II. A Primeira Guerra Mundial como uma realização: Poder e os Intelectuais

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INTRODUÇÃO

 

Em contraste com os historiadores mais antigos que consideravam a Primeira Guerra Mundial a destruição da reforma progressista, estou convencido de que a guerra chegou aos Estados Unidos como a “realização”, a culminação, a verdadeira apoteose do progressismo na vida americana.[1] Considero o progressismo basicamente um movimento em nome do Grande Governo em todas as esferas da economia e da sociedade, em uma fusão ou coalizão entre vários grupos de grandes empresários, liderados pela Casa de Morgan, e grupos ascendentes de intelectuais tecnocráticos e estatistas. Nessa fusão, os valores e interesses de ambos os grupos seriam perseguidos por meio do governo.

As grandes empresas poderiam usar o governo para cartelizar a economia, restringir a concorrência, regular a produção e os preços, e também poderiam manejar uma política externa militarista e imperialista para forçar a abertura de mercados no exterior e usar a espada do Estado para proteger investimentos estrangeiros. Intelectuais seriam capazes de usar o governo para restringir a entrada em suas profissões e assumir empregos no Grande Governo para criar justificativas para o governo e ajudar a planejar e equipar suas operações. Ambos os grupos também acreditavam que, nessa fusão, o Grande Estado poderia ser usado para harmonizar e interpretar o “interesse nacional” e, assim, fornecer uma “terceira via” entre os extremos do laissez faire “todos-contra-todos” e os amargos conflitos do marxismo proletário.

Também animando ambos os grupos de progressistas estava um protestantismo pietista pós-milenista que conquistou áreas “ianques” do protestantismo do norte na década de 1830 e impeliu os pietistas a usar governos locais, estaduais e, finalmente, federais para acabar com o “pecado”, para tornar os EUA, e eventualmente o mundo, santo, e assim trazer o Reino de Deus à terra. A vitória das forças bryanas na convenção nacional democrata de 1896 destruiu o Partido Democrata que era o veículo de católicos romanos e luteranos alemães “litúrgicos” dedicados à liberdade pessoal e ao laissez faire e criou o sistema partidário grosseiramente homogeneizado e relativamente não ideológico que temos hoje. Após a virada do século, esse desenvolvimento criou um vácuo ideológico e de poder para um número crescente de tecnocratas e administradores progressistas preencher. Dessa forma, o locus do governo deslocou-se do legislativo, pelo menos parcialmente sujeito ao controle democrático, para o poder executivo oligárquico e tecnocrático.

A Primeira Guerra Mundial foi a realização de todas essas tendências progressistas. Militarismo, alistamento militar obrigatório, intervenção massiva nacionalmente e no exterior, uma economia de guerra coletivizada, tudo surgiu durante a guerra e criou um poderoso sistema cartelizado que a maioria de seus líderes passou o resto de suas vidas tentando recriar, tanto na paz quanto na guerra. No capítulo da Primeira Guerra Mundial de seu excelente trabalho, Crisis and Leviathan, o professor Robert Higgs concentra-se na economia de guerra e ilumina as interconexões com o alistamento militar obrigatório.

Neste ensaio, gostaria de me concentrar em uma área que o professor Higgs relativamente negligencia: a chegada ao poder durante a guerra dos vários grupos de intelectuais progressistas.[2] Eu uso o termo “intelectual” no sentido amplo penetrantemente descrito por F.A. Hayek: isto é, não apenas teóricos e acadêmicos, mas também todos os tipos de formadores de opinião na sociedade – escritores, jornalistas, pregadores, cientistas, ativistas de todos os tipos – o que Hayek chama de “revendedores de ideias”.[3] A maioria desses intelectuais, de qualquer ramo ou ocupação, eram pietistas pós-milenistas dedicados e messiânicos ou ex-pietistas, nascidos em um lar profundamente pietista, que, embora agora secularizados, ainda possuíam uma intensa crença messiânica na salvação nacional e mundial por meio do Grande Governo. Mas, além disso, estranhamente, mas caracteristicamente, a maioria combinou em seu pensamento e ativismo o fervor moral ou religioso messiânico com uma devoção empírica, supostamente livre de juízo de valor e estritamente científica às ciências sociais. Seja a devoção científica e moralista combinada da profissão médica para erradicar o pecado ou uma posição semelhante entre economistas ou filósofos, essa mistura é típica de intelectuais progressistas.

