Políticas de metas de inflação são a causa dos problemas, e não a solução

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HittingWallA crise dos mercados financeiros não apenas não acabou, como na verdade se expandiu e se transformou em uma maléfica crise da dívida soberana.  Não obstante, as autoridades monetárias das principais economias do mundo seguem praticando exatamente as mesmas políticas que geraram a atual crise.  Ao seguirem o modelo de metas de inflação, elas continuam desconsiderando as consequências geradas por alterações na quantidade de dinheiro e no volume e no tipo de criação de crédito.

Assim como fizeram anteriormente, os bancos centrais reduziram as taxas básicas de juros para os menores valores possíveis.  Poucos parecem se lembrar de que o conceito de metas de inflação foi adotado justamente com a premissa de que taxas de inflação baixas e estáveis iriam produzir estabilidade econômica e financeira.  A realidade, no entanto, não confirmou esta promessa.  Pelo contrário, a política de metas de inflação foi essencial na geração da atual crise financeira.

O que é uma política de metas de inflação?

Um banco central que pratique uma política monetária de metas de inflação irá aumentar a taxa básica de juros quando a taxa de inflação de preços vigente se mover para além da meta, e reduzir a taxa básica quando a taxa inflação de preços ficar abaixo da meta.  Operacionalmente, a taxa de inflação é a variável objetiva desta abordagem, ao passo que a taxa básica de juros serve como a variável instrumental.  Diferentemente do monetarismo, os agregados monetários desempenham, no máximo, um papel secundário (na maioria das vezes, não desempenham papel nenhum) no modelo de metas de inflação.

O modelo de política monetária de metas de inflação pode ser expandido de modo a abranger a “regra de Taylor“, incluindo em seu arcabouço o ‘hiato do produto’.  Desta forma, outras metas como crescimento econômico e desemprego serão também contempladas nesta abordagem.  No entanto, ao contrário da regra de Taylor original, as políticas monetárias de metas de inflação têm ignorado o crescimento da oferta monetária e do crédito, selecionando unicamente uma taxa de inflação de preços oficial como sendo o padrão único e principal a ser seguido.

Particularmente durante aquelas fases em que a taxa de desemprego está acima de níveis tidos como aceitáveis, as baixas taxas de inflação de preços que normalmente ocorrem em tais cenários foram utilizadas como justificativa para uma redução mais vigorosa das taxas básicas de juros.  Em várias regiões do mundo onde a política monetária segue um arcabouço de metas de inflação, tornou-se regra ignorar a expansão dos agregados monetários.  Principalmente, tornou-se regra implementar taxas de juros extremamente baixas.  A política de metas de inflação levou as autoridades monetárias a ignorar não apenas o crescimento da oferta monetária e do crédito, mas também os preços dos ativos em conjunto com outras variáveis, como a taxa de câmbio.  Pela lógica intrínseca das políticas de metas de inflação, as políticas monetárias tornaram-se bruscas e ignorantes por definição; e, sob este aspecto, uma repetição de um antigo fracasso ocorreu exatamente quando aquele homem que viria a ser o presidente do Federal Reserve fez um discurso no qual se dizia confiante de que “nós não repetiremos estes erros novamente“.  Ato contínuo, este homem levou a economia americana para mais uma depressão.  Exatamente como nas outras áreas, na política monetária também as únicas lições aprendidas com a história são as lições erradas.

Como recentemente revelado pelas transcrições das reuniões de cúpula do Fed em 2006, um banco central é uma instituição fraudulenta cujos indivíduos do alto escalão agem como premeditados ignorantes.  Como as transcrições flagrantemente demonstram, não foi por falta de informação que as autoridades monetárias americanas ignoraram a realidade, mas sim por uma total incapacidade de compreensão de dados básicos sobre a economia, bem como por uma fé praticamente infantil em modelos e construções matemáticas.

Um episódio anterior sobre metas de inflação

Metas de inflação não é uma prática recente.  Sua ideia básica foi concebida pelo economista americano Irving Fischer (1867—1947).  O Banco Central americano implementou uma forma rudimentar de metas de inflação logo após ele ter sido criado em 1914, e explicitamente praticou uma política de “estabilização do nível de preços” durante a década de 1920, a década imediatamente anterior ao início da Grande Depressão.

A década de 1920 nos EUA marcou um período de rápido aumento do endividamento, o qual, até 1929, havia sido acompanhado de um aumento da riqueza devido a um forte crescimento do mercado imobiliário e do mercado de ações.  O colapso do mercado financeiro, no entanto, jogou a economia americana para a Grande Depressão, a qual durou mais de uma década.

