Uma Crítica ao Intervencionismo

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V. TEORIA DO CONTROLE DE PREÇOS

1.  INTRODUÇÃO [1]O conhecimento de que a constelação do mercado determina os preços com precisão, pelo menos em determinadas faixas, é relativamente novo.  Alguns autores mais antigos podem ter tido uma noção pouco clara disto, mas foi só com os fisiocratas e com os economistas clássicos que se elaborou um sistema de relações de câmbio e mercado.  A ciência da cataláctica, assim, substituía o indeterminismo da teoria, que dava explicações para os preços a partir da procura dos vendedores e não via outros limites para preços que não o valor justo.

Quem acredita que a formação de preços é arbitrária, logo chega à conclusão de que os preços devem ser fixados por controle externo.  Se o vendedor não tiver consciência e pedir mais do que é “justo”, por não temer a ira de Deus, uma autoridade terrena deve intervir a fim de ajudar a impor a justiça.  Devem então ser impostos preços mínimos para determinados artigos e serviços, sobre os quais se acredita, sem muita lógica, que os compradores poderiam ter poder para forçar um desvio do preço justo.  O governo é chamado a intervir, uma vez que prevalecem a desordem e a arbitrariedade.  A doutrina prática baseada no conhecimento da economia científica e da sociologia—ou seja, liberalismo—rejeita qualquer intervenção por supérflua, inútil e prejudicial.  É supérflua porque estão em ação forças internas que limitam a arbitrariedade das partes em negociação.  É inútil porque o objetivo do governo de baixar os preços não pode ser atingido através de controles.  E é prejudicial porque desencoraja a produção e o consumo daquelas práticas que, do ponto de vista do consumidor, são as mais importantes.  Às vezes, o liberalismo tem considerado altamente inaceitável a intervenção do governo.  É claro que o governo pode dar ordens para regular os preços e punir violadores.  Por conseguinte, teria sido mais adequado que o liberalismo não considerasse inaceitável o controle de preços, mas sim inconvenientes, na medida em que vão contra os propósitos de seus defensores.  A exposição que se segue poderá demonstrar essa inconveniência.

O liberalismo foi logo substituído pelo socialismo, que procura substituir a propriedade privada dos meios de produção pela propriedade pública.  O socialismo, como tal, não precisaria rejeitar o conhecimento científico do preço; supõe-se que fosse capaz de reconhecer a utilidade desse conhecimento em função da compreensão dos fenômenos de mercado na sua própria ordem econômica.  Para fazê-lo, seria preciso concluir que a interferência nos preços—governamental ou qualquer outra—é tão supérflua, inútil e prejudicial quanto o liberalismo diz que são.  De fato, as doutrinas do marxismo contêm, além de exigências e princípios totalmente incompatíveis entre si, os germes da percepção desse fato evidenciado não só pelo ceticismo diante da crença de que os salários podem ser elevados pelas táticas dos sindicatos, mas também pela rejeição de todos os métodos que Marx chama de “burgueses”.  Mas, no mundo da realidade marxista, o estatismo é dominante.  Em teoria, estatismo é a doutrina da onipotência do estado que, na prática, se reflete na política de governo para dominar todos os assuntos, através de ordens e proibições.  O ideal social do estatismo é um tipo especial de socialismo, tal como o socialismo estatal, ou, em certas circunstâncias, o socialismo religioso ou militar.  Aparentemente, o ideal social do estatismo não é diferente do ideal do sistema social do capitalismo.  O estatismo não procura destruir o tradicional sistema legal e converter formalmente toda a propriedade privada de produção em propriedade pública.  Reivindica apenas a nacionalização das maiores empresas industriais, tais como as de mineração e transporte.  Na agricultura, bem como na produção em escala média e pequena, a propriedade privada deve ser preservada formalmente.  Contudo, em sua substância, todas as empresas deveriam ser dirigidas pelo governo.  Nestas condições, os proprietários conservariam seus nomes e marcas registradas no seu produto e teriam direito a uma renda “apropriada” ou “adequada à sua posição social”.  Todo negócio torna-se uma repartição e toda ocupação um serviço público.  Não há lugar para uma independência empresarial em qualquer das variantes do socialismo estatal.  Os preços são fixados pelo governo, e é o governo que determina o que deve ser produzido, como deve ser produzido e em que quantidade.  Não há especulação, nem lucros “extraordinários”, nem perdas.  Não há inovação, à exceção do que é determinado pelo governo.  O governo orienta e supervisiona tudo.

