Todos queremos liberdade para nós mesmos, mas muitas pessoas têm dúvidas quanto à maneira como as outras irão utilizar a própria liberdade. Sob tais preceitos, elas recorrem ao estado e clamam por ajuda.
Basta você arregimentar uma quantidade suficiente de pessoas que defendem algumas restrições e, pronto!, o estado está apto para agir, administrando todos os aspectos da nossa vida – desde os menores até os maiores detalhes.
Há exemplos diários disso, mas aquele que envolve a proibição do celular enquanto se está dirigindo é absolutamente atordoante. Uma pesquisa feita pelo The New Yok Times – e que indubitavelmente teria o mesmo resultado em vários outros países do mundo – revelou que 97% das pessoas entrevistadas apóiam a proibição universal do uso do SMS (serviço de envio de mensagens, também conhecido como ‘torpedo’) enquanto se está dirigindo. Metade dos entrevistados diz que a penalidade deveria ser tão severa quanto a de se dirigir embriagado.
Entre essas pessoas, quantas você acha que dirigem falando ao celular ou mandando torpedo, mas não quiseram confessar isso ao pesquisador? Provavelmente muitas. E ainda assim é impossível achar na internet uma única defesa dessas práticas.
A verdade é que não é necessariamente perigoso falar ao celular ou escrever um torpedo estando atrás do volante. Tudo depende da situação. Se você está preso num congestionamento e estiver atrasado para um compromisso, poder utilizar o celular pode salvar a sua pele. Ou caso não haja carros à sua volta, você pode utilizar o celular sem grandes riscos. Por outro lado, provavelmente seria um erro tentar escrever um torpedo a 130 km/h em uma rodovia repleta de veículos mais lentos.
Como podemos saber a diferença entre quando é seguro utilizar o celular e quando não é? O princípio que deveria ser aplicado em todas as rodovias é o de que o próprio motorista é quem deve tomar essa decisão. Se esse princípio não fizesse sentido, as rodovias simplesmente não teriam como funcionar.
Pense nisso da próxima vez em que você estiver em uma estrada, fazendo curvas e trocando de faixas junto a vários outros carros, e imprimindo altas velocidades. Temos aí blocos de aço que variam de 1.000 a 2.000 kg movimentando-se pela rodovia em altas velocidades e sem qualquer divisória entre eles que não a listra amarela pontilhada no asfalto. Estamos falando de verdadeiras máquinas mortíferas que, ao menor erro de um motorista, podem causar um engavetamento de 100 carros e uma consequente carnificina (nesse exemplo filmado ao vivo, o engavetamento foi de apenas 10 veículos). Mas, mesmo assim, seguimos essa rotina diariamente.
O que é incrível não é o fato de haver acidentes. O milagre é justamente o fato de o sistema realmente funcionar. Afinal, em sua esmagadora maioria das vezes, as pessoas sempre chegam aonde queriam ir.
E considere também os grupos demográficos atrás dos volantes: jovens, idosos, saudáveis, deficientes, experientes, inexperientes. Algumas pessoas têm facilidade e destreza para dirigir, outros não. Algumas pessoas têm agilidade espacial e outras não.
Como tudo isso pode funcionar bem? Não me diga que é devido a um planejamento central ou por causa da polícia. A polícia não está dirigindo todos os carros; ela não está controlando cada roda de cada veículo. A nossa linha de ação adotada, bem como todas as decisões que tomamos e que afetam os outros motoristas na estrada são praticamente 100% só nossas. Ninguém mais, nenhuma autoridade central, as controla.
E ainda assim a coisa funciona. Por quê? A razão é que não é do interesse de ninguém se envolver em acidentes. É do interesse de todos chegar inteiro aonde se quer ir e fazê-lo eficientemente. Ajunte dezenas de milhares de pessoas com o mesmo objetivo e você terá uma cooperação espontânea. Algo que as pessoas normalmente pensariam que não teria como funcionar acaba de fato funcionando – e bem. Olhando por esse ângulo, a ordem que vemos nas estradas é uma expressão universal da capacidade que a sociedade humana tem de funcionar em harmonia quando há um individualismo voltado para o interesse próprio.
