Para entender o libertarianismo direito

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[Introdução do livro Manual para entender direito o Libertarianismo, de Hans-Hermann Hoppe]

Os textos reunidos neste livro são em sua maioria palestras dadas em Bodrum para a Property and Freedom Society, que o professor Hoppe é tanto o fundador quanto o presidente. Tive a sorte de assisti-las no evento, e me sinto profundamente honrado de ter sido convidado a apresentar uma introdução para a versões escritas.

Dividirei minha introdução em três seções. Primeiro, darei um breve resumo dos primeiros anos da vida de Hoppe e de seu desenvolvimento intelectual. Segundo, vou escrever mais profundamente sobre seu trabalho acadêmico que o colocou no topo do movimento libertário internacional. Terceiro, vou abordar o tema ou temas principais que emergem da presente coletânea.

Hoppe: filho do estabelecimento da Alemanha Ocidental

Hans-Hermann Hoppe nasceu em 2 de setembro de 1949 em Peine, uma cidade no setor britânico da Alemanha ocupada. Após frequentar diversas escolas locais, ele foi primeiro para a Universidade de Saarland, em Saarbrücken, e de lá mudou para a Universidade de Goethe, em Frankfurt, onde foi aluno do notável neo-marxista Jürgen Habermas, que também foi o principal orientador da tese de doutorado de Hoppe em filosofia sobre David Hume e Immanuel Kant. Nesta época o próprio Hoppe era marxista, e não tinha grandes objeções ao seu mestre. Tempos depois ele diria: “O que eu…. gostava do marxismo era que ele tentou fornecer um sistema rigoroso derivado dedutivamente.”[1] Para um observador externo, ele estava seguindo o caminho feito por muitos milhares de sua geração. No curso normal das coisas, ele deveria ter terminado como um professor titular cuja função, sob um descontentamento generalizado, era pregar conformidade à nova ordem das coisas na Alemanha Ocidental.

No entanto, o que logo o desagradou no marxismo foi seu fracasso como sistema intelectual. Sua desilusão foi um processo gradual, e ele passou por um período em que foi influenciado por Karl Popper, e chegou a ser politicamente um social democrata. Sua ruptura definitiva com o esquerdismo veio enquanto ele escrevia sua tese de livre docência sobre as fundamentações da sociologia e da economia. Ele começou com a noção que, enquanto certas verdades sobre o mundo podem ser conhecidas a priori, as leis da economia e da sociologia são, ao menos em grande medida, conhecidas por indução. Então ele rejeitou isto, mudando para opinião de a economia, em contraste com a sociologia, é uma ciência totalmente dedutiva. Isto, então, o levou a descobrir Ludwig von Mises. Ali estava um sistema que fez as mesmas reivindicações ambiciosas do marxismo. O austrianismo era um conjunto de teorias interligadas e amplamente dedutivas de economia, política, direito e muito mais. Diferente do marxismo, tinha lógica. E também gerou conhecimento verdadeiro sobre o mundo. O passo final que restava neste novo e imprevisível caminho era descobrir Murray Rothbard. Hoppe chegou ao fim da década de 1970 como um libertário de livre mercado radical. Não mais bem-vindo em nenhuma universidade da Alemanha Ocidental, ele foi embora para os Estados Unidos em 1985.

Hoppe: herdeiro de Rothbard

Até 1986, ele deu aulas em Nova York sob a supervisão de Rothbard, “trabalhando e morando ao lado dele, em constante e imediato contato pessoal.” Então eles se mudaram juntos para dar aulas na Universidade de Nevada, em Las Vegas. Ali eles estariam no centro do que se tornou “o Círculo de Las Vegas” – um grupo de economistas e filósofos libertários tão brilhantes e produtivos como nenhum outro em toda história do movimento libertário. Outros membros do círculo incluíam Yuri Maltsev, Doug French, e Lee Iglody. Hoppe permaneceu em Las Vegas como um professor até 2008. Mas ele admite que tudo mudou após a morte repentina de Rothbard em 1995. Ele considerava Rothbard como seu “principal professor, mentor e mestre”, e seu “mais querido amigo paternal”.

