O direito de formar cartéis

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cartelO princípio básico de uma economia de livre mercado é que todas as trocas serão voluntárias, i.e., cada agente poderá decidir o que comprar ou vender livre de impedimentos como ameaça ou uso de violência. Com esta premissa em mente, o economista Rothbard desenvolve em Man, Economy and State uma defesa do direito de se criar cartéis. Caso os acordos de cooperação entre firmas sejam totalmente voluntários, este tipo de organização não estaria ferindo o princípio de livre mercado. Rothbard argumenta ainda que dificilmente esses cartéis sobrevivem se forem ineficientes do ponto de vista da satisfação da demanda dos consumidores.

Conforme ele explica, se os consumidores realmente se opusessem às ações de cartel, considerando que as trocas resultantes delas fossem prejudiciais, eles poderiam boicotar os cartéis de forma a tornar a curva de demanda de seus produtos elástica, ou seja, sensível aos preços de mercado. Ninguém é obrigado a consumir determinados produtos, e há um preço em que certamente é preferível abdicar do consumo ou procurar substitutos. Claro que os consumidores sempre preferem um preço menor. Mas Rothbard pergunta: Isso quer dizer que o preço ideal é zero, ou perto de zero, para todos os bens, porque isso representaria o mais elevado grau de sacrifício dos produtores aos desejos dos consumidores? Enquanto consumidor, todos preferem sempre o menor preço para suas compras; e enquanto produtor, todos preferem o maior preço para suas vendas. Existem apenas duas formas de resolver esse dilema: através do livre mercado, onde os preços são determinados livremente pelos indivíduos; ou pela intervenção violenta no mercado, ignorando os direitos de propriedade.

Sendo o cartel uma formação voluntária, não há porque classificá-lo, portanto, como imoral. Tampouco é possível afirmar a priori que seu resultado será prejudicial aos consumidores. Mesmo no caso extremo onde há restrição de oferta, quando um cartel chega a queimar parte de seu estoque para elevar os preços, pode-se argumentar que os consumidores permanecem livres para evitar tal ato, bastando para tanto comprar o produto no preço ofertado. Se os consumidores realmente desejam evitar o ato, eles podem praticar a filantropia por conta própria, comprando o estoque e distribuindo. Se não o fazem, é porque julgam que seus recursos escassos possuem destino melhor, e continuam, portanto, mais satisfeitos mesmo com a queima do estoque. Aliás, a queima de estoque nesse caso não é tão diferente de uma indústria que mantém suas máquinas ociosas, deixando de produzir no total de sua capacidade.

Sempre que se fala em cartel supõe-se algum tipo de conspiração. Mas Rothbard afirma que existe, na verdade, uma co-operação para elevar a renda dos produtores. Sendo assim, não haveria uma diferença essencial entre um cartel e uma corporação comum ou uma parceria. Uma grande fusão, de fato, é apenas um cartel permanente. Por outro lado, um cartel que mantém por acordo voluntário a identidade separada de cada firma é sempre mais transitório. Em muitos casos, um cartel pode ser considerado uma tentativa na direção de uma fusão permanente.

Alguns criticam os cartéis com base no seu tamanho. Mas como Rothbard diz, não há meios precisos de se determinar um tamanho ótimo de uma firma em qualquer indústria. A função dos empresários será justamente projetar a demanda futura e os custos de produção, e aqueles mais bem-sucedidos irão permanecer no mercado. O prejuízo será o alerta de que o empresário está falhando em sua tarefa de atender a demanda dos consumidores de forma eficiente. Portanto, somente o livre mercado poderá responder qual o tamanho ótimo de uma firma, através do mecanismo de tentativa e erro. Nenhum economista pode calcular ex ante qual seria o tamanho adequado de uma empresa de forma a maximizar a satisfação dos consumidores. Somente estes podem dizer isso através de suas livres escolhas. Logo, não há garantia alguma de que um cartel, ou um grupo de empresas cooperando, será menos eficiente que inúmeras pequenas empresas isoladas. O único jeito de descobrir isso é permitindo o livre funcionamento do mercado, incluindo a liberdade de se unir para cooperar com outras firmas.

