Entrevista com Jim Rogers sobre o futuro da economia mundial

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N. do T.: A seguir, uma compilação de algumas recentes entrevistas de Jim Rogers, abordando os aspectos mais relevantes dos recentes acontecimentos mundiais, bem como suas previsões futuras.

 

Suas impressões sobre o acordo da dívida americana?

É incrível como acreditam em tudo; deve ser porque a imprensa é obrigada a ter algo sobre o que reportar.  Mas é claro que tudo não passa de uma farsa, uma fraude.  Daqui a seis meses ou um ano, os EUA estarão piores do que estão hoje.  Vão continuar gastando e se endividando cada vez mais.  O país vem fazendo isso há 40 anos e não há a menor de chance de haver qualquer mudança repentina no padrão de comportamento.

O que realmente significa quando o senhor diz que as coisas estarão piores daqui a seis meses ou um ano?  Afinal, quando olhamos para os fatos nos EUA, vemos que 14,1 milhões de americanos estão desempregados, quase metade das famílias americanas vive apenas de seus contracheques, e mais de 44 milhões de pessoas recebem auxílio-alimentação (foodstamps).  Como isso pode piorar?  O que dizer para aqueles que não podem fazer como o senhor e se mudarem para Cingapura?

Todo o país vai continuar se endividando cada vez mais.  O governo americano vem aumentando seus gastos de maneira totalmente inaudita e as pessoas que recebem esse dinheiro imaginam com isso ficar em melhor situação — o que provavelmente é verdade, pois estão com mais dinheiro no bolso —, porém, no âmbito geral, a situação está cada vez pior.  Os EUA são hoje a maior nação devedora da história do mundo.  Isso não vai continuar para sempre.

Em algum momento os credores do país vão dizer: “Chega! Sem mais! Acabou!”.  Se você acha que as coisas estão ruins agora, espere até o dia em que o país não tiver mais crédito.  Espere até o dólar entrar em colapso.  Espere até a inflação de preços disparar.  Espere até os juros dispararem.  O resultado não será nada bonito.  Haverá distúrbios sociais, desordem e confusão.  Quanto mais rápido o país atacar seus problemas, melhor será a perspectiva futura, após um curto período inevitavelmente doloroso de reajuste.

Mas aparentemente os políticos americanos não querem saber disso.

Mas sabemos que o governo não implementará nenhum corte maciço de gastos.  Logo, qual será o futuro americano?  O país voltará a ser uma economia agrária?  Em vez de ciência e tecnologia, vamos ter de ensinar nossos filhos a fazer fogo e aragem?

Não vai ser muito diferente disso.  Em 1918, o Reino Unido era a nação mais rica e poderosa do mundo.  Em três décadas eles estavam falidos e foram socorridos pelo FMI.  Não foi nada bonito o que ocorreu lá para as gerações seguintes.

Os EUA tiveram uma década perdida, a década de 2000, porque se recusaram a aceitar a realidade, se recusaram a lidar com ela.  É bom os americanos estarem preparados para outra década perdida ou até mais, dependendo de como as coisas serão encaradas pelo governo.

De certa forma, o senhor pode ser visto como a personificação do sonho americano, um homem que nasceu em Maryland, cresceu no Alabama e se tornou extremamente bem sucedido com ainda pouca idade.  Por que o senhor foi morar em Cingapura?  As coisas estão realmente ruins assim nos EUA?

Ainda sou um cidadão americano, sou um eleitor americano e pago impostos americanos [os EUA exigem que seus cidadãos que moram fora paguem imposto de renda].  Mas o século XXI será o século da Ásia, queiram ou não.  Tenho duas filhas, quero que as duas cresçam falando mandarim e quero que conheçam muito bem a Ásia.  As melhores habilidades que posso dar a elas durante minha vida é o mandarim e o conhecimento da Ásia.  É por isso que me mudei para cá.

Há alguma chance de os EUA saírem da atual situação?

Países que se colocam em situações ruins como essa somente tomam alguma atitude quando ocorre uma crise.  Quando ocorrer uma crise nos EUA, então, aí sim, é possível que alguma atitude mais séria seja tomada.  O mercado forçará os EUA a tomar uma medida mais séria.

Então isso que há agora nos EUA não é uma crise?  14,1 milhões de desempregados, 44 milhões recebendo vale-alimentação etc.  Isso ainda não é nem a ponta do iceberg?

De jeito nenhum.  O Dow Jones ainda apresenta índices historicamente altos.  Que crise é essa quando os mercados financeiros estão gordos e felizes?  Sim, há muitas pessoas em situação ruim agora, mas isso não é crise.  Espere até haver realmente uma crise.  Olhe ao redor do mundo, olhe o que houve com a Islândia.  Olhe as outras séries crises que houve na Europa.  Aí você vai entender o que a palavra crise realmente significa.

