O pensamento de Jean-Baptiste Say sobre as principais questões da economia

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Este artigo é a parte final deste artigo

5. Empreendedorismo, capital e juros

Adam Smith excluiu do pensamento econômico a importante figura do empreendedor, mas Say , por estar sempre preocupado com o mundo real e não com situações de equilíbrio de longo prazo, trouxe-a de volta ao palco. Não tão fortemente quanto Cantillon e Turgot, mas o suficiente para que continuasse, embora de modo irregular, no pensamento econômico continental, porém ainda ausente do mainstream dominante do classicismo britânico.

O que esses empresários fazem, na visão de Say? A resposta é que usam  sua “indústria”, ou, em linguagem moderna, “trabalho”, para organizar e dirigir os fatores de produção, de modo a alcançar a satisfação de necessidades dos consumidores.  Mas não são meros gerentes, são previsores, avaliadores de projetos e que se arriscam voluntariamente.  Say usa a palavra  “capital” um tanto confusamente, com duplo sentido, para significar, segundo o contexto exige : (a) de bens de capital, que são parte integrante da produção de novos bens finais, tal como na abordagem austríaca, ou (b) o capital financeiro, visto como o funding da empresa. Os primeiros são o resultado de algum processo de produção mais indireto e, quando combinados com a indústria do empreendedor, geram lucros ou prejuízos, ou seja, na linguagem austríaca, a estrutura de capital  da economia. O segundo é o resultado de poupar uma parte da renda da atividade produtiva ganha no passado e gerar recebimentos de juros.

Say era favorável ao empreendedorismo como força motriz das alocações e ajustamentos da economia de mercado. Ele resumiu suas ideias sobre o mercado afirmando que os desejos dos consumidores determinam o que será produzido:

O produto mais procurado é de maior demanda, e o que tem maior demanda gera o maior lucro para a indústria, capital e terra, que portanto, são empregados na obtenção deste produto em particular, de preferência, e vice-versa, quando um produto experimenta queda em sua demanda, há uma queda no lucro para a indústria, capital e terra e isso pode levar o produto a deixar de ser fabricado.

A partir de sua análise do capital, empreendedorismo e mercado, Say concluiu ser o laissez faire o melhor sistema econômico:

Os próprios produtores são os únicos juízes competentes da transformação, exportação e importação desses vários produtos e matérias-primas e cada governo que interfere, cada sistema calculado para influenciar a produção, só pode fazer o mal.

A análise de Say das taxas de juros é, em muitos aspectos, notoriamente austríaca. Primeiro, porque ele percebe que a taxa de juros não é o preço do dinheiro, mas o preço do crédito, ou “capital emprestado”, o que torna  falso afirmar que a abundância ou escassez de dinheiro regulam a taxa de juros.  Naturalmente, ele pensava na taxa de juros real e não na taxa nominal ou de mercado. Ele também viu claramente que as taxas de juros devem incluir algum prêmio de risco, como uma espécie de seguro para proteger de perdas devidas adefaults. Esse prêmio de risco será muito grande quando, por exemplo, são impostas leis para que os credores não tenham nenhum recurso legal contra devedore caloteiros. Além disso, Say identifica o fato de que há diferenças de risco político entre as nações, que levam a uma ordem internacional de taxas juros nominais. Em termos de política pública, Say adota a mesma postura no que diz respeito aos mercados de crédito,  ou seja : o Estado não deve se intrometer. A taxa de juros não deveria ser controlada pelo Estado, ou determinada por lei, tais como os preços do vinho, do linho, ou de qualquer outro produto.

6. Valor e utilidade

Para Say, o valor é fundamentado na utilidade, que é a propriedade que um bem ou serviço possui para satisfazer algum desejo humano. Esses desejos e as preferências, expectativas e costumes que estão por trás deles devem ser tomados como dados  pelo analista. A tarefa do economista é raciocinar sobre tais dados. Say é mais enfático em negar as alegações de Adam Smith, David Ricardo, Malthus e outros de que a base de valor é o trabalho. Outro componente austríaco de sua obra!

