Uma Crítica ao Intervencionismo

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IV. ANTIMARXISMO

Na Alemanha e na Áustria do pós-guerra, ganha firmemente expressão na política e nas ciências sociais um movimento que pode ser melhor definido como “antimarxismo” [1].   Ocasionalmente, os seguidores desse movimento também usam este rótulo [2], mas seu ponto de partida, seu modo de pensar e lutar e suas metas não são de forma alguma uniformes.   O principal vínculo que os une é sua declaração de hostilidade ao marxismo.   Cumpre observar que eles não atacam o socialismo, mas o marxismo, que reprovam por não ser o tipo certo de socialismo, por não ser aquele que é verdadeiro e desejável.   Seria, também, um erro grave afirmar—como fazem os escandalosos intelectuais dos partidos Social Democrata e Comunista—que este antimarxismo aprova, ou de alguma forma defende o capitalismo e a propriedade privada dos meios de produção.   A linha de pensamento adotada, não importa qual seja, não é menos anticapitalista do que a marxista.Somente no antimarxismo científico analisaremos a linha a ser seguida.   O antimarxismo na política prática será abordado superficialmente, apenas na medida em que isso for absolutamente essencial para a compreensão do movimento intelectual.

 

1.   MARXISMO NA CIÊNCIA ALEMÃ

 

De um modo geral, podem ser chamados de marxistas só os autores que, como membros do partido marxista, são obrigados a indicar, em suas obras, as doutrinas marxistas sancionadas pelas convenções do partido.   Seu conhecimento não pode ir além da “escolástica”.   Suas obras visam à preservação da “pureza” da doutrina verdadeira, e suas provas consistem em citações de autoridades—em última instância, Marx e Engels.   Repetidamente, concluem que a ciência “burguesa” desmoronou completamente e que só no marxismo se pode encontrar a verdade.   Qualquer de suas obras termina com a afirmativa tranquilizadora de que, no paraíso socialista futuro, todos os problemas sociais terão solução satisfatória.

Essas obras marxistas são significativas apenas porque promoveram as carreiras de seus autores.   Elas nada têm a ver com a ciência e, como mostraremos, nem mesmo com a ciência alemã, tão influenciada pelas doutrinas de Marx.   Nem um único pensamento surgiu das obras volumosas dos seguidores.   Só restam obras de má qualidade e extremamente repetitivas.   Os grandes debates, que sacudiram os partidos marxistas—sobre o revisionismo, a ditadura etc. —, não foram científicos; foram discussões puramente políticas.   Os métodos científicos usados para conduzi-los foram completamente estéreis aos olhos de todos os não eruditos.   Somente Marx e Engels influenciaram a ciência alemã.   Seus seguidores não exerceram qualquer influência.

Durante as décadas de 1870 e 1880, o socialismo de estado e de cátedra assumiu o poder na Alemanha.   Os economistas clássicos abandonaram a cena.   Os austríacos, menosprezados por serem considerados excêntricos, foram os únicos autores que contribuíram para a economia moderna, que, assim como a sociologia [3] ocidental, permaneceu, a princípio, totalmente desconhecida.   Além disso, ambas eram suspeitas de manchesterismo.   Só se admitiam as análises históricas e estatístico descritivas, e uma convicção “social”, isto é, o Socialismo de Cátedra, era a exigência mais importante para um reconhecimento por parte dos eruditos acadêmicos.   Talvez por causa dessa afinidade, e apesar dela, os Socialistas de Cátedra opuseram-se à Social Democracia.   Eles mal prestaram atenção a Marx e Engels, que eram considerados muito “doutrinários”.

Isso começou a mudar quando surgiu uma nova geração de discípulos dos homens que, em 1872, fundaram a Associação de Política Social.   Essa geração nunca participou de cursos sobre economia teórica em universidades.   Conhecia os economistas clássicos apenas de nome e acreditava que eles tivessem sido superados por Schmoller.   Pouquíssimos foram os que leram ou mesmo viram os trabalhos de Ricardo ou Mill.   Mas tiveram de ler Marx e Engels, o que era absolutamente necessário, porque tinham que lutar contra a florescente Social Democracia.   Escreveram livros, a fim de contestar Marx.   Como resultado desse empenho, eles mesmos e seus leitores sofreram influência das ideias marxistas.   Por causa de seu desconhecimento de toda teoria econômica e sociológica, ficaram inteiramente vulneráveis às doutrinas de Marx.   Rejeitaram as exigências políticas mais radicais de Marx e Engels, mas adotaram as teorias em formas mais brandas.