Embora ele tenha produzido muitas outras obras durante seu período com Rothbard e depois, sua contribuição mais importante, tanto para o libertarianismo quanto para a filosofia em geral, provavelmente é seu trabalho naquilo que ele chama de Ética Argumentativa. Toda ideologia secular parece se basear em fundações instáveis. O libertarianismo de livre mercado não é exceção. Por que as pessoas deveriam ser deixadas em paz? Por que elas deveriam ser livres? Podemos argumentar que a liberdade permite que as pessoas se tornem mais felizes do que seriam sem liberdade. Podemos argumentar que ela permite que elas se tornem mais ricas. A resposta é perguntar por que as pessoas deveriam ser felizes ou ricas. Estes podem ser bens auto-evidentes, mas nem sempre são considerados assim. Uma objeção complementar é começar a achar brechas na definição e na medida da felicidade. Ou podemos dizer que todo ser humano nasce com certos direitos naturais e inalienáveis, que incluem os direitos a vida, liberdade e propriedade. A objeção aqui é perguntar como, sem ser dado por Deus, estes ditos direitos são algo além de meras palavras vazias.

Hayek e von Mises, as duas pessoas que no meio do século XX mais fizeram para manter o liberalismo clássico vivo como uma ideologia, eram tipos diferentes de utilitaristas. Rothbard, que pegou a Economia Austríaca e a fundiu com o radicalismo nativo americano para criar o movimento libertário moderno, compartilhava com Ayn Rand uma crença nos direitos naturais. Por muito anos, até que disputas de ordens mais práticas surgiram após o fim da Guerra Fria, quase todo encontro libertário envolvia uma repetição das diferenças entre as duas escolas de fundamentos.

Hoppe tenta com sua Ética Argumentativa transcender este debate. Ao fazer isso, ele se baseia em seus estudos anteriores com Habermas, sobre a tradição kantiana da filosofia alemã, e nas obras éticas de Rothbard. Ele começa com a observação que existem duas maneiras de resolver uma disputa. Uma é a força. A outra é o argumento. Qualquer uma das partes de uma disputa que escolha a força sai das normas de civilização, que incluem evitar a força agressiva, e não tem direito de reclamar se ela for severamente usada. Por outro lado, qualquer um que escolha o argumento aceita estas normas. Se ele então argumenta pela justiça da força como um meio de se obter o que ele quer dos outros, ele comete uma contradição lógica. Em resumo, qualquer um que rejeite o princípio libertário de não-agressão está necessariamente também rejeitando as normas da conversação racional. Qualquer um que declara aceitar estas normas deve também aceitar o princípio de não-agressão.[2]

Muito depois de sua primeira publicação, Hoppe negou que isto tenha sido um afastamento dos direitos naturais:

Eu estava tentando tornar os dois primeiros capítulos do A ética da liberdade de Rothbard mais fortes do que eles já eram. Isto por sua vez iria dar mais peso a tudo que se seguia. Eu estava um pouco insatisfeito com [o] rigor com que as suposições éticas iniciais da teoria política libertária tinham alcançado. Intuitivamente, elas pareciam plausíveis. Mas eu pude ver que uma abordagem ligeiramente diferente poderia fortalece-las. Murray nunca considerou que minhas revisões fossem uma ameaça. Sua única preocupação era: no fim das contas, isto defende a ideia? No fim das contas, ele concordou que sim.[3]

Na verdade, Rothbard deu todo seu aval à teoria. Ele a chamou de

um progresso fascinante para a filosofia política em geral e para o libertarianismo em particular. … [Hoppe] conseguiu transcender a famosa dicotomia é/deve ser, fato/valor que assombrou a filosofia desde os dias dos escolásticos, e que colocou o libertarianismo moderno em um impasse enfadonho.[4]

Se Rothbard era o evidente líder intelectual do movimento libertário, Hoppe era seu evidente e escolhido sucessor. Na época do falecimento de Rothbard ele havia dado sólidas contribuições não apenas a fundamentação ética, como também a Economia, Política e Direito. Ele era um professor inspirador e um palestrante requisitado por todo o mundo. Não havia ninguém nos EUA ou no mundo todo mais qualificado para dar sequência ao legado de Rothbard. Ele então se tornou o editor do The Journal of Libertarian Studies, e um co-editor do Quarterly Journal of Austrian Economics.