As duas categorias de valor para Say são “valor de troca” e “valor de uso”.  O valor de troca encontra-se no domínio da economia, porque é uma medida do que é preciso dar-se a fim de adquirir um bem no mercado. Em termos econômicos, o único critério justo do valor de um objeto é a quantidade de outras commodities em geral, que podem ser facilmente obtidas por ele em troca. Tais bens que possuem “valor de troca” hoje seriam chamados de “bens econômicos”, mas Say os denomina de “riqueza social”. Em contraste, algumas coisas, como o ar, a água e a luz do sol possuem apenas “valor de uso”, pois eles estão presentes em abundância, de maneira  que não podem possuir um preço. Estes bens são modernamente conhecidos como “bens livres”, mas Say os denominava de “riqueza natural”.

Infelizmente, aderindo a essa taxonomia de valores, Say incorre em um erro, ao concluir que, como a medida do valor econômico de um bem é, literalmente e precisamente, o seu preço de mercado, então todas as transações de mercado devem envolver a troca de valores iguais e isso, é claro, implicar que nem compradores nem vendedores ganhem. Ou, em outras palavras, todas as transações de mercado são um “jogo de soma zero”.  “Quando o vinho espanhol é comprado em Paris, igual valor é realmente dado para igual valor: a prata paga, e o vinho recebido, são dignos um do outro. Os austríacos são inflexíveis em sustentar que os intercâmbios, enquanto são voluntários, devem ser mutuamente benéficos em termos de utilidades esperadas por cada um, o comprador e o vendedor. Se não for esse o caso, então por que o comprador e o vendedor concordariam em negociar?

7. Tributação

Em nenhum outro ponto o radicalismo de Say é mais evidente do que em sua crítica da intervenção do governo na economia. Sucintamente, ele declara que o auto-interesse e a busca de lucros é que empurram os empresários em relação à satisfação da demanda do consumidor. “A natureza dos produtos é sempre regulada pelas necessidades da sociedade”, portanto, “a interferência legislativa é completamente supérflua”. Que economista austríaco pode discordar dessas afirmações?

Seus comentários sobre uma série especial de atos legislativos são muito instrutivos. O primeiro dos atos de navegação britânicos foi aprovado em 1581 e foram reforçados em 1651 e 1660 e o último não foi revogado até 1849. Seu propósito era reservar o comércio internacional exclusivamente para os proprietários de navios da marinha mercante britânica. Say argumenta então que tal monopolização do transporte comercial diminui a riqueza nacional (da própria Grã-Bretanha), porque muitas vezes reduz os lucros dos mercadores que transportam seus produtos ao mercado.

Hoje, há muitos escritores que insistem em que as altas taxas de impostos e os altos níveis concomitantes de gastos do governo, de alguma forma fazem com que uma sociedade seja mais próspera. Naturalmente, Say sabia que isso é falso, apesar do fato de que, do ponto de vista estatístico, a prosperidade e a tributação podem ser correlacionados positivamente, já que os governos arrecadam mais quando os negócios privados vão bem. Ele, porém, com lógica irretocável, explica que tais afirmações cometem o erro de inverter causa e efeito. Ou seja,  o homem não é rico porque ele paga muitos tributos, mas sim ele é capaz de pagá-los, em grande parte, porque ele é rico.

Say não hesita em identificar os gastos do governo como consumo improdutivo e a excessiva tributação como uma espécie de suicídio. Outro elemento austríaco.

É verdade que Say ou negligenciou ou interpretou mal determinados pontos da teoria dos economistas austríacos: ele não acredita que as trocas de mercado representam ganhos de utilidade para o comprador e o vendedor, ele não vê a relação entre taxas de juros e preferência temporal, ele não oferece nenhuma teoria dos ciclos de negócios. Mas, por outro lado, ele está ciente das limitações de investigações estatísticas, é muito favorável à moeda-commodity e ao free banking, sabe que os empresários e a acumulação de capital são essenciais para o avanço econômico, identifica corretamente tanto regulamentação governamental e tributação como ameaças à prosperidade e, na verdade, até mesmo como uma ameaça à própria sociedade civil.

Rothbard [pág. 40] observa que, ao contrário de quase todos os outros economistas, Say tinha uma visão espantosamente perspicaz sobre a verdadeira natureza do Estado e de sua tributação. Em sua obra não há busca mística para algum estado verdadeiramente voluntário, nem qualquer ponto de vista de que o Estado pode ser como uma organização semiempresarial e prestadora benigna de serviços a um público grato por seus inúmeros “benefícios”. Pelo contrário, Say viu claramente que os serviços governamentais são usados indubitavelmente para si mesmo e para os seus favoritos e que todos os gastos do governo são, portanto, gastos de consumo pelos políticos e pela burocracia. Ele também viu que os recursos fiscais para os gastos públicos são extraídos por meio da coerção, em detrimento do público pagador de impostos. Nisto, além de antecipar o insight austríaco, ele também antecipou as análises de James Buchanan e dos demais teóricos da Public Choice!

