O Ocidente enriqueceu com anarquia política

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Não é incomum encontrar teóricos políticos e especialistas que insistem que a centralização política é um benefício para o crescimento econômico. Em ambos os casos, afirma-se que a presença de um regime central unificador – seja em Bruxelas ou em Washington, DC, por exemplo – é essencial para garantir o fluxo eficiente e livre de mercadorias em uma grande jurisdição. Isto, dizem-nos, vai acelerar muito o crescimento econômico.

Em muitos aspectos, o modelo são os Estados Unidos, dentro dos quais praticamente não há barreiras ao comércio ou à migração entre os estados-membros. Na UE, as barreiras têm diminuído nas últimas décadas.

As evidências históricas, no entanto, sugerem que a unidade política não é realmente um catalisador para o crescimento econômico ou para a inovação no longo prazo. Na verdade, a experiência europeia sugere que o oposto é verdadeiro.

Por que a Europa ultrapassou a China em riqueza e crescimento?

Há mil anos, um visitante de outro planeta poderia facilmente ter ignorado a Europa como um fim de mundo pobre. Em vez disso, a China e o mundo islâmico podem ter parecido muito mais propensos a serem os líderes mundiais em riqueza e inovação indefinidamente.

Por que, então, a Europa se tornou a civilização mais rica e tecnologicamente avançada do mundo?

De fato, o fato de que a Europa havia se desenvolvido superando outras civilizações que já eram científica e tecnologicamente avançadas tornou-se evidente no século XIX. Desde então, historiadores têm debatido a questão das origens desse “milagre europeu“. Esse “milagre”, nos diz o historiador Ralph Raico:

     Consiste em um fato simples, mas importante: foi na Europa – e nas extensões da Europa, sobretudo na América – que os seres humanos alcançaram pela primeira vez o crescimento econômico per capita durante um longo período de tempo. Dessa forma, a sociedade europeia escapou da “armadilha malthusiana”, permitindo que novas dezenas de milhões sobrevivessem e a população como um todo escapasse da miséria irremediável que havia sido a sorte da grande massa da raça humana em tempos anteriores. A questão é: porquê a Europa?[1]

Em todo o espectro dos historiadores, as teorias sobre o desenvolvimento econômico da Europa têm sido variadas, para dizer o mínimo.[2] Mas uma das características mais importantes da civilização europeia – desde o colapso do Império Romano do Ocidente – tem sido a descentralização política da Europa.

Raico continua:

     Embora fatores geográficos tenham desempenhado um papel, a chave para o desenvolvimento ocidental encontra-se no fato de que, enquanto a Europa constituía uma única civilização – a cristandade latina – ela era, ao mesmo tempo, radicalmente descentralizada. Em contraste com outras culturas – especialmente a China, a Índia e o mundo islâmico – a Europa compreendia um sistema de potências e jurisdições divididas e, portanto, concorrentes.[3]

Embora os centralizadores modernos da UE estejam tentando isso, em nenhum momento a civilização europeia caiu sob o domínio de um único estado como foi o caso da China. Mesmo durante o início do período moderno, à medida que algumas políticas conseguiram formar estados absolutistas, grande parte da Europa – como as áreas altamente dinâmicas nos Países Baixos, no norte da Itália e nas cidades alemãs – permaneceu em fluxo e altamente descentralizada. A ascensão das classes mercantis, bancárias e de uma classe média urbana – que começou já na Idade Média e foi tão essencial na construção da Europa industrial – prosperou sem grandes estados.

Afinal, enquanto uma grande entidade política com poucas fronteiras internas pode, de fato, levar a grandes mercados com menos custos de transação, concentrar o poder em um só lugar traz grandes riscos: um estado que pode facilitar o comércio através de um grande império também é um estado que pode sufocar o comércio por meio de regulamentação, tributação e até expropriação.

Os antigos vastos reinos e impérios da Ásia podem ter estado bem posicionados para promover a criação de uma classe mercantil rica e classe média. Mas o fato é que isso não aconteceu. Esses estados, em vez disso, concentraram-se em sufocar as ameaças ao poder estatal, centralizar o controle político dos mercados e extorquir o público por meio da imposição de multas e penalidades àqueles que foram desfavorecidos pelas classes dominantes.

Os benefícios da anarquia

Em contraste, a Europa era relativamente anárquica em comparação com outras civilizações mundiais e tornou-se o lar do grande salto econômico que hoje damos como certo. Isso não é “anarquia” no sentido de “caos”, é claro. Isso é anarquia como entendida pelos cientistas políticos: a falta de um único estado ou autoridade controladora. Em períodos cruciais do desenvolvimento do continente – como agora – não havia governante da “Europa” e nem império europeu. Assim, em seu livro As origens do capitalismo, o historiador Jean Baechler conclui:

    A primeira condição para a maximização da eficiência econômica é a libertação da sociedade civil em relação ao estado. A expansão do capitalismo deve suas origens e razão de ser à anarquia política. (grifos no original)[4]

Durante muitos anos, os historiadores econômicos tentaram encontrar correlações entre esta anarquia política e o sucesso econômico da Europa. Muitos acharam a conexão inegável. O economista Douglass North, por exemplo, escreve:

