Os quatro tipos de austeridade – por que o governo cortar gastos é positivo para a economia

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austeridadeQuem acompanha a situação europeia exclusivamente pela mídia fica com a certeza de que o termo ‘austeridade’ é uma manifestação explícita do anticristo, e que se trata de uma medida que deve ser evitada de todas as formas.  A ideia é que reduções nos gastos do governo tiram a sustentação da economia e a empurram para uma interminável espiral depressiva.  Curiosamente, quando a imprensa fala em austeridade, ela menciona em tom crítico apenas uma parte dela, que é o corte de gasto, e nada fala sobre a outra parte, que é o aumento de impostos e seus efeitos genuinamente recessivos.

Quando o governo corta gastos, de fato há quem saia prejudicado.  O exemplo mais claro seria o de funcionários públicos que tivessem seus salários reduzidos.  Isso é muito raro, mas pode ocorrer.  As empresas que possuem como clientes principais um grande número de funcionários públicos seriam atingidas.  Pense em um restaurante chique de Brasília que tem como clientela o pessoal das agências reguladoras.  Se as agências fossem abolidas (sonhemos um pouquinho), as receitas desse restaurante cairiam.  Da mesma forma, se o número de deputados e senadores diminuísse, o Piantella iria à falência.

Esse foi um exemplo visualmente fácil de ser entendido.  Há outros menos claros.  Por exemplo, cortes de gastos do governo irão afetar as várias empresas que só sobrevivem porque possuem contratos de prestação de serviços junto ao governo.  Empresas terceirizadas por estatais e empreiteiras que fazem obras para o governo são os exemplos mais claros.  Há também as várias atividades econômicas que recebem subsídios e que, sem estes subsídios, teriam de se virar, cortar gastos e demitir pessoas.

O que todas estas atividades têm em comum é que elas só sobrevivem e só são lucrativas com a muleta do governo.  Isso faz com que elas sejam classificadas como atividades econômicas insustentáveis.  São atividades que não dependem da demanda voluntária do consumo privado para sobreviver.  Uma vez cortado o fluxo de dinheiro governamental, elas perdem sustentação e definham.  Elas não necessariamente irão quebrar, pois podem se reestruturar e mudar seu enfoque de mercado.  Mas estão indiscutivelmente sobredimensionadas, e a prova disso é que só mantêm seus atuais lucros com dinheiro repassado pelo governo.  Elas são, portanto, atividades que absorvem recursos e capital da sociedade.  Elas não produzem; elas consomem.

Uma redução nos gastos do governo, portanto, possui este efeito salutar sobre a economia.  Faz com que empresas que consomem recursos e que produzem apenas de acordo com demandas políticas tenham de ser enxugadas.  Empresas que só sobrevivem devido aos gastos do governo não produzem para consumidores privados; elas utilizam o dinheiro dos cidadãos mas produzem para o estado.  Elas não utilizam capital de maneira produtiva, de forma a atender os genuínos anseios dos consumidores privados: ao contrário, elas utilizam capital fornecido pelos pagadores de impostos mas produzem apenas para servir a anseios políticos.  Em suma, não agregam à sociedade.  Por definição, subtraem dela.

Este tipo de atividade econômica privada que só sobrevive por causa dos gastos do governo é idêntico àquelas outras atividades privadas que só são lucrativas quando está havendo uma forte expansão do crédito.  Quando o crédito é farto e barato, e a demanda por imóveis é crescente, várias construtoras e várias imobiliadoras apresentam lucros estratosféricos.  Porém, quando o crédito encarece — ou quando os consumidores já estão muito endividados — e a demanda cai, os lucros viram prejuízos.  Um corte de gastos do governo gera idêntico efeito sobre empresas que possuem o governo ou funcionários do governo como principal cliente.

E por que isso seria bom?  Porque, ao falirem, essas empresas liberam mão-de-obra e recursos escassos que poderão ser utilizados mais eficientemente por empresas mais produtivas, empresas que estão no mercado para realmente atender às demandas dos consumidores.  Por isso, é essencial que, ao cortar gastos, o governo também reduza impostos.  Isso não apenas irá dar mais poder de compra às pessoas, como também irá permitir que as empresas produtivas tenham mais capital e, consequentemente, possam contratar mais pessoas.

Tendo estes conceitos em mente, há quatro maneiras de se fazer austeridade:

1) Aumentar impostos e cortar gastos;

2) Aumentar impostos e manter gastos inalterados e;

3) Manter impostos inalterados e cortar gastos;

4) Reduzir impostos, e cortar gastos em uma intensidade maior do que o corte de impostos;

A primeira é a que gera uma recessão mais intensa.  De um lado, o corte de gastos debilita aquelas empresas que dependem do governo, o que é bom; mas, de outro, o aumento de impostos confisca ainda mais capital da sociedade, mais especificamente do setor produtivo, que é justamente quem absorveria a mão-de-obra demitida das empresas que faliram em decorrência dos cortes de gastos do governo.  Você tem, portanto, o pior dos dois mundos.  Aumento do desemprego, população com menor poder de compra, e setor privado sem capital para contratar.  É isso que a Europa está fazendo.

A segunda maneira, ao contrário do que se supõe, é a pior.  O governo aumenta o confisco do capital do setor privado, mas continua dando sustentação às empresas ineficientes, que também consomem capital do setor produtivo.  A recessão neste caso é menos intensa, mas os desequilíbrios de longo prazo não são corrigidos.  A economia fica com menos capital, mas as empresas ineficientes seguem firmes, pois seu cliente é o governo, que continua gastando.  No final, tal medida serviu apenas para aumentar o consumo de capital de toda a sociedade.

A terceira maneira é melhor que a primeira e a segunda.  O governo continua confiscando capital, é verdade, mas ao menos liberou outros recursos por meio da falência de empresas que só sobreviviam em decorrência de seus gastos.  Em termos de recessão, é mais branda que a primeira e semelhante à segunda.

A quarta maneira é a maneira correta de se fazer austeridade.  A redução de gastos do governo faz com que empresas ineficientes que dependem do governo sejam enxugadas (ou quebrem) e liberam mão-de-obra e recursos escassos para empreendimentos produtivos e genuinamente demandados pelos cidadãos.  E as empresas responsáveis por esses empreendimentos produtivos terão mais facilidade para contratar essa mão-de-obra demitida porque, em decorrência da redução nos impostos, elas agora têm mais capital e seus consumidores, mais poder de compra.

Além de não provocar uma recessão profunda — haverá recessão apenas se o governo impuser medidas que retardem a realocação de mão-de-obra de um setor para o outro (por exemplo, aumentando o seguro-desemprego ou o salário mínimo, ou impondo altos encargos sociais que encareçam o processo de demissão e contratação) —, esta maneira é a única que reduz duplamente o desperdício de capital e, com isso, permite uma maior acumulação de capital.  Maior acumulação de capital significa maior abundância de bens produzidos no futuro.  E maior abundância de bens significa maior qualidade de vida.

Portanto, há austeridade e “austeridades”.  A melhor maneira é também a menos indolor e a mais propícia ao enriquecimento futuro de uma sociedade.  É injustificável não adotá-la.

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