidores podem reafirmar seu controle sobre o sistema bancário e forçá-lo a se tornar sólido e não-inflacionário. Uma contração creditícia guiada pelo mercado acelera o processo de recuperação e ajuda a remover os empréstimos insalubres e a liquidar os bancos instáveis.

Ironicamente, a única deflação que é inútil e destrutiva é aquela que geralmente recebe uma cobertura midiática favorável: uma contração monetária compulsória feita pelo governo. Assim, quando o “defensor” do livre mercado Fernando Collor de Mello se tornou presidente do Brasil, em março de 1990, ele imediatamente e sem qualquer aviso bloqueou o acesso à maioria das contas bancárias, impedindo que seus proprietários resgatassem ou usassem o dinheiro contido nelas, causando assim uma súbita deflação de 80% da oferta monetária.

Esse ato foi largamente elogiado como sendo uma medida heróica que refletia uma “forte” liderança; mas o que ele fez foi desferir à economia brasileira o segundo golpe de um horrível ataque duplo. Após uma expansão monetária e creditícia feita pelo governo anterior ter levado os preços a uma severa hiperinflação, o novo governo Collor criou mais destruição ao impedir que as pessoas usassem seu próprio dinheiro. Com isso, o governo brasileiro impôs uma destruição dupla aos direitos de propriedade, a segunda sendo em nome do “livre mercado” e do “combate à inflação”.

Na realidade, a inflação de preços não é uma doença a ser combatida pelo governo; tudo o que o governo precisa fazer é simplesmente parar de inflar a oferta monetária. Mas isso, é claro, todos os governos relutam em fazer, incluindo o governo Collor. Não apenas o seu golpe súbito levou o país a uma profunda recessão, mas a taxa de inflação dos preços, que havia caído acentuadamente para 8 por cento ao mês, em maio de 1990, começou a subir já no segundo semestre daquele ano.

Finalmente, no mês de dezembro, o governo brasileiro expandiu a oferta monetária em astronômicos 58%, empurrando a inflação de preços para 20 por cento ao mês. Ao final de janeiro de 1991, a única reação que o governo “pró-livre mercado” conseguiu formular foi impor um fútil e desastroso congelamento de preços e salários.

Na União Soviética, o presidente Gorbachev, talvez ansioso em imitar o fracasso brasileiro, decidiu de maneira similar combater o “excesso de rublos” retirando subitamente de circulação as cédulas de alto valor de face e decretando que a maioria delas era inútil, permitindo que apenas uma pequena quantidade fosse trocada por denominações menores. Essa severa e súbita deflação monetária, algo em torno de 33 por cento, foi acompanhada de uma promessa de erradicar o “mercado negro” – ou seja, o mercado em si, que até então era a única instituição soviética que realmente funcionava e que impedia que a população sofresse de inanição em massa.

Mas os agentes do mercado negro há muito já haviam abandonado o rublo, passando a trabalhar com dólares e ouro, de maneira que a foice de Gorbachev caiu amplamente sobre o cidadão soviético comum, aquele que de alguma forma havia conseguido trabalhar duro e poupar parte de seus minguados rendimentos. A única característica ligeiramente redentora desse ato é que pelo menos ele não foi feito em nome da privatização e do livre mercado; ao contrário, ele era parte inseparável da recente recaída de Gorbachev pelo estatismo e pelo controle central.

Ao invés de se preocupar com os rublos em poder do público, Gorbachev deveria era ter prestado atenção ao enxame de novos rublos que ele continuou entusiasmadamente adicionando à economia soviética.

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Para uma abordagem mais completa sobre o assunto, veja o artigo Deflação: os maiores mitos

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