Pelo direito de dirigir alcoolizado

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N. do T.: com a entrada em vigor no Brasil do projeto de lei (“álcool zero”) que proíbe a ingestão de qualquer quantidade de álcool por motoristas, o estado mostra mais uma vez que é incapaz de distinguir entre causa e efeito. Os americanos também enfrentam problemas semelhantes — apesar de que lá o teor permitido de álcool no sangue está em 0,08 — e Lew Rockwell explica a situação.

lei_secaEm novembro de 2000, o ex-presidente Clinton ratificou um projeto de lei aprovado pelo Congresso que ordenava que os estados adotassem novos e mais onerosos padrões anti-embriaguez ao volante. Caso não fizessem isso, os estados iriam deixar de receber fundos federais para suas estradas. É isso mesmo: o antigo truque da chantagem rodoviária. Obviamente, os estados criaram novas e mais rigorosas leis contra a embriaguez ao volante, reagindo como esperado à chantagem federal.

Os federais declararam que um nível de álcool no sangue de 0,08 por cento ou maior é algo criminoso e deve ser severamente punido. A Associação Nacional dos Restaurantes está totalmente correta ao dizer que esse nível é absurdamente baixo. A esmagadora maioria dos acidentes relacionados à direção embriagada envolve réus contumazes com um nível de álcool no sangue duas vezes maior do que aquela. Se o padrão de 0,1 não os detém, um padrão mais baixo também não logrará êxito.

Mas há um ponto mais importante. O que exatamente está sendo criminalizado? Não é a falta de perícia ao volante. Não é a destruição da propriedade. Não é o extermínio de uma vida humana por causa de um comportamento imprudente. O que está sendo criminalizado é você ter a substância errada no seu sangue. No entanto, é de fato possível ter essa substância no seu sangue, mesmo ao dirigir, e não cometer nada que seja sequer semelhante ao que tradicionalmente se considera um crime.

Qual é a conseqüência de permitir que o governo criminalize o conteúdo do nosso sangue ao invés das ações em si? Demos ao governo o poder de tornar a aplicação das leis arbitrária, imprevisível e dependente do julgamento de policiais e técnicos. De fato, sem o “bafômetro” governamental, não há como saber ao certo se estamos infringindo a lei.

É claro, podemos fazer cálculos informais na nossa cabeça, baseando-se no nosso peso e na quantidade de álcool que ingerimos durante um certo período de tempo. Mas, na melhor das hipóteses, essas serão apenas estimativas. Temos de esperar que o governo nos ministre um teste que nos diga se somos criminosos ou não. Não é dessa maneira que a lei deve funcionar. Na realidade, isso é uma forma de tirania.

Por outro lado, a reação imediata é mais ou menos assim: dirigir alcoolizado tem de ser algo ilegal porque a probabilidade de causar um acidente aumenta dramaticamente quando você bebe. A resposta é bem simples: em uma sociedade livre, o governo não deve lidar com probabilidades. A lei deveria lidar com ações e com ações apenas, e somente na medida em que estas causarem danos a pessoas ou à propriedade. Probabilidades são para as seguradoras, que devem avaliá-las em um ambiente competitivo e voluntário.

É por isso que a campanha contra a perseguição racial é intuitivamente plausível para muitos: certamente uma pessoa não deveria ser perseguida somente porque alguns grupos demográficos apresentam uma taxa de criminalidade maior do que outros. O governo deveria estar impedindo e punindo crimes em si, não probabilidades e propensões. Da mesma forma, não deveria haver essa perseguição a motoristas, cuja idéia assumida é a de que só porque uma pessoa tomou alguns goles ela automaticamente passa a ser um perigo.