Uma das peculiaridades da doutrina estatista é que ela pode prever a vida social do homem apenas em termos de seu especial ideal socialista.  A semelhança externa entre o “estado social”, enaltecido pelo estatismo, e o sistema social, baseado na propriedade privada da produção, impede que se veja a diferença essencial que os separa.  Para o estatista, qualquer diferença entre os dois sistemas sociais é simplesmente uma irregularidade temporária e uma violação de ordens governamentais, passível de punição.  O estado, depois de afrouxar as rédeas, volta a encurtá-las para que, assim, tudo fique da melhor forma possível.  O fato de que a vida social do homem está sujeita a certas condições, à regularidades como a da natureza, é um conceito ignorado pelo estatista.  Para ele, tudo é poder, e poder visto inteiramente à luz do materialismo.

Embora o estatismo não tenha tido êxito em suplantar os outros ideais socialistas com seu próprio ideal, conseguiu derrotar todos os outros ramos do socialismo na prática política.  Apesar de suas opiniões e objetivos divergentes, hoje, todos os grupos socialistas procuram influenciar os preços de mercado através de intervenção e pressões externas,

A teoria do controle de preços deve investigar os efeitos da interferência governamental sobre os preços de mercado no sistema de propriedade privada.  Não é função sua analisar os controles de preços num sistema socialista que formalmente e na aparência externa, preserve a propriedade privada, mas que usa os controles de preços para orientar a produção e o consumo.  Nesse caso os controles têm uma importância meramente técnica e não influência sobre a natureza do problema.  E esses controles, por si mesmos não configuram uma diferença entre sociedade socialista, que os usa, e as outras sociedades socialistas, que se organizam, segundo linhas diferentes.

A importância da teoria de controle de preços torna-se evidente na argumentação de que há, ainda, um terceiro sistema social, além daquele que se baseia na propriedade privada e o fundamentado na propriedade pública; esse terceiro sistema é o que mantém a propriedade privada dos meios de produção, mas “regulada” pela intervenção do governo.  Os Socialistas de Cátedra e os Solidaristas, juntamente com inúmeros estatistas e partidos políticos poderosos, continuam acreditando na possibilidade de que, por um lado, o terceiro sistema desempenhe uma função importante na interpretação da história econômica durante a Idade Média e, por outro, constitua o fundamento teórico do intervencionismo moderno.

 

2.  CONTROLE DE PREÇOS

 

Controles Sancionadores.  Podemos denominar de controles “sancionadores” aqueles que estabelecem preços tão próximos aos que o mercado livre estabeleceria, que apenas consequências insignificantes poderiam surgir.  Estes controles desempenham uma função simplesmente limitada, não alcançando consideráveis objetivos econômicos através da interferência das forças de mercado.  O governo pode apenas aceitar os preços de mercado e sancioná-los com sua intervenção.  Ocorre o mesmo, quando o governo impõe preços-teto acima dos preços de mercado, e preços mínimos, abaixo deles.  O caso é ligeiramente diferente, quando o governo impõe controles a fim de forçar o monopolista a cobrar preços competitivos em vez de elevar os preços monopolísticos.  Se o governo criar monopólios ou limitar o número de competidores, promovendo, desse modo, acordos monopolísticos, deverá, sem dúvida, lançar mão dos controles de preços, se não quiser forçar os consumidores a pagar os preços monopolísticos.  Em nenhum desses casos o resultado da intervenção do governo representa um desvio de preço em relação ao mercado ativo.