Não obstante, o próprio Rothbard não era universalmente aceito dentro do movimento libertário. Um de seus muitos dons era fazer inimigos. Ele tinha muitos motivos para fazer, ou apenas atrair inimigos. Ele era um isolacionista em uma era em que o Direito Americano se definia pela oposição ao comunismo e a União Soviética. Ele era cético em relação as grandes empresas dentro de um movimento que era apaixonado pelo capitalismo americano. Ele era um anarquista entre economistas que só pensavam em privatização e desregulamentação. Ele viu cada passo da ascensão dos EUA ao poder mundial como uma traição ao Estilo Americano. Ele variava alianças com esquerdistas e ultra-conservadores. Ele era inimigo declarado de estatistas utilitaristas e de defensores do dinheiro fácil da Escola de Chicago. Ele logo se decepcionou com o Cato Institute que ele tanto se esforçou para fundar. Ele era mordaz em seu desprezo pelo politicamente correto e a própria ideia de uma igualdade universal que ia além de uma igualdade de direitos negativos.

Hoppe é uma figura ainda mais desagregadora. Um conservador cultural confesso, ele não tinha paciência com as vertentes mais hedonistas e esquerdistas do libertarianismo. Desde o começo, seu libertarianismo colocou mais ênfase nos direitos de propriedade do que na tolerância. No seu Democracia – o deus que falhou, ele diz que, em sua comunidade ideal, [h]averia pouca ou nenhuma “tolerância” e “mente aberta”, as quais são tão caras aos libertários de esquerda. Em vez disso, estar-se-ia no caminho certo no sentido de restabelecer a liberdade de associação e de exclusão implícita na instituição da propriedade privada.[5]

Ele acrescenta:

Em um pacto celebrado entre o titular e os inquilinos da comunidade com a finalidade de proteger as suas propriedades privadas, não há algo como um direito de livre (ilimitada) expressão, nem mesmo um direito de expressão ilimitada na própria propriedade de um inquilino. É possível dizer inúmeras coisas e promover qualquer ideia sob este sol; mas, naturalmente, não é lícito a ninguém defender ideias contrárias à própria finalidade do pacto de preservação e de proteção da propriedade privada (ideias como a democracia e o comunismo). Não pode haver tolerância para com os democratas e os comunistas numa ordem social libertária. Eles terão de ser fisicamente separados e expulsos da sociedade. Da mesma forma, em uma aliança fundada com a finalidade de proteger a família e os clãs, não pode haver tolerância para com aqueles que habitualmente promovem estilos de vida incompatíveis com esse objetivo. Eles — os defensores de estilos de vida alternativos, avessos à família e a tudo que é centrado no parentesco (como, por exemplo, o hedonismo, o parasitismo, o culto da natureza e do meio ambiente, a homossexualidade ou o comunismo) — terão de ser também removidos fisicamente da sociedade para que se preserve a ordem libertária.[6]

Estas declarações e outras desse tipo foram e continuam sendo extremamente controversas dentro do movimento libertário. Acho que não é exagero dizer que praticamente todo mundo do Movimento, desde o ano 2000, se definiu através do que pensa sobre Hoppe. Alguns o consideram o maior libertário vivo, outros o consideram o diabo na Terra. O único ponto em que concordam é que ele é um pensador que não pode ser ignorado.

A presente coletânea

Assim sendo, a presente coletânea será útil como uma curta exposição de onde Hoppe se situa nos mais importantes temas dentro do Movimento – e os mais importantes temas de nossa era. Estou ciente do fato que, enquanto muitos pulam as introduções, outros julgam um livro pela sua introdução. Tenho portanto total ciência da necessidade de um resumo e uma discussão breves e precisos do conteúdo que segue minha introdução.

Em vária partes, Hoppe repete e enfatiza sua visão de que o básico do libertarianismo é derivado de uma cadeia de raciocínios dedutivos à partir de premissas incontestáveis. Vivemos em um mundo de escassez. Ou os recursos são escassos, ou o tempo no qual eles são usados é escasso. Todos temos ideias diferentes sobre como estes recursos devem ser usados. Portanto, se queremos viver em um mundo onde conflitos sobre recursos sejam minimizados, devemos concordar sobre os direitos de propriedade e transferência.