Esse marxismo dos alunos logo teve efeito sobre os professores.   Em seu artigo “Poupança, Economia e Método Econômico” [4], Schmoller mencionou que Jevons disse “corretamente” de Ricardo que “ele pôs o vagão da economia política no trilho errado”.   Com visível satisfação, Schmoller acrescentou, então, que segundo Hashach “foi o mesmo trilho que a burguesia inglesa quis seguir”.   Continuando, Schmoller afirma que, por muito tempo, durante a luta da Escola Historicista Alemã contra o “bitolamento” de Ricardo, “muitos seguidores da velha escola” acreditavam que estavam seguindo os passos metodológicos de Adam Smith.   Assim, muitos não estavam cientes “de que suas teorias tinham se tornado doutrinas de classe restritas” [5].   Para Schmoller, não se pode negar ao socialismo “nem justificativa para sua existência, nem alguns efeitos bons”.   “Nascido como uma filosofia da miséria social, ele representa um ramo da ciência que se adapta aos interesses dos trabalhadores, da mesma maneira que a filosofia natural pós-Adam Smith se tornou uma teoria a serviço dos interesses capitalistas” [6].

Podemos ver claramente como as noções do marxismo penetraram fortemente nas ideias de Schmoller, acerca do desenvolvimento histórico dos sistemas econômicos.   Tiveram ainda maior influência no caso de Lexis, cuja teoria de juros, segundo Engels, é “meramente uma paráfrase da teoria de Marx”‘, Böhm-Bawerk, que concordou com Engels neste particular, observou (em 1900) que as teorias de juros de Dietzel e Solsmann estão, também, intimamente ligadas à opinião de Lexis, e que, também, frequentemente, encontramos ideias e pronunciamentos semelhantes na literatura econômica contemporânea.   Parece ser “uma tendência que está entrando em moda” [7].

Na economia, essa moda não durou muito tempo.   Para a geração de discípulos dos fundadores da Escola Historicista mais nova, Marx era o teórico em economia por excelência.   Mas quando alguns discípulos desses discípulos começaram a voltar as atenções para os problemas da economia teórica, a reputação de Marx, como teórico, rapidamente desapareceu.   Finalmente, as realizações da economia teórica, no exterior e na Áustria, durante as duas últimas décadas, foram reconhecidas na Alemanha.   Observou-se, então, quanto era pequena e insignificante a posição que Marx ocupava na história da economia.

Todavia, a influência do marxismo na sociologia alemã continuou a crescer.   Em sociologia, mais do que na economia, os alemães ignoravam as realizações do ocidente.   Como começaram um pouco tarde a lidar com problemas sociológicos, conheciam somente uma ideologia: a filosofia marxista da história e a doutrina de luta de classes.   Ela se tornou o ponto de partida para o pensamento sociológico alemão e, através dos problemas que apresentou, influenciou fortemente mesmo aqueles autores que se esforçaram por rejeitá-la mais vigorosamente.   A maioria não repudiou a doutrina em si, mas suas consequências políticas e práticas.   Na maioria dos casos, caracterizaram a doutrina marxista como exagerada, acusaram-na de ir longe demais, ou de ser parcial demais e, portanto, procuraram completá-la acrescentando novas doutrinas raciais e nacionalistas.   A insuficiência básica do conjunto de problemas marxistas e o fracasso de todas as tentativas para solucioná-los não foram absolutamente entendidos.   Esses autores iniciaram a pesquisa histórica da origem da filosofia social marxista, ignorando, porém, as poucas ideias possivelmente viáveis que tinham sido anteriormente elaboradas, de forma bem mais concisa na França e Inglaterra, por homens como Taine e Buckle.   Além do mais, seus interesses principais concentravam-se naquela época em um problema extremamente insignificante para a ciência—a famosa doutrina da “decadência” do estado.   No que diz respeito a este caso, assim como ocorreu com a maioria de suas outras doutrinas, Marx e Engels apenas procuraram achar palavras de ordem para promover agitações.   Por um lado, queriam combater o anarquismo e, por outro, visavam demonstrar que a “nacionalização” dos meios de produção, exigida pelo socialismo, nada tinha em comum com a nacionalização e municipalização, exigidas pelo socialismo estatal e municipal.   Era compreensível, do ponto de vista da política partidária, que a crítica ao estatismo do marxismo visasse principalmente este ponto Parecia muito convidativo revelar a contradição interna da doutrina social marxista e confrontar “os inimigos do estado”, Marx e Engels, com um adepto do estado: Lassalle [9].

