Socialismo, cálculo econômico e função empresarial

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CAPÍTULO V – O INDEVIDO DESVIO DO DEBATE PARA A ESTÁTICA: OS ARGUMENTOS DE SEMELHANÇA FORMAL E A CHAMADA «SOLUÇÃO MATEMÁTICA»

No presente capítulo, iremos ver como, depois do desafio inicial de Mises, os socialistas envolvidos no debate rapidamente começam a concentrar os seus esforços na tentativa de resolver o problema que seria colocado pelo socialismo em termos estritamente estáticos. Trata-se de um esforço completamente desnecessário, uma vez que o próprio Mises já tinha afirmado que em termos estáticos o socialismo não apresentava qualquer problema de cálculo econômico. Assim, qualificamos de «indevido» este desvio dos teóricos socialistas para a estática. Tentaremos explicar a que se deve tão grave erro de compreensão por parte dos socialistas sobre qual era o problema a resolver. Vamos analisar o pernicioso efeito que tiveram no debate tanto o paradigma da análise econômica do mercado em equilíbrio como os argumentos desenvolvidos para demonstrar a semelhança formal existente, em termos estritamente estáticos, entre o mercado e o modelo socialista. Em seguida, iremos estudar a «solução matemática» proposta com diferentes variantes pelos teóricos socialistas e terminaremos com a análise da resposta de Mises, Hayek e Robbins a todo este conjunto de propostas de «solução».

 

1. OS ARGUMENTOS DE SEMELHANÇA FORMAL

No capítulo anterior, verificamos que a mais antiga corrente da tradição socialista defendeu ingenuamente que no socialismo era possível prescindir das categorias econômicas do valor e dos juros que os teóricos da Escola Clássica tinham descoberto e analisado para as economias capitalistas. Em resposta a esta posição, diferentes economistas não demoraram a demonstrar que até num regime econômico socialista ideal, no qual toda a informação estivesse disponível e não ocorressem alterações (modelo de equilíbrio), existiriam e seriam mantidas as categorias básicas do valor e do juro. Este argumento, que inicialmente foi enunciado em termos lógico-verbais e, posteriormente, em termos matemáticos altamente formalizados, teve, assim, origem no desejo de impressionar os teóricos socialistas que ingenuamente acreditavam que era possível prescindir da categoria do valor nos seus modelos. Contudo, para demonstrar que, mesmo em equilíbrio, o sistema ideal comunista exigia a manutenção das categorias básicas do valor e dos juros, os economistas fizeram a concessão teórica de considerar, desde o início, que o problema econômico fundamental (ou seja, a obtenção da informação necessária) já estava resolvido, o que teve como consequência o indevido deslocamento do debate para o campo da estática, onde não fazia sentido, levando a um alto grau de confusão não só entre os participantes do debate, mas também entre aqueles que mais tarde analisaram e avaliaram o seu conteúdo e as suas principais conclusões.  De fato, com a suposição de que nos modelos de equilíbrio, formalizados matematicamente ou não, toda a informação estava disponível e se mantinha imutável, era quase inevitável que o problema do cálculo econômico socialista fosse tratado como um problema meramente algébrico ou computacional, que consistia simplesmente em encontrar um procedimento prático que tornasse possível a resolução matemática dos sistemas de equações correspondentes. Desta forma, o argumento da semelhança formal, originalmente concebido contra os teóricos socialistas, foi mais tarde utilizado por estes para fugirem ao problema econômico fundamental colocado pelo socialismo (a saber, como é possível que o órgão de planejamento central obtenha a informação relevante e prática de que necessita e que se encontra disseminada na mente de milhões de agentes econômicos). Os economistas caem assim no erro de considerar que o problema consiste apenas na dificuldade prática de resolver numerosos e complexos sistemas de equações, mas sem terem a compreensão de que o socialismo coloca outros problemas de impossibilidade teórica per se. Assim, este fenômeno evidencia perfeitamente que o grande perigo da aplicação do método matemático na economia é isso oculta os problemas econômicos de verdadeiro interesse e relevância, mesmo para as mentes mais brilhantes.[1]

 

Os argumentos de semelhança formal de Eugen von Bo¨hm-Bawerk e Friedrich von Wieser

O ano mais importante no que diz respeito aos argumentos de semelhança formal foi talvez o de 1889. Nesse ano é publicado o livro de Friedrich von Wieser intitulado Der Natu¨rliche Wert (Valor natural). Um dos principais objetivos deste trabalho era demonstrar que, mesmo numa comunidade ou estado cuja organização econômica fosse organizada de acordo com os princípios comunistas, os bens econômicos não deixariam de ter valor. De acordo com Wieser, as leis elementares do valor são, assim, independentes do ambiente institucional e social, sendo que também teriam que ser levadas em consideração em qualquer sistema socialista. A análise de Wieser é nitidamente uma análise de equilíbrio que revela de forma muita clara que a lógica de escolha que lhe é própria deverá ser idêntica num sistema de mercado e num sistema socialista. E é precisamente nisto que consiste o argumento da semelhança formal entre os dois sistemas.[2]

Também em 1889, Eugen von Bo¨hm-Bawerk, no segundo volume da sua obra maior Capital e Juros,desenvolve um argumento muito semelhante ao de Wieser, mas referente à taxa de juro. Para Bo¨hm-Bawerk, o juro é uma categoria econômica fundamental que deverá estar presente em qualquer sistema econômico, seja capitalista ou comunista. Por isso, a tão criticada «mais-valia» ou «exploração» própria do sistema capitalista, em vez de desaparecer no âmbito de um regime socialista, teria que ser obrigatoriamente mantida pelo seu estado ou órgão de controle, uma vez que não é possível eliminar em nenhuma economia as categorias da preferência temporal e do juro.[3]

Embora estas contribuições pretendessem mostrar que as categorias do valor e do juro teriam obrigatoriamente que existir também num regime socialista, o fato de Wieser e, em menor medida, Bo¨hm-Bawerk se basearem em argumentos de equilíbrio nos quais se pressupõe que toda a informação necessária está dada levou a que a sua perspectiva fosse incorporada sem maiores problema dentro do paradigma neoclássico focado no equilíbrio, segundo o qual o problema do cálculo econômico socialista só pode ser entendido como um problema de técnica operacional de resolução de um número muito elevado de equações altamente complexas. Diga-se, porém, em benefício dos referidos autores austríacos que, pelo menos, tiveram consciência de que o modelo que usavam era muito difícil, se não impossível, de realizar na prática. De fato, em 1914, Wieser chegou até a intuir o argumento essencial de Mises acerca do cálculo econômico socialista e da impossibilidade do órgão central de planejamento poder obter a informação prática necessária. Realmente, segundo Wieser «o sistema econômico privado é a única forma tentada historicamente para desenvolver uma extensa coordenação econômica na esfera social. A experiência de milhares de anos prova que este sistema assegura uma interação social mais bem sucedida, do que se fosse tentada por meio da submissão universal a um único centro de poder. O poder único, indispensável em caso de guerra ou para manter a unidade legal, diminui a eficácia econômica da interação social. Na economia, aação, embora se tenha tornado social, é sempre realizada de forma fracionada. O seu exercício é muito mais eficiente quando é realizado por milhares ou até milhões de seres humanos, que vêem através de milhares e milhões de olhos, e se manifesta em muitos diferentes atos de vontade. Desta forma, cada ação é coordenada com as demais de modo muito mais exato do que se, graças a um mecanismo complexo, todas elas fossem guiadas e dirigidas por um órgão superior de controle. Um órgão superior desse tipo nunca poderia ser capaz de se informar sobre as inúmeras possibilidades de cada caso particular, nem sobre a melhor utilidade que poderia ser obtida em dadas circunstâncias, nem sobre os passos que seriam preciso dar para tornar possível o futuro desenvolvimento e progresso da sociedade.»[4]

 

A contribuição de Enrico Barone como argumento de semelhança formal

No primeiro tópico do capítulo anterior, tivemos a oportunidade de comentar certos aspectos do trabalho de Enrico Barone publicado em 1908 com o título « Il Ministro della Produzione nello Stato Colletivista», posteriormente traduzido para o inglês por F.A. Hayek e publicado no seu Collectivist Economic Planning.[5] O que agora nos interessa destacar é a forma como Barone continua o caminho iniciado por Wieser, desenvolvendo argumentos de semelhança formal entre o capitalismo e o socialismo. A principal novidade introduzida por Barone diz se refere à crítica que faz ao caráter «torpe e vago» dos argumentos de semelhança formal dos seus antecessores (basicamente Wieser e, em menor medida, Bo¨hm-Bawerk), indo ao ponto de afirmar que o que até então tinha sido apenas uma «intuição imperfeita», ele agora é capaz de expressar e demonstrar rigorosa e formalmente utilizando a análise matemática.[6] No entanto, somos obrigados a criticar esta presunçosa afirmação de Barone, uma vez que, na nossa opinião, a pretensa «precisão matemática» é alcançada graças à perda quase total do que restava da importância e capacidade explicativa do modelo do ponto de vista da análise econômica. De fato, para Barone, e ao contrário de Wieser, a economia deixa de ser concebida como um processo social constituído por um conjunto de interrelações entre diferentes agentes que agem de forma consciente na busca pelos seus fins, e se converte simplesmente num conjunto de relações funcionais e balanços quantitativos entre coisas. O que antes era uma análise econômico-causal mais ou menos rigorosa, enraizada nas categorias de fins e meios de cada agente, se converte, então, num conjunto mecânico de relações de aspecto funcional no qual os seres humanos não intervêm, o tempo não desempenha qualquer papel e os «preços» não são o resultado de interações humanas, mas antes da intersecção de duas curvas ou de meras soluções numéricas de um sistema simultâneo de equações. Assim, Barone ilustra claramente os efeitos da corruptora colonização da economia por parte do corpo de engenheiros e técnicos formados na tradição mecanicista de Laplace. Desta forma, não surpreende que a análise de Barone seja obrigatoriamente e essencialmente estática e, logo, irrelevante do ponto de vista da crítica misesiana ao socialismo. De fato, nas primeiras 40 páginas do seu artigo, Barone considera e supõe que a informação necessária, referente tanto ao montante de capital quanto às relações técnicas entre os diferentes fatores de produção e os gostos e fins individuais, está dada e é conhecida.[7] Como vimos no capítulo anterior (primeira secção), só no final do seu artigo, Barone, de passagem e muito rápida e vagamente, menciona que a informação que inicialmente supôs estar disponível para elaborar formalmente o seu argumento em termos matemáticos nunca poderia chegar a ser conhecida.

É, portanto, evidente que, contrariamente à interpretação equivocada do debate que até o momento predominou devido à sua torpe e interessada descrição feita por Oskar Lange e Joseph A. Shumpeter, Enrico Barone não refutou, de forma alguma, antes de Mises o argumento deste acerca da impossibilidade do cálculo econômico socialista. Realmente, o argumento de Mises é, como já demonstramos citando o autor,[8] de aspecto dinâmico e se refere à impossibilidade do poder central poder obter a informação prática relevante de que necessita para planificar a economia. O próprio Mises foi, assim, o primeiro a assinalar que no imaginário nirvana do equilíbrio o problema por ele apontado nem sequer teria que ser colocado. Assim, Barone não refuta Mises, uma vez que a sua análise de semelhança formal começa precisamente por supor que a informação necessária está dada e que o problema econômico apontado por Mises se encontra resolvido ab initio. Mas, como vimos, Barone não só não refutou Mises, como, pelo contrário, no final do seu artigo insiste explicitamente, embora de forma sumária e vaga, na ideia essencial que haveria de constituir o coração do argumento misesiano, ou seja, que é logicamente impossível pensar que o conhecimento que se assume como dado para poder elaborar o correspondente sistema de equações matemáticas possa ser obtido por meio de um mecanismo que não consista em observar o resultado dos próprios processos de mercado, uma ideia que, como vimos, o próprio Pareto já tinha claramente demonstrado ainda antes até de Barone.[9]

 

Outros teóricos da semelhança formal: Cassel e Lindahl

Os argumentos de semelhança formal apresentados acima foram recolhidos em 1918 por Cassel, o qual, quer no que se refere à determinação dos preços quer no que diz respeito à manutenção da taxa de juro, considerava que a situação numa economia socialista era formalmente semelhante à de uma economia de mercado. Cassel chega até a afirmar que «os princípios da formação dos preços são válidos para toda a economia e, em particular, independentes da organização especial da produção», bem como que a chamada concorrência perfeita era «muito necessária como condição teórica  para a implementação do princípio da fixação dos preços de acordo com os custos». Tudo isto leva Cassel a concluir que a «ordem socialista pode ser considerada teoricamente mais simples» até do que o próprio mercado. As ideias de Cassel tiveram uma influência indireta muito negativa sobre o decorrer do debate, pois constituíram a base teórica da tese de doutoramento de Kläre Tisch, que foi supervisionada por Schumpeter em 1932 e que teve uma enorme influência na formação da sua convicção de que os teóricos da semelhança formal (Pareto, Barone, etc.) já tinham resolvido antes do próprio Mises o problema do cálculo econômico colocado por este último. As ideias de Cassel se mantiveram durante anos entre os seus discípulos e, ainda em 1939, Erik Lindahl continuava a defender com afinco os argumentos de semelhança formal, ignorando todas as contribuições feitas até então no âmbito do debate sobre o cálculo econômico socialista.[10]

 

2. ANÁLISE DA «SOLUÇÃO MATEMÁTICA»

Quando interpretamos a contribuição de Marx, definimos que, em última instância, o seu modelo ideal poderia ser considerado um modelo de equilíbrio, cuja realização ele acreditava ser possível e conveniente forçar coercivamente através de um órgão central de planejamento. Mais tarde, verificamos que diferentes teóricos desenvolveram as condições formais desse modelo de equilíbrio e, ao supor que o problema econômico fundamental de obter a informação disponível estava resolvido ab initio, fizeram com que diferentes agentes acreditassem que o problema apresentado pelo socialismo era apenas o problema algébrico de resolver matematicamente um sistema de equações mais ou menos complexo e numeroso. Assmi, generalizou-se gradualmente a ideia de que os teóricos que defendiam a existência de semelhança formal entre o capitalismo e o socialismo (Wieser, Barone, etc.) tinham demonstrado que, ao contrário do que defendia Mises, o cálculo econômico socialista era «teoricamente» possível, e que se este apresentava alguma dificuldade, era apenas uma dificuldade algébrica de resolver os respectivos sistemas de equações. No entanto, demonstramos que esta interpretação é completamente equivocada, do início ao fim. Identificar a teoria com a análise do equilíbrio é algo inadmissível e absolutamente injustificado, uma vez que, em todo o caso, a análise do equilíbrio seria apenas uma parte da teoria econômica (talvez a mais irrelevante). A análise de Mises é, como já evidenciamos, um análise teórica, mas, na melhor tradição da Escola Austríaca, se refere aos processos dinâmicos que ocorrem na sociedade, e, consequentemente, à impossibilidade de obter centralizadamente a informação prática relevante que os agentes econômicos possuem, utilizam e criam constantemente. Assim, o problema não é, como muitos pensam, o de que o cálculo continua sendo impossível mesmo que o órgão central obtivesse a informação necessária, como consequência da enorme dificuldade prática de resolver algebricamente os sistemas de equações correspondentes, mas sim, precisamente, o oposto: mesmo que em algum momento fosse possível solucionar os complexíssimos e numerosos sistemas de equações apresentados pelos teóricos da semelhança formal, seria mantido sempre o problema teórico e lógico insolúvel de obter a informação relevante necessária para formular tais equações. Desta forma, o deslocamento do debate para a estática, motivado inicialmente pelos teóricos da semelhança formal, ocultou muitas mentes brilhantes sobre qual era o problema econômico fundamental apresentado por Mises referente ao socialismo e levou à errônea crença de que o cálculo econômico poderia ser realizado simplesmente por meio da melhoria das técnicas de resolução algébrica dos sistemas de equações correspondentes. Em seguida, analisariremos em detalhes o conteúdo das propostas mais importantes de «solução matemática».

 

O artigo de Fred M. Taylor

A primeira tentativa séria de resolver matematicamente o problema constituído pelo planejamento central foi desenvolvida por Fred M. Taylor numa conferência intitulada «The Guidance of Production in a Socialist State» (O guia da produção num estado socialista) feita no dia 27 de dezembro de 1928, na época de tomada de posse como presidente da American Economic Association.[11] O breve e ambíguo artigo de Taylor divide a análise do problema do cálculo econômico em duas partes. Uma primeira, na qual assume explicitamente que todo o conhecimento necessário se encontra disponível. E uma segunda, muito curta, na qual tenta conceber um sistema para descobrir a referida informação.