A situação é um pouco diferente quando o controle do governo, em certas condições, priva um vendedor da oportunidade de pedir e obter um preço que seja mais alto do que poderia normalmente obter.  Se, por exemplo, o governo tabelasse o preço das corridas de táxis, os motoristas ficariam impedidos de tirar vantagens nos casos em que os passageiros estivessem dispostos a pagar acima da tabela.  O turista rico que chega a uma estação ferroviária desconhecida, tarde da noite, em meio a um temporal acompanhado de crianças pequenas e com volumosa bagagem, pagará de bom grado uma tarifa bem mais elevada, para ir a um hotel distante, se tiver de disputar com outros passageiros os poucos ou talvez o único táxi.  Com ganhos extraordinários provenientes de oportunidades excepcionais, os motoristas poderiam, quando o negócio estivesse fraco, cobrar tarifas inferiores à tabela a fim de aumentar a demanda de seus serviços.  Contudo, a intervenção do governo elimina a diferença entre a tarifa, em épocas de grande demanda e de pouca demanda, estabelecendo uma tarifa média.  Ora, se o governo fixar tarifas que são ainda mais baixas que o preço médio ideal, temos um genuíno controle de preços, sobre o qual voltarei a falar mais adiante.

Acontece o mesmo quando o governo, apesar de não estabelecer preços diretamente, força o vendedor, tal como um proprietário de restaurante, a fixar os preços.  Em decorrência dessa imposição, o vendedor fica impedido de tirar vantagem de situações extraordinárias em que poderia obter um preço mais alto de certos compradores.  Ora, impedido de cobrar mais em situações favoráveis, ele dificilmente poderá cobrar menos em situações desfavoráveis.

Outros controles de preços visam impedir lucros imprevistos que podem ser colhidos em condições extraordinárias.  Se a central elétrica de uma cidade, por algum motivo, paralisasse o fornecimento de energia, por alguns dias, os preços das velas disparariam, e os comerciantes, que tivessem grande estoque de velas, obteriam lucros extraordinários.  Suponhamos que o governo intervenha e estabeleça um preço-teto para as velas, forçando, ao mesmo tempo, a venda, enquanto houver estoque.  Essa medida não terá efeito permanente no fornecimento de velas, desde que o defeito da usina seja rapidamente reparado.  A intervenção do governo só terá consequências futuras, na medida em que comerciantes e produtores, considerando as paralisações de energia, calculem os preços e os estoques de velas.  Se os comerciantes previrem que, em situações análogas, o governo vai intervir de novo, o preço cobrado em situações de normalidade subirá e o incentivo para maiores estoques será reduzido.

Controles Genuínos.  Podemos denominar controles de preços “genuínos” aqueles que estabelecem preços diferentes daqueles que o mercado livre estabeleceria.  Se o governo procurar fixar um preço acima do preço de mercado, normalmente recorrerá aos preços mínimos.  Se o governo procurar fixar um preço abaixo do preço de mercado, normalmente imporá preços-teto.