O fato de que a ciência alemã tenha rejeitado a.   doutrina social utilitarista do século XVIII explica o sucesso da doutrina social marxista na Alemanha.

A doutrina social teológico-metafísica explica e postula a sociedade, sob um ponto de vista que vai além da experiência humana.   Deus—ou a “natureza”, ou qualquer valor objetivo—deseja que a sociedade se organize de uma certa forma a fim de que possa alcançar um destino desejado.   O homem deve amoldar-se a esse desígnio.   Pressupõe-se que a submissão ao corpo social imponha sacrifícios ao indivíduo, pelos quais não receberá compensação, a não ser a certeza de que agiu bem e a esperança de ser recompensado num outro mundo.   As doutrinas teológicas e algumas doutrinas metafísicas acreditam que a providência guia os homens de boa vontade em sua caminhada, e orienta os recalcitrantes através de religiosos ou de instituições dedicadas ao serviço de Deus.

O individualismo opõe-se a essa doutrina social.   Ele quer saber de ambas as posições, religiosa e metafísica, por que o indivíduo deve ser sacrificado em prol da sociedade.   O argumento seguinte, que atinge os alicerces da filosofia social teológico-metafísica, corresponde à distinção, bastante comum na Alemanha, entre a doutrina social coletivista (universalista) e a doutrina individualista [10].   Mas é um erro fatal acreditar que essa classificação abrange todas as doutrinas sociais concebíveis.   Ela falhou, particularmente, ao influenciar a filosofia social moderna, fundamentada no utilitarismo do século XVIII.

A doutrina social utilitarista não se dedica à metafísica, mas tem como ponto de partida o fato estabelecido de que todos os seres vivos afirmam a sua vontade de viver e crescer.   A maior produtividade efetuada com a divisão de trabalho, quando comparada com a ação isolada, produz uma união cada vez mais forte entre indivíduos em associação.   Sociedade é divisão e associação de trabalho.   Em última análise, não há conflito de interesse entre a sociedade e o indivíduo, já que cada um pode perseguir seus interesses com mais eficiência na sociedade, do que atuando isoladamente.   Os sacrifícios que o indivíduo faz em prol da sociedade são meramente temporários: cede numa pequena vantagem, a fim de conseguir outra maior.   Essa é a essência da frequentemente citada doutrina da harmonia de interesses.

A crítica estatista e socialista nunca entendeu a “harmonia preestabelecida” da escola de livre comércio desde Smith até Bastiat.   Sua aparência teológica não é fundamental para a doutrina.   A sociologia utilitarista procura explicar o desenvolvimento da sociedade desde a vida supostamente eremita do homem, na era pré-histórica, ou desde o tempo em que menos interferência exercia no curso da história conhecida.   Ela procura explicar os vínculos sociais do homem através da história e o auspicioso progresso futuro do homem no sentido da associação, a partir de princípios que existem em todo indivíduo.   De acordo com as considerações teleológicas, a associação é considerada “boa” e louvável.   Uma alma fiel, à procura da compreensão do desenvolvimento social, vê o princípio da associação como um plano sábio de Deus.   Não poderia ser diferente: a virtude, ou melhor, a divisão de trabalho, agora e no futuro, emana da natureza humana.   A divisão do trabalho é considerada um bom meio, em função dos seus resultados positivos, ainda que, de diferentes pontos de vista, pudesse parecer vil, fraca ou deficiente.   Para Adam Smith, nem mesmo a fraqueza do homem é “sem utilidade”; e conclui: “Cada parte da natureza, quando atentamente examinada, demonstra igualmente o cuidado providencial de seu autor, e podemos admirar a sabedoria e a bondade de Deus, mesmo na fraqueza e na loucura dos homens” [11].   Obviamente, o tom teísta é somente um apêndice que facilmente poderia ser substituído pelo termo “natureza”, conforme Smith faz em outras passagens de seu livro, onde fala do “grande Diretor da Natureza” ou, simplesmente, da “Natureza”.   As doutrinas sociais de Smith e Kant não diferem nem no posicionamento, nem nos pontos de vista básicos.   Kant também tenta explicar como a “natureza” guia o homem para a meta estabelecida para ele.   A única diferença entre Smith e Kant consiste no fato de que Smith teve êxito ao restringir a formação da sociedade a fatores cuja presença no homem pode ser provada empiricamente, enquanto Kant só pôde explicar a sociedade a partir de um pressuposto: a “inclinação” do homem para a associação e uma segunda inclinação para a desassociação, antagonismo do qual surge a sociedade.   Kant, entretanto, não esclarece o modo como isto se processa [12].   