O trabalho de Taylor foi o primeiro regresso, depois de Mises, às análises estáticas ou de equilíbrio, nas quais se pressupõe que toda a informação necessária se encontra disponível e que, portanto, o problema do cálculo econômico é apenas um problema computacional ou de técnica matemática. De acordo com Taylor, o cálculo econômico poderia ser realizado através de tabelas aritméticas nas quais se recolhesse em termos quantitativos as valorações relativas de cada fator de produção e que ele denomina de «tabelas de valoração de fatores». Ora, segundo Taylor, o socialismo deveria ser organizado com base na venda de cada bem e serviço a um preço correspondente ao respectivo custo de produção, calculado a partir das referidas tabelas. Considerando que Taylor, ao longo da maior parte do seu artigo, assume explicitamente que a autoridade do estado socialista poderia dispor dos dados numéricos com um grau de exatidão suficiente para elaborar as tabelas, o autor cai numa evidente petição de princípio (uma falácia não formal), uma vez que parte implicitamente da suposição de que o problema econômico fundamental do socialismo é solúvel. Assim, Taylor inaugura o erro evidente no qual cai a ampla e vasta literatura socialista, que, pretendendo ignorar os aspectos dinâmicos verdadeiramente relevantes no cálculo econômico socialista, foca a sua análise nos aspectos estritamente algébricos ou matemáticos próprios do modelo estático do equilíbrio.

Como salientou Gerald P. O’Driscoll, o principal erro de todos esses autores consiste não no tipo de resposta dada ao problema, mas na pergunta que colocam.[12] De fato, a pergunta cientificamente relevante sobre o cálculo econômico não é, como pretendem os teóricos socialistas do modelo de equilíbrio, se é ou não possível resolver algebricamente as respectivas fórmulas matemáticas, no caso de toda a informação necessária para elaborá-las estar disponível, mas, pelo contrário, se, do ponto de vista lógico e teórico, é possível obter a informação necessária para formular as equações correspondentes.

Por fim, Taylor dedica as últimas cincos páginas do seu artigo propondo, de forma muito breve, um procedimento prático que permita obter, com algum grau de exatidão, a informação necessária para elaborar «tabelas de valoração de fatores». Mais adiante, teremos a oportunidade de comentar, em detalhes, o conteúdo do famoso método de «tentativa e erro» que Taylor propõe. Neste ponto, nos interessa apenas salientar que o próprio Taylor considerou que a primeira parte do seu artigo, referente à análise estática do socialismo, era a mais importante e constituía a sua principal «contribuição» para o cálculo econômico socialista.

 

A contribuição de H.D. Dickinson

Ao contrário do que aconteceu com o artigo de Taylor que acabamos de comentar e que foi quase ignorado, passando despercebido no momento da sua publicação, a proposta explícita e detalhada de «solução» para o problema do cálculo econômico socialista oferecida por Henry Douglas Dickinson no seu artigo «Price Formation in a Socialist Community» (A formação dos preços numa comunidade socialista), publicado em 1933 no Economic Journal,[13] levou ao início do longo e acalorado debate que se desenvolveu em língua inglesa sobre o cálculo econômico socialista e do qual participaram, entre outros, Maurice H. Dobb e Abba P. Lerner.

Dickinson começa por considerar que, embora, em teoria, a elaboração de um sistema walrasiano de equações simultâneas seja bastante difícil, na prática, o problema poderia ser simplificado por meio de umprocesso de agrupamento em que se juntassem os bens e serviços que estivessem mais relacionados entre si. Assim, Dickinson acredita que seria possível estabelecer um sistema de equações suficientemente manejável para ser resolvido matematicamente através dos procedimentos tradicionais e sem necessidade de recorrer aos processos de mercado. Curiosamente, Dickinson faz uma referência explícita ao «problema» do caráter disperso do conhecimento que se verifica nos processos do mercado, afirmando que a ignorância das oportunidades econômicas que é típica de uma economia de mercado será eliminada no regime socialista graças à publicação sistemática da «informação» referente à produção, aos custos, às vendas, aos inventários e, em geral, aos dados estatísticos que possam ter relevância. Concretamente, Dickinson conclui que no sistema socialista, todas as empresas trabalhariam como se as suas paredes fossem «de cristal», sem guardar qualquer tipo de segredo, e mantendo uma total «transparência informativa» em relação ao exterior.[14]

Estas afirmações de Dickinson nos parecem tão surpreendentes como difíceis de manter. Além disso, a sua ingenuidade é apenas comparável ao seu desconhecimento sobre a forma como funciona a economia real de mercado. Primeiramente, Dickinson não entende que o modelo de equilíbrio geral, tal como foi desenvolvido por Walras e Pareto, é apenas um mero modelo de semelhança formal em que a única coisa que os autores revelam é o tipo de informação que seria necessária para estabelecer e manter um situação de equilíbrio. No entanto, nem Pareto nem Walras tiveram ilusões acerca da possibilidade de obter informação necessária por meio de procedimentos diferentes dos do próprio mercado.[15] Assim, o problema não é de natureza computacional e não consiste em resolver um conjunto de equações simultâneas de tipo walrasiano (mesmo que tais equações tenham sido formuladas de forma simplificada agrupando, como propõe Dickinson, os bens e serviços mais semelhantes), mas sim o de obter a informação prática subjetiva que só se encontra e cria de forma dispersa, e que é necessária para formular os parâmetros e as variáveis das referidas equações.

No que se refere ao argumento segundo o qual o conhecimento disperso não colocaria qualquer problema num sistema socialista em que preponderasse o princípio da «transparência informativa» e da publicação generalizada de todas as estatísticas, trata-se de um argumento puramente falacioso. Por um lado, a informação não é algo estático e objetivo que se encontra sempre disponível em algum lugar, de forma que se não se estende a todos é por problemas de custo ou restrição deliberada da publicidade. Pelo contrário, a informação é especialmente subjetiva e dinâmica e está constantemente sendo criada ex novo como consequência do ímpeto da função empresarial num contexto de economia de mercado. Desta forma, se não se permitir o livre exercício da empresarialidade e se a economia se organizar coercivamente desde cima por meio de mandatos, não chegará sequer a surgir ou a ser gerada informação prática relevante e necessária para coordenar o processo social, como já explicamos nos Capítulos II e III deste livro. Assim, da nada vale proclamar princípios gerais vazios referentes à «transparência informativa» ou à extensão da publicidade se a restrição institucional ao livre exercício da empresarialidade impedir o surgimento da informação necessária. Por outro lado, as constantes mudanças e o caráter dinâmico da informação tornam inútil e irrelevante a «informação» histórica existente que, embora tenha sido possível incorporar em profusas e detalhadas estatísticas e seja distribuída de forma gratuita com total transparência, conserva apenas um valor meramente histórico ou «arqueológico», caso as circunstâncias se alterem, se descubram novos fins e meios e surja ou se crie constantemente informação nova, como acontece em toda a economia real não congelada. O argumento de que numa economia real nem a mais extensa e detalhada publicação de estatísticas pode ser de alguma utilidade, dadas as alterações que contínuamente ocorrem e que fazem com que a informação estatística seja obsoleta mesmo antes da sua publicação, já tinha sido intuído em 1912 pelo economista holandês N.G. Pierson.[16]

Finalmente, terminaremos salientando que apenas seis anos depois, em 1939, o próprio Dickinson admitiu que, embora inicialmente (em 1933) tenha pensado que a sua solução matemática representava um procedimento praticável para realizar o cálculo econômico num regime socialista, mais tarde mudou de opinião, e percebeu que estava enganado porque «porque os próprios dados que seriam necessários introduzir na máquina calculadora estão em constante alteração».[17] Como sabemos, era precisamente este o argumento com o qual os austríacos justificavam, logo desde a origem do debate, a rejeição de qualquer tipo de solução «matemática».

 

A solução matemática na literatura alemã

Também na língua alemã, diversos autores propuseram uma solução «matemática» para o problema colocado pelo cálculo econômico. Entre eles, é interessante destacar a já citada Dr.ª Kläre Tisch que, na sua tese de doutoramento elaborada sob a orientação de Joseph A. Schumpeter e partindo de Cassel e Walras, concluiu que era possível construir um sistema de equações com tantas equações como incógnitas, que, uma vez resolvido, poderia solucionar o problema do cálculo econômico. O Dr. Herbert Zassenhaus cai no mesmo erro, embora reconheça que tal sistema só poderia ser utilizado supondo que o Ministério da Produção conheciapreviamente toda a informação necessária e que não ocorriam alterações na referida informação durante o período de resolução. Assim, nem a Dr.ª Tisch nem o Dr. Zassenhaus compreendem que o problema fundamental consiste, precisamente, em estabelecer como se poderia procurar a informação que o órgão de planejamento necessita para formular o seu sistema de equações.[18]

 

3. CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS DA «SOLUÇÃO MATEMÁTICA» PARA O DEBATE

A principal consequência negativa da «solução matemática» proposta por Taylor e Dickinson no desenvolvimento do debate sobre o cálculo econômico socialista foi a de desviar a atenção dos participantes para as questões da economia estática. De fato, a «solução matemática» fornece resposta a um problema mal colocado (se é ou não possível o cálculo econômico em condições estáticas, ou seja, dispondo de toda a informação necessária e supondo que não ocorrem mudanças de nenhum tipo). Neste sentido, a «solução matemática» constituiu-se como um indubitável passo atrás na dimensão do debate e distraiu as mentes dos seus participantes do problema econômico fundamental tal como tinha sido inicialmente apresentado por Mises. Este problema teórico fundamental era basicamente um problema de dinâmica econômica e envolvia a impossibilidade de realização do cálculo econômico na ausência de um processo de mercado movido pela empresarialidade, por este ser o único que permite que os agentes econômicos descubram continuamente a informação prática e dispersa que é necessária para fazer estimativas prospectivas sobre custos e lucros.

Outra consequência negativa da «solução matemática» foi a de ter criado a errônea impressão de que tanto Hayek como Robbins remeteram a uma «segunda linha de defesa», em resposta às posições de Taylor e Dickinson, reconhecendo ser possível o cálculo econômico numa perspectiva «teórica», mas mantendo que na prática seria impossível que fosse realizado por razões de estrita operacionalidade algébrica, ou seja, pela dificuldade prática de resolver os respectivos sistemas de equações. Acreditamos que esta versão dos factos, além de se basear no já comentado grave erro metodológico de identificar «teoria» com «análise econômica do equilíbrio», não corresponde à realidade pelas seguintes razões:

1.

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passagem», ao afirmar quertâ caso, atribui-lhe uma impostente esa» er o correspondente sistema de equaçrelaç que, em termos Em primeiro lugar, segundo Hayek, o argumento essencial sobre a importância do cálculo econômico não consiste na dificuldade prática de resolver algebricamente um sistema de equações muito numeroso, mas, pelo contrário, no insolúvel problema teórico-dinâmico de supor que o órgão central de controle pode obter a informação prática e subjetiva criada e encontrada de forma disseminada nas milhões de cabeças dos agentes econômicos. De fato, no seu artigo intitulado «The Present State of the Debate» (O estado atual do debate) publicado em 1935, Hayek afirma que o problema econômico essencial da solução matemática é o de que «as abstrações teóricas habitualmente utilizadas para explicar o equilíbrio de um sistema competitivo incluem a suposição de que uma certa gama de conhecimento técnico está “dada”. (…) É quase desnecessário salientar que tal suposição é completamente absurda, inclusive no que se refere ao conhecimento que se pode considerar “existir” em cada momento do tempo. Além do que não se pode de forma alguma considerar que a maioria dos conhecimentos que são utilizados na realidade “existe” de maneira “pré-estabelecida”.»[19] Assim, segundo Hayek, o problema fundamental colocado pelo cálculo econômico não tem nada a ver com o problema estritamente «algébrico» referente à dificuldade de resolver o respectivo sistema de equações.

2. Quando faz alusão ao problema prático de resolver o sistema de equações, Hayek se refere ao mesmo como um problema de natureza ou escala muito distinto do problema fundamental mencionado no ponto anterior, e, de qualquer forma, atribui-lhe uma importância estritamente secundária ou subsidiária, tratando-o, quase que poderíamos dizer, «de passagem», ao afirmar que «ora, a magnitude desta operação matemática dependerá do número de incógnitas a determinar. (…) O número de incógnitas será igual ao número de bens que seja necessário produzir. (…) É muito difícil estimar qual seria o referido número, mas não será exagero supor que numa sociedade moderna estaríamos perante uma magnitude da ordem das centenas de milhar. Isto significa que, em cada momento sucessivo, cada uma das decisões teria de ser tomada de acordo com a resolução de um número igualmente grande de equações diferenciais, tarefa esta que, com os meios atualmente disponíveis, não seria possível realizar nem sequer ao longo de uma vida.»[20]Além disso, por outro lado, independentemente das razões pelas quais a informática é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico, que já analisámos no Capítulo III, se nos concentrarmos agora estritamente no problema algébrico constituído por um sistema de equações muito numeroso, verificamos que o impressionante avanço nas técnicas informáticas e o extraordinário desenvolvimento da capacidade dos computadores a que assistimos nos últimos anos significaram muito pouco em termos de encontrar uma solução para o problema. De fato, Samuelson e Nordhaus comentam que, com os computadores mais modernos e utilizando as técnicas desenvolvidas por H. Scarf e H. Kuhn nas décadas de 60 e 70, atualmente é possível resolver com relativa facilidade problemas de equilíbrio econômico compostos por 50 mercados e 10 ou 20 tipos diferentes de consumidores. Com os computadores mais modernos de última geração, será possível ampliar estes problemas e resolver sistemas de equações com 100 classes diferentes de fatores de produção, 10.000 mercadorias e 100 tipos distintos de consumidores.[21] Estas magnitudes estão ainda muito longe do número de bens e serviços distintos que podem ser identificados numa economia não muito avançada como a soviética, na qual o número de produtos superava largamente os 12 milhões. Sir Alec Nove se referiu ao comentário do acadêmico Fedorenko, segundo o qual a formulação e solução do problema de cálculo econômico colocado pelo último plano quinquenal da extinta União Soviética só poderiam ser alcançadas num prazo de 30.000 anos, seguindo a mesma linha de argumentação.[22] Por mais impraticáveis que sejam estas cifras, não devemos nos deixar enganar pensando que constituem a razão fundamental do fracasso do socialismo, uma vez que, mesmo que amanhã seja possível resolver informaticamente num décimo de segundo sistemas de centenas de milhões de equações, se manterá a impossibilidade de obter de forma coerciva a informação econômica necessária para formular estes sistemas de equações.

