Um exame da economia brasileira: reflexões a partir de ciclos econômicos e históricos

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Um ciclo econômico, embora possua complexidades que dificultem sua definição, pode ser considerado, resumidamente, como uma flutuação na economia provocada por fatores naturais, como períodos de alterações climáticas extremas, ou por fatores antrópicos, como por meio da expansão artificial do crédito bancário, sendo esta a forma predominante de ciclos econômicos atualmente. Com o desenvolvimento da tecnologia, torna-se cada vez mais útil a criação de ferramentas que auxiliem a previsão de períodos climáticos extremos, assim como meios de manter-se incólume frente às catástrofes. Entretanto, enquanto os ciclos econômicos de origem natural se tornam cada vez menos relevantes, os ciclos causados pelo homem se intensificam.

O sistema bancário que atua com reservas fracionárias, como se sabe, é capaz de expandir o crédito de modo inversamente proporcional às reservas mantidas em coeficiente de caixa e proporcionalmente à quantidade de dinheiro depositado e à proporção de empréstimos concedidos que retornam para a mesma instituição bancária. O fato de não se manter 100% das reservas de depósitos irregulares em caixa, além de um problema jurídico, fomenta a má alocação de recursos, visto que a maior disponibilidade de crédito como efeito da redução da taxa de juros torna viáveis projetos que anteriormente resultariam em prejuízo. O grande problema é que não há demanda real para estes investimentos e, consequentemente, tem-se a formação de bolhas especulativas que resultam, finalmente, em recessões generalizadas.

A fase de maior expansão não se trata necessariamente de uma expansão da quantidade de investimentos, mas sim de investimentos mal direcionados, ou seja, para setores que não demandavam tais investimentos. Com o arrefecimento do crédito, por diversos motivos, mas em especial por maior prudência dos bancos, as aplicações que antes eram rentáveis começam a retornar prejuízos e, assim, se mostram equivocadas. Com o advento dos bancos centrais a expansão do crédito bancário se intensificou, porquanto agora os bancos comercias se beneficiariam com uma instituição estatal que além de orquestrar o ritmo da expansão, também pode os salvar da insolvência.

A economia atualmente se vê “viciada” em ciclos de oferta de crédito, proporcionada pelo advento das instituições que se propõem a ser uma autoridade monetária. No Brasil a situação não difere desta regra geral, o Banco Central, conhecido popularmente como Bacen, atua financiando os gastos crescentes do Governo Federal e orquestrando o sistema bancário, estipulando um coeficiente mínimo de caixa, o compulsório, e metas para a taxa básica de juros. A economia brasileira frente a esta tensão, encontra-se vulnerável a ciclos de expansão de investimentos insustentáveis que, em um espaço de tempo relativamente menor comparado às nações mais livres economicamente, dão lugar às recessões corretivas[1].

  1. O início do ciclo brasileiro

Recorrendo ao auxilio dos registros históricos, voltamos ao já longínquo e esquecido ano de 2002. A eleição de Lula, de fato histórica, revela o grau de desinteresse da população brasileira com o estudo e a análise de temas sociais, especialmente quando relacionados à Política. Tal desinteresse explicita-se no emergir de um político que não representava ideologicamente as massas, que de fato não se interessavam pela recorrente pauta revolucionária que seu partido defendia, mas que alcança a mais alta notoriedade por seu carisma e persuasão.

Ainda no mesmo ano, como reflexo da insegurança causada pela chegada de um líder socialista à chefia do Governo Federal, a saída de investidores foi intensificada e o egresso de capitais impulsionou o dólar para valores próximos a R$ 4. No ano seguinte a estabilidade retornou quando a equipe econômica surpreendeu adotando medidas consideradas ortodoxas e austeras, assegurando que contratos seriam respeitados, os preços não seriam tabelados e a política fiscal seria prudente. A política paradoxalmente liberal adotada pelo governo petista em 2003 e 2004 potencializou a possibilidade de expansão de crédito pelo sistema bancário, visto que a ampliação artificial das atividades produtivas dificilmente se consubstanciaria em uma economia em processo de transição para o socialismo.

Assim sendo, o que se verificou foi uma brutal expansão do crédito bancário a partir de 2004[2]. Embora as diversas negatividades da ideologia petista já se germinassem no primeiro mandato do homúnculo, a expansão do crédito pelos bancos comerciais se trata antes de um problema jurídico causado e potencializado pela intervenção estatal como um todo do que um problema gerado diretamente pelo Governo Federal (um dos muitos braços do estado).