Cada ponto de vista teleológico pode ser revestido por uma aparência teísta, sem qualquer mudança no seu caráter científico.   Por exemplo, a doutrina da seleção natural de Darwin pode ser facilmente apresentada, de tal maneira, que a luta pela sobrevivência transformasse num sábio planejamento do Criador para o desenvolvimento das espécies.   E cada observação teleológica evidencia harmonias, isto é, como aquele que resiste até o final do processo de desenvolvimento provém de forças atuantes.   O fato de as condições cooperarem harmoniosamente significa apenas que conduzem ao efeito que cabe a nós explicar.   Se deixarmos de chamar um determinado estado de coisas de “bom”, todos os dogmas da doutrina permanecem intactos.   A explicação de como um certo estado de coisas “necessariamente” resultou de determinadas condições, que não podem ser analisadas com maior profundidade, independe da avaliação que podemos fazer desse estado.   As críticas à noção de “harmonia preestabelecida” não atingem a substância, atingem apenas a expressão da teoria social utilitarista.

Sem modificação na substância, a doutrina social do marxismo pode também ser compreendida como o anúncio de uma harmonia preestabelecida.   A dialética da realidade social necessariamente conduz do mundo primitivo para a meta final, o paraíso socialista.   O lado insatisfatório dessa doutrina é seu conteúdo; as palavras continuam a não ter importância.

Os opositores da teoria social utilitarista gostam de combatê-la por seu “racionalismo”.   Contudo, toda explicação científica é racionalista.   Sempre que a mente humana não pode compreender, os instrumentos da ciência não podem dominar.   Esta crítica frequentemente não leva em consideração o fato de que a teoria social liberal não explica a formação e o desenvolvimento de vínculos e de instituições sociais como iniciativas conscientemente direcionadas para a formação de sociedades, conforme as versões ingênuas da teoria do contrato as explicam.   Essa teoria vê as organizações sociais “como o resultado irrefletido dos esforços específicos individuais dos membros da sociedade” [13].

A incompreensão, que prevalece com relação à doutrina da harmonia, repete-se de forma diferente com relação à propriedade.   Podemos defender a opinião de que o sistema da propriedade privada é a forma superior de organização social—isto é, podemos ser liberais—assim como podemos acreditar que o sistema da propriedade pública é superior—isto é, podemos ser socialistas.   Mas, quem aderir à primeira opinião, estará adotando a doutrina de que o sistema da propriedade privada serve aos interesses de todos os membros da sociedade, não apenas ao dos proprietários [14].

Partimos da hipótese de que não existem conflitos de interesses insolúveis, dentro do sistema da propriedade privada, mesmo reconhecendo que o comportamento belicoso se torna mais raro, à medida que crescem o alcance e a intensidade da relação social.   Guerras externas e internas (revoluções, guerras civis) serão tanto mais fáceis de serem evitadas, quanto mais a divisão de trabalho unir os homens.   O ser beligerante, o homem, torna-se um industrial, o “herói” torna-se um “comerciante”.   As Instituições democráticas servem para eliminar a ação violenta dentro do estado, uma vez que procuram manter ou fazer acordos entre os desejos daqueles que governam e daqueles que são governados.