3. Uma possível explicação para o mal-entendido acerca da posição de Hayek se encontra na ordem que ele seguiu para apresentar os seus argumentos.[23] De fato, para criticar a «solução matemática», Hayek segue uma ordem semelhante à que qualquer pessoa se veria obrigada a seguir em face de um problema meramente algébrico. Assim, em primeiro lugar, se refere ao problema de formular as equações correspondentes. É aqui que Hayek faz referência ao problema teórico fundamental referente à impossibilidade de obter a informação necessária para a formulação das referidas equações. Depois, Hayek afirma que, mesmo admitindo, para efeitos dialéticos, que era possível formular as equações que descrevem o sistema de equilíbrio, seria praticamente impossível resolver algebricamente tal sistema. Hayek se concentra claramente no argumento teórico fundamental relativo à impossibilidade de se obter a informação necessária para formular as equações correspondentes, e atribui uma importância secundária  ao problema da solução algébrica.[24]  Mas talvez o fato de seguir a ordem indicada na sua apresentação possa explicar que muitos comentaristas do debate o tenham mal interpretado e suposto que Hayek recuou para «uma segunda linha de defesa», refugiando-se em dificuldades práticas para a resolução de um sistema de equações, em vez de focar nos argumentos teóricos de impossibilidade lógica. Trata-se de uma interpretação sem fundamento e que o próprio Hayek voltou recentemente a refutar minuciosamente.[25]

4. Ludwig von Mises foi especialmente claro na demonstração de que o argumento da dificuldade da solução algébrica do sistema de equações é não só de natureza subsidiária ou secundária, como acreditava Hayek, mas também completamente desnecessário e teoricamente irrelevante.[26] Para Mises, o problema fundamental é que o conhecimento necessário para formular as equações de equilíbrio nunca pode estar disponível de forma centralizada. Além disso, em 1940, acrescenta um argumento que não tinha sido desenvolvido anteriormente por Hayek, segundo o qual, mesmo que fosse possível formular um sistema de equações capaz de descrever uma situação de equilíbrio (algo impossível de realizar utilizando conhecimentos próprios de uma situação de desequilíbrio e que são os únicos disponíveis na vida real), isso não ajudaria em nada o organismo de planejamento ou controle nas decisões ou passos concretos a tomar para passar da situação real de desequilíbrio em que se encontrasse para a procurada situação ideal de equilíbrio. Ou, nas palavras do próprio Mises, «foi um erro grave acreditar que seria possível, mediante operações matemáticas, definir um hipotético estado de equilíbrio, com base no conhecimento das condições de um estado de não equilíbrio. Não menos errado foi supor que esse conhecimento das condições de um hipotético estado de equilíbrio pudesse ser de alguma utilidade para o agente homem na sua busca da melhor solução para os problemas do seu dia a dia.»[27]

 

4. O MÉTODO DA «TENTATIVA E ERRO»

Logo em 1935, Hayek tinha dúvidas de que Taylor e Dickinson tivessem na realidade em mente um sistema baseado literalmente na solução matemática do correspondente sistema de equações walrasiano para resolver o problema do cálculo econômico. Pelo contrário, Hayek acreditava que o que as contribuições ambíguas de Taylor e Dickinson realmente propunham era a busca de uma solução para o sistema de equações walrasiano através de um procedimento reiterativo baseado no método da «tentativa e erro».[28]

Cronologicamente, Taylor foi quem primeiro mencionou de forma explícita o método de «tentativa e erro». De fato, para Taylor, este método consiste em tentar uma série de soluções hipotéticas até se encontrar uma que prove ser a correta.[29] Dickinson, por sua vez, foi algo menos explícito e se referiu apenas a um «processo de aproximação sucessiva» até à solução correta.[30]

Embora não seja fácil deduzir com clareza e detalhes o que Taylor, Roper e Dickinson entendiam por «método de tentativa e erro», dada a ambiguidade dos seus textos, em princípio, este método é proposto como uma variante da «solução matemática» que pretende evitar a espinhosa necessidade de solucionar algebricamente o complexíssimo sistema de equações que dele deriva. Efetivamente, tanto estes autores quanto, como veremos adiante, o próprio Lange, consideravam que, sendo a solução matemática a mais adequada, enquanto existissem dificuldades práticas para encontrar a solução do correspondente sistema de equações, podia ser possível uma grande aproximação a essa solução por meio de um procedimento de «tentativa e erro». Para isso bastaria que, à partida, fossem adotadas as «soluções de equilíbrio» herdadas do sistema capitalista vigente antes da introdução do socialismo. A partir daí, seria preciso apenas ir realizando as modificações marginais que fossem necessárias para «devolver» o sistema ao equilíbrio sempre que se verificassem mudanças.

A forma prática de desenvolver este método consistiria em ordenar aos gerentes e responsáveis dos diferentes setores, indústrias e empresas que transmitissem continuamente ao órgão central de planejamento o seu conhecimento sobre as diferentes circunstâncias da produção em geral e, em particular, as diferentes combinações de fatores produtivos. Tendo em conta a informação que fosse recebendo, o órgão central de planejamento fixaria de forma provisória ou experimental toda uma série de «preços», que seriam comunicados aos gerentes das empresas para que estes estimassem as quantidades que seriam capazes de produzir com os referidos preços e agissem de acordo. A atividade dos gerentes demonstraria a existência de erros, que se manifestariam na escassez (sempre que a procura fosse superior à oferta) ou no excesso de produção (quando acontecesse o contrário). A escassez ou o excesso de uma determinada linha de produção indicaria ao órgão de planejamento central que o preço estabelecido não era correto e que, por isso, deveria ser convenientemente modificado para cima ou para baixo, de acordo com as circunstâncias. E assim sucessivamente até que fosse encontrado o tão procurado novo «equilíbrio». Em resumo, é nisto que consiste o conteúdo do tão «elogiado» método de «tentativa e erro».quandoqq

 

Crítica do método de tentativa e erro

O método de tentativa e erro que acabamos de descrever é tão aparente e enganadoramente «simples», quanto incapaz de resolver o problema econômico fundamental colocado pelo socialismo, por razões que iremos apresentar a seguir.

Em primeiro lugar, é teoricamente absurdo pensar que o sistema capitalista real pode alguma vez atingir uma «situação de equilíbrio». No sistema capitalista, os preços fixados pelas partes são «preços de mercado» que estão em constante mutação impulsionada pela força criativa da empresarialidade, e não «preços de equilíbrio», que de alguma forma possam ser «herdados» pelo sistema socialista como um ponto de partida confiável. Assim, os teóricos socialistas não só mostram uma profunda incompreensão acerca da forma como funciona o mercado, como caem no curioso paradoxo de admitir que, do ponto de vista da sua equivocada concepção, o mercado, por se encontrar normalmente «em equilíbrio», funciona muito «melhor» do que efetivamente acontece na realidade. Nós sabemos, pelo contrário, que o mercado nunca se encontra em «equilíbrio» e que isso, longe de ser uma «imperfeição», é a sua característica mais íntima e típica, sendo que é especialmente patético que os teóricos socialistas tenham sido obrigados a renunciar a crítica ao mercado por este não se encontrar em equilíbrio devido ao interesse tático de poderem apresentar um método de tentativa e erro que torne possível o socialismo e cuja elaboração só é concebível a partir dos «preços de equilíbrio» do vituperado sistema capitalista

Em segundo lugar, é inadmissível supor que as mudanças que ocorreriam no sistema econômico, depois de passar do capitalismo para o socialismo, seriam relativamente pouco importantes. Pelo contrário, as mudanças ou distorções seriam de tal grandeza em todos os campos econômicos e áreas sociais, que se tornaria necessária uma absoluta e completa reestruturação de todo o sistema de preços, o que seria consequência não só do desaparecimento do direito de propriedade sobre os fatores de produção e da drástica modificação na distribuição dos rendimentos que advém de qualquer mudança revolucionária de um sistema econômico para outro, mas também da percepção muito diferente, por parte dos diferentes agentes econômicos, de quais seriam os fins e os meios ao seu alcance, em função da situação distinta que cada um deles ocupasse na nova escala social e do tremendo grau de coerção e rigidez institucional introduzido em detrimento da livre capacidade de agir empresarialmente em todas as áreas sociais. Assim, considerar que se poderia partir dos preços existentes no sistema econômico capitalista imediatamente antes da introdução do socialismo, realizando apenas marginalmente os pequenos ajustes de «detalhes» que fossem necessários para manter o sistema em equilíbrio, é teoricamente inadmissível.[31]

Em terceiro lugar, e embora se pudesse admitir para efeitos dialéticos que a mudança do capitalismo para o socialismo não afeta significativamente o sistema de preços, é preciso ter em conta que só em circunstâncias muito específicas um excesso ou uma escassez de produto pode se constituir como um indicador confiável para um organismo central de planejamento quanto ao que se deve fazer com o seu preço. Concretamente, é necessário haver oportunidades de escolha e estas serem percebidas e sentidas como tal pelos diferentes agentes econômicos para que a escassez ou o excesso de produto indiquem se é preciso ou não elevar ou reduzir o preço pré-fixado. Ou seja, onde não existirem ou não se reconhecerem alternativas, a escassez não tem grande significado, uma vez que é forçada pela circunstância de não existirem ou de não se saber que existem bens e serviços do mesmo tipo, mas de qualidade distinta, ou disponíveis a preços diferentes, ou até bens e serviços que, embora sejam diferentes, podem, em maior ou menor grau, ser utilizados como sucedâneos ou substitutos. Desta forma, a escassez não é um sintoma que indique automaticamente que o preço deve ser aumentado, uma vez que em muitas ocasiões o mais econômico será tentar desenvolver, introduzir e experimentar novos produtos alternativos.

Em quarto lugar, para que uma escassez seja significativa e possa ajudar minimamente na tomada de decisões por parte do órgão central de planejamento, é também necessário que não tenham sido emitidos em excesso «certificados» que dêem direito a adquirir fatores de produção e bens e serviços de consumo (não dizemos «unidades monetárias» porque, como explicamos anteriormente, o conceito de «dinheiro» num sistema socialista é radicalmente diferente do utilizado num sistema capitalista). De fato, se houver um excesso de emissão de unidades «monetárias» ocorrerá uma «escassez» generalizada de bens, serviços e recursos produtivos que, de forma alguma, se constitui como uma indicação precisa do valor de aumento do preço ou do volume de aumento da produção de cada tipo ou classe de cada um dos bens, serviços ou fatores de produção.[32]

Em quinto lugar, se, como é mais normal, a escassez acaba por se manifestar como uma característica crônica e recorrente do sistema socialista, mais cedo ou mais tarde, os agentes econômicos (consumidores, gerentes, etc.) aprenderão pela experiência e pela sua própria capacidade «empresarial» inata a tentar obter qualquer bem que seja adquirível em troca das correspondentes «unidades monetárias». Ocorre, assim, uma fuga generalizada para os valores reais por parte de todos os agentes econômicos, que tentam adquirir qualquer coisa, mesmo que não precisem dela de imediato ou em absoluto, uma vez que entendem que a escassez é a nota dominante do sistema econômico e que mais vale adquirir qualquer tipo de bem, mesmo desnecessário, se prevenindo para o dia de amanhã no qual já não esteja disponível e possa vir a ter alguma utilidade. Este fenômeno ocorre de forma idêntica no campo da produção. Kornai explicou muito claramente que, num sistema socialista, os gerentes e responsáveis industriais não demoram a descobrir que a escassez dos diferentes inputs e fatores de produção é regra crônica e dominante. Além disso, o gestor verifica que não perde nada pelo fato de manter um inventário muito elevado de fatores de produção, dado que o seu custo financeiro não constitui um verdadeiro problema, uma vez que não existem limitações orçamentais rigorosas. Pelo contrário, o que pode se revelar um risco real muito significativo é o fato de o órgão de planejamento não conseguir cumprir algum objetivo fixado coercivamente devido à escassez de algum material ou fator de produção. Como resultado, forma-se uma tendência generalizada e contínua de procura e acumulação em excesso todo o tipo de inputs e fatores de produção, inclusive alguns que não sejam estritamente necessários, o que faz com que a escassez generalizada dos recursos se converta inexoravelmente na nota dominante do sistema econômico socialista.[33] Torna-se, portanto, evidente que será impossível que o órgão central de planejamento possa encontrar uma hipotética solução de equilíbrio por meio de um procedimento de «tentativa e erro» que se baseie na observação das escassezes que se manifestem no sistema econômico no caso deste sistema sofrer intensamente das referidas escassezes de forma crônica e constante em relação à generalidade dos bens econômicos de consumo e fatores de produção de toda a sociedade.[34]

Em sexto lugar, é preciso salientar que o sistema econômico não é um mero conglomerado de bens e serviços isolados em relação aos quais se possa considerar que uma escassez ou um excesso de produto é um indicador automático de que o preço deve aumentar ou diminuir. Pelo contrário, o sistema econômico gera contínuamente a um conjunto de bens e serviços de consumo e de fatores de produção estreitamente interrelacionados. Assim por exemplo, a escassez de um bem pode não se manifestar embora seja, na verdade, escasso, sendo esta circunstância camuflada pela existência ou inexistência de outros bens relacionados direta ou indiretamente entre si como substitutos ou complementares. Ou, pelo contrário, pode parecer que existe uma escassez, mas devido às circunstâncias, seria preferível um melhor aproveitamento dos bens substitutos existentes em vez de um aumento do preço. Isto significa que o órgão central de planejamento não poderia se deixar guiar pela escassez ou excesso de bens individualmente considerados, mas, antes, deveria conhecer e controlar a situação de escassez ou de excesso de todos os bens considerados no seu conjunto e interrelacionados, o que faz com que seja evidentemente impossível o exercício de um método como o de «tentativa e erro», que se pretende aplicar de forma separada e individual para cada bem e serviço.[35]

Em sétimo lugar, Ludwig von Mises argumenta que o método de tentativa e erro é apenas aplicável para lidar com os problemas para os quais a solução correta seja reconhecível por uma série de fatos e indícios incontornáveis e independentes do próprio método de tentativa e erro. As circunstâncias são completamente diferentes quando a única indicação disponível de se ter chegado à solução correta reside precisamente no fato de esta ter sido alcançada através da aplicação do método ou processo considerado adequado para resolver o problema. Ou, em outras palavras, o método de tentativa e erro pode ser útil quando existe um conhecimento de referência em relação ao qual seja possível ir ajustando por tentativa a respectiva solução. Se, como acontece com o sistema socialista, a mencionada referência não existir por ter eliminado o respectivo processo empresarial de mercado, o organismo central de planejamento carecerá do guia necessário para tentar se aproximar da solução utilizando o mecanismo de tentativa e erro. E não se pode dizer que estes «guias» são constituídos precisamente pelas circunstâncias «objetivas» de excesso ou escassez que vão se sucedendo, uma vez que, como vimos,  tirando o fato de não serem objetivos nem indicarem inequivocamente o que é preciso fazer, os referidos guias são o resultado endógeno da aplicação do próprio método de tentativa e erro, sendo que não constituem qualquer tipo de orientação de referência objetiva, mas apenas as sucessivas manifestações, arbitrárias e aleatórias de um processo circular de descoordenação e ineficácia que não leva a lado nenhum. Numa economia em que exista liberdade de exercício da função empresarial, poderíamos, em certo sentido, dizer que, ao exercer a empresarialidade, os diferentes agentes econômicos agem de acordo com um procedimento de «tentativa e erro», se aproximando das soluções adequadas, ou seja, tendendo a descobrir e a coordenar os casos de desajuste que ocorrem na sociedade, uma vez que a função empresarial interrelacionada dos diferentes agentes vai gerando uma informação que não poderia surgir da atividade isolada e independente de cada um deles, por muito que quisessem aplicar o método de tentativa e erro por si mesmos, e que constitui a «matéria prima» imprescindível para fazer a contabilidade estimativa de lucros e custos em relação a cada ação humana. Desta forma, seguindo a orientação proporcionada pelo cálculo de perdas e ganhos, os agentes econômicos tendem a agir de forma coordenada. Pelo contrário, se se impede de forma coerciva o livre exercício da função empresarial, elimina-se o único processo que torna possível o ajuste coordenado dos diferentes comportamentos individuais que constituem a vida social e, em consequência, se elimina a única orientação externa que permite que cada agente descubra por si mesmo se está ou não se aproximando da solução mais adequada para ele.[36]       

Por outro lado, em oitavo lugar, a grande fraqueza do método de tentativa e erro reside na suposição de que a comunidade continuará estática e que, logo, a generalidade das circunstâncias e condições sociais permanecerá inalterada enquanto a «tentativa» é desenvolvida e demonstra o seu possível «erro». No entanto, considerando que, como acontece na realidade, os ajustes dão origem a mudanças que, de forma generalizada, afetam, em maior ou menor medida, todos os preços dos fatores de produção e dos bens e serviços de consumo, então qualquer «correção» que se tente fazer como consequência de erros reais ou aparentes será sempre realizada muito tarde e, logo, terá um caráter profundamente perturbador. Ou seja, como Hayek demonstrou,[37] a utilização do método de «tentativa e erro» não é exequível num mundo real em que ocorrem mudanças constantemente. Cada mudança individual implica um conjunto quase incalculável de influências sobre os preços, qualidades e tipos de bens que se produzem na sociedade, sendo que não existe qualquer possibilidade de que por meio do método de tentativa e erro se chegue a uma hipotética solução de equilíbrio, antes de novas e subsequentes mudanças na informação a converterem em algo totalmente obsoleto e defasado. Se no mundo real não ocorressem mudanças e a informação não se modificasse, encontrar um sistema de preços de equilíbrio através do método de tentativa e erro poderia parecer mais exequível, supondo que a existência do equilíbrio poderia constituir um ponto de referência um pouco mais claro para comparar as diferentes soluções experimentadas por tentativa. No entanto, ao contrário do que supõem os teóricos, o mundo real não se encontra em equilíbrio nem é estático, sendo que é impossível encontrar uma solução para o sistema de equações correspondente utilizando o método de tentativa e erro.