Agora pense nas pesquisas que mostram uma ampla oposição ao uso do celular ao volante. Eu diria que você obteria resultados similares se a pesquisa fizesse a seguinte pergunta sobre a liberdade de dirigir:
Você é contra ou a favor que todos possam controlar autonomamente uma estrutura de 2.000 kg de aço em alta velocidade e no meio de milhares de outros cidadãos indefesos cujas vidas poderiam estar em risco em decorrência de um simples movimento de mão dos controladores dessas estruturas?
Tal pergunta iria produzir praticamente 100% de respostas negativas.
Normalmente confiamos em nossa capacidade de nos gerenciarmos a nós mesmos, mas não confiamos na capacidade que os outros têm de se gerenciarem a si próprios. E certamente não acreditamos que a sociedade possa funcionar bem sob condições de liberdade plena. Embora vivamos em meio a uma ordem espontânea e façamos uso diário de seu brilhantismo e harmonia (quando vamos a um supermercado ou a um restaurante, quando utilizamos a internet, quando um empreendimento imobiliário começa a ser construído), ainda não entendemos realmente como tudo pode funcionar tão bem.
E que tal essa outra pergunta:
Você defende o direito de um indivíduo acima de uma certa idade poder comprar e consumir o volume de bebida pesada que ele quiser, a ponto de ele beber até o estado de torpor absoluto, negligenciando seus filhos, acabando com sua vida familiar e matando células cerebrais que não poderão ser substituídas?
Provavelmente a maioria das pessoas iria dizer não. E, entretanto, esse é exatamente o raciocínio por trás da Lei Seca, a qual a maioria das pessoas hoje considera ter sido um erro terrível. Atualmente nós supostamente imaginamos que o direito de beber bebidas alcoólicas pesadas traz um custo social maior do que o suposto benefício que teríamos caso proibíssemos essa prática.
O mesmo pensamento é válido para o uso do celular ao volante. Há momentos em que é seguro. Há momentos em que não é seguro. Os únicos que realmente podem saber a diferença são as pessoas atrás do volante. Essas pessoas já usufruem da liberdade de falar com seus passageiros, de mexer no rádio, de dirigir após uma bateria de exercícios físicos intensos, de dirigir desatentos por estarem ansiosos com assuntos do trabalho ou inquietos com assuntos matrimoniais, de rezar, orar ou cantar no carro, e de fazer várias outras coisas que parecem criar uma distração do objetivo em mente. Mas de algum modo tudo acaba funcionando. E temos aqui uma lição: você pode estar certo de que vai emergir um arranjo mais ordeiro e harmonioso de um ambiente de liberdade do que de tentativas de se controlar meticulosamente a vida das pessoas.
Agora, os libertários entre nós podem dizer que as estradas são estatais e que esse é o cerne do problema. Em estradas genuinamente privadas, poderia haver restrições intensas sobre o que você pode e o que não pode fazer, e isso seria parte do contrato que você fizesse com o dono da estrada.
O mercado cuidaria do resto. Se o proprietário de uma determinada estrada fosse muito restritivo, os motoristas fariam outras rotas. Se ele fosse muito permissivo, sua seguradora cobraria apólices mais altas – fora que o resultado de sua leniência poderia lhe sair muito caro.
Assim, as regras resultantes seriam resultado desse ajuste fino, dessa cuidadosa adaptação. Tudo testado constantemente pelas forças de oferta e demanda.
Sob as atuais regras vigentes nas rodovias privadas, não há evidências de sanções severas ao uso do celular. Pode até ser que elas venham no futuro, mas pelo menos nesse caso haveria um teste de mercado. Quando uma regra fracassa nos mercados privados, a regra é alterada.
Mas quando se trata do governo, a coisa é diferente. Não importa o quão irracional seja a regra, ela permanece eternamente, mesmo que não tenha atingido seu objetivo. E não há como não perceber que punições severas para o uso do celular estão a caminho. É só uma questão de tempo.
O enunciado da lei será: Você não sabe o que é bom para você, portanto você tem de ser forçado a fazer aquilo que o governo considera ser bom para você. A proibição arrebata apoio popular porque as pessoas normalmente pensam que, embora elas sejam responsáveis e boas em determinar o que é seguro e o que é arriscado, as outras não são. A seguir esse método, todas as liberdades podem ser abolidas.
É uma péssima maneira de formar as normas de uma sociedade.