     Os fracassos dos candidatos mais prováveis, China e Islã, apontam a direção de nossa investigação. O controle político centralizado limita as opções – limita as alternativas que serão perseguidas em um contexto de incerteza sobre as consequências de longo prazo das decisões políticas e econômicas. Foi precisamente a falta de ordem política e econômica em grande escala que criou o ambiente essencial para o crescimento econômico e, em última análise, para as liberdades humanas. No ambiente competitivo e descentralizado, muitas alternativas foram buscadas; algumas funcionaram, como na Holanda e na Inglaterra; algumas falharam, como no caso de Espanha e Portugal; e algumas, como na França, ficaram entre esses dois extremos.[5]

Competição entre governos significa mais liberdade

Mas por que exatamente esse tipo de descentralização radical “limita as opções” para príncipes e reis governantes? A liberdade aumenta porque, sob um sistema descentralizado, há mais “alternativas” – para usar o termo de North – disponíveis para aqueles que buscam evitar o que E.L. Jones chama de “comportamento fiscal predatório do governo”. Assim, o historiador David Landes enfatizou a importância de “múltiplas entidades políticas concorrentes” na Europa para preparar o terreno para:

    a iniciativa privada no Ocidente possui[ndo] uma vitalidade social e política sem precedentes ou contrapartidas. Isto variava, nem é preciso dizer, de uma parte da Europa para outra… E às vezes eventos adventícios como a guerra ou uma mudança de soberano produziram uma grande alteração nas circunstâncias das classes empresariais. No cômputo geral, porém, o lugar da iniciativa privada foi garantido e melhorou com o tempo; e isso é evidente nos arranjos institucionais que governavam a obtenção e o gasto da riqueza.[6]

Foi essa “competição latente entre estados”, afirma Jones, que levou as entidades políticas individuais a buscar políticas destinadas a atrair capital.[7] Príncipes e reis mais competentes adotaram políticas que levaram à prosperidade econômica nas entidades políticas vizinhas e, assim, “a liberdade de movimento entre os estados-nação ofereceu oportunidades para que as ‘melhores práticas’ se difundissem em muitas esferas, inclusive na econômica”. Como os estados europeus eram relativamente pequenos e fracos – mas culturalmente semelhantes a muitas jurisdições vizinhas – os abusos de poder por parte das classes dominantes levaram a quedas tanto na receita quanto nos residentes mais valiosos. Os governantes procuraram combater isso garantindo proteções à propriedade privada.

Isso não significa que nunca houve abuso de poder, é claro, mas como observou Landes:

     É certo que os reis podiam, e faziam, formar ou quebrar homens de negócios, mas o poder do soberano era limitado pelas exigências dos estados… e competição internacional. Os capitalistas poderiam levar sua riqueza e empreendimento para outro lugar e, mesmo que não pudessem sair, os capitalistas de outros reinos não demorariam a lucrar com sua descompostura.[8]

A descentralização também não se limitou ao sistema internacional de estados soberanos separados. Graças ao cabo de guerra de longa data entre o estado e a Igreja, e entre reis e nobres, a descentralização era comum até mesmo dentro das entidades políticas. Raico continua:

      A descentralização do poder também passou a marcar os arranjos internos das diversas entidades políticas europeias. Aqui, o feudalismo – que produziu uma nobreza enraizada no direito feudal e não no serviço estatal – é considerado por vários estudiosos como tendo desempenhado um papel essencial. Através da luta pelo poder dentro dos reinos, surgiram órgãos representativos, e os príncipes muitas vezes viram suas mãos atadas pelas cartas de direitos (Magna Carta, por exemplo) que eram forçados a conceder a seus súditos. No final, mesmo dentro dos estados relativamente pequenos da Europa, o poder estava disperso entre estamentos, ordens, cidades foradas, comunidades religiosas, corpos, universidades etc., cada um com suas próprias liberdades garantidas.[9]

A longo prazo, no entanto, foi o sistema de anarquia internacional que parece ter garantido que os estados fossem constrangidos em sua capacidade de tributar e extorquir as classes mercantis e as classes médias, que eram um componente-chave das crescentes fortunas econômicas da Europa.[10]

Precisamos de um regresso às entidades políticas menores

Ainda hoje, continuamos a ver esses fatores em ação. Estados pequenos – especialmente na Europa e nas Américas – tendem a ter renda mais alta e maior liberdades. Podemos ver isso nos microestados da Europa e no Caribe. Estados pequenos, buscando atrair capital, muitas vezes prejudicam vizinhos maiores em termos de impostos.

É verdade que uma das entidades políticas economicamente mais bem-sucedidas do mundo hoje é grande: os Estados Unidos. O sucesso dos EUA, no entanto, pode ser atribuído à presença duradoura da descentralização política internamente – especialmente durante o século XIX – e ao liberalismo econômico latente, embora em retrocesso, estimado por grande parte de sua população. A Europa, é claro, já era rica – e relativamente livre politicamente em comparação com os regimes despóticos do Leste – muito antes de começar a centralizar o poder político sob a bandeira da União Europeia.

