O outro lado do consumismo

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bisbilhotecarias_consumismo_petropolisEstou começando a crer que o epíteto “consumismo”, quase sempre evocado de forma pejorativa, é apenas outra palavra para a expressão “usufruir liberdade no mercado”.
A verdade é que o mercado está, diariamente, nos proporcionando uma quantia cada vez maior de bens e serviços, e sempre com avanços tecnológicos que eram inimagináveis há apenas alguns anos. Quem imaginaria, dez anos atrás, que um GPS se tornaria algo tão corriqueiro nas ruas das nossas cidades?

Nos países mais ricos, as pessoas alegam que estão sendo submetidas a uma avalanche tão grande de produtos tecnologicamente avançados — os quais supostamente as estariam tornando “anti-sociais” —, que elas não querem mais nada. Diga não à mais recente engenhoca!

Mas é claro que, na prática, nenhum de nós realmente quer essa interrupção. Ninguém, por exemplo, quer ter seu acesso à internet negado ou encarecido. Ao contrário: queremos acessar a internet de forma cada vez mais rápida, mais barata, e com mais variedade de meios (celular, tablets, smartphones, laptops etc.). Queremos a liberdade de fazer downloads de músicas, filmes, seriados, livros, monografias e tratados sobre absolutamente todos os assuntos imagináveis. Nenhuma informação é considerada excessiva quando algo específico está sendo procurado.

E isso não é tudo.

Queremos mais variedades da comida, de bebida, de produtos de limpeza, de pastas de dente, de barbeadores. Queremos eletrodomésticos mais práticos e mais eficientes. Queremos mais ar-condicionado (ou mais calefação) em nossas casas, ambientes de trabalho e estabelecimentos comerciais. Queremos acesso a toda uma gama de estilos para o mobiliário de nossa casa. Se algo está quebrado, queremos as peças de reposição prontamente disponíveis. Queremos peixes frescos, frutas frescas, roupas limpas e cheirosas, pão quentinho, e carros modernos com cada vez mais tecnologia embarcada. Queremos pronta-entrega e suporte técnico 24 horas. Queremos usufruir o que está na moda em todas as partes do mundo.

As bibliotecas já são acessíveis online, assim como as grandes obras de arte. O comércio também se adaptou e fez essa transição. Novos mundos são abertos para nós diariamente. Há várias maneiras de se comunicar com pessoas distantes gratuitamente. Até mesmo o email e os torpedos já estão se tornando obsoletos. Podemos conversar instantaneamente com qualquer pessoa em qualquer canto do mundo por meio de aplicativos de smartphone (Skype ou WhatsApp) gratuitos. Já estamos abandonando as televisões de tubo e os telefones de linha fixa — artigos de luxo no século XX — em prol de modelos muito superiores de tecnologia de informação.

Queremos agilidade. Queremos velocidade. Queremos redes sem fio. Queremos acesso. Queremos aperfeiçoamentos. Água limpa e filtrada tem de sair diretamente de nossas geladeiras. Queremos todos os tipos de bebidas: energética, esportiva, espumante, suculenta. Queremos água importada das ilhas Fiji. Queremos casas melhores. Queremos apartamentos melhores. Queremos segurança. Queremos educação. Queremos saúde. Queremos infraestrutura. Queremos serviços. Queremos liberdade de escolha.

Estamos conseguindo essas coisas? As que são estatais, como segurança, educação, saúde, água encanada e infraestrutura, não muito. E as outras que não são fornecidas pelo estado? Sim. Como? Por meio deste incrível mecanismo de produção e distribuição chamado ‘economia de mercado’, que nada mais é do que uma arena onde bilhões de pessoas voluntariamente cooperam e inovam com o único intuito de melhorar a própria vida. Contrariamente ao que dizem os detratores desse arranjo voluntário, não há nada de “selvagem” nele. A concorrência nada mais é do que empreendedores e capitalistas se esforçando — alguns ganhando, outros perdendo — para conquistar os corações e as mentes do público consumidor.

