Um esparadrapo para um paciente com câncer

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One hundred Euro banknotes lay on top of various Swiss Franc notes in this picture illustration at a bank in Warsaw, July 18, 2011. REUTERS/Kacper Pempel
One hundred Euro banknotes lay on top of various Swiss Franc notes in this picture illustration at a bank in Warsaw, July 18, 2011. REUTERS/Kacper Pempel

Semana passada foi uma semana turbulenta para os mercados financeiros.  Esta promete ser igualmente excitante.  Na sexta-feira passada, os nervos só foram acalmados quando houve mais uma rodada de injeção de liquidez orquestrada pelos bancos centrais — desta vez, a oferta de dólares criados pelo Fed foi canalizada para outros bancos centrais, sendo o Banco Central Europeu o principal deles.

Novamente, temos aí mais um exemplo de buscar não a solução da doença, mas sim um mero paliativo para seus sintomas.  Injetar cada vez mais moeda fiduciária no sistema com o intuito de evitar — ou melhor, de adiar — uma urgentemente necessária reestruturação das economias (as quais foram desestruturadas justamente por expansões monetárias anteriores) obviamente não irá resolver o mal-estar fundamental.

Já estamos com quase quatro anos de crise e os bancos ainda precisam de financiamentos de emergência.  Trata-se de uma comprovação sumária de que a estrutura financeira mundial está longe de ser sustentável.

Não é um problema europeu

A crise da dívida do euro não é especificamente um problema europeu, mas sim a versão europeia de um problema global.  Décadas de expansão constante da oferta monetária criaram uma economia global altamente distorcida e uma infraestrutura financeira inchada e excessivamente endividada.  Os problemas fundamentais são hoje os mesmos em todo o mundo: bancos debilitados, dívidas em excesso — principalmente a dívida pública, em crescimento irrefreável — e uma total dependência de (diria até se tratar de um desejo compulsivo por) crédito barato.

Como explico em detalhes em meu livro Paper Money Collapse – The Folly of Elastic Money and the Coming Monetary Breakdown, a atual e persistente expansão da oferta monetária tem inevitavelmente de distorcer e desequilibrar o processo de mercado, levar a distorções nos preços relativos, fazer com que o capital seja alocado de maneira errônea e insustentável, e gerar um grande acúmulo de desequilíbrios econômicos.  A maioria dos observadores ignora estes efeitos.  Eles apenas veem o estímulo de curto prazo gerado por novas injeções monetárias e daí concluem que isso significa crescimento econômico.  Quando não é isso, demonstram preocupações passageiras com o nível de preços.  Uma maior inflação de preços é o único efeito negativo oriundo da criação de dinheiro que eles conseguem compreender.  Trata-se de um grave erro intelectual.

O principal defeito do atual sistema monetário, no qual a oferta monetária fiduciária é expandida constantemente — algo que só passou a existir no atual formato em 1971, quando os últimos elos do dinheiro com o ouro foram cortados —, é que aqueles que estão no comando das impressoras de dinheiro sempre se sentem tentados a impedir processos de liquidação e correção e a estimular o sistema a todo custo, injetando mais dinheiro nas reservas bancárias, reduzindo artificialmente as taxas de juros e estimulando mais endividamentos.  É verdade que isso vem ocorrendo há décadas; porém, ao que tudo indica, chegamos ao ponto de saturação.

Calote — doloroso, sim.  Necessário? — Definitivamente

Um calote da Grécia hoje parece algo bastante provável.  E isso é bastante positivo.  É positivo porque sinaliza uma mudança de rumo em direção ao encolhimento — em direção a dívidas menores, a um estado grego menor, e a uma importante lição para os bancos: jamais pensem que emprestar para governos é algo sem risco!

A exposição dos bancos europeus às dívidas soberanas dos países europeus é estonteante.  Trata-se de um bom indicador do quão severamente distorcido e corrupto é o atual sistema financeiro.  Isso não tem nada a ver com capitalismo.  Isso não tem nada a ver com livre mercado.  Toda essa farsa serve apenas para dar ao ‘capitalismo’ uma má reputação.  Quanto mais cedo tudo isso acabar, melhor.

Com a ajuda dos bancos centrais (os “emprestadores de última instância”) e sob a implícita e explícita proteção estatal, o sistema bancário incorreu, por meio de seu sistema de reservas fracionárias, em uma expansão de dinheiro e crédito em uma escala sem precedentes — com vários desses empréstimos sendo, por sua vez, estendidos aos generosos protetores dos bancos: os governos.  Emprestar a mutuários soberanos costumava ser um negócio, que embora trouxesse baixos retornos, supostamente seguro — e muito lucrativo quando feito em grandes volumes.  Você pode emprestar 5 milhões para uma empresa capitalista instável e cobrar uma taxa de juros pesada, ou você pode emprestar para 5 bilhões para o estado a uma taxa mais baixa.  O que poderia dar errado?

Voltemos à Grécia.  O calote é agora uma grande probabilidade e isso seria um ótimo acontecimento.  Não estou sendo leviano quanto ao sofrimento que isso trará para muitos indivíduos.  Definitivamente haverá atribulações, privações e muitas outras dificuldades.  Porém, qual a alternativa?  A situação simplesmente está além de qualquer chance de reparo.  O estado grego conseguiu se colocar em uma posição insustentável.  E ele não está sozinho nessa — mas provavelmente é o primeiro da fila.

O calote não é o fim do mundo.  O calote envolve o reconhecimento do devedor de que ele se endividou excessivamente e o reconhecimento do credor de que ele emprestou excessivamente.  Ambos sofrem perdas.