Say tem muito a oferecer a qualquer leitor, seja austríaco ou não, seja economista ou não. Ele viu muitos imporem verdades importantes com clareza e escreveu a respeito deles com paixão e lucidez. Certa vez referiu-se à economia como “esta bela e, acima de tudo, útil ciência”.  E sem dúvida deixou a economia mais bela e mais útil do que aquela que tinha encontrado.

8. Direitos de propriedade

Sobre este tema, Say foi extremamente austríaco :

Não há segurança de propriedade onde uma autoridade despótica pode apropriar-se da propriedade do objeto contra o seu consentimento. Também não há tal segurança onde o consentimento é meramente nominal e ilusório.

E mais :

A propriedade que um homem tem sobre sua própria indústria (trabalho) é violada sempre que é proibido o livre exercício de suas faculdades ou talentos, exceto até um ponto em que eles iriam interferir nos direitos de terceiros.

Para Say, resumindo, a propriedade privada e as liberdades individuais são fatos reconhecidos, irrefutáveis e dados, que a ciência da economia política deve supor e sem a qual a economia do mundo real não pode funcionar. Essa posição do economista francês é que deve ter irritado profundamente Marx, a ponto deste, para contestá-la, substituir a lógica dos argumentos pela ilógica dos xingamentos, no intuito de desmoralizá-la. Tal como muitos de seus adoradores nossos contemporâneos, o que Marx fez, ao invés de procurar refutar a Lei de Say cientificamente, foi apelar para recursos em tudo similares às palavras de ordem que se tornaram tão comuns em manifestações públicas e até em universidades.

9. As controvérsias: Sismondi, Ricardo, Malthus e o contexto histórico da época

Em interessante artigo, intitulado Say, Sismondi e o debate continental sobre os mercados, o Professor Rogério Arthmar, da Universidade Federal do Espírito Santo, relata  o debate travado entre Say e Jean Charles Léonard de Sismondi (1773-1842), um economista suíço e crítico severo da revolução industrial e do capitalismo (embora não chegasse a ser um socialista rígido), a respeito da possibilidade de saturação geral dos mercados, no contexto histórico da Europa continental no início do século XIX, destacando  as particularidades da experiência francesa de industrialização.

O debate entre Say e Sismondi , segundo Athmar,

pode ser interpretado como um desdobramento, no âmbito da teoria econômica liberal, do legado político da Revolução Francesa. Mais precisamente, do princípio expresso desde cedo pelo Abade Sieyès de constituir-se o terceiro Estado na própria nação. Fiéis a esse preceito maior, tanto Say quanto Sismondi viriam a apregoar o livre comércio e a abominar o consumo improdutivo de todas as ordens, fosse ele do governo ou da nobreza. Distanciavam-se eles, assim, de qualquer ligação com as doutrinas econômicas pré-revolucionárias, a saber, o mercantilismo e a fisiocracia, desqualificadas como produtos do antigo regime monárquico. Essa confluência política entre ambos, todavia, encerrava profundas divergências teóricas na interpretação do melhor caminho a seguir pela sociedade francesa. No juízo de Say, a industrialização representava a possibilidade de um futuro promissor para todos, o acesso à civilização moderna proporcionado pela proliferação em larga escala dos produtos e, por conseguinte, das necessidades. Sismondi, ao contrário, embora sem jamais fazer concessões às teses socialistas ou aos economistas heréticos de seu tempo, enxergava no capitalismo uma etapa histórica única na qual o aumento dos poderes produtivos do capital havia sido alçado à condição de prioridade absoluta em detrimento das condições de vida e da capacidade de consumo dos verdadeiros artífices da riqueza social. [trecho da conclusão]

Contudo, o debate mais famoso de Say foi com Thomas Malthus (1766-1834). A argumentação contundente de Say, em cinco cartas, provê respostas às visões malthusianas negativas sobre o impacto do aumento da população sobre o bem-estar dos trabalhadores e fornece uma popularização de suas ideias econômicas. Em curto, porém bastante elucidativo artigo, William L. Anderson analisa a Lei de Say, desde os tempos em que oTraité foi publicado até os dias atuais (boa parte da discussão econômica entre Ronald Reagan e Jimmy Carter, na campanha para as eleições de 1980, nos Estados Unidos, segundo Anderson, foi centrada na Lei de Say).

