Reintroduzindo a ideia da eficiência dinâmica na teoria econômica

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O que distingue a Escola Austríaca e lhe proporcionará fama imortal é, precisamente, o fato de haver desenvolvido uma teoria de ação econômica e não de “não ação” ou “equilíbrio econômico”.

Ludwig von Mises

1. Introdução

A ciência econômica é o processo de construção mental de um arcabouço axiomático lógico-dedutivo para a compreensão da realidade, composta pela ação humana (e interações humanas) e pelos fenômenos da natureza.  No entanto, nesse processo de compreensão, simplesmente não sabemos de que forma os acontecimentos externos — físicos, químicos e fisiológicos — afetam o pensamento humano, as idéias e os juízos de valor.  O fato de humildemente reconhecer essa ignorância nos remete à necessária divisão do reino do conhecimento em dois campos distintos: o campo dos acontecimentos externos ou da natureza, e o reino do pensamento e da ação humana.  Assim, o dualismo metodológico torna-se não uma preferência, um capricho, mas sim algo necessário na construção do conhecimento.

É por não compreender essa necessidade do dualismo metodológico que os economistas do maisntream (escola neoclássica e os que dela derivam, sobretudo a keynesiana e monetarista) colocaram a ciência econômica em tempos turbulentos, com uma infinidade de explicações insuficientes e até mesmo contraditórias sobre a realidade, e teorias falsas que se perpetuam no meio acadêmico.  É, na verdade, uma crise de método, a crise do paradigma walrasiano[1].

O positivismo na ciência econômica não é possível porque a sociedade não pode ser experimentada em laboratório, isolando fenômenos sociais para então submetê-los à observação.  Não se pode, portanto, estabelecer uma teoria econômica a posteriori.  Logo, somente é possível estabelecer uma teoria a priori, com leis de tendência geradas por teoremas válidos e relevantes.[2]

Mas o mainstream utiliza-se do positivismo.  E é exatamente por ferir esse princípio metodológico, que suas teorias são equivocadas.  Seu princípio fundamental de eficiência alocativa de recursos leva em conta a idéia deeficiência estática por meio de pressupostos como recursos dados e conhecimento perfeito.  Com isso, o futuro torna-se um mero e predizível desenrolar de uma situação inicial.  A história prediz o futuro.  Consequentemente, o comportamento humano está sendo interpretado como um mero fenômeno da natureza, sujeito a teoremas e previsões estabelecidas a posteriori, por observação e análise de fatos e dados históricos.

Tais pressupostos da teoria neoclássica, no entanto, ignoram dois aspectos humanos fundamentais: a criatividade e as escolhas humanas.  Uma teoria como a neoclássica nos subjuga a um comportamento de gado, sujeitos aos sabores da natureza.  Mas não somos gado.  Somos seres dotados de criatividade e livre-arbítrio[3]. E considerar essa realidade como um axioma ou um pressuposto na construção de uma teoria econômica faz toda uma diferença.  A eficiência alocativa de recursos não pode ser estática, mas sim dinâmica. Vejamos por quê.

2. Criatividade

Criar é uma atividade do pensamento humano.  Pode ser definida tomando por base a concepção de São Tomás de Aquino: como fazer algo a partir do nada (ex nihilo).  É a origem da serendipidade (do inglês serendipity), que consiste na capacidade de fazer descobertas importantes por acaso; em dar-se conta de algo que não se havia percebido até então (HUERTA DE SOTO, 2010, p.61).

Mas o importante em relação à criatividade no conceito da ciência econômica e, especificamente, no conceito da eficiência dinâmica, não advém do seu aspecto psicológico.  O que importa são seus efeitos no meio social — ou seja, a criatividade é um elemento gerador de mudanças quando colocada em prática através da ação humana.  É a ação fruto de uma ideia que cria novos recursos, novas informações, novo conhecimento.  Ação essa tipicamente empresarial.

Para tornar mais claro a importância desses efeitos no desenvolvimento da sociedade, basta observar a origem etimológica da palavra empresa.  Ela procede do latim in prehendo, que significa descobrir, dar-se conta de; e a palavra in prehesa leva à ideia de ação, significando tomar, agarrar. Em suma, empresa é sinônimo de ação.  Consequentemente, o termo empreendedor remete a uma atividade contínua da ação empresarial. Não obstante, este conceito está ligado ao capitalismo, pois deriva da palavra capital, esta de origem etimiológicacaput (cabeça), que remete ao significado de pensar, exercício mental.  Em síntese, é a ação criativa (empresarial) que resolve os problemas econômicos.  Logo, qualquer negação ou limitação do capitalismo nega ou limita, consequentemente, o livre exercício mental do ser humano, a subsequente ação criativa — e, consequentemente, também nega ou limita a resolução dos problemas econômicos.

