Moderados versus radicais

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Em todos os tempos de dominação estatal, a instabilidade do sistema dá origem a dois tipos de reformadores: os moderados que querem trabalhar dentro do sistema mas acabam por defendê-lo, e os radicais que têm a clareza de ver que a única solução real é uma revolta. Se estes últimos prevalecem – e muitas vezes prevaleceram na história da política – é somente depois de ter suportado todo tipo de ataque dos primeiros.

A história da liberdade está repleta de heróis que corajosamente defenderam a reforma radical, mas em todos os casos que me lembro, essas mesmas pessoas foram caluniadas e injuriadas não apenas pelo regime, mas também pelos reformadores moderados, que sempre afirmaram estar trabalhando dentro do sistema. Os moderados dizem que seus esforços estão sendo frustrados pelas vozes dos radicais, que dizem desacreditar a causa que pretendem apoiar.

Essa linha de ataque foi usada contra o economista liberal francês Frédéric Bastiat, e ainda é. Assim foi com A.R.J. Turgot, o reformador liberal que serviu como ministro das Finanças de Luís XVI – Simon Schama diz que sua posição a favor de uma reforma radical desacreditou os esforços dos moderados. Diziam isso de Cobden e Bright, enquanto eles tentavam envergonhar e desonrar o governo e seu imposto sobre o pão. Seus antigos aliados constantemente procuravam amordaçá-los, baseados na ideia de que seu extremismo estava prejudicando uma causa respeitável.

Foi assim também com Patrick Henry, que foi instado a abandonar suas agitações pela revolução e, mais tarde, seus ataques à Constituição. F.A. Hayek foi acusado de que seu radicalismo estava fazendo a liberdade perder mais amigos do que ganhar. Ludwig von Mises enfrentou uma enxurrada de críticas dos liberais clássicos alemães, que de alguma forma passaram a acreditar que o maior inimigo do liberalismo era o acadêmico que se recusava a fazer concessões.

É claro que Rothbard enfrentou uma vida inteira de vaias de pessoas que diziam que seu libertarianismo era perigosamente irresponsável. Hoje é o mesmo com este site, o Mises Institute, Antiwar.com, FFF.org, o Independent Institute e todos os blogueiros, acadêmicos ou jornalistas libertários radicais que são acusados ​​de prejudicar a causa da reforma ao se apegarem a um ideal.

O padrão se repete com tanta frequência que quase parece uma lei da história: os radicais que mudam a história devem fazê-lo sobre a resistência dos moderados, que se dizem amigos da mesma causa, mas de alguma forma sempre acabam do lado de interesses estabelecidos. Assim, podemos evocar esta conversa conjectural no Kremlin, por volta de 1955:

Camarada Liberal: “Khrushchev conhece os fracassos do stalinismo na economia. Ele deveria aproveitar a chance e permitir a propriedade privada total da terra, dar as fábricas aos trabalhadores, permitir que as pessoas trabalhem onde quiserem e libertar das prisões os criminosos econômicos”.

Camarada Conservador: “O jeito que você fala! Você está apenas desacreditando a causa da reforma! Nosso plano é permitir mais produção pessoal em terras públicas, permitir mais flexibilidade nos salários, acelerar o processo de solicitação de licenças de mudança e dar mais poder aos conselhos econômicos regionais para que possam responder melhor às pessoas. Não faça o perfeito ser inimigo do bom!”

Camarada Liberal: “Mas estas são apenas mudanças cosméticas e, quando não funcionarem, a causa da reforma terá perdido. Devemos dizer a verdade, mesmo que os poderes não queiram ouvi-la.”

Camarada Conservador: “Não me envolva em seus esforços extremistas desleais. O que você propõe é a anarquia. Você e suas ideias me lembram os inimigos do socialismo que trabalhamos tanto para erradicar. É melhor que você seja silenciado, senão os reformadores responsáveis ​​nunca farão nenhum progresso.”

Claro que Khrushchev fez reformas ao longo das linhas conservadoras, e seu fracasso acabou prejudicando a ideia de liberalização, atrasando assim a reviravolta inevitável e muito necessária por muitas décadas. A revolta aconteceu de qualquer maneira, e ocorreu contra os desejos e esforços dos reformadores moderados, que fizeram as pazes com o regime na esperança de mudar o sistema por dentro. Os radicais de fora não puderam deixar de notar que os reformadores pareciam estar aumentando, em vez de reduzir, o tamanho do Estado.

No que diz respeito à disputa entre moderados e radicais, o óbvio raramente é apontado: é muito mais fácil ser moderado do que radical. Ser moderado significa apoiar-se, pelo menos parcialmente e muitas vezes em grande parte ou completamente, na sabedoria convencional. Isso significa que você pode ser amigável com pessoas poderosas porque você não é uma ameaça para elas. Significa que você aceita a legitimidade dos mecanismos de mudança estabelecidos e, assim, os aprova implicitamente.

Pense em uma prisão onde parte dos presos está planejando uma fuga e outra parte prefere reivindicar comida melhor e mais tempo de banho de sol. Olhando para os dois grupos, não há diferença visível entre a forma como tratam os carcereiros, exceto que internamente aqueles que planejam fugir os consideram como inimigo, enquanto aqueles que buscam a reforma carcerária se conformam com a relação carcereiro-prisioneiro, e tentam chegar aos melhores termos para si.