O processo se dá da seguinte maneira: em primeiro lugar, os depósitos irregulares são detidos como contratos de empréstimo, o cliente entende que seu depósito estará intermitentemente protegido e disponível para o saque, ao seu desejo, enquanto a instituição bancária mantém apenas uma fração deste valor. Como a Lei dos Grandes Números não é válida para situações de incerteza[3], nada garante que todos clientes conseguiriam sacar seu patrimônio, exceto em um caso fantasioso em que uma proporção de depositantes permaneça infindavelmente sem sacar suas reservas. Em segundo lugar, o Banco Central, uma instituição estatal, atua definindo o coeficiente de caixa obrigatório para cada instituição bancária, diminuindo a chance de que um banco aumente o crédito em ritmo mais acelerado que os demais, reduzindo, portanto, a chance de insolvência. Deste modo, a expansão do crédito bancário a partir de 2004 não deve ser atribuída como uma responsabilidade das políticas econômicas do Ministério da Fazenda, mas sim da atuação dos bancos comerciais privados com a devida permissividade e apoio do Bacen.

A expansão do crédito seguiu a mesma tendência de crescimento que se verificava nos Estados Unidos, não obstante, com a crise financeira de 2008, o crédito logo se tornou escasso como efeito do aumento da possibilidade de falências no setor bancário norte-americano. Como se sabe, a diminuição do ritmo de oferta creditícia é um indicador de que uma recessão pode estar próxima. Além disso, vários outros efeitos podem ser verificados: aumento dos preços dos bens de consumo torna os salários relativamente menores incentivando empresários a substituírem equipamentos por trabalhadores (“Efeito Ricardo reverso”), aumento das taxas de juros que foram reduzidas artificialmente, prejuízos nas empresas das etapas de bens de ordens superiores (afastadas do consumo) e liquidação de projetos não rentáveis. Estes efeitos ocorreram nos Estados Unidos revertendo a série de crescimento anual da economia em uma retração de até 5% do PIB entre 2008 e 2009. De modo simultâneo, os bancos privados brasileiros também adotaram uma postura mais prudente quanto a distribuição de crédito, diminuindo o ritmo da expansão a partir de 2008, como efeito do endividamento crescente da população[4]. Naturalmente, teríamos naquele ou no ano seguinte uma recessão corretiva, os investimentos equivocados seriam liquidados, e, provavelmente, a popularidade do presidente seria prejudicada.

Em seu segundo mandato, em 2006, uma nova equipe ministerial tomou posse e o ex-ministro Palocci foi elogiado pelo presidente, que lembrou sua capacidade tomar medidas duras e, embora seja difícil de acreditar, citou que “não existe mágica na economia”[5]. Em um ato aparentemente irracional, Lula iniciou seu segundo mandato com uma equipe econômica diametralmente oposta da equipe anterior.

Agora, já com um novo grupo ministerial encarregado de regular o desenvolvimento econômico, o homúnculo desviou-se da ortodoxia de seu primeiro mandato, aparelhou os fascistóides bancos da união em prol de seu novo projeto, que ulteriormente ficou conhecido como “Nova Matriz Econômica”. A ideia seria estatizar o crédito, transferindo-o, obviamente, para os bancos públicos, que ofertariam o chamado “crédito direcionado”, com ofertas de empréstimos em taxas menores que a SELIC para setores privilegiados. Bancos como Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES protagonizariam o esquema que permitiria a perpetuação daquele projeto político. O gráfico abaixo representa o crescimento do crédito de bancos públicos a partir de 2008 em contraste com a desaceleração do crédito proveniente de bancos privados.

Gráfico 1: evolução do crédito concedido pelos bancos estatais (linha vermelha) e privados (linha azul)

 

Um novo estágio de expansão do crédito prorroga o boom, mas não é capaz de evitar uma recessão ainda pior, como explica Jesús Huerta de Soto:

A chegada da depressão econômica pode ser adiada se forem concedidos créditos adicionais sem cobertura de poupança real a um ritmo crescente, ou seja, se o ritmo da expansão de crédito aumentar a uma velocidade que os agentes econômicos são incapazes de antecipar. O procedimento consiste em conceder doses adicionais de crédito bancário às empresas que tenham iniciado novos projetos de investimento, assim alargando e alongando as etapas do processo produtivo. […] No entanto, embora seja possível atrasar a chegada da depressão por meio deste tipo de procedimentos, e até consegui-lo durante períodos de tempo relativamente longos, esta estratégia está inevitavelmente condenada ao fracasso e tem o grave custo adicional de fazer com que, depois de surgir, a recessão seja muito mais dolorosa, duradoura e profunda[6].

