Lendas da Paridade Cambial

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[N. do T.: o texto a seguir é de julho de 1994. Nele, Rothbard explica sucintamente: (1) por que manipulações cambiais – sempre propaladas por economistas brasileiros como maneira de estimular a economia – não funcionam; (2) por que o sistema monetário de papel-moeda é inerentemente instável; (3) por que acordos como o NAFTA são ruins. Observa-se também que Rothbard previu a crise mexicana de 1995, assim como o futuro da economia americana (hoje já uma realidade): completamente dominada por burocracias governamentais.]

dinheiro-thumb1Governos, incluindo especialmente o dos EUA, parecem ter uma incapacidade congênita de manter suas patas afastadas de qualquer parte da economia. Todo o governo, auxiliado e estimulado por sua gama de apologistas – que estão entre os intelectuais e os expertsem todas as políticas governamentais -, gosta de se considerar a si próprio como um deus ex machina (um “deus fora da máquina”) que inspeciona seus objetos com benevolência e onisciência olímpicas, e então repetidamente desce à terra para corrigir as inúmeras “falhas de mercado” que os simples mortais, em sua ignorância, insistem em cometer.

O fato de a história ser um arquivo negro das contínuas falhas grosseiras da parte desse “deus”, e o fato de a teoria econômica explicar que sempre será assim, não causa impacto algum nos discursos políticos oficiais.

Toda nação-estado, por exemplo, está continuamente tentada a fazer intervenções para corrigir suas taxas de câmbio – que é a cotação de seu papel-moeda fiduciário em termos de inúmeros outros papéis-moedas fiduciários emitidos por todos os governos no mundo. A intenção sempre foi fixar essa taxa em termos da moeda de outro país.

Os governos não sabem, e não querem saber, que o único caso em que houve sucesso na fixação de taxas cambiais foi, não coincidentemente, na era do padrão-ouro. Naquela era, o dinheiro era uma commodity de mercado, produzida no mercado ao invés de manufaturada de improviso por um governo ou por um banco central. As taxas fixas de câmbio funcionaram porque as unidades monetárias nacionais – o dólar, a libra, a lira, o marco, etc. – não eram entidades independentes. Ao contrário, cada uma era definida em uma certa medida de peso em ouro.

Como todas as definições, tais como a jarda, a tonelada, etc., o propósito da definição era que, uma vez definida, ela estava fixa. Assim, por exemplo, se – como aconteceu no século XIX – “o dólar” foi definido como 1/20 de uma onça de ouro, “a libra” como 1/4 de uma onça de ouro, e “o franco francês” como 1/100 de uma onça de ouro, as “taxas de câmbio” eram simples proporções de pesos de ouro das várias unidades de moeda, de tal forma que a libra automaticamente seria igual a $5 dólares, o franco automaticamente seria $0,20 dólares, etc.

Os EUA abandonaram o padrão-ouro em 1933, sendo os últimos vestígios internacionais descartados em 1971. Depois que todo o mundo seguiu essa direção, cada moeda nacional se tornou uma entidade independente e separada de todas as outras. Assim, um “mercado” imediatamente se desenvolveu entre elas, da mesma forma que um mercado sempre vai se desenvolver entre diferentes bens trocáveis.

Se esses mercados de trocas fossem deixados a sós pelos governos, as taxas de câmbio iriam flutuar livremente. Elas iriam flutuar de acordo com a oferta e a demanda de cada moeda em termos das outras, e as taxas diárias iriam – assim como no caso de quaisquer outros bens – ajustar o mercado de forma que a oferta e a demanda se igualariam, e, assim, garantir que não haveria escassez ou excesso de qualquer uma das moedas.

Porém, como o mundo descobriu novamente desde 1971, papéis-moeda que flutuam entre si são insatisfatórios. Eles anulam as vantagens de se ter uma moeda internacional, virtualmente retornando o mundo à prática do escambo; e falham em fornecer uma barreira contra a inflação praticada por governos e bancos centrais, barreira essa que era fornecida pela obrigatoriedade que os governos tinham de redimir suas emissões monetárias em ouro.

O que o mundo ainda não percebeu é que há um sistema muito pior do que papéis-moeda flutuando entre si: refiro-me a esse mesmo sistema fiduciário, só que com os governos tentando fixar as taxas de câmbio. Como no caso do controle de preços, os governos invariavelmente vão fixar as taxas acima ou abaixo da taxa de livre-mercado. Não tem como acertar. Qualquer que seja o caminho seguido por eles, essa fixação feita pelo governo criará conseqüências indesejáveis, causará crises monetárias desnecessárias, e, no longo prazo, terminará falhando infamemente. Um ponto crucial é que a fixação das taxas pelo governo irá inevitavelmente ativar a “Lei de Gresham”: isto é, a moeda artificialmente desvalorizada pelo governo (colocada a um preço muito baixo pelo governo) tenderá a desaparecer do mercado (“uma escassez”), enquanto que a moeda sobrevalorizada pelo governo (colocada a um preço muito alto) tenderá a circular abundantemente, e ficar em “excesso”.