Em nono e último lugar, o argumento mais importante contra o método de tentativa e erro é que desconhece completamente a teoria da função empresarial que explicamos no Capítulo II. O problema essencial é quem vai exercer o método de tentativa e erro. Se não forem os agentes econômicos concretos que possuem a informação prática para tomar as decisões sobre a adoção de soluções por tentativas, é evidente que o método de tentativa e erro não levará a lugar algum pelas razões apontadas no Capítulo III. Por um lado, o órgão de planejamento carecerá de informação prática relevante que só é criada e está disponível nas mentes dos seres humanos que agem exercendo a função empresarial. Por outro lado, a informação necessária para coordenar e ajustar a sociedade não será sequer criada ou gerada se não existir liberdade no exercício da função empresarial por parte de todos os seres humanos. E, se essa informação não chega a ser gerada, dificilmente poderá ser transmitida a um órgão central de planejamento. Tal como referimos anteriormente, para fazer algum sentido, o método de tentativa e erro terá de ser exercido no âmbito individual e no contexto de uma economia de mercado na qual exista liberdade para o exercício da função empresarial e possibilidade de apropriação, sem nenhum tipo de restrições, dos frutos da própria criatividade empresarial. Além disso, recordemos ainda que a informação tem um caráter estritamente subjetivo e que os mesmos fatos observáveis do mundo exterior serão interpretados de forma distinta por diferentes agentes tendo em conta as circunstâncias específicas e o contexto de atuação de cada um. A aplicação automática por parte do órgão de planejamento central de uma regra pré-fixada (produzir mais do bem X, ou elevar o seu preço em determinada percentagem) diante de um caso concreto de escassez não é nem um pouco tranquilizadora em termos econômicos, uma vez que se se deixar o processo empresarial agir livremente, a criatividade humana irá certamente encontrar soluções radicalmente distintas para os mesmos fatos objetivos. Assim, perante um problema de escassez, em vez de aumentar o preço, o mais adequado pode ser  dedicar o engenho empresarial a encontrar novas soluções para o referido problema, desenvolvendo bens substitutos, procurando novas alternativas que ainda não tenham sido descobertas, etc. Desta forma, se demonstra a impossibilidade lógica do método de tentativa e erro poder servir para ajustar a solução de um hipotético sistema de equações que torne possível o cálculo econômico numa sociedade na qual não se permita o livre exercício da função empresarial. Nestas circunstâncias, o órgão central de planejamento carecerá da informação prática relevante, que não chegará sequer a ser criada pelos agentes econômicos que participam no sistema e, como consequência, não existirá qualquer orientação que tenda a coordenar os desajustes contínuos que podem existir na sociedade. A utilização centralizada do método de tentativa e erro não conduz a qualquer solução de equilíbrio nem é capaz de orientar o hipotético organismo central sobre os quais devem ser as decisões ou medidas a serem adotadas para coordenar o processo social.[38]

 

5. A IMPOSSIBILIDADE TEÓRICA DA PLANOMETRIA[39]

As observações críticas anteriores acerca da utilização do método de «tentativa e erro» como solução do problema do cálculo econômico socialista podem ser inteiramente aplicadas em relação ao grande acervo de literatura[40] que, depois do debate e mais recentemente, tem sido desenvolvido pelos economistas da escola do equilíbrio geral, sob a designação genérica de «planometria». Esta linha de investigação utiliza um conjunto variado de técnicas matemáticas muito sofisticadas, que incluem a programação linear e não linear, a programação com números inteiros, uma parte muito significativa da teoria cibernética da decisão, bem como diversos procedimentos informáticos de abordagem reiterada. O objetivo essencial destes modelos é descobrir a priori toda uma configuração de preços de equilíbrio. Ou seja, antes daquilo que o mercado determinará espontaneamente, se pretende encontrar uma solução que coordene todos os planos dos agentes econômicos e que torne, assim, desnecessário o processo real de coordenação do mercado, que, pela sua própria natureza, ocorre sempre a posteriori como consequência da força empresarial. Em suma, o que as técnicas de planometria pretendem é, nada mais nada menos, do que substituir o processo competitivo empresarial por um mecanismo que permita pré-coordenar a sociedade de forma centralizada.

É certo que, até o momento, não foi possível implementar nenhum dos modelos planométricos e que mesmo os teóricos socialistas reconhecem que as suas possibilidades de implantação são muito reduzidas. No entanto, continua sendo argumentado que isso se deve sobretudo às limitações ainda existentes no que se refere à capacidade informática do computadores atuais, bem como à escassez de pessoal suficientemente qualificado e a dificuldades técnicas para obter a informação necessária. Porém, com o decorrer dos anos, a ideia de que seria possível substituir o mercado por um sistema abrangente de planejamento informatizada, desenvolvido através dos modelos de planometria, foi gradualmente abandonada até pelos próprios autores que desenvolvem este programa de investigação científica. Além disso, o fracasso na implementação das técnicas planométricas nos países do Leste Europeu durante os anos de 1970 levou não só ao abandono de novas tentativas práticas neste sentido, mas também a uma profunda desilusão e decepção entre todos aqueles que tinham depositado ingenuamente as suas esperanças nestas técnicas.[41] Apesar de tudo, continuam a existir duas razões importantes que agora justificam um estudo separado da planometria, precisamente depois de termos examinado detalhes no tópico anterior a impossibilidade teórica do método de «tentativa e erro».

Em primeiro lugar, é importante salientar que diversos autores deste campo continuam a afirmar ingenuamente que, apesar de até o momento só ter havido fracassos e frustrações, é possível que no futuro os sucessivos aperfeiçoamentos da teoria e as previsíveis melhorias na capacidade informática permitam o que até agora se mostrou irrealizável. Assim, por exemplo, Musgrave, num estudo em que avalia o resultado do debate sobre o cálculo econômico, conclui que o planejamento, como sistema eficiente, poderia ser realizada deixando que os planejadores simulassem o mercado competitivo e aplicando as técnicas informáticas correspondentes. Por sua vez, Arrow afirma que o desenvolvimento da programação matemática e dos computadores de alta velocidade faz com que o sistema de planejamento central já não seja visto como algo impossível de alcançar no futuro, uma vez que é exequível simular o funcionamento de um sistema descentralizado, escolhendo simplesmente o correspondente algoritmo centralizado.[42] De acordo com estes e outros autores, as melhorias na programação linear e na tecnologia dos computadores possibilitariam a resolução do cálculo econômico socialista tal como foi colocado por Mises e Hayek.

Em segundo lugar, outros teóricos da planometria, encabeçados por Hurwicz, afirmam não só ter enfrentado o argumento computacional de Hayek (que, como já sabemos, tinha para ele uma importância meramente secundária), mas também ter incorporado nos seus modelos planométricos o argumento essencial referente ao caráter disperso da informação.[43] Assim, Hurwicz parte da suposição de que, inicialmente, cada agente econômico terá apenas uma informação privada que mais ninguém terá (os consumidores sobre as suas respectivas preferências, os produtores sobre as tecnologias ao seu alcance, etc.), sendo que, nos seus modelos planométricos, nunca considera que as funções de produção serão conhecidas pelo organismo central de planejamento. Pelo contrário, tais funções só serão conhecidas pelos agentes econômicos individuais. Na verdade, em muitos modelos se assume que nem sequer os produtores conhecem todas as suas funções de produção, mas apenas a sua parte em relação às quais tenham tido algum tipo de experiência. Dado o caráter dos preços como transmissores eficientes de informação, o único conhecimento que, de acordo com estes modelos, deve ser transmitido entre o órgão central de planejamento e os agentes econômicos é não mais do que o correspondente a uma lista de «preços» de todos os bens e serviços da economia que será tornada pública pelo órgão central de planejamento como resposta a uma lista de quantidades de cada bem e serviço produzidas por cada agente econômico. A transmissão deste imenso fluxo de informação do órgão central de planejamento para os agentes econômicos (preços) e dos agentes econômicos para o órgão central de planejamento (quantidades produzidas) não significará qualquer tipo de problema especial, de acordo com os teóricos da planometria, sobretudo tendo em conta os últimos avanços no campo das telecomunicações. Por fim, diferentes procedimentos de iteração informática permitiriam ir modificando os preços em função dos excessos e das escassezes que se apresentassem, e assim alcançar o correspondente sistema de equações de equilíbrio que solucionasse o problema econômico em questão. Dá-se assim uma espécie de «diálogo informático» entre o órgão central, que estabelece os preços de forma experimental, e os agentes econômicos, que recebem a instrução de produzir todas as quantidades que possam igualar os preços aos correspondentes custos marginais (ou seja, tornando as receitas marginais iguais aos custos marginais). Estas quantidades são comunicadas ao organismo central, que volta a rever os preços, modificando-os e transmitindo-os outra vez aos agentes econômicos, e assim sucessivamente até que desapareçam os excessos e as escassezes que poderiam surgir na prática.

Apesar de «engenhosa», no essencial, a proposta planométrica que acabamos de descrever pouco difere das propostas de Oskar Lange formuladas nos anos de 1930 e que analisaremos no próximo capítulo. Em seguida, vamos demonstrar que, na verdade, os modelos planométricos não foram capazes de incorporar, de forma alguma, a contribuição de Hayek sobre o problema constituído pelo caráter disperso do conhecimento, sendo que se mostram inúteis no que se refere à resolução do problema colocado pelo cálculo econômico socialista. Além disso, faremos uma abordagem sobre o papel que a informática e os computadores podem ter em relação a este tema e confirmaremos que, como já tivemos a oportunidade de indicar no Capítulo II do presente livro, o avanço da informática, em vez de facilitar a solução do problema do cálculo econômico socialista, torna-o ainda mais complexo e difícil.

Embora a crítica que fizemos ao método matemático de «tentativa e erro» no tópico anterior se aplique a toda a teoria planométrica moderna, é ainda necessário dar resposta a dois raciocínios específicos que acabamos de comentar. Muitos teóricos da planometria acreditam que o problema teórico foi resolvido, dando até conta do caráter disperso da informação, e que agora é preciso esperar pelo necessário desenvolvimento da capacidade informática para implementar os modelos correspondentes, mas, na verdade, e como veremos, os modelos planométricos não incorporaram as características essenciais da realidade que, tendo já sido enunciadas pelos economistas da Escola Austríaca, tornam teoricamente impossível o funcionamento dos referidos modelos, independentemente do desenvolvimento que venha sendo realizado na capacidade informática, tanto na parte de hardware quanto na de software.

Em primeiro lugar, os modelos planométricos em geral, e a teoria de Hurwicz em particular, tão somente incorporaram o princípio do caráter disperso da informação de uma forma torpe e adulterada. É assim porque o fato de a informação se encontrar dispersa na mente de cada um dos agentes econômicos é essencialmente inseparável do seu caráter subjetivo e estritamente pessoal, tal como vimos detalhadamente no Capítulo II deste livro. Se a informação não só se encontra dispersa como é pessoal e intransmissível, terá um sentido muito diferente para cada agente econômico e não poderá, portanto, ser transmitida com um significado inequívoco a um centro de planejamento. Ou seja, o mesmo preço, o mesmo objeto material externo, a mesma quantidade e as mesmas experiências terão um sentido ou serão interpretados de forma muito distinta por diferentes pessoas. O mesmo se pode dizer sobre as diferentes opções que se acredita estarem disponíveis para realizar um determinado projeto, alcançar determinado fim ou produzir determinado bem ou serviço. Da mesma forma, um excesso ou uma escassez de produto terão um sentido muito diferente de acordo com o agente que os observe e poderão levar a comportamentos muito diferentes, dependendo das circunstâncias (tentar reduzir a procura, criar bens substitutos ou sucedâneos, procurar novos horizontes, ou qualquer combinação destes comportamentos, etc.). Assim, o caráter subjetivo da informação invalida todo o modelo de Hurwicz, que se baseia num diálogo ou transmissão constante de uma informação que se considera erroneamente objetiva entre os agentes (possuidores de um hipotético conhecimento disperso, mas objetivo) e o órgão central de planejamento.

Em segundo lugar, e intimamente relacionado com o argumento anterior, encontra-se o fato, também já comentado em detalhes no Capítulo II, de o conhecimento relevante para a ação humana ser sobretudo um conhecimento tácito, ou seja, não articulável. Se a maior parte do conhecimento utilizado pelo homem na sua atuação não pode ser formalmente articulado, dificilmente poderá ser transmitido de forma objetiva a alguém, não apenas porque os mesmos preços ou as mesmas relações de troca são interpretados de forma muito distinta pelos agentes econômicos, mas também porque, se os referidos preços transmitem algum tipo de informação a determinados agentes, é porque estes, em maior ou menor medida, partilham um determinado acervo de conhecimentos práticos não articuláveis sobre as características dos bens e serviços que foram trocados e deram lugar a esses preços, bem como sobre mil outras circunstâncias específicas que consideram subjetivamente relevantes no contexto das ações nas quais estão envolvidos. Assim, por exemplo, a parte articulada ou formalizada da mensagem que um agente interpreta quando percebe que estão sendo trocados quilos de batatas a trinta unidades monetárias (neste caso, a parte articulada seria que «o preço do quilo de batatas é de 30 unidades monetárias») é uma parte mínima do total de informação que o agente conhece, gera e utiliza no contexto da sua ação concreta (e referente ao seu desejo de comprar batatas, às diferentes qualidades de batatas existentes, ao conhecimento que possui sobre a qualidade das batatas que o seu fornecedor normalmente traz, à alegria que sente por cozinhar batatas e ao prato que vai cozinhar para os seus convidados, aos outros alimentos que vai preparar junto com as batatas e assim sucessivamente em relação a milhares de outros detalhes).[44]

Além disso, em terceiro lugar, e já numa perspectiva mais dinâmica, para o agente, um preço ou um conjunto de preços tem um determinado sentido apenas em função de o agente estar imerso em determinado projeto ou ação, ou seja, de se ter comprometido na realização de determinados fins ou ideais, que só ele pode imaginar e perseguir em toda a sua variedade de matizes ou particularidades. O agente possui esta crença em determinado projeto, imagina-o e persegue-o avidamente se baseando em expectativas e percepções subjetivas que são basicamente inarticuláveis e que, por isso, não podem ser transmitidas a nenhum centro de planejamento. O empresário que acredita numa ideia e a persegue contra ventos e marés, e muitas vezes, apesar das circunstâncias mais adversas e contra a opinião da maioria, talvez no fim acabe por conseguir o seu objetivo e obter os lucros correspondentes. O objetivo que persegue, o lucro que pretende alcançar ou a verdade a que aspira, não são algo que esteja dado e que se veja com clareza absoluta, mas antes algo que se intui, se concebe, se imagina ou se cria. E é precisamente estatensão criativa que faz com seja possível a descoberta e geração da informação que mantém e desenvolve a sociedade. A tensão criativa surge das disparidades que se verificam no mercado, ou melhor, das diferentes opiniões ou interpretações dos mesmos fatos, acontecimentos ou circunstâncias por parte dos agentes econômicos. Esta tensão criativa é ignorada e explicitamente eliminada dos modelos planométricos, que, ao pretenderem obter uma coordenação a priori de todo o sistema econômico, eliminam de raiz a possibilidade de os agentes agirem criativamente no âmbito do incentivo proporcionado pela descoordenação.[45] Torna-se assim inevitável concluir que o diálogo ou a transmissão de informação dispersa entre os agentes econômicos e o órgão central de planejamento, tal como propõe Hurwicz, é uma impossibilidade teórica, uma vez que, por um lado, os agentes econômicos, em grande medida, não possuem o conhecimento que seria preciso transmitir,[46] dado que esse conhecimento só é gerado num processo em que os agentes possam desempenhar livremente a sua função empresarial, e, por outro lado, os agentes também não podem transmitir aquilo que já conhecem, uma vez que, em grande parte, tem um caráter tácito não articulável. O conhecimento do empresário tem um aspecto não articulado, porque se trata sobretudo de uma «técnica de pensamento» cuja aplicação só é possível se o agente se encontrar num contexto típico de economia de mercado e cuja apreensão só se faz intuitivamente quando aplicado na prática. O fato de mentes da estatura da de Arrow ou Hurwicz não terem percebido quais são as características essenciais do tipo de conhecimento que os agentes econômicos utilizam e geram e, portanto, mostrarem desconhecer os fundamentos mais elementares do funcionamento do mercado justifica que, em 1982, Hayek tenha se visto obrigado a qualificar de «irresponsáveis» ambos os autores, em especial por acreditarem que o conhecimento prático, subjetivo e não articulável pode ser transmitido sob a forma de «diálogo informático», uma ideia que Hayek qualificou duramente de «máxima insensatez de toda a farsa» que constitui a literatura planométrica.[47]