Obviamente, é muito fácil olhar para tudo isso e simplesmente sair gritando: consumismo odioso! Porém, se estamos utilizando o termo “consumir” nos referindo ao ato de comprar produtos e serviços com o nosso próprio dinheiro com o intuito de melhorar nossa condição, então quem realmente pode se declarar inocente do “crime” de consumismo?

Toda a história do debate de ideias sempre girou em torno de como criar algum sistema que servisse mais ao homem comum do que apenas às elites, aos governantes e aos poderosos. Quando a economia de mercado — e sua estrutura capitalista — surgiu, esse tão sonhado sistema havia finalmente sido descoberto. Com o subsequente advento da ciência econômica, passamos a entender como tudo isso funciona. E começamos finalmente a entender como é que bilhões de escolhas econômicas voluntárias e não planejadas por nenhum comitê de planejamento centralizado podem conspirar para criar um belo sistema global de produção e distribuição que servem a todos os indivíduos.

E como os intelectuais respondem a isso? Denunciando o sistema justamente pelo “crime” de ele fornecer um excesso de coisas e de, com isso, incitar os desejos “consumistas” das massas.

Algumas pessoas estão se endividando para comprar coisas supérfluas sem as quais elas podem viver perfeitamente bem? Certamente. Mas isso é motivo para condenar todo esse arranjo maravilhoso? A culpa não deveria ser apenas individual? No que mais, quem é que deve decidir de maneira inquestionável o que é uma necessidade e o que é um mero desejo? Um ditador onisciente à frente de um comitê de planejamento? Como podemos garantir que os desejos dele estarão de acordo tanto com as minhas necessidades quanto com as suas?

Em uma economia de mercado, desejos e necessidades estão interligados, de modo que as necessidades de uma pessoa são satisfeitas justamente porque os desejos de outras pessoas foram realizados.

Eis um exemplo que vivenciei recentemente.

A minha neta estava desesperadoramente doente, o que fez com que meu desejo mais premente fosse levá-la a um médico. Seu consultório ficava aberto até tarde, assim como a drogaria imediatamente ao lado. Ainda bem. Fui ao consultório, recebi a indicação do remédio, saí dele, fui à farmácia ao lado e já saí de lá com o remédio e todos os demais materiais necessários para restaurar a saúde dela. Ninguém vai me dizer que isso foi uma demanda superficial.

Mas agora é que vem o principal. A farmácia só pôde ficar aberta até tarde porque ela está localizada em um edifício comercial onde o acesso é fácil e o custo total do aluguel pode ser dividido por todos os outros estabelecimentos comerciais que alugam as outras salas desse edifício. E quais são esses outros estabelecimentos comerciais? Cabeleireiros, manicures, sorveterias, docerias, lojas de materiais esportivos, e até mesmo por uma loja que faz a decoração de festas. Ou seja, todas elas lojas que vendem coisas “superficiais”. Todas elas pagam aluguel. E isso possibilitou a existência daquela farmácia.

O edifício não teria sido construído se a incorporadora não imaginasse que ele também seria demandado para essas coisas menos urgentes, assim como os proprietários dos imóveis não os alugariam caso também não houvesse essas necessidades menos urgentes. E aí provavelmente aquela farmácia não estaria ali.

O mesmo raciocínio é válido para os equipamentos e a mão-de-obra utilizados no consultório médico que me atendeu. Eles são menos caros e mais acessíveis do que seriam em outras circunstâncias justamente por causa da existência de demandas não-essenciais de consumo. Por exemplo, os computadores utilizados nessa clínica eram de ponta, e isso só se tornou possível porque técnicos e empreendedores inovaram para atender às demandas de aficionados por videogames, de apostadores profissionais e de demais pessoas que utilizam a internet para fazer coisas “não-essenciais”.