O senhor disse que estamos rapidamente nos aproximando de uma crise que será pior que a de 2008.  Como será?

Como eu disse, as dívidas nos EUA estão explodindo.  Nos últimos 3 anos, o governo gastou de maneira estonteante, a dívida estourou o teto e o Banco Central americano passou a comprar uma quantidade descomunal de títulos dessa dívida — o que significa que o Fed está imprimindo dinheiro como nunca antes.  Quando os problemas finalmente chegarem — e é um fato que vivenciamos recessões a cada 4 ou 6 anos —, o que o governo vai fazer?  Ele não vai poder quadruplicar a dívida de novo e eles não vão poder continuar imprimindo dinheiro como estão.  Logo, o governo será obrigado a finalmente deixar as coisas se resolverem.  E isso, no curto prazo, causará muita dor e sofrimento.  Mas não se corrige décadas de desequilíbrio sem sofrimento.

O que deveria ser feito de imediato?

Cortar gastos de maneira draconiana, equilibrar o orçamento, reduzir burocracias e desregulamentar.  É preciso deixar a iniciativa privada respirar.  Os EUA têm tropas estacionadas em mais de 150 países ao redor do mundo.  Além de não trazer nenhum benefício ao país, essa postura, na verdade, cria inimigos — além de custar uma fortuna.  E há vários outros programas esbanjadores que deveriam ser imediatamente abolidos.

O senhor disse que o dólar será um desastre completo e que o yuan chinês será uma moeda segura.  Fale mais sobre isso.

Além de imprimir quantias atordoantes de dinheiro, os EUA se tornaram a maior nação devedora da história do mundo.  E não há o menor sinal de que o endividamento vai parar.  Você continuaria emprestando dinheiro para alguém que só faz gastar e que não dá o menor sinal de que vai reverter tal postura?  É claro que não.

A libra esterlina já foi a moeda de reserva mundial.  Perdeu seu status.  Desvalorizou 90% quando perdeu seu status.  Não gosto de dizer isso, mas o dólar também vai perder seu status.

Suponha que eu ganhe na loteria.  Alguma dica de investimento?

Só invista naquilo que você realmente conhece, só mexa com aquilo que você realmente entenda.  No momento eu invisto em commodities e em moeda.  Tenho até o dólar em minhas carteiras, não obstante meu pessimismo em relação a esta moeda.  O motivo de eu ter o dólar em minhas carteiras é exatamente pelo fato de todo o mundo estar pessimista em relação ao dólar.  Estou no mercado há tempo suficiente para saber que, sempre que todo mundo está de um lado do barco, você deve ir para o outro lado, pelo menos por algum tempo.  Mas é claro que posso estar errado.

Vamos falar sobre mercados emergentes.  Todos estão preocupados com a China.  A economia chinesa está arrefecendo?

Os chineses de fato estão tentando dar uma esfriada em sua economia, e estão certos em querer fazer isso.  Estão subindo sua taxa básica de juros, e já subiram sete vezes seu compulsório.  Eles estão com uma ameaça inflacionária, estão com uma bolha imobiliária e estão tentando fazer algo a respeito.  E muito corretamente.  Espero que consigam, mas isso vai afetar a economia deles e, principalmente, vai afetar qualquer um que faça negócio com a China.

E quais seriam os efeitos colaterais de uma esfriada na economia chinesa, principalmente no que diz respeito ao mercado de commodities?

Obviamente, se você vende para a China, sofrerá algum impacto quando a economia deles esfriar.  Mas lembre-se: quando falamos de commodities, temos de analisar tanto a oferta quanto a demanda.  E a oferta mundial atual está totalmente restringida.  Veja a situação do EUA, por exemplo.  A idade média de um fazendeiro agricultor é 58 anos.  Teremos grandes problemas agrícolas em todo o mundo nos anos vindouros.  Daqui a 10 anos, se esses fazendeiros ainda estiverem vivos, estarão com 68 anos de idade.  Não estarão produzindo muita comida daqui a 10 anos.  Eu diria até mesmo em 5 anos.

O mundo está enfrentando sérios problemas de oferta, ao mesmo tempo em que a demanda só faz aumentar.

Isso não significaria que o Brasil está em ótima situação?

Sim, o Brasil estará em uma situação muito melhor do que estava nas décadas de 1980 e 90.  O problema é o governo brasileiro, que está voltando a ser como os antigos governos brasileiros.  Os burocratas querem tributar tudo o que veem e querem regular tudo o que não veem.  Mas eu preferiria estar lá, mesmo com todos os impostos e regulamentações, do que nos EUA, que também têm impostos e regulamentações.  No Brasil, ao menos, eles têm muitos recursos naturais.

E qual seria o investimento adequado na China?

A melhor maneira é comprando o yuan.  Mas você também pode comprar commodities ou mesmo ações chinesas, mas estas últimas são mais complicadas.  Eu diria que você deveria comprar o yuan e commodities, pois estas têm na China seu maior mercado consumidor.