Comparando os dois países, Estados Unidos e Brasil, o que se verificou foi que no primeiro o crédito logo se arrefeceu e, consequentemente, a economia entrou em recessão, enquanto neste a recessão não passou de uma “marolinha”, que sendo postergada, tornar-se-ia um “tsunami” poucos anos depois. A figura a seguir, contendo dois gráficos, ilustra a expansão de crédito total nos Estados Unidos, que cai consideravelmente em 2008, só retornando a subir a partir de 2012. Enquanto isso, no Brasil, a expansão recua timidamente em 200, e, em questão de meses, retorna em subida vertiginosa.

Gráfico 2: evolução do crédito concedido pelos bancos nos Estados Unidos (gráfico superior, linha azul) e pelos bancos no Brasil gráfico inferior, linha vermelha)

 

Em 2010, entra em cena uma nova figura, de pequenez semelhante ao seu predecessor, e dá continuidade ao mesmo esquema de aparelhamento dos bancos públicos, com intensidade ainda maior. Como ainda podemos nos lembrar, o resultado foi um verdadeiro desastre: para se evitar uma subida exponencial dos preços colocou-se em prática a nociva regulação de preços, intervindo no setor elétrico e obrigando a Petrobras a vender combustíveis a preços menores do que o de importação. Além disso, o emergir de operações policiais que investigavam integrantes e pessoas próximas ao governo minaram os pequenos resquícios de prestígio que ainda sobravam.

A realidade é que para prorrogar a recessão que se estabeleceria a partir de 2008, seria necessário prorrogar também a expansão dos empréstimos a juros baixos, de modo que esta se dê a uma taxa maior que a taxa de aumento dos preços de bens de consumo. Caso contrário, o “Efeito Ricardo Reverso” atuaria tornando menos vantajoso o investimento em etapas de produção mais afastadas do consumo. Ademais, caso a expansão monetária em forma de empréstimos continuasse em taxas crescentes a inflação apareceria como um efeito natural, que em algum momento impeliria os agentes econômicos a demandarem menos a moeda em questão, desvalorizando ainda mais seu valor e, além disso, corridas bancárias poderiam acontecer em uma situação crítica. Para evitar a subida de preços que a inflação provocaria, o objetivo do Governo Federal foi controlar preços, como comentamos anteriormente, com o custoso resultado de levar as estatais a uma situação parasitária, como foi o caso da Petrobras.

O resultado inevitável foi o deflagrar de uma dolorosa recessão a partir de 2014. A taxa SELIC retornou a níveis vistos antes da crise de 2008, consequentemente o crédito tornou-se escasso e investimentos, anteriormente viáveis, agora resultariam em prejuízos. Todo crescimento insustentável deu lugar à crise que não apenas liquidou uma série de investimentos, mas causou profundos danos sociais, modificou a dinâmica de crescimento das cidades, aumentou a desigualdade social e como se prevê pela teoria, obras gigantescas foram interrompidas em todo país e, até hoje, muitas destas continuam estagnadas.

  1. Uma análise sociológica

Após a deposição da presidente em 2016, embora o projeto de poder representado pelo partido tenha perdido temporariamente seu prestígio, a ideia de crescimento econômico sem o concomitante crescimento da poupança permanece em voga. A realidade é que frente à opinião pública e à mídia, a teoria econômica austríaca é pouca difundida e influencia poucas pessoas.

Enquanto a possibilidade mágica de criar investimentos sem poupança permanecer na mentalidade da classe política e de economistas, figuras como o homúnculo terão aceitação geral e retornarão aos cargos de liderança, como ocorreu recentemente. Os críticos, mesmo aqueles mais coerentes, se esforçam no exercício de apontar as negatividades mais óbvias: os escândalos de corrupção, as absurdidades morais impostas à população, as tentativas de direcionar a economia ao socialismo. Não obstante, o problema dos ciclos econômicos, que é crítico e é tanto uma questão ética, econômica e política, passa despercebida pela alegada classe intelectual de oposição.