E o mesmo ponto pode ser feito sobre “bens de luxo” e tecnologias de vanguarda. Os ricos são os primeiros a adquiri-los e a utilizá-los. Ao fazerem isso, os defeitos inerentes a todo e qualquer produto recém-criado vão sendo descobertos e corrigidos. Ato contínuo, os imitadores começam a surgir. Capitalistas empreendedores, em busca do lucro, começam a fornecer produtos semelhantes e mais baratos, sempre querendo se aproveitar de um nicho de mercado ainda não atendido. Com o tempo, os preços despencam e aquela mesma tecnologia que antes estava restrita apenas aos mais ricos se torna disponível para as massas.

Pense em qualquer bem ou serviço que hoje seja amplamente tido como uma necessidade básica: você descobrirá que ele utiliza produtos, tecnologia e serviços que foram inicialmente criados para atender demandas superficiais. Por esse prisma, não é errado dizer que foram os ricos que forneceram o capital necessário para esses investimentos.

Talvez você pense que qualidade de vida não é algo muito importante. Afinal, é realmente importante que as pessoas tenham acesso imediato a farmácias, supermercados e produtos tecnológicos? Sim, é. A resposta mais fácil é aquela que recorre aos direitos naturais: um indivíduo deve ter a liberdade de escolher e de consumir o que ele quiser. Mas há outra resposta, ainda mais poderosa, que está escondida em alguns dados que raramente ocupam nossas mentes.

Considere a expectativa de vida nessa nossa era do consumismo. Em 1900, as mulheres em média morriam aos 48 anos de idade, e os homens, aos 46. Hoje? As mulheres vivem até os 80, e os homens, até 77. Essa mudança se deveu a uma maior oferta de alimentos, a empregos menos perigosos, a melhores condições de saneamento e de higiene, a um maior acesso a serviços médico (os quais também melhoraram de qualidade), e a toda uma gama de fatores que contribuem para aquilo que chamamos de “padrão de vida”. Somente desde 1950, a taxa de mortalidade infantil caiu 77%. Como resultado, a população mundial está aumentando exponencialmente.

É fácil olhar esses números e imaginar que eles também poderiam ter sido alcançados sem capitalismo e sem mercado, mas sim com um comitê de planejamento central no qual burocratas controlariam tudo relativo à saúde ao mesmo tempo em que evitariam todo esse odioso consumismo gerado por ela. O problema é que esse tipo de planejamento central já foi tentado nos países socialistas, e seus resultados foram exatamente na direção contrária em termos de estatísticas de mortalidade. Enquanto os soviéticos vituperavam contra o Ocidente, dizendo que o consumismo gerava pobreza, a pobreza no Ocidente estava caindo e a longevidade, aumentando, e em grande parte por causa desse consumismo que os soviéticos condenavam.

Atualmente, a crítica ao consumismo vem adornada de um manto ambientalista. Segundo essa gente, temos de praticamente voltar ao estado básico da natureza, parar de dirigir automóveis, fazer uma pilha de adubos, cultivar nossos próprios vegetais, desligar nossos computadores, e comer nozes de árvores. Esse desejo por um retorno ao primitivismo nada mais é do que uma tentativa de dar um polimento lustroso aos inevitáveis efeitos das políticas socialistas. O que essa gente está realmente nos dizendo é que devemos amar a pobreza e odiar a fartura.

Mas a beleza da economia de mercado é que ela permite a todos uma escolha. Para aquelas pessoas que preferem morar em tendas em vez de em apartamentos com encanamento, que preferem arrancar os próprios dentes em vez de ir ao dentista, e que preferem nozes arrancadas da árvore em vez de comprar latas de nozes no supermercado, elas têm perfeitamente o direito de adotar esse estilo de vida. Nada as impede. Mas não deixe que elas digam que são contra o “consumismo”. A nossa própria sobrevivência depende do ato de vender e comprar. Ser contra o comércio é ser contra a própria vida.

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