Em quarto lugar, é preciso levar em consideração que os modelos planométricos de ajuste de preços exigem que, depois de transmitida a informação ao órgão central de planejamento, qualquer atividade de comércio ou produção termine enquanto o referido órgão resolve o correspondente problema de otimização e volta a transmitir aos agentes econômicos a informação que obteve sobre os preços de equilíbrio. Alguns economistas, como Benjamin Ward, chegam mesmo à absurda conclusão de que tal sistema é muito mais eficiente do que o de uma economia de mercado, na qual se realizam constantemente trocas a preços que não correspondem aos preços de equilíbrio e que podem, portanto, ser considerados «falsos». É no mínimo chocante que se qualifique como «falsos» preços reais que ocorrem no mercado pelo fato de não coincidirem com alguns «preços» hipotéticos e desconhecidos que só existem na obnubilada mente dos teóricos do equilíbrio. Se é absurdo considerar falso algo que existe e aconteceu na realidade como consequência da livre atuação humana, mais absurdo ainda é se tivermos em conta que não é possível conhecer qualquer «preço» verdadeiro de equilíbrio. Além disso, a grande vantagem do processo de mercado sobre o modelo de ajuste planométrico reside, precisamente, nesta possibilidade que existe na vida real de realizar trocas pretensamente «falsas». De fato, enquanto no modelo planométrico são suspensas toda ação e troca para se transmitir a informação ao órgão de planejamento e este resolve o correspondente sistema de equações, está impedindo que milhões de agentes econômicos descubram e criem informação nova e realizem diversas ações humanas, tudo em detrimento do processo de ajuste, coordenação e desenvolvimento da sociedade. Em contraste, no processo real de mercado movido pela força empresarial, apesar de nunca se atingir o equilíbrio (e, portanto, neste sentido, todos as trocas da vida real serem pretensamente falsas), gera-se constantemente informação nova, e todas as situações de desajuste ou disparidade tendem a ser descobertas pela força da perspicácia empresarial e a ser convenientemente coordenadas e ajustadas. A principal vantagem dos processos reais de mercado, em contraste com os modelos planométricos do «leiloeiro walrasiano», consiste precisamente no fato de os processos reais funcionarem bem na teoria e na prática, embora todas as trocas se desenvolvam constantemente a preços que não são de equilíbrio (e, neste sentido, sejam falsos), uma vez que qualquer desajuste ou disparidade cria o incentivo necessário para ser descoberto e eliminado pela força inata da função empresarial. Desta forma, se cria e se gera uma importante e vastíssima quantidade de informação que é transmitida de forma geral e sucessiva na esfera social. Pelo contrário, os modelos planométricos não só exigem o congelamento das ações humanas e da criação e geração de informação nova, como eliminam na origem o exercício criativo da empresarialidade, que é o elemento chave para a coordenação social.[48]

Em quinto lugar, a principal fraqueza que subjaz todos os modelos planométricos é a tremenda minimização e trivialização do problema decorrente das constantes mudanças no mercado que ocorrem numa economia moderna e completa. Uma sociedade moderna do mundo real não pode se dar luxo de esperar pela «solução» do problema de programação, com implicações que afetam a atividade e a vida de todos os seus membros. Além disso, tal solução é teoricamente impossível, uma vez que o problema não pode sequer ser colocado sem congelar nem forçar ditatorialmente a realidade, dada a impossibilidade de transmissão ou geração da informação necessária. Ilustrando o que acabamos de dizer, Michael Ellman afirma que foram necessários 6 anos só para recolher a informação necessária para enunciar um problema de programação linear dirigido nos anos de 1960 pelo Departamento de Planejamento das Indústrias do Metal da extinta União Soviética, e que foi formulado com mais de 1.000.000 de incógnitas e 30.000 restrições.[49] Logicamente, a «solução» do problema foi puramente imaginária, dado que no referido período de seis anos a informação relevante se modificou, ou deveria ter se modificado de forma radical. Assim que foi «resolvido», o problema tinha sido completamente alterado, sendo que a «solução» encontrada era totalmente obsoleta. É evidente que, num mundo real, por não terem a informação necessária, os especialistas da planometria se veriam perpetuamente condenados a perseguir às cegas uma «solução» inexistente de equilíbrio que jamais poderiam alcançar, uma vez que esta estaria constantemente num processo de modificação. Assim, podemos concluir, de acordo com Peter Bernholz, que, nas condições reais de uma economia estacionária, o cálculo econômico racional é impossível se se utilizar um sistema planométrico de planejamento central.[50]

Em sexto lugar, os teóricos da planometria não só revelam um profundo desconhecimento sobre a forma como funcionam os processos reais de mercado, como ignoram elementos fundamentais da teoria dos sistemas informáticos. Recordemos que a «informação» que é possível armazenar nos computadores tem uma natureza totalmente distinta da informação conscientemente utilizada ou colocada em prática pelos agentes econômicos no mercado. A primeira é uma «informação» objetiva e articulada, a segunda é uma informação subjetiva, tácita e prática. Como é lógico, o segundo tipo de informação, que é relevante para os problemas econômicos, não pode ser armazenada nem tratada por meios informáticos. Além disso, é evidente que a informação que ainda não foi gerada pelo sistema econômico também não pode ser transmitida nem tratada por meios informáticos. Ou seja, não só a informação não articulável prática, mas também grande parte da informação articulada é resultado de um processo social de mercado e, logo, enquanto não tiver sido gerada, não pode ser transmitida nem armazenada em qualquer sistema informático de armazenamento de dados. Por outro lado, e talvez esta seja a questão mais importante, se se parte do princípio de que até os níveis mais complexos de cada geração de computadores podem ser utilizados descentralizadamente pelos próprios agentes econômicos (diferentes agentes, empresários, organismos e instituições), é claro que, no âmbito descentralizado e individual, estas potentes máquinas informáticas criarão um contexto dentro do qual será possível a geração de um conhecimento prático não articulável, quase infinitamente mais variado e rico, o que fará com que, por razões de complexidade, seja impossível o seu tratamento informático no âmbito central. Ou seja, um sistema informático poderia eventualmente tratar e dar conta de sistemas de controle mais simples ou menos complicados do que ele próprio, mas o que não seria capaz de fazer é dar conta ou tentar encontrar solução de sistemas ou processos com um nível de complexidade superior ao seu, uma vez que cada elemento destes sistemas conta com uma capacidade informática qualitativamente tão complexa como a do órgão central de planejamento. Por último, é claro que nenhum computador pode, nem alguma vez poderá, desenvolver atividades tipicamente humanas de natureza empresarial. Ou seja, um computador nunca poderá compreender que uma informação objetiva foi mal interpretada e que, por isso, existem oportunidades de lucro ou ganho que permanecem inexploradas. Um computador não poderá imaginar novos projetos até então não imaginados por ninguém. Um computador não poderá criar novos fins nem novos meios, nem perseguir contra a corrente atividades que não estejam na moda, nem lutar corajosamente para levar adiante uma empresa em que ninguém acredita, e assim sucessivamente. Quando muito, o computador poderá servir como um potente e útil instrumento ou ferramenta de tratamento de «informação» articulada para facilitar a atividade empresarial do ser humano tal como descrevemos no Capítulo II, mas nunca poderá eliminar ou tornar redundante ou desnecessária tal atividade empresarial.[51] Na verdade, não só a informática não pode ajudar de forma alguma os complexos processos de criatividade e coordenação espontânea que ocorrem na economia, mas também será sempre a teoria dos processos de mercado própria da economia política que poderá ajudar a desenvolver uma teoria da informática mais avançada. De fato, os últimos desenvolvimentos na teoria da ciência informática referente aos sistemas especialistas e à utópica «inteligência artificial» demonstraram, que só por meio de uma análise profunda dos processos de criação e transmissão de informação que ocorrem no mercado se conseguem avanços significativos nestas áreas.[52]

Por fim, não queremos terminar os nossos comentários sobre a planometria sem voltar a insistir que a utilização do método matemático na economia pode dar origem a confusões e ser altamente prejudicial se os estudiosos que a utilizam não forem extremamente cuidadosos. Em especial, o método matemático só é adequado para descrever sistemas de equilíbrio, ou, quando muito, grosseiras caricaturas repetitivas e mecânicas dos processos reais de troca e criatividade que ocorrem no mercado. Além disso, o método matemático não permite a formalização da essência da função empresarial, que é o elemento chave e básico de toda a vida econômica e social. O economista matemático corre constantemente o risco de acreditar que os preços e os custos são determinados por curvas e funções que se cruzam e não pela sequência de determinadas ações ou interações humanas muito concretas. Enfim, pode chegar a acreditar que a informação que supõe como dada para construir os seus modelos poderia, de fato, ser coletada por existir de forma objetiva em algum lugar do mercado. À luz dos efeitos que o método matemático em geral teve nas diferentes áreas da economia, e, em particular, em relação às propostas que estudamos sobre o cálculo econômico socialista, podemos nos perguntar se este método não terá feito mais mal do que bem ao desenvolvimento da nossa ciência.[53] Na verdade, o argumento a favor da economia de mercado e contra o socialismo, tal como foi desenvolvido por Mises e Hayek, é um argumento totalmente diferente do que justifica a «empresa privada» e que nos é dado pelos economistas matemáticos da «teoria do bem-estar», e que se baseia na ideia de que a noção de «concorrência perfeita» representa o ideal paretiano de eficiência. Basicamente, o argumento que estamos apresentando neste livro não é o de que a concorrência proporciona uma combinação «ótima» de recursos, mas o de que é um processo dinâmico movido por seres humanos de carne e osso que tende a ajustar e coordenar a sociedade. O argumento essencial não é o de que o sistema de «concorrência perfeita» é melhor do que o sistema de monopólio, mas o de que os mercados e a ação humana não coagida proporcionam um processo de criatividade e coordenação. Assim, o argumento que estamos a defender é, de fato, radicalmente diferente do argumento padrão da teoria dos manuais de microeconomia que, por todas as razões que apontamos, consideramos basicamente irrelevante e errônea, quer se considere uma análise positiva da economia real quer se considere uma análise normativa sobre como a economia deveria funcionar. A prova mais evidente do caráter errôneo da «teoria do bem-estar» encontra-se no fato de, paradoxalmente, ter permitido pensar que por meio dos seus modelos e métodos poderia resolver o mecanismo de distribuição de recursos numa economia planificada na qual não existisse mercado. A teoria econômica do equilíbrio e do bem-estar, que surgiu como uma (errônea) teoria descritiva e positiva sobre o funcionamento do mercado, acabou por ser utilizada para propor, através da aplicação dos seus métodos e modelos matemáticos, um sistema de cálculo econômico no qual se elimina na origem o funcionamento do mercado e a sua essência mais íntima: a função empresarial.[54]

 



[1] Embora para Mises a utilização do método matemático fosse devastadora independentemente da área da ciência econômica em que fosse aplicada, o problema do cálculo econômico foi talvez aquele que mais claramente lhe mostrou que o método matemático simplesmente ignora os processos de mercado e oculta o problema teórico fundamental do socialismo, que consiste em saber como é possível coordenar a sociedade se se impedir o livre exercício da função empresarial. Assim se justifica que, com muita coragem e dureza, tenha afirmado que «o método matemático deve ser rejeitado não só por sua aridez; é um método inteiramente vicioso, que parte de falsas premissas e chega a conclusões erradas. Seus silogismos não são apenas estéreis; eles desviam o interesse do estudo dos problemas reais e deturpam as relações entre os vários fenômenos.» Ludwig von Mises, Ação Humana, obra citada, pp. 412-413.

[2] Friedrich von Wieser, Der Natürliche Wert, editorial A. Hölder, Viena 1889. Existe uma tradução para o inglês de C.A. Malloch publicada com o título de Natural Value por Augustus M. Kelley, Nova Iorque, 1971. Na p. 60 desta edição podemos ler o seguinte: «Even in a community or state whose economic affairs were ordered on communistic principles, goods would not cease to have value. (…) That value which arises from the social relation between amount of goods and utility, or value as it would exist in the communist state, we shall henceforth call “Natural Value”.» Depois de ler atentamente este livro, considero pessoalmente que o conceito de Wieser é absurdo e fantasmagórico. Trata-se de um conceito de valor aplicável apenas a um hipotético modelo de equilíbrio que nunca se verifica na realidade, o que leva Wieser a supor que o valor é algo objetivo e a considerar realmente possível a comparação interpessoal de utilidade. Wieser teria evitado este e outros erros graves do seu livro se, mais de acordo com a verdadeira tradição «austríaca» iniciada por Menger, tivesse sustentado a sua análise no estudo dos processos dinâmicos de mercado e não no fantasmagórico modelo de equilíbrio. Assim, Mises critica energicamente Wieser por este ter abandonado e traído o paradigma iniciado por Menger e focado no estudo geral e interrelacionado dos processos de mercado, concluindo que Wieser «was not a creative thinker and in general was more harmful than useful. He never really understood the gist of the idea of subjectivism in the Austrian School of thought, which limitation caused him to make many unfortunate mistakes. His imputation theory is untenable. His ideas on value calculation justify the conclusion that he could not be called a member of the Austrian School, but rather was a member of the Lausanne School (Léon Walras et al and the idea of economic equilibrium).» Ludwig von Mises, Notes and Recollections, obra citada, p. 36. Este desviacionismo de Wieser é completamente ignorado por Mark Blaug no seguinte comentário em que, além do mais, expõe, de forma brilhante e concisa, a marca distintiva mais característica da Escola Austríaca: «The Austrians at one and the same time rejected Marshall’s partial equilibrium analysis and the kind of economics that Walras advocated, which was, in the first place, an economics explicitly formulated in mathematical terms and, in the second place, an “end-state” rather than a “process” economics, that is, one that focused attention on the nature of equilibrium outcomes and not of the process by which equilibria are attained. The Austrians had no sympathy for Walras’ analysis of the existence and uniqueness of multimarket equilibrium in terms of the metaphor of simultaneous equations and even less for his discussions of multimarket equilibrium in terms of price adjustments to net excess demand. Indeed all the Austrians, including Wickstead and Robbins, eschewed the very notion of a determinate theory of pricing and underlined discontinuities and indivisibilities, being perfectly content with a general tendency toward equilibrium that is never in fact completely realized.» Mark Blaug, «Comment on O’Brien’s “Lionel Robbins and the Austrian Connection”», emCarl Menger and His Legacy in Economics, Bruce J. Caldwell (ed.), obra citada, p. 186. Devemos mencionar, a propósito, que foi muito discutida a conversão de Mark Blaug, que, depois de desdenhar olimpicamente a Escola Austríaca, renegou o modelo do equilíbrio geral e o paradigma neoclássico-walrasiano, concluindo que «I have come slowly and extremely reluctantly to view that they (a Escola Austríaca) are right and that we have all been wrong». Appraising Economic Theories, Blaug e de Marchi (ed.), Edward Elgar, Londres 1991, p. 508. E igualmente, embora menos contundente, o seu Economics Through the Looking Glass, Institute of Economic Affairs, Occasional Paper 78, Londres 1988, p. 37. Ver, ainda, The Economic Journal, nov. 1993, p. 1571.

[3] Consideramos que toda a argumentação de Böhm-Bawerk contra a teoria marxista da exploração está dada e resumida na nota 39 do Capítulo IV. De forma concreta, Böhm-Bawerk conclui que: «Income from capital is today reviled by the socialists as an exploitational gain, a predacious deduction from the product of labor.But it would not disappear under socialism. On the contrary, the socialistically organized state would itself be the one to maintain it in full force as against the workers — and it would be compelled so to maintain it … Nothing in the world can or will change the fact that possessors of present goods, when they exchange them for future goods, obtain an agio … Interest is proven to be an economic category which arises from elemental economic causes and hence will appear everywhere, irrespective of the type of social or juridical organization, provided there exists an exchange of product for future goods»; pp. 345 e 346 de Positive Theory of Capital, volume II de Capital and Interest, obra citada, secção 5 («Interest under Socialism»).

[4] Friedrich von Wieser, Social Economics, Augustus M. Kelley, Nova Iorque 1967, pp. 396-397. Esta obra é a tradução para inglês de A. Ford Hinrichs de Theorie der Gessellschaftlichen Wirtschaft, publicada pela editorial J.C.B. Mohr, Tubinga 1914.

[5] Ver a nota 9 do Capítulo IV.

[6] Ver as pp. 257-258 do livro editado por F.A. Hayek, Collectivist Economic Planning, obra citada.

[7] Ibidem, p. 247.

[8] Ver as citações literais de Mises incluídas nas notas 29 e 30 do Capítulo IV.

[9] Ver a nota 8 do Capítulo IV.