Thomas Malthus contestou a Lei de Say em 1820, com uma peça que foi rapidamente respondida por David Ricardo. No entanto, Thomas  Sowell, em 1985, escreveu que o ataque mais virulento veio de Karl Marx, que declarou a Lei de Say um “absurdo”, um “balbuciar infantil”, uma “conversa oca lamentável”, “uma evasão insignificante” e chamou Say de “chato”, “fútil”, “miserável”, “imprudente” e  “uma “farsa”. Apesar de todos esses “elogios” de Marx, no entanto, a maioria dos economistas do século XIX foram convencidos pela lógica de Say e geralmente aceitaram a doutrina do francês. Já naquele tempo, os xingamentos eram os “argumentos” de quem não tem argumentos.

Sowell, em 1994, escreveu que no sistema clássico a Lei de Say envolveu seis proposições principais:

1. Os pagamentos totais recebidos pelos fatores utilizados para a produção de um determinado volume (ou valor) de produto são necessariamente suficientes para comprar esse volume (ou valor) de produto;

2. Não há nenhuma perda de poder de compra em qualquer lugar na economia (em outras palavras, nenhum“leakage” keynesiano), pois as pessoas poupam apenas na medida do seu desejo de investir e não de guardar dinheiro além do necessário para suas transações no período atual;

3. O investimento é apenas uma transferência interna, e não uma redução líquida da demanda agregada;

4. Em termos reais, a oferta é igual à demanda ex ante, uma vez que cada indivíduo produz apenas por causa de sua demanda por outros bens;

5. A maior taxa de poupança vai causar uma maior taxa de crescimento subsequente do produto agregado;

6. Desequilíbrios na economia podem existir apenas porque as proporções internas do produto diferem do mixde preferência do consumidor – e não porque a produção é excessiva no agregado.

Como Sowell aponta, até mesmo os críticos concordam com as três primeiras proposições. Foram as três últimas que criaram a controvérsia (aqui deve também ser notado que a última proposição ajuda a formar a base para a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, conforme descrita por Mises, Hayek e Rothbard).

Portanto, o famoso capítulo XV do Traité — em que Say explica a lei dos mercados — sempre foi motivo de aceitação e também de refutação, como até hoje acontece. Mas o que dizer da controvérsia entre Say e Malthus, cuja teoria pessimista previa que a população cresceria a taxas geométricas, enquanto os meios de subsistência cresceriam a uma taxa aritmética, sendo, portanto, o futuro infestado pela escassez?

Malthus escreveu a David Ricardo em uma carta:

A demanda efetiva consiste em dois elementos: o poder de compra e a vontade de comprar. . .  A nação deve, certamente, ter o poder de comprar tudo o que ela produz, mas posso facilmente imaginar que não tenha a vontade.

Malthus era um clérigo inglês que ganhou fama por seu Ensaio sobre a População (1798), no qual ele previu que a taxa de crescimento da população iria eventualmente ultrapassar o aumento do fornecimento de alimentos, levando à fome em massa, como escrevemos linhas atrás. Ao contrário de Smith, que era preocupado com a produção, Malthus escolheu a questão da distribuição para enfatizar.

A noção de pessoas que não têm vontade de consumir era certamente estranha para os postulados da economia clássica. Smith havia argumentado que as pessoas desejam ficar materialmente melhores do que estão em seu estado atual. No entanto, em decorrência dos efeitos da revolução industrial, que provocou deslocamentos maciços de camponeses para as cidades, houve especulações sobre o futuro dos trabalhadores, o que levou à“Lei de ferro dos salários” de Ricardo (nome, aliás, que Ricardo não deu à sua teoria) e ao ensaio de Malthus sobre a população.

É muito importante atentarmos para o contexto histórico daqueles tempos, que se seguiram a dois dos mais importantes acontecimentos da história da civilização: a revolução industrial e a revolução francesa de 1789. Esses dois eventos mudaram o mundo político e o mundo econômico. E a teoria econômica não poderia ser mais a mesma de antes.

