Embora a necessidade e o valor da pesquisa interdisciplinar e transdisciplinar seja frequentemente enfatizada como um antídoto bem-vindo à hiperespecialização, tal compromisso tipicamente não passa de meras palavras vazias. Em geral, no mundo acadêmico de hoje, o trabalho inter e transdisciplinar é desaprovado e desencorajado, dificultando sua carreira profissional ou mesmo condenando-a. Uma vez que você se aventura fora de um campo cada vez mais restrito de especialização acadêmica, seus colegas o rejeitarão e o depreciarão por não mais ser um “verdadeiro” economista, filósofo ou o que quer que seja; da mesma forma, os membros certificados e guardiões daqueles campos nos quais você se aventura irão ignorá-lo como um forasteiro intelectual, um intruso, realmente alguém que não é “um deles”.
De fato, mesmo dentro de um determinado campo acadêmico, como filosofia ou economia, não mais se espera que você cubra a disciplina em sua totalidade. Em vez disso, você deve limitar seu trabalho a um de seus numerosos ramos ou subdisciplinas e publicar exclusivamente em seus “periódicos acadêmicos ‘referenciados’ oficialmente aprovados”. Você não deve ser um filósofo ou economista, e ponto final. Ao contrário, você deve ser um filósofo da ciência, ou da matemática, ou da lógica, linguagem, religião, arte e estética, etc.; e você deve ser um microeconomista, um macroeconomista, estudioso da teoria dos jogos, um economista do trabalho ou do desenvolvimento, um econometrista, um economista matemático, etc. Somente na qualidade de historiador de sua disciplina, você ainda está um pouco isento dessas restrições e deve cobrir todo o seu campo, entretanto, como exemplos, a história da filosofia, e ainda mais a história da economia e do pensamento econômico, são cada vez mais eliminadas dos currículos acadêmicos, por serem consideradas esforços meramente interpretativos – filológicos ou hermenêuticos – em vez de “ciência” real.
Ao longo de toda minha carreira acadêmica, ignorei estas restrições. Primeiro, porque eu não tinha consciência desse fato e, depois, quando dele soube, porque as rejeitei e resisti conscientemente – e aprendi a viver com as consequências. Ganhei minha vida como economista, mas não limitei meu trabalho à economia. Frequentemente me aventurei na filosofia, meu primeiro amor intelectual e, a partir daí, no direito, na sociologia, na história e na política – aonde quer que minha curiosidade intelectual me levasse.
O presente volume é um testemunho deste fato. Ele contém artigos, discursos e entrevistas escritos e apresentados ao longo de quase um quarto de século. A maioria deles já apareceu anteriormente em diferentes lugares: em várias revistas acadêmicas, revistas de opinião ou veículos de mídia popular. No entanto, há também algumas peças mais longas, anteriormente inéditas, que aparecem aqui pela primeira vez.
Embora este livro seja livre e frequentemente transversal às linhas disciplinares, há um tema dominante e unificador: propriedade ou, mais precisamente, propriedade privada, definida como o controle exclusivo de recursos escassos, sua origem, sua fundamentação ética e econômica e justificação como a fonte final de paz e prosperidade. Por outro lado: o Estado, definido como um monopolista territorial da tomada de decisão final e arbitragem de conflitos, incluindo todos os conflitos envolvendo o próprio Estado e seus agentes, sua origem e seu papel como o maior perigo à propriedade privada, como fonte permanente de conflito social e maior inimigo da paz e prosperidade. Finalmente: a constituição de uma sociedade de direito privado, definida como uma sociedade sem Estado ou qualquer monopólio ou monopolista (seja legal ou não) e sua função singular como a única garantidora concebível de paz e prosperidade eternas.
Mas há muito mais a ser encontrado, como nas reflexões sobre a evolução social e as causas das chamadas Revolução Neolítica e Industrial, sobre a monarquia e o efeito descivilizador da democracia, sobre a guerra, centralização e secessão, sobre o igualitarismo, desigualdade e aristocracia natural, sobre a inevitabilidade e virtude da discriminação, e sobre a migração e os perigos do multiculturalismo – muito do qual é extremamente “politicamente incorreto” e fez de mim uma persona non grata não apenas entre os intelectuais prevalentes, mas também, em particular, entre muitos dos chamados libertários bleeding-heart de esquerda e do estado inchado.
Há alguns artigos compilados aqui tratando de questões puramente teóricas (livres de juízo de valor) – filosóficas ou econômicas – outros tratando de questões normativas, e ainda outros preocupados com questões de política e estratégia política. Alguns textos são longos e intelectualmente “exigentes”, enquanto outros, curtos e “fáceis”. Em todo caso, porém, espero que o leitor os ache sempre lúcidos, rigorosamente argumentados e, acima de tudo, intelectualmente estimulantes.
Embora ninguém, exceto eu, possa ser responsabilizado pessoalmente pelo conteúdo à seguir, devo uma profunda gratidão a Lew Rockwell e à “gangue” de pensadores radicais – em linguagem politicamente correta: “extremistas” – que ele conseguiu reunir ao redor do Instituto Ludwig von Mises em Auburn, Alabama: a Walter Block, Thomas DiLorenzo, David Gordon, Jeffrey Herbener, Guido Hülsmann, Stephan Kinsella, Peter Klein, Ralph Raico, Joseph Salerno e Mark Thornton.
Minha mais profunda gratidão, no entanto, é para com meus dois principais mestres intelectuais. A Ludwig von Mises (1881 – 1973), que, infelizmente, nunca conheci pessoalmente, mas cujo trabalho monumental tem sido uma fonte de inspiração constante para mim, e ao seu maior estudante, Murray Rothbard (1926 – 1995), que radicalizou, ampliou e completou o edifício misesiano, e com quem tive a sorte de passar os últimos dez anos de sua vida em íntima cooperação, primeiro em Nova York e depois como colegas, vizinhos de escritório e co-combatentes intelectuais na Universidade de Nevada, em Las Vegas.
Hans-Hermann Hoppe
Istambul, junho de 2012