[10] Erik Lindhal, Studies of the Theory of Money and Capital (1939), Augustus M. Kelley, Nova Iorque, 1970. Lindhal dedica um tópico inteiro ao «Pricing Problem in a Community with a Centralized Planning» (pp. 69 a 73), concluindo que «the Central Authority will have to solve a problem of exactly the same nature as the Central Bank in a community with free entrepreneurship». Temos que ser especialmente críticos da análise «dinâmica» de Lindahl, que, por supor que a informação relevante em cada momento está dada, é, na nossa perspectiva, antes de tudo, uma análise puramente estática, na qual as variáveis e os parâmetros se referem simplesmente a diferentes momentos do «tempo», entendido num sentido determinista ou newtoniano, e em que, portanto, os conceitos de incerteza, falta de informação e capacidade criativa da ação humana e a função empresarial primam pela ausência. Lindhal segue a tradição dos argumentos de semelhança formal desenvolvidos por Gustav Cassel em 1918 e que já comentamos no texto. Gustav Cassel, Economía Social Teórica, Editorial Aguilar, Madri, 1960, pp. 101-105 e 202-205. Trata-se da tradução de Miguel Paredes para o castelhano da quinta edição de Theoretische Sozialökonomie, Leipzig 1932. Existe uma boa tradução para o inglês de S.L. Barron intitulada The Theory of Social Economy, Augustus M. Kelley, Nova Iorque 1967. Ver ainda a nota 18 e os comentários críticos contra Cassel formulados por George Halm no artigo «Further Considerations on the Possibility of Adequate Calculation in a Socialist Community», incluído em Collectivist Economic Planning, obra citada, pp. 184-186.

[11] Trata-se do discurso presidencial pronunciado na 41.ª reunião anual da American Economic Association em Chicago, Ilinois, a 27 de dezembro de 1928. Posteriormente, o discurso foi reproduzido pela American Economic Review, volume XIX, n.º 1 (março de 1929). Por sua vez, o artigo foi incluído nas pp. 41-54 do livro editado por Benjamin E. Lippincott com o título On the Economic Theory of Socialism, McGraw Hill, Nova Iorque, 1964. Existe uma tradução para castelhano de Antonio Bosch Doménech e Alfredo Pastor Bodmer, publicada com o título de «La Orientación de la Producción en un Estado Socialista» nas pp. 44 a 57 do livroSobre la Teoría Económica del Socialismo, traduzida para o castelhano no já citado volume editado por B.E. Lippincott, e que foi publicado pela Editorial Ariel, Barcelona, em quatro edições (a última em dezembro de 1973). É curioso notar que Fred Manville Taylor (1855-1932), que não tem nada a ver com Frederick Winslow Taylor — autor de The Principles of Scientific Management — foi um grande defensor do laissez faire e do padrão-ouro, mas a sua orientação metodológica a favor da análise do equilíbrio (neste caso parcial e marshalliana) levou-o inexoravelmente a supor que o problema do cálculo econômico poderia ser resolvido sem grande dificuldade.

[12] Gerald P. O’Driscoll, no seu artigo «A Tribute to F.A. Hayek», publicado em The Cato Journal, volume IX, n.º 2, outono de 1989, pp. 345 a 352, afirma: «Fundamental advances seldom come through providing new answers to old questions. Fundamental advances occur when someone poses new questions. What constitute a lasting contribution in economics is asking a new question, setting a new direction of research … The basic reason most economists did not understand the theoretical argument against socialism is that they were asking the wrong question. Hayek’s opponents kept asking whether an economic czar could efficiently allocate resources if he had all the necessary information. The answer to that question is, of course, “Yes”. Hence, in the mythology of economic history the defenders of socialism are credited with having “refuted” Mises and Hayek. The defenders did not such thing, they simply posed and answered a different and irrelevant question» (pp. 345 e 348).

[13] H.D. Dickinson, «Price Formation in a Socialist Community», Economic Journal, n.º 43, junho de 1933, pp. 237 a 250. Dickinson (1899-1969) foi aluno de Cannan e catedrático em Bristol até 1964. David Collard afirma que «Dick, as he was universally known, was a much loved, unworldly, eccentric figure with a keen sense of fun and a most astute mind». Ver o artigo incluído na p. 836 do volume I, The New Palgrave: A Dictionary ofEconomics, obra citada. O próprio Hayek não deixa de manifestar um certo respeito e afeto pela figura de Dickinson, mesmo nos momentos em que o critica mais duramente.

[14] Verificamos, portanto, que a obsessão dos socialistas e intervencionistas pela «transparência informativa» vem de longe. Esta ideia, que se sustenta num erro de apreciação quanto ao tipo de informação que é utilizada nos processos de mercado, se expandiu e alcançou grande popularidade mesmo nos países ocidentais, se manifestando muitas vezes em disposições exageradas que criam um fardo quase insuportável para muitas empresas, que se vêem obrigadas a gerar um volume desmedido de «informação» estatística e contabilística, tão supérfluo quanto dispendioso e que foi incapaz de melhorar de alguma forma o grau de coordenação e eficácia das sociedades afetadas. Nesta área, como em muitas outras, o interesse dos socialistas, que acreditam que o fomento de grandes empresas e da «transparência informativa» facilita o seu trabalho de coordenação por meio de mandatos, convergiu com o dos teóricos do equilíbrio, que crêem que uma melhoria na «informação» estatística pode facilitar a conquista e a manutenção de mercados «eficientes», ou seja, mais próximos dos seus próprios modelos; e ambos sustentados, como é natural, pelos grupos de pressão que saem diretamente beneficiados das referidas disposições (auditores, contabilistas, professores de contabilidade, funcionários dos registros comerciais, etc.). Todos eles se equivocam na sua concepção da informação, uma vez que as estatísticas são sempre «águas passadas que não movem moinhos». Podem ser interpretadas subjetivamente das mais diversas formas e não só não ajudam nos processos empresariais de coordenação, como os dificultam e perturbam, na medida em que os empresários se deixem influenciar pela sua aparente «exatidão». Tudo isto independentemente dos problemas de custos supérfluos e má distribuição de recursos provocados pela imposição coerciva do cumprimento de obrigações exageradas em matéria de «informação» contabilística, que superam em muito o nível requerido consuetudinariamente pelo tráfego comercial. Ver, neste sentido, o artigo de Benito Arruñada «El coste de la información contable», España Económica, maio de 1991, pp. 8-11, em que, por estes e outros motivos, se critica a reforma contabilística e comercial recentemente imposta pelo governo socialista em Espanha. E igualmente o artigo de Stephen Gillespie «Are economic statistics overproduced?», Public Choice, volume 67, n.º 3, dezembro de 1990, pp. 227-242; e Jesús Huerta de Soto, «Nota crítica sobre la propuesta de reforma de las normas de contabilidad», Partida doble: revista de contabilidad, auditoría y empresa, n.º 142, março de 2003, pp. 24-27.

[15] «It is perfectly true that Vilfredo Pareto and Enrico Barone had shown which information a socialist planning authority would have to possess in order to perform its task. But to know which kind of information would be required to solve a problem does not imply that it can be solved if the information is dispersed among million of people.» F.A. Hayek, «Two pages of fiction: The Impossibility of Socialist Calculation», emThe Essence of Hayek, editado por Chiaki Nishiyama e Kurt R. Leube, Hoover Institution Press, Stanford University, Califórnia, 1984, p. 58.

[16] «And as regards the fixing of prices, the socialistic state would soon find that no mathematical formula was of any avail, and that the only means by which it could hope to solve the problem were exact and repeated comparisons between present and future stocks and present and future demand; it would find that prices could not be fixed once and for all, but would have to be altered frequently. Not the theory of averages but the value of things in exchange would, in most cases, have to serve as its guide in fixing prices; and why should it reject the services of that guide?» Nicolaas Gerard Pierson, Principles of Economics, Macmillan, Londres, 1912, volume II, p. 94 (tradução para o inglês de A. Wotzel).

[17] Henry Douglas Dickinson, Economics of Socialism, Oxford University Press, Oxford 1939, p. 104.

[18] A proposta da Dra. Kläre Tisch encontra-se incluída na sua tese de doutoramento orientada por Joseph A. Schumpeter e intitulada Wirtschaftsrechnung und Verteilung im Zentralisch Organisierten Sozialistischen Gemeinwesen (Universidade de Bona, Wuppertal-Elberfeld, 1932). Hayek atribui aos erros desta tese de doutoramento e à ignorância e sobrevalorização reverencial que Schumpeter demonstrava em relação à análise matemática a sua confusão neste tema e, de forma concreta, de ter criado e propagado (Capitalismo, Socialismo y Democracia, Editorial Aguilar, Madri, 1971, p. 230) o grosseiro mito segundo o qual, mesmo antes do próprio Mises, Pareto e Barone tinham conseguido resolver o problema do cálculo econômico socialista. Ver The Essence of Hayek, obra citada, pp. 59 e 60. No que se refere à contribuição de Zassenhaus, esta pode ser encontrada no seu artigo «On the Theory of Economic Planning», International Economic Papers, n.º 6, ano 1956, pp. 88 a 107. Trata-se de uma tradução para o inglês do trabalho inicialmente publicado em alemão em 1934 com o título de «Über die Ökonomische Theorie der Planwirtschaft», Zeitschrift für Nationalökonomie, volume V, ano de 1934. As propostas de Tisch e Zassenhaus são detalhadamente analisadas e criticadas por Trygve J.B. Hoff em Economic Calculation in the Socialist Society, obra citada, pp. 207 a 210. Valerá ainda a pena consultar as observações críticas sobre estes autores de G. Halm contidas no seu artigo «Further Considerations on the Possibilities of Adequate Calculations in a Socialist Community» publicado em Collectivist Economic Planning, obra citada, pp. 131 a 200.

[19] F.A. Hayek, «The Present State of the Debate», em Collectivist Economic Planning, obra citada, página 210.

[20] F.A. Hayek, «The Present State of the Debate», em Collectivist Economic Planning, obra citada, p. 212. Assim, o argumento é paralelo ao exposto por Pareto em 1897 (ver a nota 8 do Capítulo IV anterior).

[21] P.A. Samuelson e W.D. Nordhaus, Economía, 12.ª edição, McGraw Hill, Madri, 1986, p. 830. Esta edição do conhecido manual de Samuelson e Nordhaus tem o mérito de validar o argumento essencial de Hayek, quando acrescenta no final da nota de rodapé 1 da página citada que: «Mas mesmo que se fabricassem computadores super rápidos — milhares de vezes mais poderosos do que os atuais — continuaríamos a ter que enfrentar outro obstáculo inamovível: Não possuímos a ínfima parte dos dados necessários para resolver um grande problema de equilíbrio geral.» (Tradução nossa.) Infelizmente, esta ideia fundamental é relegada por Samuelson e Nordhaus para o final de uma nota de rodapé e não é incluída no texto principal do seu conhecido tratado. Além disso, trata-se de uma ideia que contradiz o conteúdo do livro nas suas pp 839 e 840, nas quais é feito um breve e confuso resumo do debate, em que se demonstra que os autores não chegaram a entender qual é o problema econômico fundamental enunciado por Mises e Hayek em relação ao cálculo econômico socialista. Tudo isto sem que seja preciso citar a afirmação ainda incluída na edição de 1989 do livro de texto de Samuelson (embaraçosa, pelo menos na ótica dos acontecimentos ocorridos nos países do Leste desde esse mesmo ano e do conhecimento que, pela primeira vez, emergiu acerca do funcionamento real dessas economias oriundo diretamente dos próprios interessados), segundo a qual «the Soviet economy is proof that, contrary to what many skeptics had earlier believed, a socialist command economy can function and even thrive». Paul A. Samuelson, Economics, 13.ª edição, McGraw Hill, Nova Iorque, 1989, p. 837.

[22] «This is but one of the difficulties attributable to the sheer scale of the required coordination between multimillion plan instructions. Academician Fedorenko quipped that next year’s plan, if fully checked and balanced, might be ready in 30,000 years time (…)» Ver o artigo «Planned Economy», de Alec Nove publicado no volume III de The New Palgrave: A Dictionary of Economics, Macmillan, Londres, 1987, pp. 879 a 885. A passagem é retirada da página 881. Infelizmente, Alec Nove também não percebeu qual era o problema fundamental colocado pelo socialismo, e ainda nessa época continuava a considerar que era constituído apenas pela dificuldade algébrica de resolver o correspondente sistema de equações. De fato, Alec Nove escreve «de orelhada» e demonstra que não leu ou não entendeu o argumento fundamental de Mises quando afirma que «critics, such as Barone and L. von Mises, pointed out some major weaknesses in this approach to socialist planning: the number of calculations required would be enormous …». Sabemos que o argumento essencial de Mises contra o cálculo econômico socialista não é este (de fato Mises nem sequer o menciona expressamente), mas sim o de que, mesmo que se conseguisse resolver à velocidade da luz complexíssimos sistemas de equações, no socialismo, nunca se chegaria a dispor da informação necessária para formulá-los.

[23] Don Lavoie, em Rivalry and Central Planning, obra citada, p. 91, aduz ainda o argumento de que, na sua opinião, Hayek cometeu um erro estratégico ao incluir em Collectivist Economic Planning (obra citada, 1935) a sua tradução inglesa do artigo de Barone publicado em 1908, uma vez que este artigo mencionava (e apenas de passagem) que o planejamento baseado num sistema walrasiano de equações era impraticável, sobretudo pela dificuldades colocadas pela solução do correspondente sistema de equações. Lavoie conclui que «However, to at least Mises and Hayek if not also Robbins, the problem was formulating the equations — not solving them. In a world of complexity and continuous change, the central planners would lack the knowledge of the coefficients that go into the equations» (p. 91).

[24] Lionel Robbins foi talvez quem menos claramente insistiu no caráter meramente subsidiário do argumento acerca da dificuldade prática de resolver algebricamente o sistema de equações walrasianas. Aparentemente, Robbins considerava tão claro o absurdo que era pensar numa solução prática deste tipo, que não se preocupou em desenvolver e apurar o argumento teórico fundamental. No entanto, pode se dizer, em sua defesa, que as observações de Robbins sobre o cálculo econômico se encontram incluídas, com caráter secundário, num livro dedicado a analisar problemas de outro tipo (o diagnóstico das causas da Grande Depressão). Na p. 151 da sua obra The Great Depression, publicada por Macmillan, Nova Iorque, em 1934, depois de afirmar que «no papel» se pode conceber que o problema do cálculo econômico poderia ser resolvido através de uma série de cálculos matemáticos, conclui que «but in practice this solution is quite unworkable. It would necessitate the drawing up of millions of equations on the basis of millions of statistical tables based on many more millions of individual computations. By the time the equations were solved the information on which they were based would have become obsolete and they would need to be calculated anew. The suggestion that a practical solution of the problem of planning is possible on the basis of the Paretian equations simply indicates that those who put it forward have not begun to grasp what these equations mean.»

[25] «I feel I should perhaps make it clear that I have never conceded, as is often alleged, that Lange had provided the theoretical solution of the problem, and I did not thereafter withdraw to pointing out practical difficulties. What I did say (in Individualism and Economic Order, page 187) was merely that from the factually false hypothesis that the central planning board could command all the necessary information, it could logically follow that the problem was in principle soluble. To deduce from this observation the ‘admission’ that the real problem can be solved in theory is a rather scandalous misrepresentation. Nobody can, of course, transfer to another all the knowledge he has, and certainly not the information he could discover only if market prices told him what was worth looking for.» Ver o artigo de F.A. Hayek publicado em abril de 1982 em Economic Affairs com o título «Two Pages of Fiction: The Impossibility of Socialist Calculation», reimpresso como Capítulo 4 do livro The Essence of Hayek, editado por Chiaki Nishiyama e Kurt R. Leube, Hoover Institution, Stanford University Press, Stanford, 1984, p. 58.

[26] De fato, para Mises, «there is therefore no need to stress the point that the fabulous number of equations which one would have to solve each day anew for a practical utilization of the method would make the whole idea absurd even if it were really a reasonable substitute for the market’s economic calculation.Therefore the construction of electronic computers does not affect our problem.» Ludwig von Mises, HumanAction, obra citada, p. 715 e última linha da nota 11 da p. 715. Ver também, e no mesmo sentido, Esteban F. Thomsen, no seu livro Prices and Knowledge: A Market Process Perspective, Routledge, Londres, 1992, pp. 83-86.