Além de ciclos econômicos, que são em sua maioria causados pela ação de pessoas motivadas pelo desejo de lucro a todo custo e que extrapolam, com auxílio do estado, o limite que a ética impõe, analisaremos também a possiblidade de ciclos históricos, ou sociais, que se revelam no decorrer das formas de como a sociedade e o poder político se organizam ao longo do tempo.  De acordo com a visão que divide a história em fases cráticas[7], atribuída especialmente ao historiador alemão Oswald Spengler e remotamente ao historiador grego Políbio, estaríamos em um período já maduro e decadente de um ciclo de desenvolvimento do cratos político[8]. As fases cráticas representam períodos em que determinadas características se atualizam no poder político e na forma em que este é estruturado. As atuais formas de cracia, se atualizam e se interseccionam com outras, em um emaranhado de possibilidades.

Por exemplo, a democracia marca o final de um ciclo cultural, o início do declínio da sociedade e a separação total das formas iniciais. Com a democracia os eleitos passam a representar interesses financeiros que, com o crescimento do estatismo, são concedidos através de privilégios. A argirocracia (argyrus, prata), é caracterizada pela transformação do estado em uma “empresa” que reduz tudo ao dinheiro. Nossa posição defende que esta forma, a “argirocrática”, na verdade marca o estatismo como uma forma de corromper a moeda, através especialmente da instituição de um banco central, com o intuito de conceder privilégios para determinados estamentos da sociedade. A oclocracia (oclos, a massa das ruas) pode ser definida como a instituição das massas furiosas que protestam por suas reivindicações. Estas três formas representam a decadência do cratos político, e, segundo nossa posição, caracterizaram a história brasileira durante as últimas décadas. A democracia revelou a possibilidade de políticos cada vez menos hábeis intelectualmente conquistarem cargos de liderança, a argirocracia se revelou na corrupção do sistema monetário e, finalmente, a oclocracia mostrou-se naqueles momentos de maior tensão social, quando as massas se revoltaram nas ruas ou mesmo em atos de maior agressividade contra as instituições do estado.

Estas fases cráticas, embora possam se estabelecer cronologicamente, se imiscuem, desaparecem e reaparecem, ora de forma mais intensiva, ora de forma mais extensiva. O fato é que são formas já decadentes de organização do poder político e representam um reflexo do estado de espírito dos homens que constituem essa sociedade. Tais formas já se repetiram, e continuamente retornam para expressar a decadência de uma determinada sociedade, sendo que, uma determinada nação pode estar em uma fase de crise, enquanto outra esteja em uma fase de apogeu. Nações próximas culturalmente costumam compartilhar fases cráticas semelhantes, como se percebe entre os países americanos.

Como paralelo, podemos citar diversas outras épocas em que fases de decadência estiveram patentes. Em Roma, por exemplo, o emergir de governantes inábeis logo deu lugar à corrupção da moeda e à desintegração política e social do Império.  A crise da cultura grega também se processou de modo semelhante, com a decadência das formas políticas refletindo a pequenez dos homens daquela sociedade, como neste trecho de Eric Voegelin, que parece descrever circunstâncias contemporâneas:

[…] Essa sociedade suave, amistosa, não obstrutiva, psicologicamente sagaz e levemente parasita de pequenos homens assustados no jardim é um símbolo apropriado do final da Hélade[9].

  1. Retorno à Ciência Econômica

Já no ano de 2020, como pretexto para resolver problemas epidemiológicos, o alegado governo “liberal” adotou políticas que intensificaram o intervencionismo estatal. Com a liberação em grande escala de auxílios financeiros o efeito foi semelhante ao crédito direcionado ao consumo, a procura por bens de primeira ordem aumentou e, consequentemente, tal expansão monetária provocou a vertiginosa subida dos preços de varejo[10]. Doravante, o “Efeito Ricardo reverso” induz os empresários a direcionarem seus investimentos para setores que retornam mais lucros, neste caso, os setores mais próximos do consumo. Este processo de direcionamento do dinheiro recém criado para bens de ordens inferiores tem como efeito o “estreitamento” da estrutura produtiva, ou seja, os investimentos não serão mais direcionados para setores afastados do consumo e, como consequência, não se verificará um processo de expansão artificial da economia. O resultado não será um boom econômico, mas sim, como se deu de fato, o endividamento massivo da população[11] e a estruturação industrial para a produção de bens de consumo. Para Jesús Huerta de Soto, ao contrário da situação em que a poupança cresce e que, como resultado, o Efeito Ricardo promove a expansão natural dos investimentos para setores bens de ordens superiores, no caso da expansão artificial do consumo o que se tem é um “processo econômico de empobrecimento”[12], ou, como diria Hans-Hermann Hoppe, um processo de descivilização.