Durante a década de 1920, as autoridades monetárias americanas pareciam muito pouco preocupadas com a expansão do crédito, pois o principal enfoque da política monetária era o “nível de preços” — uma construção estatística que Fischer também defendia e promovia.  Ao observarem que o nível de preços estava “estável”, o Federal Reserve não sentiu necessidade alguma de alterar sua postura inflacionista ou de ficar mais preocupado com o que estava acontecendo.  Os ‘vigorosos anos 20’ foram de fato anos exuberantes — embora não para a agricultura.  Foi a indústria quem celebrou esta nova era e, acima de tudo, foi Wall Street quem mais prosperou durante aquela época, na qual ela atingiu seu apogeu após a bonança financeira trazida pela a Primeira Guerra Mundial.  Foi a década do grande enriquecimento do setor financeiro.

O enfoque dado à inflação de preços induziu as autoridades monetárias a ignorar o crescimento do crédito e a expansão da oferta monetária, bem como a desconsiderar os ganhos de produtividade da economia americana durante este período.  O Fed imaginou que suas teorias haviam sido provadas corretas: afinal, os agregados monetários haviam se expandido, mas o nível de preços havia se mantido relativamente estável.  Nenhuma consideração foi dada à ideia de que, com os avanços na produtividade, o nível de preços deveria ter na realidade declinado, exatamente como havia ocorrido quando os EUA ainda estavam no padrão-ouro no século XIX e a quantidade de dinheiro na economia era relativamente constante.  Durante a década de 1920, levadas por uma fixação com o nível de preços, as autoridades monetárias não mantiveram a quantidade de dinheiro na economia constante, o que teria gerado deflação de preços; ao contrário, permitiram uma expansão da oferta monetária, pois não parecia haver motivos para se preocupar enquanto o nível de preços permanecesse estável.

O que aconteceu durante a década de 1920 foi uma reação equivocada das autoridades monetárias em relação ao aumento da divergência entre os setores agrícola e industrial da economia americana.  Ao passo que a agricultura mergulhou em uma depressão imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, a indústria americana vivenciou um crescimento induzido pelo aumento da oferta monetária.  Na média, o nível de preços aparentava estabilidade, embora tal estabilidade fosse resultado de um nivelamento gerado pela combinação de uma depressão deflacionária do setor agrícola e um crescimento inflacionário do setor industrial.

A atual crise

O mais recente episódio de um mega crescimento artificial na economia americana ocorreu na década de 1990, quando, assim como na década de 1920, houve uma bolha no mercado de ações em conjunto com um enorme aumento no endividamento dos consumidores em decorrência de aquisições imobiliárias e de outros itens.  O banco central americano não prestou muita atenção na oferta monetária e se manteve otimista durante todo este período que levou à atual crise.  O mantra da política monetária era o de que, enquanto o nível de preços se mantivesse relativamente estável, e apenas uma moderada inflação de preços fosse registrada, as taxas de juros poderiam cair para os níveis mais baixos possíveis, e a oferta monetária poderia crescer sem nenhuma restrição, de modo a satisfazer toda a demanda por dinheiro.

Houve uma série de choques severos durante a década de 1990, bem como durante a década anterior e a posterior.  No entanto, até o estouro do atual crise, todas as calamidades anteriores puderam ser superadas — ou ao menos era o que parecia — com o simples recurso da expansão da oferta monetária e de pacotes de socorro aos credores.  As políticas de metas de inflação, por conseguinte, legaram uma generalizada política de pacotes de socorro, desta forma criando as bases de uma cultura financeira pautada pelo risco moral.

Em 2007, os mercados financeiros repentinamente começaram a se congelar, com o fluxo de dinheiro no mercado interbancário chegando a uma total e súbita paralisia.  Foi como se um enfarte houvesse atingido a coração dos mercados financeiros.  Embora abaladas e surpreendidas, as autoridades monetárias demonstraram total confiança na ideia de que uma adequada injeção de liquidez faria com que os mercados se recuperassem rapidamente.  Destarte, movidas por sua ingênua convicção, as autoridades monetárias acreditavam que a economia iria se recuperar e voltar à sua exuberância.  No entanto, a calamidade se estabeleceu tão logo estas receitas antigas se comprovaram ineficazes.  Não obstante as maciças injeções de liquidez, os mercados se recuperaram apenas muito timidamente.  E, em 2008, uma onda de calotes de instituições financeiras abalou definitivamente os mercados.  Em agosto de 2011, os EUA chegaram perto da insolvência quando o Congresso americano se mostrou relutante em elevar o limite estatutário da dívida.  Logo após esta ocorrência, a crise financeira global se deteriorou e se transformou na crise da dívida soberana europeia.  A Grécia chegou perto da falência total e o contágio atingiu Espanha, Portugal e Itália.