Devemos ter como certo que somos donos de nós mesmos. Reivindicar o contrário acarreta em uma óbvia falta de humanidade. No mínimo isto cria a possibilidade de conflitos ilimitados sobre quem é dono de quem. Quando são considerados recursos externos, a solução ideal é que eles pertencem à qualquer um que se apropriar primeiro deles tirando-os do Estado de Natureza, e que eles são então transferidos através do consentimento – isto é, por venda ou por presente ou por herança. Isto, claro, é a solução ideal. Pelo mundo, a propriedade de terra tem sido possuída por milhares de anos, e tem sido confiscada e repassada repetidamente. Não há um metro quadrado na Inglaterra ou na Europa Ocidental cujo título derive de seus apropriadores originais. Então, a solução prática é uma suposição refutável em favor dos títulos existentes – a refutação é uma evidência razoável do título derivado de uma cadeia de posse posterior. A exceção é a propriedade estatal. Esta deveria ser restituída aos titulares de seus últimos títulos plausíveis.

Ou isto é irrefutável ou sua negação leva à mais conflitos do que deixando as coisas como estão. No entanto, aqui termina a natureza auto-evidente do libertarianismo. Certas proposições adicionais derivadas da ciência econômica continuam a cadeia de verdades auto-evidentes. Mas outros debates sobre o enfoque, ou o formato, de uma sociedade libertária envolvem questões de engajamento pragmático.

Se toda a raça humana fosse igual e pensasse mais ou menos da mesma maneira, o ativismo libertário seria uma questão de alcance invariado e indiscriminado. Mas a raça humana, como ela é, é infinitamente diversa. Há diferenças de aparência, diferenças de habilidade, diferenças de crença e expectativa. Estas diferenças são claras entre os indivíduos. Elas são claras entre diferentes grupos de indivíduos. Não somos uma tabula rasa, na qual o Espírito do Tempo possa escrever o que quiser. Nascemos diferentes. Crescemos mais diferentes ainda no modo como reagimos a o que quer que seja o Espírito do Tempo.

No longo prazo, Hoppe e seus críticos concordam totalmente. Eles anseiam por uma única humanidade, unida no respeito pela vida, liberdade e propriedade, enriquecida pelos benefícios culturais e materiais que derivam de um mundo de liberdade universal. No momento, esta humanidade única não existe – e provavelmente nem vai existir. Ou levamos em conta estes fatos das diferenças, ou não. Se não levarmos, então devemos nos tornar intelectuais inúteis – eternamente falando uns com os outros, e ninguém mais, sobre a relação entre o princípio de não-agressão e a doutrina da frustração contratual. Ou devemos nos tornar intelectuais perigosos – defendendo políticas, em nome do princípio da não-agressão, que não reduzem, mas aumentem a probabilidade de conflitos sobre recursos. Se escolhermos levar em conta estas diferenças, então nos encontramos categoricamente do lado impopular de praticamente todas as questões que definem a era em que vivemos.

Se não há espaço para debate sobre as causas, uma coisa é certa. As sociedades mais livres e prósperas que já existiram foram as dominadas de modo geral por homens heterossexuais descendentes de caçadores-coletores que colonizaram a Europa Ocidental e Central e o Norte da Ásia. Na verdade, se existe espaço para debate sobre as causas, a causa mais provável – algo rejeitado normalmente pelos produtos de uma longa e cara educação universitária – seja algo inerente a estes povos, ao invés de algum conjunto de circunstâncias contingentes locais de alguns milhares de anos.

Isto não quer dizer que estes grupos são “melhores” que outros em qualquer sentido abstrato. Isto não quer dizer que todos os membros destes grupos mostram a mesma aptidão para preservar suas tradições ou suas ordens sociais adquiridas. Nem isto quer dizer que todos os membros dos outros grupos são igualmente incapazes de adquirir ou preservar as ordens sociais relevantes. Isto com certeza não é para nos fazer pensar negativamente sobre estes outros grupos. Hoppe sempre foi claro neste ponto, e sua conferência de Bodrum é mais do que repleta de diversidade. É simplesmente uma questão de encarar fatos gerais. Existem mulheres barbadas. Existem homens com peitos. Nem todo inglês é pontual. Nem todo nigeriano se atrasa. Mesmo assim, basear nossas condutas em expectativas ao invés de generalidades está fadado, cedo ou tarde, à ser um problema.