[27] Este brilhantíssimo argumento adicional de Mises, que até agora não foi refutado, foi publicado pela primeira vez em alemão, no tópico IV («Die Gleichungen der mathematischen Katallaktik») do capítulo dedicado a refutar as tentativas de resolução do problema do cálculo econômico incluído emNationalökonomie: Theorie des Handelns und Wirtschaftens, Editions Union, Genebra, 1940, pp. 641-645. Antes, em 1938, as ideias essenciais deste tópico tinham sido publicadas em francês com o título «Les équations de l’économie mathématique et le problème de calcul économique en régime socialiste» (Revue d’Économie Politique, 1938, pp. 1055-1062, incluído na mesma revista 50 anos depois — número 97 [6] de novembro-dezembro de 1987 — com um Comentário de Jean Bénard que mostra que este autor também não compreende os problemas econômicos decorrentes do cálculo econômico socialista). Mais tarde, o argumento foi ampliado e desenvolvido com mais pormenor em inglês, Ação Humana, obra citada, pp. 808 a 812. A citação do texto foi retirada das p. 812.

[28] «It is improbable that anyone who has realized the magnitude of the task involved has seriously proposed a system of planning based on comprehensive systems of equations. What has actually been in the minds of those who have mooted this kind of analysis has been the belief that, starting from a given situation, which was presumably to be that of the pre-existing capitalistic society, the adaptation to the minor changes which occur from day to day could be gradually brought about by a method of trial and error.» F.A. Hayek, «The Present State of the Debate», Collectivist Economic Planning, obra citada, p. 213.

[29] «The method of trial and error (…) which consists of trying out a series of hypothetical solutions till one is found which proves a success.» Fred M. Taylor «The Guidance of Production in a Socialist State», em On the Economic Theory of Socialism, obra citada, p. 51.

[30] Henry D. Dickinson, «Price Formation in a Socialist Community», obra citada, p. 241. Entre as propostas de Taylor e Dickinson, que surgiram respectivamente em 1928 e 1933, outro americano, Willet Crosby Roper, em 1931, propõe também o método de tentativa e erro e acredita que as sucessivas escassez que se manifestem no sistema econômico serão sempre uma clara indicação para que a autoridade central modifique as suas instruções e se aproxime da solução «correta». Não obstante, e embora não disfarce a sua forte simpatia em relação ao socialismo, Roper tem plena consciência das enormes dificuldades que na prática envolveria a aplicação do método de tentativa e erro que ele próprio propõe. E afirma: «This description of the process makes it seem rather simple and easily accomplished. It is a question, apparently, of adjusting a few mistakes at the beginning and then sitting down to watch the system work. But again, we ignore the almost incredible complication of the economic process. (…) At the establishment of a price system with perhaps only one or two considerable errors (an almost unbelievable assumption), those one or two errors would involve changes extending through the whole structure. If the number of serious mistakes were greater, it would take a considerable time and a great deal of careful calculation to reach a position of equilibrium, where the factors would be priced exactly according to marginal productivity, where these prices would be equal for factors of equal efficiency, and where the whole theoretical system of stable equilibrium was realized. As a matter of fact, this equilibrium could be reached only in a static economy which can never exist. … It seems safe to say that the pricing apparatus necessary for an efficient centralized collectivism, is, at best, only a remote possibility.» E conclui dizendo: «It indicates that the best chance for success of a socialist society lies in a decentralized organization which retains, so far as possible, the strong features of capitalism.» Willet Crosby Roper, The Problem of Pricing in a Socialist State, Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 1931, pp. 58, 59, 60 e 62.

[31] F.A. Hayek, «The Present State of the Debate», em Collectivist Economic Planning, obra citada, p. 213. Neste sentido, Hayek não faz mais do que seguir a intuição inicialmente desenvolvida por Mises, que já em 1920 afirmou: «The transition to socialism must, as a consequence of the levelling out of the differences in income and the resultant readjustments in consumption, and therefore production, change all economic data, in such a way that a connecting link with the final state of affairs in the previously existing competitive economy becomes impossible.» Ludwig von Mises, «Economic Calculation in the Socialist Commonwealth», em Collectivist Economic Planning, obra citada, pp. 109-110. Este argumento relaciona-se com o já avançado na nota 27 atrás, de forma que o argumento básico misiano iniciado em 1920 se completa e aperfeiçoa ao longo de 20 anos, até à seguinte versão: 1. É impossível considerar que a situação de partida corresponde a um estado de equilíbrio; 2. É impossível calcular o estado final de equilíbrio por falta de informação; e 3. Mesmo que se admitisse para efeitos dialéticos que os problemas mencionados em 1 e 2 tinham sido resolvidos, não se disporia de qualquer guia para orientar as inúmeras ações necessárias para passar do estado inicial de equilíbrio para estado final de equilíbrio (a culminação do argumento de Mises está explicada na nota 27).

[32] De forma muita clara, Trygve J.B. Hoff nos explica que «just as in tennis a score of 6-0, 6-0 gives no indication of how much better the winner is, so stocks of unsold goods do not reveal how strongly the different goods are desired», Economic Calculation in the Socialist Society, obra citada, pp. 117-118.

[33] Ver as obras de János Kornai Economics of Shortage, North Holland, Amesterdã, 1980, e Growth, Efficiency and Shortages, University of California Press, Berkeley, 1982.

[34] Hoff indica, igualmente, que nestas circunstâncias outro problema insolúvel é a gradação do aumento do preço que o órgão central de planejamento deverá estabelecer sempre que se manifeste uma escassez. Para Hoff, o fato de existir escassez não indica nem transmite conhecimento algum em relação à forma como se deverá realizar (ou seja, em relação aos bens específicos e em que grau) o aumento de preços correspondente. Ver Economic Calculation in the Socialist Society, obra citada, p. 119.

[35] Devo este argumento a Robert Bradley, do Departamento de Economia da Universidade de Houston. Ver «Socialism and the Trial and Error Proposal», incluído como Parte IV do seu artigo «Market Socialism: A Subjectivist Evaluation», The Journal of Libertarian Studies, volume V, n. º 1, inverno de 1981, pp. 28-29. Bradley conclui: «It is logically possible that a good and its substitutes all have equilibrating prices, yet their prices not be indices of the scarcity. In this case, the bad prices merely camouflage each other. So we can see that monitoring individual prices is not enough; the CPB would have to be in command of all price interrelationships. Thus the “trial and error” method becomes inadequate since it only applies to prices individually» (p. 29).

[36] De acordo com Ludwig von Mises: «O método de tentativa e erro só é aplicável quando se pode constatar, sem deixar margem a dúvidas e independentemente do próprio método em si, que a solução encontrada é a correta. (…) As coisas são bastante diferentes quando a única identificação da solução correta reside no fato de ter sido aplicado um método que é considerado apropriado à solução do problema. Para reconhecer o resultado correto da multiplicação de dois fatores, basta aplicar corretamente o processo indicado pela aritmética. Alguém poderia tentar descobrir o resultado correto usando o método de tentativa e erro. Mas, nesse caso, o método de tentativa e erro não substitui o processo aritmético; se não fosse possível realizar a operação por intermédio da aritmética de maneira a poder distinguir a solução certa da solução errada, de nada serviria o processo de tentativa e erro. (…)Quem quiser qualificar a ação empresarial como sendo uma aplicação do método de tentativa e erro não deve esquecer-se de que a solução correta é facilmente identificável: corresponde a um excedente de receitas sobre custos. O lucro informa ao empresário que os consumidores aprovam suas iniciativas; o prejuízo, que as desaprovam. O problema do cálculo econômico num regime socialista reside precisamente no fato de que, na ausência de preços de mercado para os fatores de produção, não é possível apurar se houve lucro ou prejuízo.» Ação Humana, obra citada, pp. 801 e 802.

[37] Nas palavras do próprio Hayek: «Almost every change of any single price would make changes of hundreds of other prices necessary and most of these other changes would by no means be proportional, but would be affected by the different degrees of elasticity of demand, by the possibility of substitution and other changes in the method of production. To imagine that all this adjustment could be brought about by successive orders by central authority when the necessity is noticed, and that then every price is fixed and changed until some degree of equilibrium is obtained is certainly an absurd idea … To base authorative price-fixing on the observation of a small section of the economic system is a task which cannot be rationally executed under any circumstances.» «The Present State of the Debate», Collectivist Economic Planning, obra citada, p. 214. E, cinco anos depois, em 1940, Hayek, na sua resposta a Lange, afirmou ainda mais claramente: «It is difficult to suppress the suspicion that this particular proposal (the trial and error method) has been born out of an excessive preoccupation with problems of the pure theory of stationary equilibrium. If in the real world we have to deal with approximately constant data, that is, if the problem were to find a price system which then could be left more or less unchanged for long periods, then the proposal under consideration would not be so entirely unreasonable. With given and constant data such state of equilibrium could indeed be approached by the method of trial and error. But this is far from being the situation of the real world, where constant change is the rule.» «Socialist Calculation III: The Competitive Solution», emIndividualism and Economic Order, obra citada, p. 188.

[38] De forma Complementar, reproduziremos aqui as críticas ao método de «tentativa e erro» proposto por Oskar Lange e que incluímos no tópico correspondente do próximo capítulo.

[39] Este termo foi popularizado por J. Wilczynski, segundo o qual «planometrics is a branch of economics concerned with the methodology of constructing economic plans especially arising at the optimal plan, with the aid of modern mathematical methods and electronic computers». The Economics of Socialism, George Allen & Unwin, Londres 1978, 3. ª edição, p. 17 e também as pp. 24 e 46. Ocasionalmente, também se utilizaram os termos «computopia» e «teoria dos mecanismos para a distribuição de recursos» para designar este ramo da economia e que devemos, respectivamentec a Egon Neuberger («Libermanism, Computopia and Visible Hand: The Question of Informational Efficiency», American Economic Review, «Papers and Proceedings», maio 1966) e Leonid Hurwicz («The Design of Mechanisms for Resource Allocation», American Economic Review, n.º 63, maio de 1973).

[40] Sobre a literatura relativa a «planometria» podem ser consultadas, por exemplo, as obras de K.J. Arrow e L. Hurwicz, Studies in Resource Allocation Processes, Cambridge University Press, Cambridge 1977; Leonid Hurwicz, «The Design of Mechanisms for Resource Allocation», American Economic Review, n.º 63, 2, maio de 1973; John P. Hardt e outros (editores), Mathematics and Computers in Soviet Economic Planning, Yale University Press, New Haven, Connecticut, 1967; Benjamin N. Ward, «Linear Programming and Soviet Planning», incluído na obra de Hardt citada, e The Socialist Economy. A Study of Organizational Alternatives, Random House, Nova Iorque, 1967. Na p. 94 do livro de Don Lavoie Rivalry and Central Planning, já citado, encontra-se um exaustivo e detalhado resumo de toda a bibliografia existente em língua inglesa sobre este tema. Em alemão, não podemos deixar de mencionar o resumo da literatura sobre planometria de autoria de Christian Seidl incluído no seu artigo «Allokations Mechanismus Asymmetrische Information und Wirtschaftssystem», publicado em Jahrbücher für Nationalökonomie und Statistik, n.º 197 (3), 1982, pp. 193 a 220. Um bom e breve resumo das contribuições realizadas até agora neste campo e das suas principais dificuldades encontra-se no livro de John Bennett intitulado The Economic Theory of Central Planning (Basil Blackwell, Londres, 1989) e em especial no seu Capítulo 2, pp. 9 a 37. Também interessante é o trabalho de Peter Bernholz «Information, Motivation and the Problem of Rational Economic Calculation in Socialism», incluído como Capítulo 7 no livro Socialism: Institutional, Philosophical and Economic Issues, Svetozar Pejovich (ed.), Kluwer Academic Publishers, Dordrecht, Holanda 1987, pp. 161 a 167. Finalmente, devemos mencionar a escola soviética desenvolvida sob os auspícios de Leonid V. Kantorovich que, obsessivamente preocupada com o desenvolvimento e aperfeiçoamento das técnicas de otimização, nunca foi capaz de entender o problema econômico (não «técnico») colocado pelo socialismo, nem de, portanto, formular qualquer solução para o processo do paulatino desarranjo do modelo soviético. Ver «L.V. Kantorovich: The Price Implications of Optimal Planning», Roy Gardner, Journal of Economic Literature, volume XXVIII, junho de 1990, pp. 638-648 e toda a bibliografia aí citada.

[41] Sobre a desilusão decorrente da aplicação dos modelos planométricos, Michael Ellman afirma que «work on the introduction of management information and control systems in the soviet economy was widespread in the 1970’s, but by the 1980’s there was widespread scepticism in the USSR about their usefulness. This largely resulted from the failure to fulfill the earlier exaggerated hopes about the returns to be obtained from their introduction in the economy.» Ver o artigo «Economic Calculation in Socialist Economies» de Michael Ellman, publicado no volume II de The New Palgrave. A Dictionary of Economics, Macmillan, Londres, 1987, p. 31. Jan S. Prybila faz afirmações semelhantes em Market and Plan Under Socialism, Hoover Institution Press, Stanford 1987, p. 55. Por sua vez, Martin Cave, em Computers and Economic Planning: The Soviet Experience (Cambridge University Press, Cambridge, 1980), depois de demonstrar a profunda disparidade e separação existente entre dois grupos de investigadores, um constituído por aqueles que dedicam os seus esforços a formular modelos abstratos de planometria, e outro pelos que se dedicam a estudar os sistemas reais, chega à conclusão de que o crescente ceticismo em relação aos modelos planométricos como possíveis substitutos do mercado tem a sua origem no fato de que «they do not, nor are they intended to, do justice to the complexities of a centrally-planned economy» (p. 38). O próprio Hurwicz, por sua vez, parece ter-se resignado a considerar que a planometria tem apenas interesse do ponto de vista do puro exercício intelectual, que corresponderia a uma primeira etapa teórica do problema do cálculo económico (aquela que consistiria em «formular» o referido problema), etapa que haveria de ser implementada mais tarde introduzindo às forças do mercado e ajustando o plano às sua realidades, em vez do contrário, ou seja, adaptar o mercado aos parâmetros do modelo planométrico (ver o seu «Centralization and Decentralization in Economic Processes», publicado em Comparison of Economic Systems: Theoretical and Methodological Approaches, Alexander Extain (ed.), University of California Press, Berkeley, 1971, p. 81).

[42] O erro destes dois autores reside no seu desconhecimento da essência do funcionamento dos processos de mercado que explicamos no Capítulo II deste livro. Arrow chegou até a afirmar que «indeed, with the development of mathematical programming and high speed computers the centralized alternative no longer appears preposterous. After all, it would appear that one could mimic the workings of a decentralized system by an appropriately chosen centralized algorithm» (Kenneth J. Arrow, «Limited Knowledge and Economic Analysis», American Economic Review, volume 64, março de 1974, p. 5). Parece quase inevitável que até as mentes mais brilhantes, como a de Arrow, percam a capacidade de apreciar os problemas econômicos fundamentais quando ficam obcecadas pela análise matemática do equilíbrio. Por sua vez, Musgrave comete exatamente o mesmo erro no seu artigo «National Economic Planning: The U.S. Case», American Economic Review, n.º 67, fevereiro de 1977, pp. 50-54. Outro autor que cai num erro parecido ao de Arrow e Musgrave, embora neste caso seja mais compreensível considerando o seu compromisso ideológico socialista, é Wilczynski, que afirma mesmo que «the feasibility of the computational optimal prices conclusively refutes any grounds for the claim that rational pricing was impossible under socialism. Even though much remains to be done on the practical level, there is a sound theoretical basis. In fact, in some respects, socialism provides the possibility of improving on capitalism.» Ver The Economics of Socialism, obra citada, p. 138. Outro autor que, partindo da teoria do equilíbrio geral, chegou à conclusão de que o modelo walrasiano pode conduzir sem problemas aos princípios essenciais para organizar uma economia de planejamento central foi o economista francês Maurice Allais. Allais, que à natural confusão mental decorrente da utilização do método matemático na economia junta uma idiossincrasia muito peculiar, chegou até a afirmar que numa economia de equilíbrio e concorrência perfeita o interesse do capital acabaria desaparecendo (ideia claramente absurda, uma vez que mesmo em tais circunstâncias seria necessário resistir às necessárias cotas de amortização do capital, e as forças subjetivas da preferência temporal continuariam ativas). Allais propõe que o solo seja nacionalizado e que os «preços» sejam expressos por meio de uma unidade de conta baseada numa unidade de tempo de «trabalho especializado». Ver Maurice Allais, «Le problème de la planification dans une économie collectiviste », publicado em Kyklos, julio-outubro de 1947, vol. I pp. 254-280, vol. II, pp. 48- 71. Maurice Allais, Karl Pribram na sua monumental obra A History of Economic Reasoning (The Johns Hopkins University Press, Baltimore, 1983, p. 459) afirma o seguinte em relação a estas propostas absurdas: «It has been one of the strange episodes in the history of economic reasoning that radical minds, bent on overthrowing the existing economic order, nevertheless believed —or pretended to believe— that, contrary to any historical experience, the pattern for the organization of a “planned” economy could be supplied by a model of the Walrasian type in which full reliance was placed on the automatic working of equilibrating forces.» Por último, no mesmo sentido se manifestaram dois conhecidos economistas do Leste Europeu, Wlodzimierz Brus e Kazimierz Lasky, numa obra em que, como teremos a oportunidade de analisar com detalhes mais adiante, demonstram explicitamente que Mises e Hayek tinham razão no debate sobre o cálculo econômico socialista e que nunca foram postos em causa de forma satisfatória nem por Oskar Lange nem por nenhum outro. Brus e Laski culpam o modelo neoclássico, em geral, e o walrasiano, em particular, por não terem em conta a figura essencial do sistema capitalista que é o empresário. Criticam ainda o fato de o modelo de «concorrência perfeita» não levar em consideração a típica luta e rivalidade existente entre os empresários, constantemente criadora e geradora de informação nova. E concluem que «the Walrasian model overlooks the true central figure of the capitalist system, namely the entrepreneur sensu stricto. Formally there are entrepreneurs in the Walrasian model, but they behave like robots, minimizing costs or maximizing profits with the data given. Their behaviour is that of pure optimizers operating in the framework of exclusively passive competition, reduced to reactive adjustment of positions to an exogenous change. This can scarcely be a legitimate generalization of competition, which in reality is a constant struggle affecting the data themselves. It is here that the static approach of the general equilibrium theory becomes particularly pronounced, contrary to the actual dynamics of a capitalist system.» Ver a sua obra From Marx to the Market: Socialism in Search of an Economic System, Clarendon Press, Oxford, 1989, p. 57. No mesmo sentido, pode ser consultado o meu trabalho «La Crisis del Paradigma Walrasiano», publicado no jornal El País, a 17 de dezembro de 1990, p. 36.