Vamos primeiro considerar o preço-teto ou máximo.  O preço que surge naturalmente de um mercado livre, corresponde a um equilíbrio de todos os preços.  Nesse ponto, preço e custo coincidem.  Agora, se uma ordem do governo exigir reajuste, se os vendedores forem forçados a vender suas mercadorias a preços mais baixos, esse preço de venda será inferior aos custos do produto.  Consequentemente, os vendedores ou refrearão as vendas—exceto quando se tratar de mercadorias perecíveis ou que percam seu valor—ou reterão seu estoque, na esperança de que o tabelamento seja logo suspenso.  Em contrapartida, os compradores em potencial não poderão comprar a mercadoria desejada.  Comprarão, se possível, algum substituto, que em outras circunstâncias não teriam comprado.  (Deve ser observado, também, que os preços dessas mercadorias substitutas devem subir por causa da maior procura).  O governo, porém, nunca teve a intenção de provocar tais efeitos.  Queria apenas que os compradores usufruíssem de mercadorias a preços mais baixos; não era seu desejo, em absoluto, privá-los da oportunidade de comprá-las.  Por conseguinte, a tendência do governo é complementar os preços-teto, ordenando que se venda toda a mercadoria por aquele preço, enquanto houver estoque.  Nesse ponto, os controles de preços enfrentam sua maior dificuldade.  A interação do mercado gera um preço em que oferta e procura tendem a coincidir.  O número de compradores em potencial, dispostos a pagar o preço de mercado, é suficientemente grande para que todo o suprimento de mercado venha a ser vendido.  Se o governo fizer descer o preço abaixo daquele que o mercado livre estabeleceria, a mesma quantidade de mercadoria enfrentará um número maior de compradores em potencial, que estão querendo pagar o preço oficial mais baixo.  A oferta e a procura deixarão de coincidir, a procura excederá a oferta e o mecanismo de mercado, que tende a equiparar procura e oferta através das mudanças de preço, deixará de funcionar.

Passam a ser eliminados, por mero acaso, os compradores que a oferta existente não pode satisfazer.  Talvez os compradores que cheguem primeiro, ou os que tenham ligações pessoais com os vendedores consigam obter a mercadoria que desejam.  A guerra recente, com suas inúmeras tentativas de controle de preços, fornece exemplos de ambos os casos.  Ao preço oficial, a mercadoria poderia ser comprada ou por um amigo do vendedor ou por uma pessoa que se antecipasse para aproveitar a vantagem.  O governo, entretanto, não pode ficar satisfeito com essa seleção de compradores.  Quer que todos adquiram a mercadoria a preços baixos e gostaria de evitar situações em que as pessoas não possam, com o dinheiro que possuem, obter mercadorias.  O governo, portanto, se vê na contingência de ir além da ordem de vender, recorrendo ao racionamento.  A quantidade de mercadoria que chega ao mercado não é mais deixada a critério de vendedores e compradores.  O governo agora distribui a mercadoria disponível e oferece a todos, ao preço oficial, aquilo a que têm direito, segundo o regulamento do racionamento,

Contudo, o governo não pode parar por aqui ainda.  A intervenção mencionada até agora se refere apenas ao suprimento disponível.  Quando este estiver esgotado, os estoques vazios não serão reabastecidos, porque os custos da produção não são mais cobertos.  Se o governo quiser assegurar suprimento para os consumidores, deve emitir uma ordem para produzir.  Se necessário, deve fixar os preços de matérias-primas e produtos semimanufaturados e, eventualmente, também, níveis salariais, forçando comerciantes e trabalhadores a produzirem e a trabalharem com base nos preços estabelecidos.

Pode-se, portanto, facilmente concluir que não é concebível recorrer a controles de preços achando que são uma intervenção isolada na propriedade privada.  O governo não tem como conseguir o resultado desejado e, por conseguinte, considera necessário caminhar, passo a passo, desde a intervenção isolada no preço até o controle total sobre a força de trabalho e os meios de produção, sobre o que é produzido, como é produzido e como é distribuído.  A intervenção isolada na operação de mercado apenas interrompe o serviço para os consumidores e força-os a procurar substitutos para os artigos que consideram mais importantes; assim, deixa de atingir o resultado pretendido pelo governo.  A história do socialismo na guerra ilustrou com clareza esse fato.  Os governos que optaram por interferir nas operações de mercado sentiram a necessidade de, a partir da interferência isolada nos preços originais, ir chegando, passo a passo, à socialização completa da produção.  Essa passagem poderia ter ocorrido mais rapidamente, se o controle governamental sobre os preços tivesse sido observado com mais firmeza e se os mercados negros não tivessem burlado os regulamentos.  O fato de o governo não ter dado o passo final—a nacionalização de todo o sistema de produção—se deve à antecipação do fim da guerra e, consequentemente, do término da economia de guerra.  Quem observar uma economia de guerra verá com clareza todas as fases já mencionadas: no início, o controle de preços; depois, as vendas forçadas dos estoques; depois, o racionamento; depois, a regulamentação da produção e distribuição; e, finalmente, as tentativas de planejamento centralizado de toda produção e distribuição.