Já no início de 2012, a política monetária atingiu um estágio de quase completa paralisia.  Com taxas básicas de juros próximas de zero nas principais economias do mundo, é somente por meio de quantidades colossais de injeções de liquidez que o sistema financeiro vem se sustentando.  Ao praticar uma “política da taxa de juros zero”, ao comprar ativos de qualidade duvidosa de instituições financeiras por meio do Troubled Asset Relief Program (TARP — Programa de Alívio para Ativos Problemáticos), e ao tentar injetar ainda mais liquidez no mercado por meio de sua política de “afrouxamento quantitativo” (quantitative easing — QE), o Fed gerou uma expansão sem precedentes da base monetária americana.  A real ou imaginária suposição de que o sistema financeiro está no limiar de um completo colapso produziu enormes programas de estímulos e pacotes de socorro governamentais que resultaram em crescentes déficits fiscais e em um insustentável nível do endividamento público.  A deflação de preços que potencialmente pode ser gerada por este cenário de desalavancagem do mercado financeiro se transformou no medo supremo dos governos e no pesadelo de todos os bancos centrais.

O temor da deflação

Hoje, praticamente já se esqueceu que a espetacular ascensão econômica da Grã-Bretanha, de partes do continente europeu e dos Estados Unidos durante um período de quase um século — particularmente desde o início da segunda metade do século XIX até a eclosão da Primeira Guerra Mundial — foi caracterizado por uma moderada deflação de preços, quando os aumentos na produtividade começaram a se acelerar.  O nível de preços declinou durante a expansão econômica porque a oferta monetária estava ligada ao estoque de ouro, e o estoque de ouro se mantinha relativamente constante.  Este período deflacionário foi marcado pela prosperidade criada por um ambiente financeiro caracterizado por taxas de juros estáveis, declínio moderado de preços no longo prazo, e salários reais crescentes.  Permitir que esta boa deflação de preços ocorresse foi algo que colocou um freio no crescimento econômico excessivo.  Uma base monetária praticamente fixa impediu que ocorressem excessos durante o crescimento econômico, desta forma fornecendo automaticamente uma proteção também contra os excessos durante os períodos de recessão.  Uma base monetária estável não implicou uma quantia estritamente fixa de liquidez, pois a velocidade da moeda é adaptável, permitindo assim uma ampla flexibilidade.

A eclosão da Primeira Guerra Mundial marcou o final deste período de deflação de preços e o início da atual era inflacionária.  Quando o último obstáculo contra um total controle discricionário da moeda foi abolido e o Federal Reserve adquiriu poderes irrestritos para produzir o tanto de dinheiro que julgasse necessário, um novo capítulo na história monetária foi iniciado.  Com o abandono dos últimos resquícios do padrão-ouro durante oAcordo Smithsoniano, a política monetária deixou de possuir qualquer tipo de âncora; agora, tudo o que havia era apenas um conceito de política.  Ao abolir o que restava de âncora monetária em 1971, a base monetária dos EUA começou a crescer e culminou na atual avalanche de dinheiro criado do nada e sem qualquer restrição.

Atualmente, a escalada da dívida governamental até níveis exorbitantes praticamente proíbe os bancos centrais de elevar as taxas básicas de jutos caso a inflação de preços volte a se manifestar mais incisivamente.  Até o momento, toda a liquidez adicional que os principais bancos centrais criaram serviu principalmente para o setor bancário se refinanciar.  A política monetária se tornou um veículo para o resgate de todo um setor da economia.  Ao socorrerem o setor financeiro, os bancos centrais produziram apenas mais dinamite monetário.  O mundo está em uma encruzilhada.  A chance de se sair desta enrascada sem grandes aflições é muito menor do que a de vivenciarmos ou uma hiperinflação seguida de depressão econômica ou um colapso direto rumo ao abismo da depressão deflacionária.  A política monetária chegou a um beco sem saída.  Mais uma vez, a fórmula mágica de uma política monetária intervencionista deu de cara com a parede.

Conclusão

Enquanto os bancos centrais dominarem o discurso sobre política monetária, não haverá nenhum debate sobre a tese de que as políticas de metas de inflação não apenas são incapazes de garantir a estabilidade monetária, como também forneceram as condições para a ocorrência da atual crise financeira.  O episódio que foi louvado como sendo o período da “grande moderação” foi na verdade o período da grande ilusão, que acabou se transformando no pesadelo de uma longa estagnação.  Há uma necessidade vital de se restabelecer um sistema monetário sólido e estável.  Suas consequências seriam uma moderada deflação de preços e a anulação de ciclos econômicos extremos e violentos.  O principal obstáculo contra uma moeda sólida não é nem intelectual nem prático, mas sim político.  A resistência advém toda do setor público, pois os principais perdedores de uma mudança institucional no sistema monetário seriam os atuais e inflados governos nacionais junto com seus defensores e entusiastas, seus burocratas e intelectuais, seus empresários dependentes de subsídios e sua massa de manobra dependente de assistencialismos, bem como todo o resto dos mestres da ilusão e das promessas enganosas que fazem parte deste reinado.

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O problema com o sistema de metas de inflação

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