Falemos então um pouco mais sobre commodities.  O senhor disse que a prata está com um preço muito alto e vai cair um pouco daqui pra frente.

Já caiu bastante e eu não saberia dizer se vai cair mais daqui pra frente.  Seria ótimo se caísse, pois assim eu poderia comprar mais barato.  Quero comprar mais prata e não vou vender as que já comprei.  Se o preço da prata cair porque a demanda caiu — um bom indicador são as bolsas ao redor do mundo: quando caem, os preços das commodities costumam cair também —, certamente vou pegar o telefone e comprar mais prata.

E o ouro?

A mesma coisa.  Pegue o telefone e compre mais ouro.  Espero que o ouro caia um pouco para eu comprar mais.  O ouro pode cair US$ 200 ou US$ 300 dólares, e ainda assim estará em uma fase altista.  Isso, aliás, não é uma previsão; estou apenas dizendo.  Seria uma correção normal para a prata, para o ouro e para todas as demais commodities.  E seria bom para o mundo também.

Porém, no longo prazo, vejo o ouro chegando facilmente a US$ 2.000.

Em que mais você está investido, esperando altas futuras?

Commodities agrícolas, ouro, prata e moedas, como franco suíço, iene e euro.  Não sou otimista quanto a nada que venha dos EUA e prevejo um futuro de baixa para os mercados emergentes.  Estou em posição vendida nos mercados emergentes, como a Índia.  A Índia está com uma dívida de 90% do PIB.  Estudos mostram que quando um país chega a esse nível de dívida, é difícil que eles continuem crescendo — a menos que algo miraculoso ocorra —, pois grande parte do esforço do país é voltado para o pagamento das dívidas já contraídas.

Estou vendido também em ações de tecnologia americanas e em uma grande empresa financeira americana, cujo nome não posso revelar por motivos óbvios.

E sobre as ações tecnológicas?  Várias pessoas estão falando de uma nova bolha nesse setor.

É exatamente por isso que estou vendido nelas.  Um dos setores mais excessivamente explorados nas bolsas de valores ao redor do mundo tem sido as ações de tecnologia americanas.  Você lê os mesmos jornais e assiste aos mesmos noticiários que eu.  Ali dá pra você ver: LinkedIn, Facebook etc.  Talvez ainda não seja uma bolha, mas é o início de uma bolha.  Por isso estou vendido nessas ações.

Então você tem o euro nas suas carteiras?

Eu comprei o euro em julho de 2010, quando a moeda despencou.  Eu não compraria mais euro agora, mas certamente não vou vender.

O que ainda permanece intocado no mundo?  Em que você é otimista para o longo prazo?

Longo prazo?  De novo, commodities.  Se a economia mundial melhorar, as commodities se sairão bem.  Se não melhorar, vão imprimir mais dinheiro, pois é tudo que políticos sabem fazer para curar recessões.  Se imprimirem dinheiro, recomendo que você compre prata, arroz e ativos reais.

E ações financeiras?

O setor financeiro não será um bom lugar no qual investir durante os próximos anos.  Todas essas pessoas em busca de um MBA estão cometendo erros crassos.  Elas deveriam estar se especializando em ciências agrárias ou mineração.  Após 30 anos de alta, as finanças entrarão em declínio.  E a agricultura, após 30 anos de declínio, irá entrar em um momento de grande expansão.  Quem for esperto vai querer virar fazendeiro ou mexer com mineração.

Os estoques de produtos agrícolas estão em níveis historicamente baixos, o mundo está consumindo muito mais do que está produzindo, há uma escassez generalizada de tudo, inclusive uma escassez de agricultores.  Há muita fortuna a ser feita na agricultura durante os próximos 20 anos.

Qual a sua opinião sobre Ben Bernanke?  Haverá um QE3 [Quantitative Easing 3 — terceira rodada de “afrouxamento quantitativo”, eufemismo para impressão desbragada de dinheiro]?

Desde o primeiro dia que Bernanke foi para Washington alertei que ele seria um desastre completo.  Ele jamais teve uma opinião correta sobre qualquer coisa durante os oito anos em que esteve lá.  Espero que ele não implemente um QE3, mas infelizmente isso é tudo o que ele sabe fazer; a única coisa que ele sabe fazer é imprimir dinheiro.  Ele não entende de finanças, ele não entende de moeda, ele não entende de economia.  Ele só entende da arte de criar dinheiro do nada.  E ele vai continuar imprimindo mais dinheiro, queiramos ou não.

Haverá um QE3, mas provavelmente com outro nome.  Sei lá, podem até chamar de ‘bolinhos quentes’, vai saber.  Mas haverá uma nova rodada de criação maciça de dinheiro, pois Washington estará apavorada com a situação periclitante da economia, e há uma eleição presidencial em novembro de 2012.  Washington vai imprimir mais dinheiro.

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