A experiência, contudo, mostra que o cartel é uma forma inerentemente instável de operação. Se a união de um grupo de empresas se mostrar eficiente no atendimento da demanda, ou seja, rentável para cada membro do cartel, então ele irá naturalmente levar a uma fusão. Por outro lado, se a ação conjunta se mostrar um fracasso, ou seja, apresentar prejuízo para seus membros, as firmas insatisfeitas irão abandonar o cartel. As cotas definidas dentro do cartel serão sempre arbitrárias, e sempre poderão ser questionadas por seus membros. Os mais eficientes dentro do cartel terão um forte incentivo a abandonar o grupo, pois estão sendo limitados pela ineficiência alheia. Eles poderiam estar ganhando fatia de mercado caso abandonassem o cartel. E há ainda outra força ameaçando constantemente o cartel, que vem de fora. Se o cartel consegue retornos “artificialmente” elevados por conta da restrição da produção, nada impede que produtores de fora entrem no mercado e tirem vantagem desses lucros extraordinários.

Alguém pode perguntar: O que impede então a formação de Um Grande Cartel? Na verdade, o próprio mercado impõe um limite ao tamanho da firma, por causa do problema de cálculo econômico. Para calcular os lucros e prejuízos de cada setor, a firma deve poder comparar suas operações internas com os mercados externos para cada dos vários fatores intermediários de produção. Quando esses mercados somem, sendo absorvidos dentro da empresa, o cálculo econômico desaparece, e não há como alocar racionalmente os recursos escassos para as áreas específicas. O Grande Cartel não teria como evitar grandes prejuízos. Por isso mesmo essa nunca seria uma escolha voluntária no livre mercado. O socialismo, no fundo, seria equivalente a este Grande Cartel, organizado e controlado compulsoriamente pelo Estado. O fato de que Um Grande Cartel nunca foi formado voluntariamente e que ele precisa de coerção do Estado para ser formado demonstra que ele não poderia ser o método mais eficiente para satisfazer as demandas dos consumidores.

Por fim, o fato de que o termo cartel desperta tanta reação negativa pode ter explicação em sua origem, já que no passado um monopólio ou cartel era garantido como um privilégio especial do Estado, reservando uma determinada área de produção para um grupo particular. A entrada de novos concorrentes era proibida pelo governo. No caso brasileiro, a Petrobrás foi um exemplo claro de um monopólio possível apenas pelo decreto estatal, e não por uma maior eficiência da empresa vis-à-vis as concorrentes. O mais famoso cartel do mundo, a OPEP, segue o mesmo caso. Ele é garantido pelos governos autoritários dos países produtores de petróleo, basicamente do Oriente Médio. Mas este tipo de cartel não tem nenhuma relação com o livre mercado. Pelo contrário: ele é fruto justamente da intervenção no mercado.

PS: Existem inúmeros exemplos de cartéis no mercado, e pode-se notar que os problemas surgem normalmente quando o governo impede a livre concorrência. A Ordem dos Advogados do Brasil é um caso típico de cartel, e não haveria problema algum nisso, caso houvesse liberdade no mercado. O perigo aparece quando o governo garante o monopólio legal da OAB, impedindo o funcionamento do livre mercado. Os sindicatos trabalhistas são também cartéis onde os trabalhadores se unem para garantir um poder de barganha maior frente ao empregador. O problema está na coerção que tais sindicatos fazem contra os não-membros, que aceitariam trabalhar com menos regalias. Quando tais sindicatos impedem através da ameaça violenta a livre competição, eles estão prejudicando os trabalhadores de forma geral. Novamente, a solução justa e eficiente está no livre mercado.

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