Hoje, no entanto, estamos vendo o empobrecimento de décadas de centralização política nos EUA e na Europa. As regulamentações governamentais decretadas por Bruxelas e Washington continuam a sufocar a inovação e o empreendedorismo. A UE tem procurado reprimir os baixos impostos nos estados-membros menores. Tanto a UE quanto os EUA estão erguendo barreiras comerciais a produtores fora de seus blocos comerciais.

Infelizmente, aqueles que estão no poder, que se beneficiam do status quo e de segurar as rédeas de grandes estados, dificilmente renunciarão a esse poder recém-conquistado sem lutar.

 

 

 

Artigo original aqui

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Notas

[1] Ralph Raico, “The Theory of Economic Development and the ‘European Miracle'”, em The Collapse of Development Planning, ed. Peter Boettke (Nova York: New York University Press, 1994), p. 39.

[2] Chiu Yu Ko, Mark Koyama e Tuan-Hwee Sng, por exemplo, afirmam que a China foi forçada a centralizar devido a ameaças da estepe euroasiática. (Ver Chiu Yu Ko, Mark Koyama, Tuan-Hwee Sng, “China unificada e Europa dividida”, EH.net, junho de 2014, http://eh.net/eha/wp-content/uploads/ 2014/05/Koyama.pdf.

[3] Raico, “A Teoria do Desenvolvimento Econômico e o ‘Milagre Europeu'”, p. 41.

[4] Jean Baechler, As origens do capitalismo (Oxford, Reino Unido: Basil Blackwell, 1975), pp. 77, 113. Baechler também influenciou F.A. Hayek em seu pensamento. Hayek cita essa passagem de Baechler sobre “anarquia política” no volume 3 de Law, Legislation and Liberty. Ver F.A. Hayek, Law, Legislation, and Liberty, vol. 3 (Chicago: University of Chicago Press, 1979). Hayek também escreve em The Fatal Conceit: “… a história da China fornece muitos exemplos de tentativas do governo de impor uma ordem tão perfeita que a inovação se tornou impossível. Este país, tecnologicamente e cientificamente desenvolvido tão à frente da Europa que, para dar apenas uma ilustração, tinha dez poços de petróleo operando em um trecho do rio Pó já no século XII, certamente deve sua estagnação posterior, mas não seu progresso inicial, ao poder manipulador de seus governos. O que levou a civilização muito avançada da China a ficar para trás da Europa foi a repressão tão rígida de seu governo que não deixou espaço para novos desenvolvimentos, enquanto, como observado no último capítulo, a Europa provavelmente deve sua extraordinária expansão na Idade Média à sua anarquia política. F.A. Hayek, The Fatal Conceit: The Errors of Socialism, ed. W.W. Barley, III (Londres: Routledge, 1988), p. 44.

[5] Douglass North, “The Paradox of the West”, em The Origins of Modern Freedom in the West, ed. R.W. Davis (Stanford, Califórnia: Stanford University Press, 1995).

[6] David Landes, The Unbound Prometheus: Technological Change and Industrial Development in Western Europe from 1750 to the Present (Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press, 1969), p. 15.

[7] E.L. Jones, The European Miracle: Environments, Economies and Geopolitics in the History of Europe and Asia (Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press, 2003), p. 118.

[8] Landes, O Prometeu Desconhecido, p. 15.

[9] Raico, p. 42. É importante notar que Raico não trata a “descentralização radical” da cristandade latina como algo que “acabou de acontecer”. Ou seja, penso que Andrei Znamenski entendeu Raico incorretamente quando Znamenski afirma que o quadro que sublinha o “papel da fragmentação política e da descentralização como o principal fator que permitiu à Europa abrir as suas asas econômicas” é “bem verdadeiro e bem apoiado”, mas conclui que “deixa sem resposta a simples questão de como a fragmentação e a descentralização surgiram em primeiro lugar”. Raico aborda isso observando que foi especificamente a Europa Ocidental, que foi a mais bem sucedida economicamente e não coincidentemente existiu sob a oposição da Igreja Latina a qualquer governo civil único se tornar o poder civil final na Europa. Ver Andrei Znamenski, “The ‘European Miracle’ Warrior Aristocrats, Spirit of Liberty, and Competitionas a Discovery Process”, The Independent Review 16, no. 4 (Primavera de 2012).

[10] A importância da descentralização dentro dos estados não pode ser ignorada, é claro. Como observa o historiador Joel Mokyr em “The Enduring Riddle of the European Miracle: The Enlightenment and the Industrial Revolution” (2002), a ascensão do liberalismo político e econômico (que ele chama de “o Iluminismo”) foi fundamental para enfraquecer os estados em sua capacidade de enriquecer interesses de busca de renda entrincheirados às custas dos produtores de mercado. Isso, no entanto, não prejudica nossa teoria da descentralização, uma vez que a descentralização é um componente-chave para sustentar e estabelecer as bases necessárias para que o liberalismo ideológico prospere. Ver Joel Mokyr, “The Enduring Riddle of the European Miracle: The Enlightenment and the Industrial Revolution”, outubro de 2002, p. http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.477.6576&rep=rep1&type=pdf.

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