Quem os reformadores mais temem? Não são os guardas, mas os radicais que eles acreditam que estão atrapalhando sua causa. Os radicais sabem que os reformadores não são amigos de forma alguma, mas marginais que buscam favores da elite privilegiada, pois buscar e ganhar o favor de pessoas poderosas, mesmo em uma causa ostensivamente sensata, é infundir no sistema existente uma legitimidade indevida.

A analogia funciona em uma enorme variedade de casos, de impostos a previdência social, educação e política externa. Os reformadores estão sempre se parabenizando por sua respeitabilidade etc., mas na verdade eles são parte do problema. Se a causa da liberdade vencer, será por causa da pressão dos radicais sentida pelos que estão no poder.

Como disse Mises, nenhum governo é liberal por natureza. Os governos concedem liberdade apenas quando forçados a fazê-lo pela opinião pública. O que leva um governo a agir é o medo da oposição. Mas de alguma forma, contra todas as evidências, os reformadores moderados continuam a acreditar que os poderosos podem ser influenciados por elogios, coquetéis e sugestões de reformas marginais.

A diferença entre o radical e o moderado não é de grau. É uma perspectiva intelectual e mental de um tipo completamente diferente, que vai ao cerne de se ver as pessoas no poder como a fonte do problema ou a fonte da solução.

Vamos considerar um exemplo.

Um radical diz: tirem as tropas do Iraque agora! A mensagem implícita é: não se pode confiar no Estado, as tropas estão causando problemas em vez de ajudar, os EUA nunca deveriam ter invadido e quase tudo o que você ouve do governo sobre essa guerra é mentira.

Um reformador moderado diz: sim, tirem as tropas, mas ainda não. A mensagem implícita é: podemos confiar que o Estado fará o julgamento certo sobre quando sair, pois agora as tropas estão realizando um serviço de algum valor, a invasão fez algum bem e devemos concluir o trabalho, e o Estado está certo que é uma fonte de algum grau de ordem e justiça no Iraque.

Agora, esta é uma pequena mudança nas palavras e na orientação política que mascara uma enorme diferença na visão de mundo. O radical não confia no Estado para se reformar. O moderado sim. O radical não busca o favor do Estado. O moderado depende inteiramente disso.

A história, acredito, está do lado do radical, pois o moderado não quer se arriscar. Ora, na maioria das vezes, o moderado é uma criatura inofensiva, sempre irrelevantes em termos de direção geral da história, exceto no seguinte sentido: ele é útil aos poderes constituídos como um instrumento para manter os radicais sob controle.

Este é precisamente o papel que os críticos moderados da Guerra do Iraque desempenharam. Eles atacaram os grupos antiguerra alegando que eles também querem acabar com a guerra, mas estavam deixando mais difícil para eles fazerem isso. O que eles estavam dizendo é que eles apoiavam a permanência das tropas até certo ponto. Isso é o mesmo que ficar do lado dos belicistas, apenas com uma retórica diferente.

Os moderados sempre parecem ficar do lado dos carcereiros. Somente quando os radicais pularam o muro e o caminho está perfeitamente claro e seguro, eles agarram a oportunidade e fogem. Em retrospecto, por exemplo, até mesmo libertários moderados admitem que a Revolução Americana, a revogação das Leis do Milho e a derrubada do planejamento central soviético foram coisas maravilhosas. Mas eles sabem em seus corações que não teriam coragem de fazer sua parte.

 

 

Artigo original aqui

2 COMENTÁRIOS

  1. Eu senti isso na pele durante a pandemia!

    Enquanto eu atacava abertamente os pandeminions, nas conversas de bar, nos meus grupos de wapp, muito mais que os pandeminions eram os conservadores, pro mercado, pro liberdade economica que mais me contra atacavam.

    Porque?
    Na minha opinião porque eles sentiram o golpe da mídia, porque sentiam o medo da pandemia, do desconhecido, do novo, de ter uma postura de homem e se posicionar.

    E porque eles não eram tão seguros no seu conhecimento de ética e economia como um libertário!

    Na minha opinião um libertário é 50% coragem moral superior, 50% entendimento de economia superior a um conservador.

    Conservadores me decepcionaram nessa pandemia!

    Mas na verdade eu me decepcionei, e eu fracasei! Porque tudo isso sobre os conservadores já estava escrito por autores libertários! Eu fracassei em ler e entender e saber de antemão que essas pessoas mais iriam atrapalhar do que ajudar!

  2. Conservadores e moderados tem a tendência flagrante – ainda que em parte pelo medo, a considerar os radicais como niilistas para o qual o passado não faz diferença e o futuro uma página em branco que pode ser escrita sem levar em conta a história. É assim que conservadores e falsos reformistas conseguem ganhar o jogo. Essa propaganda obviamente funciona inclusive contra os mais radicais comunistas. A linguagem e as narrativas do sistema estatal são poderosas e funcionam como um fim em si mesmo. Os moderados são apenas a parte visível deste processo que busca evitar qualquer mudança.

    É como hoje a pandemia. Aqueles que defendem o sistema vem fazendo isso de maneira absolutamente disciplinada e sem mudar a narrativa por sequer um milímetro.

    Na esquerda costuma se dizer que um social-democrata é um comunista que não gosta de sangue. nesta perspectiva não podemos fazer uma simetria com gradualistas e radicais do movimento libertário. Os moderados gostam de sangue, não dos políticos que eles lambem os coturnos, mas dos libertários que rejeitam o sistema. É por isso que sempre devemos afirmar que os liberais – principal vertente gradualista, são os nossos únicos inimigos.

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