A administração Clinton, que parece ter um instinto natural para falácias econômicas, tem sido tão estabanada e inconsistente na política monetária como em todas as outras áreas. Assim, até recentemente, a administração, absurdamente preocupada com um aparentemente grave (porém inexistente na realidade) déficit no balanço de pagamentos, tentou desvalorizar o dólar – diminuindo sua taxa de câmbio[1] – para estimular as exportações e restringir as importações.

Entretanto, não existe maneira alguma de o governo poder descobrir e fixar algum tipo de taxa de câmbio ideal. Um dólar mais fraco estimula as exportações, certo; mas a administração eventualmente irá perceber que existe um inevitável aspecto adverso: os preços das importações serão maiores, e isso removerá toda a concorrência que iria manter baixos os preços domésticos.

Ao invés de aprender a lição de que não existe uma taxa de câmbio ideal além daquela determinada pelo livre mercado, a administração Clinton, como de costume, inverteu sua trajetória abruptamente, e orquestrou uma campanha multibilionária para que o Fed e outros grandes bancos centrais fortalecessem o naufragado dólar contra o marco alemão e o yen japonês. O dólar apreciou-se ligeiramente, e toda a mídia congratulou Clinton por ter fortalecido o dólar.

Porém vários problemas intratáveis foram ignorados nesses louvores ao presidente. Primeiro: bilhões em dinheiro do contribuinte, aqui e no exterior, foram destinados a distorcer as taxas de câmbio. Segundo: dado que as taxas de câmbio estão sendo fortalecidas de modo coercivo, tal “sucesso” não poderá perdurar por muito tempo. Quanto tempo até que o Fed fique sem marcos e yens, os quais são usados para manter o dólar apreciado? Quanto tempo até que a Alemanha, o Japão, e outros países se cansem de inflacionar suas moedas para manter o dólar artificialmente forte?

Se a administração Clinton insistir – mesmo em face dessas conseqüências – em tentar manter o dólar artificialmente alto, ela terá que lidar com a inevitável “escassez” (Lei de Gresham) de marcos e yens impondo controle de capitais e fazendo racionamento dessas moedas entre os cidadãos americanos.

Nesse meio tempo, um dos primeiros frutos amargos do NAFTA já apareceu. Como todos os outros modernos tratados de “livre comércio”[2] , o NAFTA serve como um canal secreto para regular moedas internacionais e taxas de câmbio fixas. Um dos aspectos não comentados do NAFTA é a ação conjunta que os governos fazem para fortalecer mutuamente suas taxas de câmbio. Na prática, isso significa uma sobrevalorização artificial do peso mexicano, que vem caindo acentuadamente no mercado, em resposta a inflação mexicana e a instabilidade política desse país.

Dessa forma, o NAFTA originalmente criou uma associação “temporária” de $6 bilhões em crédito para ajudar nas sobrevalorizações mútuas das taxas de câmbio. Com o peso naufragando rapidamente, os governos membros do NAFTA tornaram essa associação “temporária” de crédito permanente, e aumentaram o crédito de $6 para $8,8 bilhões. Além do mais, os três países do NAFTA criaram um novo North American Financial Group (Grupo Financeiro Norte-Americano), que consiste em fazer com que os respectivos ministros das finanças e presidentes dos bancos centrais “supervisionem questões econômicas e financeiras que estejam afetando os parceiros norte-americanos”.

Robert D. Hormats, vice-presidente do Goldman Sachs International, celebrou o novo acordo como sendo “um progresso lógico, que começou com o comércio e a cooperação de investimentos entre os três países, e evoluiu para uma cooperação monetária e fiscal maior entre eles”. Bom, essa é uma maneira de ver a coisa. Uma outra maneira é mostrar que é esse é só mais um passo feito pelo governo americano em direção a acordos que irão distorcer as taxas de câmbio, criar crises monetárias e escassezes, e desperdiçar o dinheiro do contribuinte e outros recursos econômicos.

Pior de tudo, os EUA estão marchando inexoravelmente em direção a uma economia regulada e planejada por burocracias governamentais regionais, e até mesmo mundiais, que estão fora de qualquer tipo de controle e que não precisam dar explicações a nenhuma das pessoas submetidas aos seus domínios em qualquer lugar do globo.

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[1] Na macroeconomia americana, ao contrário da brasileira, diminuir a taxa de câmbio do dólar significa dizer que uma menor quantidade de moeda estrangeira agora compra a mesma quantidade de dólar do que antes da desvalorização.

Ex: antes da desvalorização, o câmbio estava em R$2 por dólar – eram necessários 2 reais para comprar 1 dólar; após a desvalorização, o câmbio vai para R$1 por dólar – agora é necessário apenas 1 real para comprar 1 dólar. [N. do T.]

[2] Nos EUA, ao invés de considerarem o NAFTA como um “free-trade agreement” (acordo de livre comércio), os libertários se referem a ele como “government-managed trade” (comércio gerenciado pelo governo), pois sabem que esse tipo de acordo serve apenas aos interesses das grandes corporações que fazem lobby no congresso, e não aos interesses genuínos da população. O NAFTA determina as tarifas comerciais que são do interesse das corporações, protegendo algumas áreas e liberando outras. Assim como a ALCA, o NAFTA está longe de representar um verdadeiro livre comércio. [N. do T.]

Para mais sobre o assunto, leia os seguintes artigos: Livre Comércio versus Acordos de Livre Comércio e O Mito do NAFTA

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