De fato, essa perseguição a motoristas é pior do que a perseguição racial, porque esta última apenas sugere que a polícia está mais vigilante, e não que ela esteja necessariamente criminalizando toda uma raça. Apesar da propaganda, o que está sendo criminalizado no caso da direção embriagada não é a probabilidade de a pessoa dirigindo se envolver em um acidente, mas, sim, a questão do teor de álcool no sangue. Um motorista bêbado é humilhado e destruído mesmo quando ele não cometeu dano algum.

Obviamente, a execução da lei é um problema sério. Um número considerável de pessoas saindo de um bar ou de um restaurante provavelmente seria classificado como motoristas embriagados. Mas não há como a polícia saber, a menos que eles desconfiem de um carro que esteja em zigue-zague ou flagrem manobras imprudentes. Mas aí a questão muda: por que não multar o motorista apenas pela manobra temerária e deixar o álcool de fora? Por que não?

Para ressaltar o fato de que o que está sendo criminalizado é a quantidade de bebida ingerida, o governo organiza essas ultrajantes barreiras policiais, que violam completamente as liberdades civis, apenas para parar as pessoas e checar seu sangue — mesmo quando elas não fizeram absolutamente nada. Esse é um ataque repulsivo à liberdade, um ataque que insinua que o governo tem e deve ter controle total sobre nós, controle esse que se estende até questões biológicas internas. Mas de algum modo aceitamos esse ultraje porque já admitimos a hipótese primeira de que o governo deve nos punir pelo conteúdo do nosso sangue, e não apenas por nossas ações.

Existem muitos fatores que fazem com que uma pessoa esteja dirigindo deficientemente. Ela pode estar com os músculos doloridos após uma sessão de levantamento de peso e apresentar reações mais lentas. Ela pode estar sonolenta. Ela pode estar de mau humor, ou irritada por ter brigado com o cônjuge. Será que o governo deveria ministrar testes de irritação, testes de cansaço, ou testes de dor muscular? Esse é o próximo passo, e não se surpreenda quando o Congresso começar a estudar essa questão.

Já está em movimento uma lei que vai proibir o uso de celulares quando se está dirigindo. Tal absurdidade vem da idéia de que o governo deve fazer julgamentos sobre o que nós supostamente estamos propensos a fazer.

E tem mais: algumas pessoas dirigem mais seguramente após alguns drinques, precisamente pelo fato de elas saberem que seu tempo de reação foi diminuído e que, por isso, elas devem prestar mais atenção na segurança. Todos nós conhecemos pessoas que têm uma incrível capacidade de dirigir perfeitamente bem mesmo após estarem alcoolicamente irrigadas. Elas deveriam ser liberadas das forças da lei, e só serem punidas caso de fato fizessem algo errado.

Devemos colocar um fim imediato nesse modismo. Direção alcoolizada deveria ser legalizada. E, por favor, não me escreva dizendo: “Fiquei ofendido com sua insensibilidade porque minha mãe foi morta por um motorista bêbado”. Qualquer pessoa responsável pela morte de uma outra deve responder por homicídio culposo ou assassinato, e deve ser punida de acordo. Mas é incorreto punir um assassino não por causa do seu crime mas por causa de alguma consideração biológica. É como dizer que o atropelador deve ser condenado pois tinha cabelo vermelho.

Assaltantes de banco costumam usar máscaras, mas o crime que eles cometeram nada tem a ver com a máscara. Da mesma maneira, motoristas ébrios provocam acidentes, mas motoristas sóbrios também; e muitos motoristas ébrios não causam acidente algum. A lei deveria se concentrar em violações contra a pessoa e contra a propriedade, não em excentricidades científicas como o conteúdo sangüíneo.

Há um último ponto contra o projeto de lei de Clinton. Trata-se de uma violação dos direitos dos estados. Não há uma autorização na Constituição que permita ao governo federal legislar o teor de álcool no sangue. Além disso, a décima emenda deveria ser suficiente para impedir que o governo o fizesse. A questão da embriaguez na direção deveria ser retornada aos estados, e então cada estado deveria liberar os motoristas ébrios das forças da lei.

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