Sem socorro

Um pacote de socorro completo para a Grécia parece já ter deixado de ser uma opção.  Os alemães não estão dispostos a bancar a farra — e, sejamos realistas, eles não têm o dinheiro para tal, contrariamente à caricatura feita pela mídia, que dá a entender que a Alemanha é uma usina de força econômica com recursos ilimitados.  É claro que o governo alemão pode tomar dinheiro emprestado a uma taxa de juros menor do que qualquer outro governo da região, mas isso criaria um precedente perigoso: Itália e Espanha seriam os próximos países da fila com o chapéu na mão.

O maior risco para o euro não é um calote da Grécia, mas sim os mercados financeiros acordarem para um panorama de longo prazo bastante sombrio: a solvência dos dois principais países da região, Alemanha e França.  Essa bizarra disposição dos mercados em continuar tratando os títulos da dívida alemã (e, por sinal, os títulos americanos) como ativos absolutamente seguros é uma daquelas facetas da crise que parecem surreais e insustentáveis, mas que ao menos até agora têm permitido que o sistema se mantenha funcionando.  Tropegamente, mas funcionando.  Os alemães não fariam bem a ninguém caso arriscassem a reputação de porto seguro de que seus títulos gozam no mercado financeiro — por mais infundada que tal reputação possa parecer quando se faz uma análise mais detalhada.  No momento em que o mercado começar a crer que os dois principais países da zona do euro estão com problemas, o euro ficará com problemas.

Também parece improvável que o Banco Central Europeu venha a salvar a Grécia.  Ainda assim, uma monetização em larga escala da dívida — com desastrosas consequências para o euro — continua parecendo algo bastante provável.  Tal medida, para mim, representa o maior dos riscos.  No caso, refiro-me ao que ocorreria caso houvesse um calote: os bancos reduziriam seus balancetes e isso geraria uma contração do crédito, a qual não seria permitida por motivos políticos, uma vez que o impacto de curto prazo sobre o crescimento e o emprego seria considerado inaceitável.  Daí a monetização.

E como o sistema irá — cedo ou tarde — se contrair, isso poderá desencadear uma maciça expansão monetária comandada pelos bancos centrais.  Mas creio que isso ainda não irá acontecer por agora — não para a Grécia.

O euro não irá se esfacelar por causa da Grécia

A ideia de que a Grécia teria de sair do euro não faz absolutamente nenhum sentido para mim.  Não vejo nenhum motivo para isso.  A Grécia deveria dar o calote — com efeito, os gregos deveriam simplesmente parar de pagar sua dívida — e a dívida deveria ser reestruturada.  Nada disso tem algo a ver com o euro.

A Califórnia, por exemplo, está completamente endividada, assim como o Illinois.  E se ambos dessem o calote?  Veja bem que este é um cenário que dificilmente pode ser considerado improvável.  Será que tal medida significaria que estes estados teriam de se retirar dos Estados Unidos?  Ou que eles teriam de começar a emitir sua própria moeda?  Um americano comum retiraria os dólares que possui em uma conta bancária em Nova York só porque um destes estados declarou falência?  Enquanto as outras pessoas estiverem aceitando dólares ou euros em troca de bens e serviços, é totalmente desimportante o quão solvente sejam as finanças do estado ou sob qual jurisdição o dinheiro foi emitido.

Dólar e euro são dinheiro fiduciário, pedaços de papel irredimíveis, que não podem ser trocados por nenhum outro instrumento de pagamento, pois já representam a forma de pagamento final.  Tais moedas não constituem um título de reivindicação sobre ativos do estado.  Elas não são dívida.

A eurocracia teme o calote grego não porque isso poderia significar o fim do euro (não poderia), mas por causa do que isso significaria para os bancos na zona do euro (e, consequentemente, para os prognósticos do crescimento de curto prazo) e do que isso significaria para a percepção do mercado quanto aos outros países soberanos, em particular a Itália e a Espanha, os pesos pesados.

É claro que os bancos sofrerão enormes perdas em decorrência de um calote da Grécia.  Isso seria uma oportunidade para permitir que o setor encolhesse.  Trata-se de algo urgentemente necessário, mas que a eurocracia não quer de modo algum.  Qualquer coisa que envolva outra recessão é considerada inaceitável.

Apos a maciça expansão creditícia que terminou em 2007, os bancos estão inchados demais.  Eles não deveriam ser recapitalizados, mas sim encolhidos.  Infelizmente, não deixarão que isso ocorra.

Para os políticos alemães e franceses, será mais fácil socorrer seus próprios bancos do que socorrer a Grécia.  E para o BCE, será mais imprimir dinheiro para manter os bancos vivos e impedir que eles encolham do que impedir que a Grécia dê o calote.

Assim, vamos ter alguma liquidação (a dívida grega), mas também teremos algumas re-liquefações (os grandes bancos).  Não será o fim do euro, mas também não será o fim da crise financeira.

 

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Detlev Schlichter
Detlev Schlichter é formado em administração e economia. Trabalhou 19 anos no mercado financeiro, como corretor de derivativos e, mais tarde, como gerente de portfolio. Nesse meio tempo, conheceu a Escola Austríaca de Economia e, desde então, dedicou seus últimos 20 anos ao estudo autônomo da mesma. Foi apenas após conhecer a Escola Austríaca que ele percebeu o quão mais profundas e satisfatórias eram as teorias austríacas para explicar os fenômenos econômicos que ele observava diariamente em seu trabalho. Visite seu website.

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