Uma consequência dessa abordagem é que Hoppe se opõe a leis anti-discriminação. Se houvesse uma lei que só permitisse que homens brancos heterossexuais praticassem medicina, ele iria denunciá-la – assim como ele denunciou, no começo de seu sistema, todo tipo de escravidão. Estas leis violam o corolário negativo do direito de livre associação. Se devemos ser livres para nos associar com quem escolhemos, então devemos ser livres para não nos associar. Às vezes, nossas decisões serão baseadas em realidades sociais acima mencionadas, às vezes não. Em qualquer evento, elas são nossas decisões, e elas não deveriam ser impedidas por lei.

Uma segunda consequência é que deveria haver um fim nas “trocas de regime” e “fabricação de nações” em outras partes do mundo. Nesta presente coletânea, Hoppe menciona de passagem sua oposição às nossas intervenções no Oriente Médio. Mas sua oposição é firme e profunda. As razões alegadas destas intervenções são todas mentiras comprovadas ou prováveis. Mesmo que de outra forma, o projeto de exportar nossos modos a lugares onde não existe nem o desejo de tê-los e nem a aptidão para recebe-los só podem levar a mais derramamento de sangue do que se deixassem os povos com seus próprios modos.

A terceira consequência é que ele se opõe a fronteiras abertas. Isto me faz voltar ao ponto de Hoppe sobre a aplicação pragmática da teoria libertária. Existem libertários que decoram alguma parte concisa do princípio de não-agressão, e imediatamente concluem que todas as fronteiras são imorais. Esta visão ignora as realidades atuais. Imigração em massa de fora das regiões mencionadas acima possui óbvios efeitos negativos. Ela aumenta a criminalidade e a desordem. Ela expande enormemente o papel dos proponentes do assistencialismo. Ela proporciona um eleitorado crescente para os políticos cujas carreiras se resumem a atacar a vida, liberdade e propriedade. Fronteiras abertas por si só no momento – e especialmente fronteiras abertas mais o estado de bem-estar social e nossas intermináveis guerras agressivas que produzem intermináveis ondas de refugiados – são um ataque à civilização.

Também não existe nenhuma razão para acreditar que uma sociedade verdadeiramente libertária permitiria o que é considerado fronteira aberta. As pessoas têm o direito de comercializar umas com as outras, não de se estabelecerem onde e como quiserem. Um dos principais pontos da teoria libertária é que todos os custos podem e deveriam ser privatizados. Bem, qualquer ingressante de uma comunidade libertária pode impor custos que ultrapassem os benefícios de sua presença. Neste caso, é direito inalienável dos possuidores de propriedade desta comunidade barrar novos ingressantes que eles considerem – por quaisquer razões que sejam – indesejáveis. Aqueles que não quiserem barrar estarão passíveis de serem acionados na justiça por terem permitido perturbações em suas propriedades. Um mundo libertário seria uma colcha de retalhos de comunidades. Estas iriam satisfazer todas as preferências possíveis. Haveria espaço para comunidades que acolhessem todos os visitantes de braços abertos. Porém, na visão de Hoppe, estas comunidades seriam uma minoria, e seus fracassos serviriam de exemplo para as outras.

Ora, este é um argumento sobre um mundo que não existe, e pode não vir a existir por um longo tempo. Vivemos em um mundo de estados-nações, todos com fronteiras. O que se deve fazer com a imigração neste mundo? Hoppe aceita a ilegitimidade básica da atual ordem das coisas, mas aceita que esta é a ordem atual. Se é para a civilização sobreviver mesmo nesta condição inapropriada atual, é necessário exigir que estados ajam como administradores para aqueles que os financiam. Isto não significa uma banimento completo da imigração ou hostilidades contra indivíduos baseando-se em suas aparências. Mas isto significa um rígido controle de suas fronteiras e a deportação de ingressantes indesejáveis. Isto também significa taxas superiores pelo uso de propriedades pública para aqueles que nada contribuíram para seus desenvolvimentos. Isto significa vetar o acesso ao assistencialismo que possa – por mais imprudente que isso seja – estar disponível à população estabelecida. Qualquer coisa abaixo disso pode ser considerada não como “igualdade” ou “anti-discriminação”, mas como “integração forçada”.