Porém, o exercício mental, e a subsequente ação, não é um processo automático.  Da concepção da idéia, inerente ao pensamento humano, até sua efetivação através da ação, existe uma escolha.  A ideia pode existir, mas pode não ser executada; e, se executada, a escolha implica uma renúncia de diversas outras possibilidades.  É uma questão de livre-arbítrio baseado em fins, juízos de valor.  Ou seja, preferências ordinais do indivíduo em determinada conjuntura.  O livre-arbítrio seleciona a preferência, e ela é revelada por meio da ação.

3. Livre-arbítrio

Uma definição de senso comum da consciência equipara-se à experiência consciente.  O senso comum diz que experiências conscientes ocorrem com numerosos concomitantes: alguns internos, outros externos.  Vejamos um exemplo:

Você está lendo este artigo e parou para refletir sobre o parágrafo anterior.  Ao mesmo tempo em que reflete, escuta um barulho vindo da rua.  Isto o leva a uma opção: verificar a origem do barulho ou ignorar o fato ocorrido.

Isso é um concomitante externo e é de fácil compreensão.  O leitor não se identifica com a ida até a janela caso fosse verificar a origem do barulho.  Logo, esse concomitante não é um elemento fundamental da consciência.  No entanto, quando o leitor passa ao escopo interno da mente (verificar ou ignorar o barulho), as coisas se tornam muito menos claras.

Isso porque verificar ou ignorar são opções de ação do indivíduo.  As opções antecedem e criam o contexto para os subsequentes atos humanos — e, portanto, a possibilidade de um novo contexto surge quando ele opta.  E é justamente essa possibilidade de saltar para fora do velho contexto e entrar em outro, que proporciona a sua liberdade de escolha.  Em todos os momentos, o ser humano enfrenta literalmente miríades de possibilidades alternativas.  Escolhe entre elas e, quando escolhe, reconhece o curso do seu devenir.  Dessa maneira, a opção e o reconhecimento da opção definem o seu “eu“.

Assim, todas as experiências conscientes envolvem uma abertura para o futuro; ou seja, estabelecem possibilidades. Nesse processo, devem-se distinguir dois termos com frequência utilizados como sinônimos, mas que diferem na construção do futuro: opção e livre-arbítrio.  Enquanto a opção aplica-se a todos os casos em que o indivíduo escolhe conscientemente ou não entre as alternativas, o livre-arbítrio aplica-se a todos os casos em que uma ação subsequente é praticada com origem em uma iniciativa causal própria; ou seja, há uma deliberação inerentemente consciente do indivíduo.  O Sujeito é aquele que escolhe.  Não é o Cogito, ergo sum, como pensava Descartes, mas o Opto, ergo sum: Escolho, logo existo.

O livre-arbítrio, consequentemente, contrapõe qualquer doutrina determinística, poisé o agente capaz de dizer não a respostas condicionadas e aprendidas pela experiência. (GOSWAMI, 2007, p. 243).  A experiência aqui mencionada pode ser encontrada em registros históricos, tradições e costumes populares (conhecimento disperso e não sistematizado), não deixando de estar sujeita à interpretação.  Ela pode ser um exemplo, um condicionante da escolha, mas não a obriga de forma determinística. Sendo assim:

Se as condições iniciais não determinam para sempre o movimento de um objeto [e o curso das ações]; se, em vez disso, em cada ocasião que observarmos há um novo começo, então o mundo é criativo no nível básico. (GOSWAMI, 2007, p. 63).

4. Ação humana e eficiência dinâmica

Devido à criatividade e o livre-arbítrio, a ação humana caracteriza-se como um processo constante de novas experiências.  Quando um agente escolhe um determinado curso de ação, as consequências irão depender, em parte, dos cursos de ação que outros escolheram, estão escolhendo ou ainda irão escolher.  Por isso, parece inevitável a plausibilidade do argumento segundo o qual, em um mundo com decisões autônomas, “o futuro não apenas é desconhecido, mas desconhecível.” (IORIO, 2007, p.47).