A poupança, insistimos, não apenas tem a capacidade de promover o desenvolvimento sustentável da economia, como também reverter os efeitos de redistribuição de renda causados por um ciclo de crescimento da oferta monetária. A deflação decorrente do aumento da poupança engendra um aumento do poder de compra da moeda que, além de favorecer especialmente a população de baixa renda que observará seu salário se valorizar, permite que os recursos que seriam direcionados ao consumo se direcionem para setores afastados dos bens finais.

A situação da economia brasileira, embora nada animadora, não é carente de possíveis soluções. Uma recessão que se prolonga por anos, tem sua manutenção garantida pela intervenção do governo na economia – que obscurece as tentativas da iniciativa privada de reestabelecerem os investimentos bem direcionados e, assim, promover crescimento econômico – ou, como vimos, pela insistência na injeção de crédito bancário na economia. A adoção de medidas de que flexibilizem a economia e obstruam a ação perniciosa do estado são urgentes para a retomada do crescimento de nosso país que se estagnou após a recessão de 2014.

Não obstante, o poder político segue sendo um empecilho para o crescimento econômico. Com o retorno do homúnculo à Presidência da República, as possibilidades de abertura econômica se desvanecem frente às bravatas de seus discursos inflamados.  O desejado estabelecimento dos princípios da economia de livre mercado é o único remédio que se adequa à profunda depressão que o governo petista provocou na economia na década passada. Mas como um cruel carrasco que deseja executar um paciente ainda internado, o novo chefe do Executivo ameaça retornar às políticas de seu segundo mandato, ou ainda pior, às políticas de sua sucessora.

Sendo eleito com um plano de governo escuso, em que ninguém sabia exatamente o que poderia vir a ser, o homúnculo conseguiu o apoio de setores que em 2002 foram céticos com sua eleição. Acreditaram cegamente que seu terceiro mandato poderia ser como o primeiro que, como vimos, foi paradoxalmente ortodoxo quanto à política econômica. O que temos agora é uma tentativa de pressionar o Banco Central a diminuir artificialmente os juros, para deste modo promover mais investimentos. Como se sabe, os juros não podem ser regulados por qualquer critério que não seja puramente arbitrário, assim sendo, diminuir artificialmente os juros possibilitam investimentos que antes não eram possíveis, potencializa o crédito bancário com a dura pena de provocar ciclos econômicos. No caminho inverso, aumentar a taxa de juros além do que se estabeleceria livremente pode minar investimentos que seriam de fato demandados.

O ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles revelou recentemente que, desde o primeiro mandato, Lula o pressionava para reduzir a SELIC em um período de fuga de capitais e desvalorização cambial[13]. Agora, temos uma tensão ainda maior com o atual presidente do Banco Central, enquanto este defende a manutenção da SELIC em 13,75%, o chefe do Executivo defende que os juros sejam reduzidos com o intuito de gerar desenvolvimento econômico. Em sua ideologia, nem se permite pensar na possibilidade de que para se engendrar desenvolvimento econômico sustentável se faz necessária a poupança, e para isso, é imprescindível que os gastos do governo não comprometam o que é poupado pela população.

Aparentemente, o objetivo do novo governo é promover um novo ciclo de desenvolvimento insustentável e, para piorar, se fala em reestabelecer a “função social” dos bancos públicos[14]. A nova abordagem do Ministério da Fazenda é abertamente keynesiana, a estratégia principal para promover o desenvolvimento econômico será o estímulo do consumo e dos gastos governamentais. Como vimos, sem poupança o consumo é insustentável e, a respeito dos gastos governamentais, consideramos não como um acréscimo à produção agregada, mas sim, como um valor a ser subtraído[15]

Embora o crédito bancário tenha voltado a se expandir, como percebemos a partir do gráfico 1, a manutenção de altas taxas de juros e o endividamento da população seguem sendo empecilhos para tal avanço. De todo modo, seria necessário que o crédito crescesse em taxas superiores ao aumento dos preços de bens de consumo para que apenas assim o Efeito Ricardo conduza os investimentos para setores afastados dos bens finais gerando um boom. Sem o devido apoio da instituição que monopoliza a emissão monetária o governo não atingirá suas metas de retomada do investimento através de um novo ciclo de crescimento insustentável. Com a continuidade de uma intensa desvalorização da moeda corrente, sem a retomada da poupança e dos investimentos, e, além disso, com uma possível recessão global podendo se deflagrar em um futuro não tão distante, as previsões para o futuro da economia brasileira não são animadoras.

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Retornando à nossa análise sociológica, lembramos que as fases cráticas citadas davam-se na seguinte cronologia: Democracia (poder popular, ascensão de políticos inábeis), Argirocracia (corrompimento da moeda, segundo nossa posição) e Oclocracia (manifestações populares desordenadas e destruidoras). Este processo evolutivo, para nós, representa um esboço do desenvolvimento da sociedade brasileira e do estado durante as últimas décadas. Estas fases cráticas se interseccionam periodicamente e agora, o que se nota é o surgimento – ou ressurgimento – de uma nova fase. A Cesariocracia, representada pelo poder político já centralizado e entregue figuras autoritárias que visam se perpetuarem através do uso da violência, emerge em nossa sociedade através ameaças à liberdade de expressão, à liberdade de ir e vir, e à propriedade.

O que temos é um cenário em que, não apenas a liberdade econômica é tolhida – seja de modo explícito, através de taxas e regulações, ou de modo implícito, como por exemplo por meio da diminuição do poder de compra da moeda, como efeito da inflação –, mas também liberdades básicas, como citamos. O retorno da censura, por exemplo, é extremamente preocupante, e não deve ser enxergado como um indicador de que a cesariocracia já está cambiante, pelo contrário, ela deve desaparecer e reaparecer juntamente com as outras fases, marcando um processo já crítico e degenerado da sociedade. Embora esta não seja uma análise otimista, o fato é que não devemos nos rebaixar às figuras insignificantes que surgem com o intuito de ditar a economia, a sociedade, e, finalmente, toda individualidade. A iniciativa de sujeitos providos de pensamento crítico é única reação de capaz de ao menos frear os ditames políticos que, no final das contas, só visam inibir a liberdade de seus súditos.

 

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Notas

[1] Há uma série de artigos escritos pelo economista Leandro Roque que motivaram a escrita deste texto. Em sua maioria abordam tópicos da economia brasileira através da visão da Escola Austríaca de Economia. Disponíveis em: https://rothbardbrasil.com/author/leandroroque/

[2] Todos os dados que citaremos sobre a economia brasileira podem facilmente ser encontrados no site do Banco Central: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries

[3] Jesús Huerta de Soto, Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos (Instituto Rothbard, 2013), p.335 – 336.

[4] https://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/08/mais-da-metade-das-familias-tem-dividas-mostra-ipea.html

[5] https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/lula-a-palocci-nossa-relacao-e-mais-que-a-de-um-irmao-9ybzli5nfbe612n4jcsd2ap1q/

[6] Jesús Huerta de Soto, Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos (Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013), p.347.

[7] Kratos, significa poder. Neste caso, nos referimos ao poder político.

[8] A posição que aqui adotamos pode ser encontrada no livro Filosofia da Crise de Mário Ferreira dos Santos, especificamente no capítulo “As fases cráticas na história “, em que se faz uma síntese da filosofia de Oswald Spengler.

[9] Eric Voegelin, Helenismo, Roma e Cristianismo Primitivo. História das Idéias Políticas (É Realizações, 2012), p.116)

[10] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/09/09/ibge-ipca-agosto-2020.htm

[11] https://valorinveste.globo.com/mercados/brasil-e-politica/noticia/2023/01/19/endividamento-das-familias-brasileiras-bate-recorde-em-2022-aponta-cnc.ghtml

[12] Jesús Huerta de Soto, Moeda, Crédito Bancário e Ciclos Econômicos (Instituto Rothbard, 2013), P.352.

[13] https://g1.globo.com/politica/blog/valdo-cruz/post/2023/02/08/meirelles-diz-que-lula-esta-seguindo-politica-de-dilma-na-economia.ghtml

[14] https://exame.com/brasil/lula-defende-que-bancos-publicos-prestem-funcao-social/

[15] Um modelo alternativo ao PIB que, ao invés de acrescentar gastos do governo à produto total da economia, subtrai esse valor, é o PPR (Produto Privado Bruto).

1 COMENTÁRIO

  1. Muito bom o artigo!

    Todavia, não sei se está ocorrendo com outras pessoas, mas aqui os gráficos não estão aparecendo.

    E no trecho seguinte faltou um número:

    “Enquanto isso, no Brasil, a expansão recua timidamente em 200, e, em questão de meses[…]”

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