O intelectualismo anti-intelectual

0
Tempo estimado de leitura: 5 minutos

Introdução de Michael Wiebe

anti1 (1)A primeira e mais óbvia estratégia para se ter uma sociedade genuinamente livre é a educação: temos de mostrar para as pessoas que o estado é imoral, desnecessário e não funciona.  Mas como conseguir isso?  Devemos tentar convencer as massas ou os intelectuais?  Devemos enfatizar a moralidade ou a viabilidade?

Hans-Hermann Hoppe nos forneceu a resposta a esta questão apresentando a estratégia do “intelectualismo anti-intelectual”.  Seguindo a constatação de Étienne de La Boétie, de que o poder e a legitimidade do governo advêm da opinião pública, temos de reconhecer que são os intelectuais que moldam a opinião pública.  Deste modo, Hoppe convoca “intelectuais anti-intelectuais” para que assumam a missão de confrontar os intelectuais pró-estado, tirar definitivamente a legitimidade do estado e, deste modo e em última instância, destruam o estado.

As duas seções principais desta estratégia são (1) basear seus argumentos na moralidade e não meramente no utilitarismo, e ao mesmo tempo (2) contornar o mundo acadêmico e alcançar o público em geral.  Assim, diz Hoppe, “estados, por mais poderosos e invencíveis que possam parecer, devem sua existência essencialmente às ideias;  e, uma vez que ideias podem, ao menos em princípio, ser mudadas instantaneamente, estados podem ser derrubados e esfacelados quase que da noite para o dia.”

A estratégia do intelectualismo anti-intelectual foi exposta por Hoppe em seu artigo, A ética rothbardiana:

A partir desta constatação sobre a importância das ideias e do papel dos intelectuais como protetores do estado e do estatismo, segue-se que o papel mais importante no processo de liberalização — a restauração da justiça e da moralidade — deve ser assumido por aqueles que podemos chamar de intelectuais anti-intelectuais.  No entanto, fica a pergunta: como estes intelectuais anti-intelectuais podem ter êxito em deslegitimar o estado perante a opinião pública se considerarmos que a esmagadora maioria de seus colegas é formada por estatistas que farão de tudo para isolá-los e desacreditá-los, taxando-os de extremistas e malucos?  O espaço aqui me permite fazer apenas breves comentários sobre esta questão, que é fundamental.

Primeiro: Dado que será necessário enfrentar a oposição cruel e maliciosa de seus colegas, para que o indivíduo possa resistir e não se deixar abater é de máxima importância não basear sua posição no utilitarismo e na ciência econômica, e sim em argumentos de ordem ética e moral.  Pois somente convicções morais provêem a força e a coragem necessárias para uma batalha intelectual e ideológica.  Poucos se sentem inspirados ou se dispõem a aceitar sacrifícios quando estão se opondo a coisas que consideram ser meros erros ou superficialidades.  Por outro lado, inspiração e coragem podem ser obtidas em grande dose se se souber que se está lutando contra o mal e combatendo mentiras perversas. (Retorno a este ponto brevemente).

Segundo: É importante reconhecer que não é necessário convencer outros intelectuais convencionais.  Como demonstrou Thomas Kuhn, isto é algo bastante raro até mesmo nas ciências naturais.  Nas ciências sociais, praticamente não se conhece casos de intelectuais consagrados que abandonaram suas opiniões anteriores e se converteram.  Em vez disso, os esforços devem ser concentrados naqueles jovens que ainda não se comprometeram intelectualmente; jovens cujo idealismo também os torna particularmente mais receptivos a argumentos morais rigorosos.  E, da mesma maneira, deve-se ignorar o mundo acadêmico e se esforçar para alcançar o grande público (isto é, os leigos inteligentes esclarecidos), o qual, de modo geral, nutre alguns saudáveis preconceitos anti-intelectuais, que podem ser facilmente explorados.