Sendo assim, o futuro deixa de ser um mero “porvir”, um mero decorrer determinístico inexorável a partir de circunstâncias dadas e perfeitamente conhecidas, tal qual se apresenta na teoria neoclássica.  O futuro, na verdade, é um “por fazer”, incerto e mergulhado na concepção de tempo real[4]. A alocação de recursos não é, portanto, uma mera conta de otimização predizível, mas sim, um processo dinâmico de ação em virtude da criatividade e das escolhas humanas, propiciando um processo constante de novas descobertas (e novos fins que implicam, naturalmente, novos meios para se atingi-los).

Eis aqui o ponto fundamental.  A eficiência dinâmica ultrapassa o conceito neoclássico de eficiência estática e acrescenta a possibilidade não só da criação de recursos no decorrer do tempo, como também da criação e escolha de novas maneiras de alocação, por meio da ação empresarial.  Ou seja, a descoberta e a escolha de novos meios para atingir os mesmos ou novos fins.  É isso que caracteriza a eficiência dinâmica.  A economia é, por esse motivo, um processo dinâmico, e não um jogo de “soma zero”.

5. A retomada e consolidação do conceito de eficiência dinâmica

Naturalmente, com a exposição dos argumentos sobre a eficiência dinâmica, ela será reincorporada na teoria econômica.  Ela condiz com o dualismo metodológico necessário no estudo da ciência econômica, sendo um importante contribuinte para resolver a crise metodológica que a ciência econômica vive desde os tempos de Walras até hoje.

Porém, muitos economistas, condicionados pela antiga visão da teoria, não compreendem o processo da eficiência dinâmica, contribuindo para perpetuar os equívocos:

Poucas pessoas se dão ao trabalho de estudar as origens das próprias convicções.  Gostamos de continuar crendo no que nos acostumamos a aceitar como verdade.  Por isso, a maior parte do nosso raciocínio consiste em descobrir argumentos para continuar a acreditar no que cremos. (ROBINSON apud ARAÚJO 2008 p.13)

Para mudar essa visão, basta que esses economistas usem da introspecção e reconheçam que o ser humano não é um gado que deve ser subjugado a uma engenharia alocativa de recursos, tal qual advoga a teoria neoclássica.  Cada pessoa tem a sua própria hierarquia de fins segundo seus próprios juízos de valor, segundo suas escolhas, e isso não é diferente para os próprios economistas do mainstream. Eles estão submetidos ao processo da eficiência dinâmica e, por isso, precisam reconhecer que é o conceito válido.  O conceito é inerente à ação humana.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, C. História do Pensamento Econômico: uma abordagem introdutória. São Paulo: Atlas, 2008.

GOSWAMI, A. O universo autoconsciente. São Paulo: Aleph, 2007.

HUERTA DE SOTO. Estudios de Economía Política. 2.ed. Madrid: Unión Editorial, 2004.

__________________. Socialismo, Cálculo Económco y Función Empresarial. 4.ed. Madrid: Unión Editorial, 2010.

__________________. The Theory of Dynamic Efficiency. New York: Routledge foundations of the market economy, 2009.

IORIO, U. Economia e Liberdade: a escola austríaca e a economia brasileira. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

KIRZNER, I. Competição e atividade empresarial; Rio de Janeiro: Insituto Liberal, 1986.

MISES, L.; Ação Humana: um tratado de economia; 3.ed. Rio de Janeiro: Instituto Liberal. 1990.

_________;Teoría e História. Madrid: Unión Editorial, 2003.

VARIAN, R. Microeconomia: conceitos básicos. Rio de Janeiro

 


[1] Tanto o conceito de eficiência estática como o de eficiência dinâmica são conhecidos desde a concepção do próprio conceito de economia por XENOFONTE, na Grécia antiga. No entanto, a partir do século XIX, houve a grande influência das ciências naturais sobre a ciência econômica, que resultou na exaltação do enfoque estático de eficiência (principalmente com León Walras) e na supressão do enfoque dinâmico (ver HUERTA DE SOTO, 2009, p.2). Esse conceito estático conduziu a ciência econômica ao positivismo e a estudos de maximização.  Eis a origem do paradigma walrasiano.

[2] O esquema da pirâmide é apresentado na aula 09 da disciplina de “Principios Básicos de la Escuela Austríaca I” pelo proprio Prof. Huerta de Soto (http://www.anarcocapitalista.com/JHSLecciones9.htm).

[3] Tanto a criatividade como o livre arbítrio podem ser axiomas, pois, no primeiro, para negar a existência da criatividade é necessário criar um argumento para contestá-la; no segundo, faz-se uso do próprio livre- arbítrio para reconhecê-lo ou ignorar sua existência.

[4] Ver IORIO, 2007, p. 50.

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