Os controles de preços representaram um papel especialmente importante na história da desvalorização da moeda e da política inflacionária.  Repetidamente, os governos tentaram impor preços antigos, apesar da desvalorização da moeda e da expansão da moeda em circulação.  Voltaram a essa tentativa quando do mais recente e maior de todos os períodos inflacionários: a Guerra Mundial.  No mesmo dia em que teve início a guerra, a imprensa foi posta a serviço da Fazenda: os preços elevados eram punidos criminalmente.  Suponhamos que no início essa medida tenha tido êxito.  Esqueçamos o fato de que o fornecimento de mercadorias foi reduzido pela guerra, o que afetou a relação de troca entre bens de consumo e dinheiro.  Vamos, ainda, ignorar a maior demanda de dinheiro decorrente do atraso na liberação de dinheiro ou limitações do sistema de compensação e outras restrições.  Desejamos simplesmente analisar as consequências de uma política que visa estabilizar os preços, enquanto a quantidade de dinheiro é aumentada.  A expansão da base monetária cria uma nova demanda que não existia antes, o chamado “novo poder aquisitivo”.  Quando os novos compradores competem com os que já estão no mercado, e não se permite o aumento dos preços, apenas uma parte da demanda pode ser satisfeita.  Há compradores em potencial, dispostos a pagar o preço de mercado, mas não encontram oferta.  O governo, que está colocando em circulação o dinheiro recentemente emitido, procura, desse modo, redirecionar artigos de utilidade e serviços de seus usos anteriores para outros usos mais convenientes.  Quer comprá-los, não quer requisitá-los, o que, certamente, poderia fazer.  Sua intenção é que o dinheiro, apenas o dinheiro, seja capaz de comprar tudo, e que os compradores em potencial não sejam frustrados na sua busca de bens econômicos.  Afinal, o governo, ele próprio, também quer comprar, quer utilizar o mercado e não destruí-lo.

O preço oficial está destruindo o mercado em que artigos de utilidade e serviços são trocados por dinheiro.  Sempre que possível, a troca continua de outras formas.  Por exemplo, as pessoas recorrem a transações por escambo, isto é, trocas sem interação de dinheiro.  O governo, que não vê com bons olhos essas transações, uma vez que não possui mercadorias cambiáveis, não pode aprovar tal procedimento.  Entra no mercado apenas com dinheiro e, portanto, espera que o poder aquisitivo da unidade monetária não seja mais reduzido, pelo fato de os portadores de dinheiro não poderem conseguir as mercadorias que desejam, usando seu dinheiro.  Como comprador de artigos e serviços, o governo não pode aderir ao princípio de que os preços antigos não devem ser desrespeitados.  Em suma, o governo, como emissor do novo dinheiro, não escapa às consequências descritas pela teoria da quantidade.

Se o governo impuser um preço mais alto que o determinado pelo mercado livre, proibindo a venda a preços mais baixos (preços mínimos), a procura necessariamente cai.  Ao preço de mercado mais baixo, oferta e procura coincidem.  Ao preço oficial mais alto, a oferta tende a acompanhar a demanda e alguns bens de consumo trazidos ao mercado não encontram comprador.  Ao impor o preço mínimo, a fim de assegurar aos vendedores vendas lucrativas, o governo não pretendia chegar a esse resultado.  Consequentemente, tem de recorrer a outros meios, que novamente, passo a passo, vão levando-o ao controle total dos meios de produção.

