O fechamento do Cine Belas Artes

0
Tempo estimado de leitura: 3 minutos

03347857000Há algum tempo, fiquei muito triste com o fechamento de uma “casa noturna” de São Paulo. O local, chamado Geni, funcionava numa tradicional rua da região central da cidade e num casarão antigo. A grandeza do imóvel constituía, para mim, o diferencial entre outras casas noturnas. Diversos cômodos foram ambientados diferentemente, o que tornava a ida ao local sempre uma experiência nova. Pela localidade e proposta do ambiente, sempre considerei o preço dos alimentos e bebidas aceitável.

Além do fechamento do local no qual encontrei amigos, fiz amigos, dei risadas e tive boas conversas, demoliram o casarão. Muitas pessoas ficaram indignadas na época. A demolição seria um ultraje para com a história da cidade. Alguns defenderam abaixo-assinados e outros até mesmo pensaram em tombar o imóvel. Nada impediu que a casa viesse abaixo.

Lembro de, naquela época, ter dito que deveria ter frequentado mais o Geni. Se eu tivesse ido mais vezes, convidado amigos e divulgado o local que me agradava, entraria receita para o empreendimento e possivelmente a casa ainda funcionasse.

Após estes fatos acima narrados, me deparo com uma situação muito parecida com a vivida tempos atrás. O Cine Belas Artes vai fechar. Os paulistas estão horrorizados. O cinema era tradicional. Em funcionamento desde 1943, trouxe lazer e cultura em seus 68 anos de funcionamento. O fechamento do local ocorre pela falta de patrocínio. O dono do imóvel reivindicou o espaço e irá abrir uma loja no lugar.

Muitas pessoas estão se mobilizando para executarem flashmobs e protestos contra a atitude irresponsável de fechar o cinema. Há quem defenda o tombamento do local, pois ele pertence aos paulistas. Dessa forma o cinema será salvo e ainda entrará para o círculo cultural da cidade.

É engraçado ver mais de 22 mil pessoas engajadas na “causa” pelo não fechamento do Belas Artes. O movimento é lúcido até certo ponto. Seu engajamento é para que “sensibilize o proprietário do imóvel a abrir mão de maiores lucros com a possível abertura de uma loja no local, renovando o contrato de locação que tem com os donos do Belas Artes”. Não há nenhum problema com uma manifestação. Diversas pessoas panfletam contra determinadas empresas para que estas venham a mudar suas decisões.

Uma sociedade livre está pautada na liberdade de considerar o fechamento do cinema um absurdo. Porém, a reivindicação perde total sentido quando o uso de coerção é clamado para que seja feito aquilo que se considera o correto. Posso ser contra o cinema fechar, mas não posso impedi-lo por meios que não sejam a persuasão. É neste ponto que o movimento torna-se nefasto. Declara que vai “entrar com requerimento junto aos órgãos competentes (CONDEPHAAT, CONDESP, IPHAN) para tombar o uso do imóvel em questão, assegurando-se que não seja desenvolvida outra atividade no imóvel que não a de cinema”.

É bem interessante a mentalidade de algumas pessoas. O cinema estava lá durante 68 anos. Muitos, assim como eu, frequentaram o local e gostavam das sessões de madrugada e dos filmes que ficam em cartaz durante longo período. Entretanto, outros lidam com o local apenas como um troféu. É importante que ele esteja lá, mesmo que eu nunca precise ir lá vê-lo. A mesma mentalidade se aplica aos museus da cidade, pouco frequentados pelos moradores locais. Os paulistas adoram quando são considerados a capital cultural e gastronômica, mas não degustam nem cultura e nem visitam as variadas cozinhas.

No fundo, querem ter um antigo cinema para se vangloriarem. Mas os cidadãos não são donos do cinema. Precisam tomar, isto é, roubar a propriedade de seu dono para que o cinema seja do povo. Cada um terá o prazer em dizer: “Eu tenho um cinema há 68 anos”. Não irão precisar ver filmes, é mais fácil baixar pela internet ou adquirir uma cópia não original.

Em suma, é mais fácil tombar um imóvel bem localizado do que ter de sair de casa para financiar o empreendimento admirado. Se gostavam tanto do cinema, tratem de a partir deste ano frequentar mais os cinemas tradicionais. Convidem seus amigos, façam campanha, mas não tentem manter um empreendimento à força apenas para satisfazer seus egos.

Leia também A GM e o fim da indústria de pianos nos EUA

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.