Ao contrário dos utilitaristas, que acreditam que a propriedade privada assegura maior produtividade do trabalho, os socialistas mais antigos estavam convictos de que era o sistema de propriedade pública que poderia trazer maior produtividade, o que exigia a abolição do sistema de propriedade privada.   Devemos distinguir este socialismo utilitarista do socialismo que toma como ponto de partida uma teoria social teísta ou metafísica e que invoca um sistema de comando, porque este é mais conveniente para promover empiricamente valores não testados que a sociedade deve adotar.

Fundamentalmente, o socialismo de Marx diverge destas duas variedades de socialismo, que ele chama de “utópicas”.   Certamente, Marx também pressupõe que o método socialista de produção é responsável pela maior produtividade de mão de obra do que o sistema da propriedade privada.   Mas nega que a solidariedade de interesses exista, ou sempre tenha existido na sociedade.   A solidariedade de interesses, de acordo com Marx, pode existir somente dentro de cada classe.   Contudo, é o conflito de interesses existente entre as classes que explica por que a história de todas as sociedades tem sido uma história de lutas de classes.

Para um outro grupo de doutrinas sociais, os conflitos também constituem a força acionadora do desenvolvimento social.   Para essas doutrinas, a guerra entre raças e entre nações constitui a lei básica da sociedade.

O erro comum a ambos os grupos que defendem a sociologia da luta de classes é o descaso em relação a qualquer princípio de associação.   Eles se empenham em mostrar por que deve haver guerra entre as classes, raças e nações.   Entretanto se esquecem de mostrar por que existe, ou pode existir, paz e cooperação entre as classes, raças e nações.   Não é difícil detectar a razão dessa negligência.   É impossível demonstrar um princípio de associação que exista somente dentro de uma coletividade e seja inoperante fora dela.   Se a guerra e a discórdia são as forças que acionam todo o desenvolvimento social, por que isso só valeria para as classes, raças e nações, e não para todos os indivíduos?  Se levarmos esta sociologia de luta à sua.   conclusão lógica, não chegaremos à doutrina social alguma, mas a “uma teoria da insociabilidade” [15].

Nada disso poderia ser entendido na Alemanha, Hungria e nos países eslavos, por causa da hostilidade básica existente, desde o início, contra todo pensamento utilitarista.   Como a moderna sociologia é baseada no utilitarismo e na doutrina de divisão de trabalho, foi sumariamente rejeitada.   Esta é a principal razão da relutância dos eruditos alemães em lidar com a sociologia, e da luta que moveram tão tenazmente, durante décadas, contra a sociologia como ciência.   Desde que a sociologia não foi bem-vinda, seria preciso encontrar um substituto.   Dependendo da sua posição política, esses pensadores adotaram uma das duas “teorias da insociabilidade”, que acentuavam o princípio do conflito, e deixaram totalmente de lado qualquer busca de um princípio de associação.

Esta situação científica explica o sucesso que a sociologia marxista conseguiu alcançar na Alemanha, assim como no Leste Europeu.   Quando comparada com as doutrinas de conflito racial e nacional, tinha a vantagem de oferecer, pelo menos, num futuro remoto, uma ordem social com um princípio coerente de associação.   Sua resposta foi mesmo muito mais aceitável, porque era otimista e mais satisfatória para alguns leitores, do que as doutrinas que nada ofereciam em matéria de história, exceto uma luta inglória de uma raça nobre contra a supremacia de raças inferiores.   Quem procurava ir além em seu otimismo e era menos exigente no que se refere à precisão científica, encontrou a solução para o conflito não só no paraíso socialista do futuro, mas também já no “reinado social”.

Desta forma o marxismo dominava o pensamento alemão na sociologia e na filosofia da história.

A sociologia popular alemã adotou, acima de tudo, o conceito de classe, essencial na sociologia marxista.   Spann observou corretamente: “até os chamados economistas da classe média estão usando o termo “classe”, em relação às mesmas questões que eram levantadas pelo materialismo histórico de Marx”, e da mesma forma como os marxistas o usavam [16].   A adoção desse conceito se revestiu de características peculiares a Marx e a Engels, assim como de incerteza, imprecisão e obscuridade, características que, mais adiante, seriam repetidas pelos Partidos Social Democrata e Comunista.   Durante os trinta e cinco anos que decorreram entre a publicação do Manifesto Comunista e a sua morte, Marx não conseguiu de modo algum definir com mais precisão o conceito da luta de classes.   E é significativo que o original póstumo do terceiro volume do Das Kapital pare, abruptamente, no ponto exato em que devia tratar das classes.   Desde a morte de Marx, já se passaram mais de quarenta anos, e a luta de classes tornou-se a pedra angular da moderna sociologia alemã, mas ainda continuamos a aguardar sua definição e delimitação científicas.   Não menos vagos são os conceitos de interesses de classes, condições de classes e luta de classes, assim como as ideias sobre as relações entre condições, interesses de classes e ideologia de classes.