Particularmente importantes são os preços mínimos que estabelecem níveis salariais (salários mínimos).  Estes níveis podem ser determinados diretamente, pelo governo ou indiretamente, através da atuação política dos sindicatos, visando estabelecer salários mínimos.  Quando, através de greves ou ameaças de greves, os sindicatos impõem salários superiores aos estabelecidos pelo mercado livre, fazem isto só porque contam com o auxílio do governo.  A greve torna-se eficiente, quando impede que se efetive a proteção da lei e de administradores aos trabalhadores dispostos a trabalhar.  Na verdade, é irrelevante para nossa análise que o sistema de repressão, que impõe os controles, seja o sistema estatal “legítimo”, ou um sistema sancionado, investido de poder público.  Se um salário mínimo, que excede o nível salarial do mercado livre, for imposto numa indústria privada, os custos de produção dessa indústria sofrerão uma elevação, o preço do produto final deve subir e, em contrapartida, as vendas devem diminuir.  Os trabalhadores perdem, então, o emprego e os salários de outras indústrias são reduzidos.  Até esse ponto, podemos concordar com a teoria do fundo salarial quanto aos efeitos de altas salariais fora do mercado: o que os trabalhadores de uma indústria estão ganhando, corresponde ao que perdem os trabalhadores de outras indústrias.  Para evitar tais consequências, a imposição do salário mínimo deve ser acompanhada da proibição de dispensar trabalhadores.  A proibição, por sua vez, reduz o índice de retorno da indústria porque empregados, mesmo desnecessários, têm que ser pagos, ou então são utilizados e pagos, com base na produção integral, enquanto o produto é vendido com prejuízo.  A atividade individual, então, tende a declinar.  Para evitar tudo isso, o governo deverá intervir outra vez, com novas leis.

Se o salário mínimo não for limitado a algumas indústrias, mas for imposto a todas as indústrias de uma economia isolada, ou à economia mundial, a elevação dos preços dos produtos decorrentes disso pode levar a uma redução no consumo.  O aumento dos salários vai elevar o poder aquisitivo dos trabalhadores, que passam a ter condições de comprar os produtos de preços mais altos que chegam ao mercado.  (Para ser exato, pode haver deslocamentos dentro das indústrias).  Se os empresários e capitalistas não quiserem consumir seu capital, devem limitar seu próprio consumo, já que sua renda em dinheiro não subiu e não podem, portanto, pagar os preços mais altos.  Na medida em que ocorre essa redução de consumo dos empresários, a alta geral dos salários deu aos trabalhadores uma efetiva participação nos lucros empresariais e na renda dos bens de capital.  A elevação real do nível de vida dos trabalhadores é visível no contexto em que os preços não se elevam, em função do montante da alta de salário decorrente da redução de consumo dos empresários e capitalistas.  Em outras palavras, a elevação dos preços ao consumidor é menor que a dos salários.  No entanto, sabe-se perfeitamente que, mesmo se toda a renda derivada dos bens de capital fosse dividida entre os trabalhadores, suas rendas individualmente subiriam muito pouco, o que deve afastar qualquer ilusão relativa a essa redução na renda dos bens de capital.  Se admitíssemos, porém, que a subida de salários e a elevação de preços devem distribuir, se não toda, uma grande parte da renda real dos empresários e capitalistas entre os trabalhadores, devemos ter em mente que os primeiros querem viver e, consequentemente, consumirão seu capital por falta de renda empresarial.  A eliminação da renda de capital pelas coercitivas altas de salários obrigatórias leva simplesmente ao consumo do capital e, consequentemente, à redução contínua da renda nacional.  (A propósito, qualquer tentativa de abolir a renda dos bens de capital deve ter a mesma consequência, a menos que seja feita através da nacionalização total de produção e consumo).  Se, novamente, o governo procurar evitar esses efeitos indesejáveis, não haverá outra alternativa, do ponto de vista do estatismo, senão tomar dos proprietários o controle dos meios de produção.

