Sociedade e cooperação
Permita-me começar com algumas palavras sobre a sociedade. Por que existe a sociedade? Por que as pessoas cooperam? Por que existe cooperação pacífica ao invés de guerra permanente entre os seres humanos? Os austríacos, em particular os misesianos, enfatizam o fato de que não precisamos admitir a existência de coisas como empatia ou amor entre as pessoas para explicar isto. Interesse próprio — ou seja, preferir mais ao invés de menos — é totalmente suficiente para explicar este fenômeno de cooperação. Os homens cooperam porque são capazes de reconhecer que a produção sob a divisão do trabalho é mais produtiva do que no isolamento autossuficiente. Apenas imagine se não mais tivéssemos a divisão do trabalho, e você imediatamente consegue perceber que nos tornaríamos extremamente pobres e a maior parte da humanidade iria imediatamente se extinguir.
Por enquanto, repare apenas na importância de um ponto, e eu o retomarei depois. O que essa explanação implica e o que ela não implica: Não implica logicamente que sempre e sem nenhuma exceção ou perturbações, haverá apenas paz entre os homens. Sempre há ladrões e assassinos por aí, e todas as sociedades terão que lidar de alguma forma com estes tipos. Porém, o que ela implica, de fato, é que a descrição hobbesiana do surgimento da cooperação pacífica é fundamentalmente mal concebida.
Thomas Hobbes assumiu que as pessoas estariam se esgoelando permanentemente se não fosse por uma terceira parte independente — e esta é o estado, claro — para trazer paz entre elas. Neste ponto, percebe-se imediatamente que tipo curioso de construção é esta. Assume-se que as pessoas são lobos maus, e que podem ser transformadas em ovelhas caso um terceiro lobo se torne o soberano. Se esta terceira parte é também um lobo, como obviamente ela deve ser, então mesmo se ela trouxer paz entre dois indivíduos, isto obviamente implica que haveria uma guerra permanente entre o lobo governante e os dois lobos que agora estão cooperando pacificamente entre si.
O que isto implica é algo de grande importância. Não precisa haver nenhum estado, ou não precisa haver nenhuma terceira parte independente, para que haja cooperação entre dois indivíduos. Coisa que você pode perceber imediatamente apenas olhando, por exemplo, para o cenário internacional. Não existe algo como um governo mundial — ao menos por enquanto — e ainda assim, pessoas de países diferentes ainda cooperam pacificamente entre si. Ou, mesmo a partir do mais caótico ambiente social, a cooperação sempre emerge novamente.
O que isto quer dizer é simplesmente que a cooperação pacífica entre seres humanos é um fenômeno perfeitamente natural e que ressurge constantemente; e então, a partir desta cooperação, igualmente de forma natural e igualmente motivada pelo interesse próprio, surge a formação de capital, e o dinheiro — o meio de troca —, e então a divisão do trabalho acaba por se espalhar por todo o mundo, e do mesmo modo o dinheiro — o dinheiro mercadoria — também se torna um dinheiro mercadoria usado por todo o mundo. Os padrões de vida em termos materiais se elevam de forma geral para todos, e estabelecida sobre padrões de vida materiais mais altos, uma superestrutura ainda mais elaborada de bens não materiais, isto é, a civilização — ciência, artes, literatura etc. — pode ser desenvolvida e mantida.