A maioria dos ataques polêmicos de  Hoppe nos últimos anos são contra os auto-proclamados libertários de esquerda. Eles combinam uma adesão as noções esquerdistas de igualdade e anti-discriminação com alguma crença no livre mercado. Ao mesmo tempo, ele não se considera de forma alguma um líder da chamada Alt-Right (Nova Direita). Ela é uma ampla coalizão de socialistas nacionalistas, com nacionalistas, conservadores de vários tipos, e libertários decepcionados. Ela ganhou destaque em 2016 pelo seu apoio a Donald Trump. Ela ficou famosa em 2017 pelo encontro desordeiro que provocou na manifestação de Charlottesville.

Hoppe aceita que a Alt-Right e os libertários compartilham de uma oposição às elites insufladas, malévolas e belicosas que dominam o mundo ocidental. Ele abriu um diálogo com alguns dos líderes mais sensatos da Alt-Right. Mas ele segue cauteloso com a Alt-Right como um todo. Ele não gosta de seu cinismo frequente – seu apelo a uma “sabedoria superior” ao prudente racionalismo do Iluminismo. Ele não gosta de sua obsessão por raça ao invés de uma visão clara das diferenças verdadeiras entre indivíduos e grupos de indivíduos. Ele não gosta particularmente de suas concessões ao socialismo – socialismo, contanto que seus “beneficiários” sejam pessoas brancas. Se a Alt-Right se envolve em um ataque generalizado contra perversidades inegáveis, ótimo. Se, como parece, ela se torna uma coalizão de cultos totalitários ou semi-totalitários, ele não quer ter nada a ver com isso.

Conclusão

Hoppe menciona muitas vezes nesta coletânea que ele está envelhecendo, e que ele continuará trabalhando até que sua saúde permita. Espero que ele continue por muitos anos. Mas convenhamos que a vida é incerta, e aceitar que ela pode nos tirar ele amanhã. Esta seria uma perda terrível. Ao mesmo tempo, não tenho a menor sombra de dúvida que, baseando-se naquilo que ele alcançou até aqui, o mundo intelectual ficou muito melhor devido a presença de Hoppe nele. E eu espero e acredito que a inspiração que suas obras fornecem um dia irão contribuir para o surgimento de um mundo melhor para toda a humanidade. Se esta curta coletânea de seus textos, e se minha breve introdução, puderem fazer parte desta contribuição, elas não terão sido publicadas em vão.

 

Sean Gabb
Deal
Abril de 2018

 

Tradução de Fernando Fiori Chiocca

Artigo original aqui.

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NOTAS

[1]The Private Property Order: An Interview with Hans-Hermann Hoppe,” Austrian Economics Newsletter 18, no. 1 (2014).

[2] Veja, por exemplo, Hans-Hermann Hoppe, “The Ultimate Justification of the Private Property Ethic,” Liberty, September 1988.

[3]The Private Property Order.”

[4] Symposium, “Hans-Hermann Hoppe’s Argumentation Ethics: Breakthrough or Buncombe?Liberty, November 1988.

[5] Hans-Hermann Hoppe, Democracy: The God that Failed (New Brunswick, N.J.: Transaction Publishers, 2001), p. 211.

[6] Ibid., pp. 216–17.

3 COMENTÁRIOS

  1. Quando cliquei pra ler “Para entender o libertarianismo” foi na intenção de entender como funciona e seus princípios, não a história. O título induz ao erro, pois é sobre a história dos autores Libertarios.

  2. O curioso do artigo “O que é libertarianismo”, é um sujeito defendendo o estado ( ” principalmente da ideia de que o estado necessariamente comete agressão”) e libertários “não anarquistas” como a diabólica Ayn Rand. Este glorioso Instituto Rothbard faria um excelente serviço a humanidade escrevendo artigos para expurgar esses randianos do debate. O próprio Rothbard já fez isso, quando disse que o culto a Ayn Rand era apenas uma seita.

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