Nossa análise diz respeito apenas aos controles de preços destinados a estabelecer preços diferentes dos preços do mercado livre.  Se os controles visassem forçar a baixa dos preços monopolísticos, as consequências seriam bem diferentes.  O governo pode, então, intervir efetivamente, onde quiser, na faixa entre o mais alto preço monopolístico e o mais baixo preço competitivo.  Em certas condições, os controles de preço podem impedir os lucros monopolísticos específicos de um monopolista.  Suponhamos, por exemplo, que, numa economia isolada, um cartel de açúcar esteja retendo os preços do açúcar acima dos preços que o mercado livre estabeleceria.  Neste caso, o governo poderia impor um preço mínimo para a beterraba mais alto que o preço do mercado livre.  Os efeitos do controle de preços, porém, não poderiam aparecer, enquanto a intervenção apenas absorvesse o lucro monopolístico específico do monopolista do açúcar.  Os efeitos do controle de preços só se fariam sentir, quando fosse fixado um preço tão elevado para a beterraba, que a produção de açúcar não seria mais lucrativa, mesmo ao preço monopolístico; o monopólio do açúcar seria forçado a elevar os preços e a reduzir a produção, de acordo com a retração da procura.

 

1.      A IMPORTÂNCIA DA TEORIA DE CONTROLE DE PREÇOS PARA A TEORIA DA ORGANIZAÇÃO SOCIAL

 

O conhecimento teórico mais importante que se pode adquirir numa análise básica dos efeitos de controles de preços, é que o efeito da intervenção é diametralmente oposto ao que se pretendia conseguir.  O governo, se quiser evitar consequências desagradáveis, não pode parar na mera interferência no mercado.  Deve continuar, passo a passo, até finalmente tomar o controle da produção das mãos dos empresários e capitalistas.  Não importa, então, como vai regular a distribuição de renda, se vai garantir ou não uma situação preferencial de renda aos empresários e capitalistas.  O que importa é que o governo pode não se satisfazer com uma simples intervenção e prosseguir até a nacionalização dos meios de produção.  Esse resultado nega a teoria de que há uma forma intermediária de organização (a economia “controlada”) entre o sistema de propriedade privada e o sistema de propriedade pública.  Na primeira, apenas a interação das forças de mercado pode determinar os preços.  Se o governo, de alguma forma, impedir esta interação, a produção perde seu significado e torna-se caótica.  O governo deverá, então, assumir o controle, a fim de evitar o caos que gerou.

Dessa forma, devemos concordar com os liberais clássicos e alguns antigos socialistas que acreditavam ser impossível, no sistema da propriedade privada, eliminar a influência do mercado sobre os preços e, consequentemente, sobre a produção e distribuição, através do estabelecimento de preços que se diferenciam dos preços de mercado.  Não era doutrinarismo vazio, mas um conhecimento profundo dos princípios sociais, que os levava a enfatizar as duas únicas alternativas: propriedade privada ou propriedade pública, capitalismo ou socialismo.  De fato, para uma sociedade com base na divisão de trabalho há, apenas, essas duas possibilidades; formas intermediárias de organização são concebíveis apenas no sentido de que alguns meios de produção podem ser de propriedade pública, enquanto outros são de propriedade privada.  Contudo, sempre que a propriedade estiver em mãos de particulares, a intervenção do governo não pode eliminar o preço de mercado, sem abolir, simultaneamente, o princípio que regula a produção.

 

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Notas

[1] Handwörterbuch der Staatswissensckaften (Manual de ciências sociais), 4 ed., vol.  VI, 1923.

[2] Não estamos levando em consideração as forças monetárias que influenciam nos preços.

 

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Ludwig von Mises
Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de 'praxeologia'.

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