Há muito tempo, bem antigamente, não havia “crise” de escassez de órgãos para transplantes. Isso simplesmente porque transplantes de órgãos eram uma impossibilidade absoluta, coisa de ficção científica. Mas atualmente, graças às magníficas descobertas e às novas técnicas da medicina moderna, é plenamente possível fazer transplantes de coração, fígado, rim, córneas, ossos, medula óssea, pulmão, mão, pâncreas, pênis, pele, baço, útero, ovário, válvula cardíaca, ilhotas de Langerhans etc. Pessoas que há apenas alguns anos estariam consignadas à morte, ou a uma vida frágil e dolorosa, podem hoje aproveitar desses milagres médicos e desfrutar de uma vida saudável e produtiva.
Entretanto, ao invés de serem motivo de júbilo absoluto, esses progressos verdadeiramente revolucionários acabaram nos dando toda uma gama de novos problemas. Dentre eles, a escassez de órgãos apropriados para transplante é, de longe, o mais importante.
Essa escassez gerou uma tensão tão grande na classe médica que a própria questão da ética médica foi levada quase que ao ponto de ruptura. Isso porque, dada a limitada oferta de doadores de órgãos, os médicos têm de escolher qual dos muitos e extremamente necessitados pacientes deve receber a doação salvadora e qual não deve. E os médicos não têm qualquer outro critério em cima do qual basear sua escolha exceto a própria decisão pessoal.
Toda a dificuldade jaz no fato de que nosso sistema econômico e jurídico não foi capaz de acompanhar a tecnologia médica. A lei nos proíbe de usarmos os direitos de propriedade que todos nós temos sobre nossos próprios corpos. Mais especificamente, o governo proibiu o comércio, ou um mercado legalizado, de órgãos humanos vivos e sobressalentes.
O quê? Permitir que a busca pelo lucro atue nessa área? Você está louco?
Essa idéia em si já nos traz à mente imagens de saqueadores de túmulos, monstros Frankenstein e quadrilhas de “ladrões de órgãos” roubando corações, fígados e rins das pessoas, como nos romances de Robin Cook.
Mas tentemos deixar de lado esse inevitável preconceito inicial e passemos a considerar a idéia pelos seus próprios méritos. Será que um livre mercado nessa área iria aumentar o número de doadores, salvar vidas e liberar os médicos da obrigação mórbida de ter de escolher qual paciente deve ser salvo e qual deve ser consignado a uma morte vagarosa e dolorosa?
Como qualquer estudante calouro de economia sabe, sempre que um bem está em escassez é porque seu preço está muito baixo. E o caso de órgãos humanos sobressalentes não é uma exceção a essa regra. De fato, as leis que proíbem um mercado de órgãos humanos acabaram efetivamente impondo um preço zero a esses itens. A um preço zero, não é nada surpreendente que a demanda por órgãos humanos tenha superado amplamente a oferta.
Se o preço dos órgãos humanos pudesse subir aos seus níveis de mercado – o que não impediria que continuasse havendo novas descobertas e progressos na área de órgãos artificiais – ainda assim haveria uma grande demanda por parte de pessoas que precisam de um transplante de órgão para se manterem vivas. Portanto, o efeito imediato de um livre mercado se daria principalmente sobre a quantidade de órgãos ofertada.
Conquanto nunca seja possível saber de antemão como que uma indústria atualmente proibida por decreto governamental irá funcionar, é possível prever que as principais fontes de órgãos seriam pessoas jovens e saudáveis que morreram em acidentes de carro ou em outros acidentes, bem como pessoas vitimadas por males como ataque cardíaco, que permitem que seus outros órgãos permaneçam ilesos.
Se a indústria dos órgãos fosse legalizada, novas empresas especializadas surgiriam, ou talvez empresas de seguro e hospitais se encarregassem do serviço. Essas seguradoras ou hospitais iriam oferecer uma generosa quantia monetária às pessoas que possuíssem os critérios médicos apropriados caso elas concordassem que, após sua morte, seus órgãos passariam a pertencer à empresa em questão, que iria cuidar adequadamente deles. E então essas empresas iriam vender esses órgãos, lucrativamente, às pessoas que necessitassem de um transplante.
Além disso, essas novas empresas iriam estar sempre tentando obter o consentimento dos parentes de pessoas recém falecidas – mas que não tinham se posicionado a respeito – para utilizar seus órgãos. E somente em um livre mercado essas empresas poderiam oferecer incentivos monetários para doadores – sem falar na chance de salvar outra vida.
O efeito desses programas seria o de aumentar vastamente a oferta de órgãos e doadores. Aqueles pacientes necessitados e gravemente enfermos não mais teriam porque morrer sem ter uma chance de viver por meio de um transplante. E dado que o sistema é baseado na liberdade, aqueles que são contra a prática por motivos religiosos ou outros quaisquer não seriam – e nem poderiam ser – obrigados a participar.
Também não há porque recear que aqueles envolvidos nessa prática venham a obter lucros “exorbitantes”. Mesmo não havendo absolutamente nada de errado com lucros obtidos em atividades voluntárias, aqueles que se sentem incomodados com a possibilidade de lucros “exagerados” oriundos de tal prática não precisam se preocupar: qualquer tendência de lucros exorbitantes irá estimular a entrada de novos participantes no mercado, fazendo com que a oferta aumente ainda mais, e reduzindo os lucros a níveis que poderiam ser obtidos em outras atividades.
A liberdade, como sempre, é a solução. Se de fato queremos poupar as pessoas de dores, sofrimento, angústias e tragédias, deveríamos nos mobilizar para instituir um livre mercado para os órgãos do corpo.