No início do século XIX, na Grã-Bretanha, a grande classe média, que agora domina os países industrializados, era quase inexistente. As disparidades entre ricos e pobres eram muito maiores do que são hoje e os economistas estavam incertos sobre a forma como os trabalhadores se sairiam depois que a produção aumentou com a revolução industrial. Alguns, como Malthus e Ricardo, acreditavam que os trabalhadores viveriam sempre em níveis de subsistência, pois sua maior produtividade seria minada por sua capacidade de produzir famílias cada vez maiores. (Deve-se acrescentar que embora a base original para a “Lei de Ferro” tenha vindo de Malthus, Ricardo foi mais dogmático sobre seus efeitos determinísticos do que Malthus).

Além disso, o velho argumento da época mercantilista da “utilidade da pobreza” não tinha sido totalmente enterrado. Os trabalhadores, Malthus argumentou, “podem ser satisfeitos com uma vida de comida simples, roupas mais pobres e casas mais humildes. . . . “(Malthus, p. 9) Se isso fosse verdade, então os trabalhadores, ao se tornarem mais produtivos através da industrialização, provavelmente consumiriam menos do que aquilo que produziam. Isso seria deixar as pequenas classes altas com o fardo de consumir esse excedente, algo que Malthus duvidava que pudesse ocorrer.

Outra base crítica de Malthus era a sua crença de que as trocas nem sempre envolvem mercadorias por mercadorias, uma vez que também poderão ser trocadas por serviços. Mercadorias — observou ele — não eram “figuras matemáticas”, mas sim algo existente para satisfazer desejos humanos. Se os desejos estavam saciados, mas ainda existia renda extra, então iria ocorrer um excesso.

Adam Smith tinha escrito sobre a “demanda efetiva”, que disse ser baseada na capacidade de alguém para comprar um bem. Usando o exemplo do pobre e do treinador, ele observou que alguém poderia “exigir” alguma coisa, mas se não tivesse os recursos para comprar esse bem, em seguida, então não existiria “demanda efetiva”.

Na opinião de Malthus, a demanda efetiva (que ele chamou de “effectual demand”) também envolve a vontade de comprar alguma coisa. Enquanto Smith aplicou um teste de meios para a demanda,  Malthus acrescentou desejo. Em outras palavras, alguém pode ter a capacidade de comprar um bem ou serviço, mas se não o desejar, então a demanda será inexistente. Enquanto a análise de Malthus é quase controversa do ponto de vista econômico, o clérigo viu algo economicamente sinistro se os ricos não consomissem bens suficientes para evitar um excesso de oferta.

David Ricardo refutou com sucesso Malthus, pelo menos para a satisfação da maioria dos economistas do século XIX. Como Say, ele baseou sua refutação, em 1817, sobre a idéia de que as pessoas produzem não por razões de produção, mas por razões de consumo:

Nenhum homem produz  a não ser com o objetivo de consumir ou vender, e ele nunca vende, a não ser com a intenção de comprar algum outro produto, que pode ser imediatamente útil para ele, ou que pode contribuir para a produção futura. Ao produzir, então, torna-se necessariamente ouconsumidor dos seus próprios bens, ou o comprador e consumidor de bens de qualquer outra pessoa.

Ricardo, como Say e outros economistas clássicos, não acreditava que poderiam ocorrer gluts, mas, em vez disso, considerou que tais gluts eram apenas temporários e proporcionais na natureza, em vez de serem gerais, como Malthus afirmou.  Ele observou: “Os homens erram em suas produções, não há deficiência de demanda”. Ricardo também escreveu:

Muito de uma determinada mercadoria pode ser produzido, de tal modo que pode haver um tal excesso no mercado, para não pagar o o capital dispendido sobre ela, mas isto não pode ser o caso no que diz respeito a todas as mercadorias.

A controvérsia Ricardo-Malthus é um dos capítulos mais interessantes da história da Escola Clássica. Ricardo usou um argumento lógico poderoso, enquanto seu adversário, embora levantando questões importantes, não foi capaz de enquadrar os seus pontos de forma mais clara. A argumentação de Malthus também sofreu da incapacidade do clérigo para diferenciar entre a demanda e a quantidade demandada, e este problema, sem dúvida, prejudicava sua eficácia intelectual.

No entanto, mesmo não tendo influenciado os pensadores econômicos mais influentes de sua época, Malthus iria influenciar grandemente Keynes. Assim, o legado de Malthus de desafiar a Lei de Say, infelizmente, não desapareceu e permanece até os nossos dias.

