O ex-presidente do Afeganistão e a cleptocracia da “Democracia Liberal”

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O previsível colapso do governo afegão imposto pelos americanos serviu como uma ilustração poderosa da arrogância das “muito respeitáveis” elites políticas do Ocidente. No caos da retirada, surgiu uma figura que talvez melhor personifique a absoluta inadequação da classe dominante moderna: o ex-presidente Ashraf Ghani.

Olhando para o currículo de Ghani, é fácil ver por que ele era uma figura perfeita para os governos ocidentais. Nascido no Afeganistão, mas educado no exterior, ele possui um PhD pela Columbia e educação complementar em administração de Harvard e Stanford. Seu currículo incluía aulas em Berkeley e Johns Hopkins antes de ocupar cargos no Banco Mundial e na ONU antes da guerra no Afeganistão. Ghani serviu como conselheiro-chefe do presidente Hamid Karzai e como ministro das finanças do estado antes de assumir a presidência. (Ambas as eleições geraram alegações de irregularidades eleitorais.)

Ele também é o autor do livro Fixing Failed States, publicado pela Oxford.

Ghani talvez seja mais conhecido agora como um homem que fugiu de seu palácio presidencial com US$ 169 milhões. Antes mesmo do desmentido oficial do ex-presidente, questionamentos sobre a logística de transporte daquela quantia em dinheiro lançam dúvidas sobre as alegações. Ainda assim, independentemente do que realmente aconteceu quando Ghani fugiu de Cabul, a imagem do líder fracassado roubando do povo afegão é bem verdadeira.

Ashraf Ghani representa o grau em que a democracia neoliberal moderna é uma fachada para a cleptocracia governante.

Afinal, não importa o que tenha acontecido em seus momentos finais como presidente, Ghani foi um fracasso em colocar em prática o que passou toda a sua vida falando: fazer do Afeganistão uma nação próspera. Embora fosse um queridinho de políticos ocidentais e ONGs de prestígio, ele era um líder completamente inepto e fora de contato com a realidade de um país que ele passou a maior parte de sua vida adulta evitando.

Como Eltaf Najafizada e Archana Chaudhary da Bloomberg observaram:

    De muitas maneiras, a queda rápida de Ghani reflete os fracassos mais amplos dos EUA em impor um governo ao Afeganistão que contava com a adesão de uma série de poderes intermediários concorrentes com uma longa história de luta no campo de batalha, em vez de nas urnas. Embora fosse um pashtun, o grupo étnico dominante do país, Ghani era visto como um estranho que não tinha o toque político para unir facções díspares e ficou mais isolado com o tempo.

“Ghani não se acomodou às realidades de como o Afeganistão funciona”, disse Kabir Taneja, autor de [o livro] O perigo do ISIS: o grupo de terrorismo mais temido do mundo e sua sombra no sul da Ásia e membro da Observer Research Foundation em Nova Delhi. “Ele não entendia ou não conseguia entender os senhores da guerra, que são essencialmente pessoas que representam linhas de fraturas étnicas.”

A principal utilidade de Ghani era seu bom relacionamento com os políticos americanos de que seu regime dependia para apoio financeiro e militar. Para o estado afegão, o apoio de Washington sempre foi mais importante do que o apoio da nação. O colapso de tal ordem política é previsível, assim como a corrupção galopante. Uma geração de empreiteiros militares ficou muito rica, graças aos investimentos de Washington em buracos sem fundo, como um exército de US$ 88 bilhões que desapareceu na ausência do apoio dos EUA – enquanto o povo do Afeganistão sofreu uma pobreza crescente.

As vítimas das últimas duas décadas são as dezenas de milhares de vidas perdidas e os contribuintes saqueados por esse desperdício. Os beneficiados são os que obtiveram lucros com a guerra em todas as suas formas e indivíduos como Ghani, que serão capazes de transformar o fracasso em uma vida lucrativa de palestras pelo mundo.

Esse tipo de enriquecimento, é claro, não é tão obsceno quanto a imagem de um presidente em fuga movendo paletes de dólares americanos. Mas o verdadeiro escândalo é o quão normal é esse tipo de resultado.

Por gerações agora, as instituições governantes do Ocidente têm sido um meio para acadêmicos altamente credenciados enriquecerem com o dinheiro dos contribuintes, independentemente de mérito e desempenho. As principais instituições acadêmicas usam suas credenciais como uma forma de capacitar uma classe tecnocrática com objetivos grandiosos e ideologias perigosas. Com a ajuda de organizações como o Banco Mundial de Ghani, essas mesmas instituições são capazes de infectar outras nações – conforme ilustrado por quantos bancos centrais, incluindo o do Afeganistão, têm ex-alunos da Ivy League em seu staff.

Ao longo do caminho, esses mesmos funcionários públicos continuam a promover uma agenda política para consolidar ainda mais o poder das instituições globalistas muito distantes e isoladas – culturalmente, economicamente e fisicamente – do público, ao mesmo tempo que se proclamam defensores da “democracia liberal”.

Independentemente de Ashraf Ghani realmente ter escapado de seu país com sacos cheios de dinheiro, é apropriado vê-lo como um ladrão que roubou o povo do Afeganistão e dos Estados Unidos. E seu exemplo é a norma, não a exceção.

Como Murray Rothbard notou, “[O] estado é uma gangue de ladrões em larga escala.” O mesmo rótulo se aplica à classe tecnocrática que ele confere poder.

 

 

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