Neste ensaio, estarei lidando com vários exemplos de indivíduos progressistas ou grupos de intelectuais progressistas, exultantes com o triunfo de seu credo que resultou da entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, e exultantes da participação pessoal que tiveram nesse resultado. Infelizmente, as limitações de espaço e tempo me impedem lidar com todas as facetas da atividade dos intelectuais progressistas durante a guerra; em particular, lamento ter que omitir a análise do movimento à favor do alistamento militar obrigatório, um exemplo fascinante do credo da “terapia” da “disciplina” liderada por intelectuais e empresários de classe alta próximos de J.P. Morgan.[4] Eu também terei que omitir tanto os altamente significativos desfiles militares dos pregadores da nação, quanto o ímpeto durante o período de guerra pela centralização permanente da pesquisa científica.[5]

Não há melhor epígrafe para o restante deste ensaio do que uma nota de congratulações enviada ao presidente Wilson após ele ter proferido seu discurso de guerra ao Congresso em 2 de abril de 1917. A nota foi enviada pelo genro de Wilson e colega pietista e progressista do sul, o secretário do Tesouro William Gibbs McAdoo, um homem que passou a vida inteira como industrial na cidade de Nova York, muito próximo de J.P. Morgan. McAdoo escreveu a Wilson: “Você realizou com nobreza uma grande coisa! Acredito firmemente que é a vontade de Deus que os EUA faça esse serviço transcendente para a humanidade em todo o mundo e que você seja Seu instrumento escolhido.”[6] Este não era um sentimento que o presidente discordaria.

 

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Notas

[1] Uma versão anterior deste ensaio foi apresentada na Conferência do Pacific Institute sobre “Crise e Leviatã”, em Menlo Park, Califórnia, em outubro de 1986. Ele foi impresso no Journal of Libertarian Studies 9, no. 1 (Inverno, 1989). Foi reimpresso em John V. Denson, ed., The Costs of War: America’s Pyrrhic Victories (New Brunswick, N.J.: Transaction Publishers, 1997). O título deste ensaio é emprestado do último capítulo pioneiro do excelente trabalho de James Weinstein, The Corporate Ideal in the Liberal State, 1900–1918 (Boston: Beacon Press, 1968). O último capítulo é intitulado “Guerra como realização”.

[2] Robert Higgs, Crisis and Leviathan (Nova York: Oxford University Press, 1987), pp. 123-158. Para meu próprio relato da economia de guerra coletivizada da Primeira Guerra Mundial, ver Murray N. Rothbard, “War Collectivism in World War I”, em R. Radosh e M. Rothbard. eds., A New History of Leviathan: Essays on the Rise of the American Corporate State (Nova York: Dutton. 1972), pp. 66-110.

[3] F.A. Hayek, “The Intellectuals and Socialism”, em Studies in Philosophy, Politics and Economics (Chicago: University of Chicago Press, 1967), pp. 178ss.

[4] Sobre o movimento de conscrição, ver em particular Michael Pearlman, To Make Democracy Safe for America: Patricians and Preparedness in the Progressive Era (Urbana: University of Illinois Press, 1984). Veja também John W. Chambers II, “Conscripting for Colossus: The Adoption of the Draft in the United States in World War I,” Ph.D. diss., Universidade de Columbia, 1973; John Patrick Finnegan, Against the Specter of a Dragon: The Campaign for American Military Preparedness, 1914–1917 (Westport, Connecticut: Greenwood Press, 1974); e John Gany Clifford, The Citizen Soldiers: The Plattsburg Training Camp Movement (Lexington: University Press of Kentucky, 1972).

[5] Sobre os ministros e a guerra, ver Ray H. Abrams, Preachers Present Arms (Nova York: Round Table Press, 1933). Sobre a mobilização da ciência, ver David F. Noble, America By Design: Science, Technology and the Rise of Corporate Capitalism (Nova York: Oxford University Press, 1977), e Ronald C. Tobey, The American Ideology of National Science, 1919 –1930 (Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 1971).

[6] Citado em Gerald Edward Markowitz, “Progressive Imperialism: Consensus and Conflict in the Progressive Movement on Foreign Policy, 1898–1917.” Ph.D. diss., Universidade de Wisconsin, 1971, p. 375, um trabalho infelizmente negligenciado sobre um tema muito importante.

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