Terceiro (retornando à importância de um ataque moral contra o estado): É essencial compreender que não se pode fazer nenhuma concessão em nível de teoria.   É claro que não se deve recusar uma cooperação com pessoas que possuam opiniões que sejam essencialmente erradas e confusas, desde que os objetivos delas possam ser classificados, clara e inequivocamente, como um passo correto em direção à desestatização da sociedade.  Por exemplo, é correto cooperar com pessoas que pretendem introduzir um imposto de renda uniforme (flat) de 10% (embora não iríamos querer cooperar, por exemplo, com aqueles que gostariam de combinar esta medida com um aumento em outros impostos a fim de manter a arrecadação inalterada).  No entanto, sob nenhuma circunstância esta cooperação deve levar a, ou ser obtida por meio de, uma contemporização dos próprios princípios.  Ou a tributação é algo justo ou ela é injusta.  E uma vez que ela seja aceita como justa, como então será possível se opor a qualquer aumento da mesma?  A resposta logicamente é que não é possível!

Em outras palavras, fazer concessões em nível de teoria, como vemos acontecer, por exemplo, entre liberais moderados como Hayek e Friedman, ou mesmo entre os chamados minarquistas, não apenas denota uma grande falha filosófica, como também é uma atitude, do ponto de vista prático, inútil e contraproducente.  As idéias destas pessoas podem ser — e de fato são — facilmente cooptadas e incorporadas pelos governantes e pelos ideólogos do estado.  Aliás, não é de se estranhar a frequência com que ouvimos estatistas defendendo a agenda estatista dizendo coisas como “até mesmo Hayek (Friedman) diz — ou, nem mesmo Hayek (Friedman) nega — que isto e aquilo deve ser feito pelo estado!”  Pessoalmente, eles até podem ter ficado descontentes com isso, mas não há como negar que suas obras serviram exatamente a este propósito; e, consequentemente, queiram ou não, eles realmente contribuíram para o contínuo e incessante crescimento do poder do estado.

Ou seja, gradualismo ou concessão teórica irá gerar apenas a perpetuação da falsidade, do mal e das mentiras do estatismo.  Somente o purismo teórico, com seu radicalismo e sua intransigência, pode e irá resultar primeiro em reformas práticas e graduais, depois no aprimoramento, até finalmente chegar a uma possível vitória final.  Deste modo, sendo um intelectual anti-intelectual no sentido rothbardiano, um indivíduo não deve se limitar apenas a criticar diversas tolices do governo, ainda que ele possa ter de começar por elas; ele deve sempre partir deste ponto e ministrar um ataque fundamental à instituição do estado, mostrando-o como uma afronta ética e moral.  O mesmo deve ser feito com seus representantes, que devem ser expostos como fraudes morais e econômicas, bem como mentirosos e impostores — devemos sempre apontar que os reis estão nus.

Particularmente, o indivíduo jamais deve hesitar em atacar o próprio núcleo da legitimidade do estado: seu suposto papel de indispensável fornecedor de segurança e proteção.  Já demonstrei em termos teóricos o quão ridícula é esta alegação: como é possível uma agência que pode expropriar propriedade privada alegar ser protetora da propriedade privada?  Mas tão importante quanto o ataque teórico é atacar também a legitimidade do estado em bases empíricas.  Isto é, trabalhar arduamente sobre o tema de que os estados, que supostamente deveriam nos proteger, são eles próprios a instituição responsável por 200 milhões de mortes apenas no século XX — mais do que as vítimas de crimes privados em toda a história da humanidade (e este número de vítimas de crimes privados, crimes contra os quais o governo não nos protegeu, teria sido bem menor caso os governos de todos os locais e de todas as épocas não tivessem se empenhado continuamente em desarmar seus próprios cidadãos para que eles mesmos, os governos, não encontrassem resistência e pudessem se tornar máquinas mortíferas ainda mais eficientes)!

Portanto, em vez de tratar políticos com respeito, nossa crítica a eles deveria ser significativamente intensificada: quase sem exceção, eles não são somente ladrões; são também falsificadores, corruptos, charlatães e chantagistas.  Como ousam exigir nosso respeito e nossa lealdade?

Mas será que uma vigorosa e distinta radicalização ideológica trará os resultados desejados?  Não tenho a menor dúvida que sim.  De fato, apenas ideias radicais — e, na verdade, radicalmente simples — podem incitar as emoções das massas inertes e indolentes, e deslegitimar o governo perante seus olhos.

Purismo! Radicalismo! Intransigência!

Este sim é um slogan que deve ser adotado em nossa vida.

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui