II. A ECONOMIA DE MERCADO CONTROLADA
1. A DOUTRINA DOMINANTE NA ECONOMIA DE MERCADO CONTROLADA
Com poucas exceções, os comentaristas contemporâneos dos problemas econômicos estão defendendo a intervenção econômica. Essa unanimidade não significa, necessariamente, que eles aprovem as medidas intervencionistas do governo ou outras forças coercitivas. Autores de livros, ensaios e artigos sobre economia e plataformas políticas exigem medidas intervencionistas antes que sejam tomadas, mas, uma vez impostas, ninguém as aprecia. Então, todos—e até mesmo as autoridades responsáveis por elas—qualificam-nas de insuficientes e insatisfatórias. Geralmente, a partir daí, surge a exigência da substituição das intervenções insatisfatórias por outras medidas mais eficientes. E, assim que as novas exigências são atendidas, a mesma cena se repete. O desejo universal do sistema intervencionista tem como contrapartida a rejeição de todas as medidas concretas da política intervencionista.
Às vezes, durante a discussão sobre a revogação parcial ou total de uma medida de controle, alguns se opõem à mudança, embora, via de regra não aprovem tal medida. Seu desejo é impedir medidas ainda piores. Por exemplo, raramente agradam aos pecuaristas as tarifas e normas de inspeção sanitária, adotadas a fim de restringir a importação de animais, carnes e gorduras do exterior. Mas, tão logo os consumidores exigem a revogação ou relaxamento dessas restrições, os fazendeiros levantam-se em sua defesa. Os maiores defensores da legislação trabalhista têm rotulado todas as medidas de controle adotadas até agora de insatisfatórias—no melhor dos casos, são aceitas como parte do que precisa ser feito. No entanto, se qualquer uma dessas medidas vier a ser revogada—por exemplo, o limite legal de oito horas para a jornada de trabalho—eles se levantam em sua defesa.
Qualquer pessoa compreenderá de imediato esse posicionamento diante de determinadas intervenções ao admitir que a intervenção seja sempre ilógica e impertinente, uma vez que nunca chega a atingir os objetivos que seus defensores e autores, perseguiam. É, contudo, digno de nota que se defenda obstinadamente o intervencionismo, apesar de suas deficiências e do fracasso de todas as tentativas de demonstrar a lógica teórica desse sistema. Para a maioria dos observadores, a ideia de voltar aos princípios liberais clássicos parece tão absurda, que raramente se preocupam com ela.
Os defensores do intervencionismo frequentemente apelam para a tese de que o liberalismo clássico pertence ao passado. Hoje, eles nos dizem, estamos vivendo numa era de “política econômica construtiva”, ou seja, na era do intervencionismo. O curso da história não pode voltar atrás, e aquilo que passou não pode ser restaurado. Quem invoca o liberalismo clássico e, desta forma, alardeia que a solução é a “volta a Adam Smith” está pedindo o impossível.
Não é absolutamente verdadeiro que o liberalismo contemporâneo seja idêntico ao liberalismo britânico dos séculos XVIII e XIX. Certamente, o liberalismo moderno baseia-se nas grandes ideias desenvolvidas por Hume, Adam Smith, Ricardo, Bentham e Wilheim Humboldt. Liberalismo, porém, não é doutrina fechada e dogma rígido. É uma aplicação dos princípios da ciência à vida social do homem, a política. A economia e as ciências sociais deram largos passos desde que se introduziu a doutrina liberal. Assim, também o liberalismo teve de mudar, embora seu ideário básico tenha permanecido inalterado. Quem estudar o liberalismo moderno, logo descobrirá as diferenças entre os dois. Concluirá que o conhecimento do liberalismo não pode provir apenas de Adam Smith, e que o pedido de revogação das medidas intervencionistas não corresponde ao movimento chamado “volta a Adam Smith”.
O liberalismo moderno difere do liberalismo dos séculos XVIII e XIX, no mínimo tanto quanto o intervencionismo moderno difere do mercantilismo dos séculos XVII e XVIII. Não faz sentido chamar de anacronismo o retorno ao livre comércio, se o retorno ao sistema de proteção e proibição não for também, considerado um anacronismo.
Escritores que atribuem a mudança na política econômica somente ao espírito da época certamente não admitem explicação científica para o intervencionismo. Dizem que o espírito capitalista foi substituído pelo espírito da economia obstruída. O capitalismo envelheceu e, consequentemente, deve render-se ao novo. E dizem que esse novo é a economia obstruída pela intervenção do governo ou por qualquer outro fator. Quem acreditar, seriamente, que estas afirmações podem refutar as conclusões da economia, com relação aos efeitos dos impostos de importação e controles de preços, certamente estará perdido.
Há outra doutrina popular baseada no conceito equivocado de “livre concorrência”. A princípio, alguns autores criam um ideal de competição livre, em igualdade de condições—como os postulados das ciências naturais. Descobrem, depois, que a ordem da propriedade privada não corresponde absolutamente a esse ideal. Mas, por acreditarem que a realização deste postulado de “competição realmente livre e em igualdade de condições” seja a mais elevada meta da política econômica, eles sugerem várias reformas. Em nome do ideal, alguns exigem uma espécie de socialismo que chamam de “liberal” porque percebem, visivelmente, neste ideal a essência do liberalismo. Outros exigem várias outras medidas intervencionistas. Contudo, a economia não é um grande prêmio em que os participantes competem de acordo com as regras do jogo. Caso se tenha de determinar qual o cavalo que consegue correr certa distância em menos tempo, as condições devem ser iguais para todos os cavalos. Entretanto, será válido tratarmos a economia como um teste de eficiência para determinar qual dos concorrentes, em condições idênticas, pode produzir a preços mais baixos?
A competição como fenômeno social nada tem em comum com as competições esportivas. Transferir o postulado da “igualdade de condições” das regras do esporte ou da organização de experiências científicas e tecnológicas para a política econômica é um equívoco terminológico. Na sociedade, não apenas sob o sistema capitalista, mas sob qualquer sistema social imaginável, existem competições entre os indivíduos. Os sociólogos e economistas dos séculos XVIII e XIX demonstraram como funciona a competição no sistema social baseado na propriedade privada dos meios de produção. Esta foi a parte essencial da crítica que fizeram às medidas intervencionistas da política mercantilista e do estado voltado para o bem-estar. Esses cientistas demonstraram como as medidas intervencionistas eram ilógicas e inadequadas. Aprofundando-se ainda mais nas pesquisas, verificaram que a ordem econômica que melhor atende aos objetivos econômicos do homem é a que tem por base a propriedade privada. Certamente, os mercantilistas indagavam como o povo se arranjaria se o governo o abandonasse. Os liberais clássicos respondiam que a competição entre negociantes acabaria suprindo os mercados com os bens de consumo necessários aos consumidores. De um modo geral, para pedir o fim do intervencionismo, expressavam-se da seguinte forma: a liberdade de concorrência não deve sofrer limitações. Com o slogan da “livre concorrência” exigiam que a função social da propriedade privada não fosse obstruída pela intervenção do governo. Assim, era possível que, equivocadamente, se pensasse que a essência dos programas liberais não era a propriedade privada, mas a “livre concorrência”. Os críticos sociais começaram a perseguir um fantasma nebuloso, a “concorrência genuinamente livre”, que nada mais era que o produto de um estudo insuficiente do problema e uma preocupação exagerada com lemas [1].
A apologia do intervencionismo e a refutação da crítica ás intervenções, por parte da teoria econômica, são expressas de modo muito superficiais. Tomemos como exemplo a afirmação de Lampe de que essa crítica
só se justifica quando se demonstra, ao mesmo tempo, que a ordem econômica existente corresponde ao ideal da livre concorrência. Apenas sob total condição é que toda intervenção feita pelo governo corresponde a uma redução da produtividade econômica. Hoje em dia, porém, nenhum cientista social sério se arriscaria a mencionar tal harmonia econômica preestabelecida da forma como os economistas clássicos e seus discípulos otimistas liberais a concebem. Existem tendências no mecanismo de mercado que proporcionam um ajuste nas relações econômicas rompidas. Mas essas forças prevalecem apenas “a longo prazo”, ao passo que o processo de reajuste é interrompido por atritos mais ou menos acentuados. Isso dá origem a situações em que a intervenção pelo “poder social” pode ser não só politicamente necessária, mas também economicamente conveniente … desde que haja, e que sejam seguidas, recomendações técnicas, disponíveis para o poder público, fundamentadas em análise estritamente científica [2].
É extraordinário que esta tese não tenha sido escrita durante as décadas de 1870 ou 1880, quando os Socialistas de Cátedra ofereciam às altas autoridades seus remédios infalíveis para o problema social e suas promessas para a aurora de dias gloriosos. Foi escrita em 1927. Lampe ainda não compreende que a crítica científica ao intervencionismo nada tem a ver com um “ideal de livre competição” e “harmonia preestabelecida” [3]. Os que analisam cientificamente o intervencionismo não chegam a afirmar que a economia não controlada é de algum modo ideal, boa ou isenta de atrito. Não defendem a tese de que toda intervenção corresponde a uma “redução da produtividade econômica”. Com sua crítica apenas demonstram que as intervenções não podem atingir os objetivos traçados por seus autores e promotores, e que elas devem ter consequências indesejadas mesmo para seus autores e patrocinadores, por lhes contrariarem as intenções. É assim que os defensores do intervencionismo devem responder. Todavia, não apresentam nenhuma resposta.
Lampe apresenta um programa de “intervencionismo produtivo”, que consiste em três pontos [4]. O primeiro é que a autoridade pública “deve, dentro do possível, insistir na redução lenta do nível salarial”. Pelo menos, Lampe não nega que qualquer tentativa, por parte da “autoridade pública”, no sentido de manter os níveis salariais acima daqueles que a ação do mercado teria estabelecido deve, certamente, gerar desemprego. No entanto, negligencia o fato de que sua própria proposta levaria—num grau menor e por um período de tempo limitado—à intervenção que ele próprio sabia ser inconveniente. Em relação a essas propostas vagas e incompletas, os defensores de controles totais levam a vantagem de parecerem lógicos. Lampe critica-me por eu não me preocupar com a duração do desemprego sazonal transitório, que provoca atritos, nem com a, gravidade que este poderá atingir [5]. Ora, sem intervenção, o desemprego.não durará muito tempo nem afetará a muitos. Contudo, não há dúvida de que a proposta de Lampe, se posta em prática, causaria um desemprego prolongado, com sérias e graves consequências. Isso não pode ser negado nem mesmo por Lampe, à luz de sua análise.
De qualquer forma, devemos ter em mente que uma crítica ao intervencionismo não deixa de lado o fato de que, quando algumas intervenções na produção são eliminadas, surgem atritos específicos. Se, por exemplo, todas as restrições à importação fossem suspensas hoje, grandes dificuldades, causadas por essa revogação, se fariam sentir durante algum tempo. Logo depois, porém, haveria uma elevação sem precedentes da produtividade da mão de obra. Esses atritos inevitáveis não podem ser amenizados por um prolongamento regular do tempo destinado à redução da proteção, nem são sempre agravados por tal prolongamento. Contudo, no caso de interferências governamentais nos preços, uma redução lenta e gradual, em vez da abolição imediata, apenas prolonga o tempo em que as consequências indesejáveis da intervenção continuam a ser sentidas.
Os dois outros pontos do “intervencionismo produtivo” de Lampe não requerem crítica especial. Aliás, um deles nem é intervencionista e o outro na verdade, visa à abolição da intervenção. No segundo ponto de seu programa, Lampe exige que a autoridade pública elimine os numerosos obstáculos institucionais que reprimem a mobilidade ocupacional e regional da mão de obra.
Mas isso significa a eliminação de todas as medidas governamentais e sindicalistas que impedem a mobilidade e corresponde, basicamente, à antiga exigência do laissez passer, exatamente o oposto do intervencionismo. E, no terceiro ponto, Lampe sugere que a autoridade política central faça “um exame antecipado e fidedigno da situação econômica geral”, o que certamente não é intervenção. Um exame geral da situação econômica pode ser útil para todos, até mesmo para o governo, na medida em que, a partir dele, se pode chegar à conclusão de que não deve, de modo algum, haver interferência.
Quando comparamos o programa intervencionista de Lampe com outros de alguns anos atrás, reconhecemos como as reivindicações de sua escola se tornaram modestas. Esse é um progresso do qual os críticos do intervencionismo podem se orgulhar.
2. A TESE DE SCHMALENBACH
Ao examinar a pobreza e a esterilidade do conteúdo intelectual de quase todos os livros e monografias em defesa do intervencionismo, devemos observar a tentativa de Schmalenbach de provar a inevitabilidade da “economia obstruída”.
Schmalenbach parte da suposição de que a intensidade de capital da indústria está em constante crescimento. Isto leva à conclusão de que os custos fixos se tornam cada vez mais importantes, ao passo que os custos proporcionais vão perdendo a importância.
O fato de ser fixada uma cota sempre maior para os custos de produção provoca o fim da antiga era de economia livre e o princípio de uma nova era de economia controlada. Os custos proporcionais incidem, caracteristicamente, sobre todo item produzido, toda tonelada entregue… Quando os preços caem abaixo dos custos de produção, a produção é reduzida, com economia correspondente dos custos proporcionais. Mas, se o grosso dos custos de produção consiste em custos fixos, um corte de produção não reduz os custos de forma correspondente. Então, quando os preços caem, é inútil compensar a queda com cortes na produção. É mais barato continuar a produção a custos médios. Naturalmente, o negócio passa a sofrer um prejuízo que, contudo, é menor do que seria o acarretado por cortes na produção, aliados a custos praticamente sem redução. Desta forma, a economia moderna, que tem altos custos fixos, se vê privada dos recursos que, automaticamente, coordenam produção e consumo e, desse modo, restauram o equilíbrio econômico. A economia perde a capacidade de ajustar a produção ao consumo porque uma grande parte dos custos proporcionais perdeu a flexibilidade [6].
Esta transferência dos custos de produção dentro da empresa “quase que por si só” está “levando-nos da velha ordem econômica para a nova”. “A antiga grande fase do século XIX, a época da livre empresa, só era possível, quando os custos de produção em geral, eram, de fato, proporcionais. Deixou de ser possível, quando a proporção dos custos fixos passou a tornar-se cada vez mais significativa”. Como o aumento dos custos fixos ainda não parou e, provavelmente, continuará por muito tempo, é evidente que não se espera contar com a volta da economia livre [7].
A princípio Schmalenbach oferece provas de uma relativa elevação nos custos fixos, observando que o crescimento contínuo do volume da empresa ”está necessariamente relacionado com a expansão, ainda que relativa, do departamento que está à frente de toda a organização” [8]. Tenho minhas dúvidas a esse respeito. A superioridade de uma grande empresa consiste, entre outras coisas, em manter custos administrativos inferiores aos das empresas menores. O mesmo acontece com os departamentos comerciais, especialmente os setores de vendas.
Naturalmente, Schmalenbach está inteiramente certo quando enfatiza que os custos de administração, bem como muitos outros custos gerais, não podem ser reduzidos substancialmente quando a empresa trabalha apenas com a metade ou com uma quarta parte de sua capacidade. Contudo, à medida, que os custos de administração calculados por unidade de produção caem com o crescimento da empresa, passam a ser menos importantes nessa fase de grandes negócios e empresas gigantescas, do que eram antes, na fase de operações menores,
Todavia, Schmalenbach coloca ênfase apenas nisso: ele enfatiza também a elevação de grande aplicação do capital. Acredita que pode, simplesmente, concluir, a partir da formação contínua de novo capital e da aplicação progressiva em máquinas e equipamentos—o que, incontestavelmente, ocorre numa economia capitalista —, que a proporção de custos fixos subirá. Primeiro, porém, ele deve provar que, de fato, este é o caso de toda a economia, não apenas de empresas isoladas. De fato, a continuidade da formação de capital conduz a um declínio na produtividade marginal do capital e a um aumento na do trabalho. A parte que vai para o capital baixa, e a que vai para o trabalho se eleva. Schmalenbach não considerou esse ponto, que nega a própria premissa de sua tese [9].
Mas vamos ignorar também esta falha e examinar a doutrina de Schmalenbach em si. Vamos questionar se uma elevação relativa dos custos fixos pode, realmente, acarretar uma atitude empresarial que prive a economia de sua capacidade de ajustar a produção à demanda.
Vejamos uma empresa que, desde seu início—ou em decorrência de uma mudança de situação —, não atinge suas expectativas primordiais. Quando foi constituída, seus fundadores esperavam do capital de investimento não só que fosse amortizado e pagasse a taxa de juros devida, mas também que desse algum lucro. E, no entanto, não foi isso o que aconteceu. O preço do produto caiu tanto, que passou a cobrir apenas uma parte dos custos de produção—sem nem mesmo cobrir os custos de juros e amortização. Um corte na produção não pode amenizar a situação, não pode tornar o empreendimento lucrativo. Quanto menos se produzir, mais altos serão os custos de produção por unidade e maiores os prejuízos na venda de cada unidade (de acordo com nossos pressupostos de que os preços fixos são muitos altos em relação aos custos proporcionais, independente até dos custos de juros e amortização). Há apenas uma forma de se sair da dificuldade: fechar as portas. Essa é a única maneira de se evitarem prejuízos maiores. Naturalmente, a situação pode não ser sempre tão simples. Há esperança, talvez, de que o preço do produto suba novamente. Nesse caso, a produção não é interrompida porque as desvantagens do fechamento são consideradas superiores aos prejuízos operacionais durante os períodos de crise. Até recentemente, as estradas de ferro mais deficitárias encontravam-se nessa situação, porque os carros e os aviões passaram a concorrer com elas. Contando com um aumento de tráfego, as ferrovias esperavam obter lucros algum dia. Mas, se essas condições especiais não ocorrerem, a produção paralisará. Empresas, trabalhando em condições menos favoráveis, desaparecem, o que estabelece o equilíbrio entre a produção e a demanda.
O erro de Schmalenbach está em crer que o corte na produção—necessário por causa da queda dos preços—deve ocorrer juntamente com um corte proporcional de todas as operações existentes. Ele se esqueceu de que há, ainda, uma outra possibilidade, qual seja, a de paralisação total de todas as fábricas, que funcionam em condições desfavoráveis, já que não podem mais resistir à competição de fábricas que produzem a custos inferiores. Isso acontece principalmente no caso de indústrias que produzem matéria-prima e produtos de primeira necessidade. Nas indústrias de acabamento, em que fábricas isoladas normalmente manufaturam vários itens, para os quais as condições de produção e mercado podem variar, pode-se ordenar um corte que limite a produção aos itens mais lucrativos.
Isso é o que acontece em uma, economia ativa, sem a intervenção do governo. Portanto, é extremamente errôneo sustentar que uma elevação dos custos fixos impeça nossa economia de equilibrar produção e demanda.
É verdade que, se o governo interferir neste processo de ajuste através da imposição de medidas protecionistas de dimensões adequadas, surge uma nova possibilidade para os produtores: eles podem formar um cartel para colher as vantagens monopolísticas das reduções na produção. Evidentemente, a formação de cartéis não resulta de algum processo da economia livre, mas é consequência da intervenção do governo, através da medida protecionista. No caso do carvão e dos tijolos, os custos com transporte—que, aliás, são bastante elevados em relação ao valor do produto—podem, sob certas condições e sem a intervenção do governo, levar à formação de cartéis que têm uma eficiência local limitada. Certos metais são encontrados em tão poucos lugares que, mesmo numa economia livre, os produtores podem tentar formar um cartel mundial. Mas não se pode dizer que todos os outros cartéis devam sua existência à intervenção, em vez de a uma tendência da economia livre. De um modo geral, os cartéis internacionais só podem ser formados, porque importantes áreas de produção e consumo são protegidas do mercado mundial por barreiras tarifárias.
A formação de cartéis nada tem a ver com a relação entre custos fixos e proporcionais. O fato de a formação de cartéis nas indústrias de acabamento se processar mais lentamente do que nas indústrias de matéria-prima não se deve à elevação mais lenta dos custos fixos, conforme Schmalenbach acredita, mas à complexidade da manufatura de bens mais próximos do consumo, o que torna muito complicados os acordos de cartéis. Outra causa é a distribuição da produção entre muitas empresas, o que as torna mais vulneráveis quando da competição com outras que venham a surgir.
Os custos fixos, de acordo com Schmalenbach, estimulam as empresas a expandirem-se, mesmo que não haja demanda. Em todas as fábricas há instalações muito pouco usadas. Mesmo as fábricas que operam com capacidade total, trabalham com custos decrescentes. Para utilizar melhor as instalações, a fábrica é ampliada. “Assim, indústrias inteiras estão expandindo suas capacidades sem que haja a justificativa de aumento da demanda” [10]. Prontamente admitimos que isso acontece na Europa contemporânea, com suas políticas intervencionistas, e, principalmente, na Alemanha, com seu sistema altamente intervencionista. A produção expande-se levando em conta a redistribuição de cotas de cartéis,—ou quaisquer outras considerações do gênero, em vez de levar em conta o mercado. Essa é outra consequência do intervencionismo, não um de seus fatores originários.
Mesmo Schmalenbach, cujo pensamento econômico se opõe ao de outros observadores, não pôde evitar o equívoco que, de um modo geral, caracteriza a literatura alemã sobre economia. É incorreto considerar o desenvolvimento na Europa e, principalmente, na Alemanha, sob a influência de medidas altamente protecionistas, uma consequência das forças do mercado livre. É óbvio que as indústrias alemãs de ferro, carvão e carbonato de potássio funcionam sob o efeito de medidas protecionistas—e, no caso do carvão e do potássio, também sob outras intervenções governamentais, que estão obrigando à formação de sindicatos. Consequentemente, é inteiramente incorreto tirar conclusões a respeito da economia livre a partir do que está acontecendo nessas indústrias. A “ineficiência permanente”, tão acirradamente criticada por Schmalenbach [11], não é ineficiência da economia livre, mas da economia controlada. A “nova ordem econômica” é fruto do intervencionismo.
Schmalenbach está convencido de que, num futuro não muito distante, chegaremos a uma situação em que as organizações monopolizadoras receberão seu poder monopolístico do estado e o estado supervisionará “o desempenho das obrigações que cabem ao monopólio” [12]. Certamente, se por algum motivo rejeitarmos a volta a uma economia livre, a conclusão de Schmalenbach está inteiramente de acordo com aquela a que qualquer análise econômica dos problemas do intervencionismo deve chegar. O intervencionismo, enquanto sistema econômico, é inadequado e ilógico. Uma vez que se reconheça isso, resta-nos a escolha entre suspender todas as restrições, ou expandi-las para formar um sistema no qual o governo toma todas as decisões econômicas, no qual o estado determina o que produzir, como produzir e declara em que condições e para quem os produtos devem ser vendidos; é de fato um sistema socialista no qual, da propriedade privada, restará no máximo o nome [13].
Não me cabe nesta análise, fazer um estudo sobre a economia de uma comunidade socialista, uma vez que já tratei desse assunto em outra obra.
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Notas
[1] Ver a crítica desses equívocos em Halm, Die Konkurrenz (A concorrência), Munique e Leipzig, 1929, principalmente p. 131 et seq.
[2] Lampe, Notstandarbeiten oder Lohnabbau? (Serviços públicos ou reduções de salários?) Iena, 1927, p. 104 et seq.
[3] Quanto à “harmonia preestabelecida”, ver, adiante, o ensaio “Antimarxismo”, de minha autoria.
[4] Lampe, op. cit., p. 127 et seq.
[5] Ibid., p. 105.
[6] Schmalenbach, “Die Betriebswirtschaftslehre an der Schwelle der neuen Wirtschaftsverfassung” (As doutrinas de administração comercial no alvorecer de uma nova constituição econômica), in Zeilschrift für Handeiswhsenschaltetche Forschung (Revista de pesquisa de comércio), 229 ano, 1928, p. 244 et seq.
[7] Ibid., p. 242 et seq.
[8] Ibid., p. 243,
[9] Ver Adolf Weber, Das Ende des Kapitalismus (O fim do capitalismo), Munique, 1929, p. 19.
[10] Schmalenbach, op. cit., p. 245.
[11] Ibid., p. 247.
[12] Ibid., p. 249 et seq.
[13] Veja Mises, Die Gemeinwirtschaft, Iena, 1922, p. 94 et seq. (Edição em língua inglesa: Socialism(Londres, Jonathan Cape. 1936). p. 111 et seq.).