10. Conclusões

Nas cartas a Malthus, fica bastante claro que as duas visões do mundo econômico são determinadas pela teoria do valor endossada por cada um dos adversários : enquanto Malthus e Ricardo aceitavam a teoria do valor trabalho herdada de Adam Smith, segundo a qual o valor é determinado pelas horas de trabalho utilizadas na produção de um bem, Say, antecipando Jevons, Walras e Carl Menger (que no ano de 1871 concluíram que o valor depende da utilidade marginal), conseguiu antever que era a capacidade de satisfazer as necessidades dos consumidores que determina o valor, ou seja, que o valor depende da demanda. Este é o ponto crucial !

Neste sentido, Say estava corretíssimo e pode ser considerado um legítimo precursor (ao lado de Juan de Mariana, Richard Cantillon e Bastiat, a quem influenciou) da Escola Austríaca de Economia.

Duzentos e dez anos após o Traité d´economie politique de 1803, em tempos de ajuste difícil às rápidas mudanças globais e tecnológicas, é tempo de se resgatar o valor do trabalho de Say, ao desenvolver os fundamentos para uma sociedade livre: a estrutura legal-institucional e a economia de mercado.

Mas a história interminável de disputas sobre o conteúdo e validade da sua famosa “lei dos mercados” — de Sismondi a Malthus, de Ricardo a Mill, de Keynes a Schumpeter — que confundiu tantos foi reformulada numa versão mais popular por James Mill: “a oferta cria a sua própria procura”, apotegma que foi ardilosamente captado por Lord Keynes.

Como muito bem exposto em Jean Baptiste Say, na página do Movimento Liberal Social — Liberalismo em Portugal,

Tal formulação constituiu uma provocação para todos aqueles que defendiam que uma procura pequena é a causa para um crescimento econômico pequeno, para a depressão econômica e para o desemprego, e que a política de um governo para aumentar a procura, via salários mais elevados e baixas taxas de juro, é a melhor cura para o crescimento e criação de empregos: as “políticas pelo lado da procura”de Keynes e dos Keynesianos, são ainda apreciadas pelos sindicados e pelos socialistas. Say defende “políticas económicas pelo lado da oferta”: Mais investimento de capital cria mais produção e empregos mais bem pagos. Mas, numa simplicidade bíblica, pode reconhecer Say pelos seus frutos, “políticas pelo lado da oferta”: A oferta cria a sua própria procura apenas se determinadas pré-condições forem satisfeitas.

Como alguém poderia formular hoje em dia, Say questiona por políticas que mantenham sob controle a inflação, por forma a prevenir distorções no mecanismo de preços relativos. Say exige a segurança da propriedade privada, definição livre de preços, competição e mercados livres, como incentivos sustentáveis para manter os empreendedores sempre na busca de melhores soluções para problemas antigos e contemporâneos, para sinalizar aos empreendedores o que a população realmente deseja: que produtos, como, onde e quando. Say exige também baixos impostos e orçamentos equilibrados, que financiam a necessária estrutura legal e institucional da economia de mercado, deixando sempre aos cidadãos e seus descendentes, uma percentagem razoável dos frutos do seu trabalho. Hoje em dia adicionaríamos: permitindo também que eles vivam uma vida em liberdade e assumindo as suas responsabilidades’.

Na obra completa de Say, especialmente no Traité, encontramos, às vezes de maneira incompleta, outras vezes de forma fragmentada, mas outras com feição integral, os elementos que identificam um economista comoaustríaco, a saber, o tratamento que dá aos conceitos básicos de ação, tempo e conhecimento, aos elementos de propagação desses conceitos, a saber, a utilidade, a utilidade, o subjetivismo e as ordens espontâneas, bem como os desdobramentos dessas ferramentas analíticas nos problemas relacionados à Epistemologia, à Filosofia Política e, principalmente, à Economia, no estudo dos mercados como processos, do empreendedorismo, na rejeição ao uso da matemática e da estatística e nas questões relacionadas às teorias monetária, do capital e dos ciclos econômicos.

Say, senhoras e senhores (especialmente os jovens), foi um excepcional economista e um dos mais importantes precursores da Escola Austríaca! Nosso papel como defensores da economia de mercado e das liberdades individuais, contra a opressão e a burocracia do Estado, deve ser o de dar a Say o que é de Say. Até porque já o roubaram e deturparam muito nos últimos duzentos anos!

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Bibliografia

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21. SOWELL, Thomas. Say’s Law. Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1972.

1 COMENTÁRIO

  1. Parabéns pelos seus trabalhos. O Sr. é Professor na essência da palavra. Rendo aqui minhas homenagens a um sábio!

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