[43] Ver Leonid Hurwicz, «The Design of Mechanisms for Resource Allocation», obra citada, p. 5. Hurwicz estava convencido de que tinha incorporado nos seus modelos as contribuições de Hayek e Mises da seguinte forma: «The ideas of Hayek (whose classes at the London School of Economics I attended during the academic year 1938-39) have played a major role in influencing my thinking and have been so acknowledged. But my ideas have also been influenced by Oskar Lange (University of Chicago 1940-42) as well as by Ludwig von Mises in whose Geneva Seminar I took part during 1938-1939» (Leonid Hurwicz, «Economic Planning and the Knowledge Problem: A Comment», publicado em The Cato Journal, volume 4, n. º 2, outono de 1984, p. 419). Esta afirmação de Hurwicz não faz mais do que demonstrar que, como evidenciou Don Lavoie, Hurwicz foi totalmente incapaz de compreender a mensagem de Hayek e a de Mises, apesar de ter assistido, como ele próprio afirma, às aulas e seminários dos dois. De fato, Hurwicz não só revela a ausência de uma teoria da função empresarial, como assume que a informação é algo objetivo que, embora se encontre dispersa, é transmissível a todos com um sentido unívoco. Desta forma, ignora o caráter essencial da informação empresarial que constitui o cerne dos processos de mercado e, basicamente, a sua natureza subjetiva e não articulável. Ver o trabalho de Don Lavoie, The Market as a Procedure for Discovery and Conveyance of Inarticulate Knowledge, Working Paper, Department of Economics, George Mason University, novembro de 1982. Além disso, Hurwicz considera, como vemos na sua resposta a Kirzner no artigo publicado no Cato Jounal que acabamos de citar, que o problema do conhecimento disperso é apenas um problema de transmissão de informação existente, e não chega a levar em consideração o problema da criação de informação nova, que é o mais importante num processo de mercado e o que caracteriza a essência de toda a teoria da função empresarial desenvolvida por Kirzner. O conceituado Frank Hahn cai nos mesmos erros de Hurwics, ao afirmar com absoluta confiança ainda em 1988 que, mais cedo ou mais tarde, o «socialismo de mercado» desenvolvido por Lange e Lerner seria capaz de proporcionar uma alternativa muito melhor do que a economia de mercado do sistema capitalista. Ver «On Market Economics», em Robert Skidelsky (ed.),Thatcherism, Chatto & Windus, 1988, e em especial a p. 114. Uma crítica pormenorizada à posição de Frank Hahn pode ser encontrada em Capitalism, Arthur Seldon, Basil Blackwell, Oxford, 1990, Capítulo 6, pp. 124-144, edição espanhola de Unión Editorial, Madri, 1994.

[44] «The articulate information supplied by prices is only informative because they are juxtaposed against the wide background of inarticulate knowledge gleaned from a vast experience of habitual productive activity. A price is not just a number. It is an indicator of the relative scarcity of some particular good or service of whose unspecified qualities and attributes we are only subsidiarily aware. Yet were these qualities of a good to change in the slightest respect this could change incremental decisions about the uses of the good just as significantly as a change in price … Hayek was not contending that prices as numbers are the only pieces of information that the market transmits. On the contrary, it is only because of the underlying inarticulate meaning attached to the priced goods and services that prices themselves communicate any knowledge at all.» Don Lavoie, The Market as a Procedure for Discovery and Conveyance of Inarticulate Knowledge, obra citada, pp. 32-33.

[45] Don Lavoie, no artigo que comentamos, constrói, seguindo Polanyi, uma notável analogia entre o papel desempenhado pelo conhecimento não articulável na área da investigação científica e na área do mercado, concluindo que «market participants are not and could not be “price takers” any more than scientists could be “theory takers”. In both cases a background of unquestioned prices or theories are subsidiarily relied upon by the entrepreneur or scientist, but also in both cases the focus of the activity is on disagreeing with certain market prices or scientific theories. Entrepreneurs (or scientists) actively disagree with existing prices (or theories) and commit themselves to their own projects (or ideas) by bidding prices up or down (or by criticizing existing theories). It is only through the intricate pressures being exerted by this rivalrous struggle of competition (or criticism) that new workable productive (or acceptable scientific) discoveries are made or that unworkable (or unacceptable) ones are discarded … Without the “pressure” that such personal commitments impart to science and to the market, each would lose its “determining rationality”. It is precisely because the scientist has his reputation —and the capitalist his wealth— at stake that impels him to make his commitments for or against any particular direction of scientific or productive activity. Thus private property and the personal freedom of the scientist play analogous roles. When either form of personal commitment is undermined, for example when scientific reputation or economic wealth depend on loyalty to a party line rather than to a personal devotion to truth or a pursuit of subjectively perceived profit opportunities, each of these great achievements of mankind, science and our advanced economy, is sabotaged.» Don Lavoie, The Market as a Procedure for Discovery and Conveyance of Inarticulate Knowledge, obra citada, pp. 34 e 35. O trabalho de Polanyi em que explica esta analogia entre o mercado e o desenvolvimento da ciência é «The Republic of Science: Its Political and Economic Theory», incorporado emKnowing and Being, editado por Marjorie Grene, The University of Chicago Press, Chicago, 1969.

[46] Fritz Machlup, Knowledge. Its Creation, Distribution and Economic Significance, volume III, The Economics of Information and Human Capital, Capítulo VI, «New Knowledge, Disperse Information and Central Planning». Ver, em especial a p. 200, onde menciona que «the knowledge of people’s preferences is not only dispersed over millions of minds and not only subject to continual change but that it has too many blank spaces to be transferred in the form of price-or-quantity responses. The described planning system cannot give the people what they want, because they themselves cannot know what they want if they do not know what they could have. A steady stream of innovations in a free-enterprise system keeps altering the “production possibilities”, including those that relate to new products and new qualities of existing products. Imaginative entrepreneurs, stimulated by anticipations of (temporary) profits, present consumers with options that have not existed hitherto but are expected to arouse responses of a kind different from those symbolized in the customary model of market equilibrium and in models of allocative equilibrium. The availability of new products makes a market system quite unlike the scheme of official indicators of quantities or prices announced by a central board and private proposals of prices or quantities submitted in response by the consuming public. The organized feedback shuttle allowing informed decisions by a planning board does not give a place to the phenomenon of innovation

[47] «It was probably the influence of Schumpeter’s teaching more than the direct influence of Oskar Lange that has given rise to the growth of an extensive literature of mathematical studies of “resource allocation processes” (most recently summarized in K.J. Arrow and L. Hurwicz, Studies in Resource Allocation Processes, Cambridge University Press, 1977). As far as I can see they deal as irresponsibly with sets of fictitious “data” which are in no way connected with what the acting individual can learn as any of Lange’s.» «Two Pages of Fiction: The Impossibility of Socialist Calculation», originalmente publicado em Economic Affairs, em abril de 1982 e incluído em The Essence of Hayek (editado por Chiaki Nishiyama e Kurtz R. Leube, Hoover Institution Press, Stanford University, Stanford, Califórnia, 1984, p. 60). E na p. 61 deste mesmo trabalho Hayek acrescenta que «the suggestion that the planning authority could enable the managers of particular plants to make use of their specific knowledge by fixing uniform prices for certain classes of goods that will then have to remain in force until the planning authority learns whether at these prices inventories generally increase or decrease is just the crowning foolery of the whole farce».

[48] Benjamin N. Ward, The Socialist Economy. A Study of Organizational Alternatives, Random House, Nova Iorque, 1967, pp. 32-33. Neste mesmo trabalho, embora faça alguma referências passageiras às simplificações destes modelos matemáticos (basicamente o seu caráter estático e linear), Ward assume que não existiria um engarrafamento na comunicação entre os diferentes setores e o órgão de planejamento porque «involves at each round sets of numbers that should not exceed n2 for any one unit, where n is the number of sectors, and is generally much less» (p. 61). No entanto, acrescenta que, em todo o caso, se o período de tempo necessário para completar a iteração fosse muito longo, o processo poderia parar em alguma iteração parcial antes de ter sido completado, o que daria origem a um plano que, não sendo ótimo, constituiria, de qualquer forma, uma «melhoria». Como demonstrou corretamente Don Lavoie, parece incrível que Ward não tenha percebido que com esta proposta abandona a mais importante razão de ser do processo detâtonnement walrasiano, uma vez que, se os agentes econômicos tiverem que parar toda a sua atividade até que os especialistas em programação linear calculem a solução de equilíbrio, sendo esta uma solução apenas aproximada ou intermédia, então para que iniciar, depois de tudo, o processo planométrico, se através dos mecanismos descentralizados de mercado e por meio do correspondente sistema legal se pode conseguir continuamente um resultado menos imperfeito, no qual não há necessidade de parar a ação em nenhum momento nem de eliminar a criação ou geração de informação nova, e além disso sem o custo adicional que implica a intervenção de teóricos da planometria? Ver Don Lavoie, Rivalry and Central Planning, obra citada, p. 99. Edmond Malinvaud cai num erro muito semelhante ao de  Ward, partindo do estudo do processo de determinação do nível ótimo de produção de bens públicos e se concentrando depois na análise dos processos iterativos de aproximação a uma solução ótima de equilíbrio num sistema socialista. Ver «A Planning Approach to the Public Good Problem», The Swedish Journal of Economics, volume 73, março de 1971, pp. 96-112; e também «Decentralized Procedures for Planning», em Activity Analysis in the Theory of Growth and Planning, editado por E. Malinvaud e M. Bacharach, Macmillan, Londres, 1967. Francamente, custa muito compreender a obsessão de todos estes autores para substituir a infinita variedade e riqueza da vida social humana por um modelo rígido, frio e mecânico.

[49] Michael Ellman, «Economic Calculation in Socialist Economies», em The New Palgrave. A Dictionary of Economics, volume II, obra citada, p. 31.

[50] «With different and changing production functions, the size of firms and the structure of industry become a problem. New goods and changing preferences also pose the problem of which firms or industries to expand, to contract, to abolish, or to create … Under these conditions the Central Planning Board will not be able to get the information necessary for reliable ex ante planning because of the nature and complexity of the situation. Rational calculation does break down if central planning is used.» Peter Bernholz, «The Problem of Complexity under non Stationary Conditions», em «Information, Motivation and the Problem of Rational Economic Calculation in Socialism», em Socialism: Institutional, Philosophical and Economic Issues(editor Svetozar Pejovich), obra citada, p. 154.

[51] Assar Lindbeck em The Political Economy of the New Left, Harper & Row, Nova Iorque, 1971, afirma que «it is obvious that computers cannot take over from markets the task of generating information (about consumer preferences and productive technology) nor that of creating incentives to promote efficient functioning according to the preferences of consumers». Assim conclui que «the chances of substitutingcomputers for decentralized market competition, in order to manipulate information and calculate approximations of the optimal allocation, are very limited.» (p. 86). Pelos argumentos dados no texto principal, eu diria que tais possibilidades são nulas.

[52] Ver especialmente o conteúdo do artigo e a bibliografia citada no trabalho intitulado «High-Tech Hayekians: Some Possible Research Topics in the Economics of Computation» de Don Lavoie, Howard Baetjer e William Tulloh, publicado na revista Market Process, volume VIII, primavera de 1990, George Mason University, pp. 120 a 146. Não vamos nos deter a enumerar e analisar em detalhes outras insuficiências que os modelos planométricos apresentam do ponto de vista da própria metodologia da economia do equilíbrio e do bem-estar. Os respectivos aspectos críticos não só são irrelevantes em comparação com os argumentos essenciais dados no texto, como podem ser lidos em qualquer manual padrão sobre o tema, como por exemplo no livro The Economic Theory of Central Planning (Capítulo II), de John Bennet, já citado. Também é interessante o trabalho de D.F. Bergun «Economic Planning and the Science of Economics», American Economic Review, junho de 1941.

[53] Nas palavras do próprio Mises: «Os economistas matemáticos praticamente limitaram a sua análise àquilo que eles chamam de equilíbrio econômico ou situação estática. O recurso à construção imaginária da economia uniformemente circular é, como já foi assinalado antes, uma ferramenta mental indispensável ao raciocínio econômico. Mas é um erro grave considerar essa ferramenta auxiliar como algo mais do que uma construção imaginária, esquecendo-se do fato de que tal construção não tem contrapartida na realidade e nem pode ser consistentemente concebida até as suas últimas consequências lógicas. O economista matemático, obnubilado pelo preconceito de que a ciência econômica deve ser estruturada segundo o modelo da mecânica newtoniana, passível portanto de ser tratada por métodos matemáticos, se equivoca inteiramente quanto ao tema central de suas investigações. Já não lida com a ação humana, mas com um mecanismo sem vida própria, que atua misteriosamente por meio de forças não susceptíveis de uma análise mais profunda. Na construção imaginária da economia uniformemente circular, evidentemente, não existe a função empresarial. Dessa maneira, o economista matemático elimina o empresário nas suas considerações; elimina esse personagem agitado e irrequieto cuja constante intervenção impede que o sistema imaginário atinja o estado de equilíbrio perfeito e uma situação estática. Detesta o empresário por ser um elemento perturbador. Os preços dos fatores de produção, para o economista matemático, são determinados pela interseção de duas curvas e não pela ação humanaAção Humana, obra citada, pp. 798-799.

[54] Richard R. Nelson foi talvez o primeiro teórico do equilíbrio a perceber o caráter radicalmente diferente do argumento proposto por Mises e Hayek a favor do mercado no seu artigo «Assessing Private Enterprise: An Exegesis of Tangled Doctrine», publicado em Bell Journal of Economics, n.º 12, 1, primavera de 1981. Concordo com a afirmação de Nelson de que a teoria econômica «ortodoxa» do bem-estar carece de relevância. No entanto, não partilho da sua ideia de que as teorias de Hayek, em particular, e da Escola Austríaca, em geral, ainda que sendo relevantes, se encontram num estágio muito rudimentar de desenvolvimento. Tal afirmação só pode ser feita se, por um lado, se considerar «desenvolvida» toda a teoria construída com um alto nível de formalismo matemático, embora seja falsa e irrelevante, e se, por outro lado, se ignorarem as importantes contribuições que em todas as áreas da ciência econômica têm sido desenvolvidas pela Escola Austríaca. Como vimos no final da nota 2, também Mark Blaug acabou por compreender as diferenças essenciais entre o paradigma austríaco e o neoclássico, assim como a irrelevância deste último.

 

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