Para Marx e seus partidários, os interesses de cada classe são irreconciliavelmente opostos aos das outras.   Cada classe conhece precisamente seus interesses e sabe como conquistá-los.   Só pode haver portanto, luta ou, na melhor das hipóteses, um armistício.   A ideia de que, em algumas circunstâncias, a luta de classes possa cessar, antes que a felicidade socialista seja alcançada, ou de que as circunstâncias possam moderar a luta é sumariamente rejeitada.   Não existe entidade superior que possa abranger as classes e dissolver os conflitos.   As noções de pátria, nação, raça e humanidade são meros disfarces para o único fato real, que é o conflito de classes.   Todavia, a sociologia popular não vai tão longe.   Poderia ser como Marx a descreve, mas não precisa ser assim e, acima de tudo, não deveria ser desse modo.   O interesse egoísta das classes deve ser posto à parte, a fim de servir aos interesses da nação, da pátria e do estado.   E o estado, como um princípio de razão acima das classes, como realização do ideal e da justiça, deve intervir e provocar uma situação social na qual a classe de proprietários seja impedida de explorar os não proprietários, de modo que a luta de classe dos proletários contra os proprietários se torne supérflua.

Ao adotarem a doutrina da luta de classes, os sociólogos estatistas alemães adotaram a parte mais importante da filosofia marxista da história.   Para eles, o sistema parlamentar britânico, com todas as suas instituições democráticas, que a doutrina liberal tanto louva, é mera expressão da supremacia da classe burguesa.   A partir da forma pela qual os alemães interpretam a história britânica contemporânea, conclui-se que o estado britânico e suas instituições são mais repreensíveis por serem capitalistas e plutocráticos.   O conceito britânico de liberdade choca-se com o conceito alemão.   Eles veem a grande revolução francesa e os movimentos das décadas de 1830 e 1840, como movimentos de classe da burguesia.   O fato de os principados terem prevalecido sobre os rebeldes de 1848 na Alemanha é considerado muito positivo, porque prepararam o caminho para o governo social dos imperadores Hohenzollern, que permaneceram acima das classes e dos partidos.   Para os estatistas e marxistas alemães, o imperialismo moderno das potências aliadas provém da propensão capitalista à expansão.   Os estatistas também adotaram uma boa parte da teoria de superestrutura marxista, quando descreveram a economia clássica como uma serva dos interesses dos empresários e da burguesia.   O exemplo acima mencionado ilustra como isto se aplica mesmo a Schmoller.

Deve-se observar que nenhum exame crítico precedeu a adoção das doutrinas marxistas básicas.   A atenção dos estatistas concentrou-se no abrandamento do ataque marxista à ideologia do estado e suas ramificações políticas, durante a liderança prussiana na Alemanha, e na adaptação das doutrinas marxistas às ideias do estado socialista e conservador.   Os estatistas viam o problema marxista não como um problema científico, mas político, ou, na melhor das hipóteses, econômico.   Na política, concentraram-se em acusar o marxismo de exagerado e procuraram demonstrar que existe uma outra solução, ainda melhor: a reforma social.   Sua principal crítica ao marxismo não visava seu programa econômico, mas seu programa político, já que colocava o interesse das classes acima dos interesses nacionais.

Somente alguns compreenderam que os problemas levantados pelo marxismo eram de natureza científica.   Sombart foi um dos primeiros que, como continuador, renovador e reformador, iniciou a reforma das doutrinas marxistas.   Sua mais recente obra, que me impulsionou a escrever este ensaio, proporcionou-me o ensejo de estudá-lo detalhadamente.

A dependência de Marx é a característica especial das ciências sociais alemães.   Certamente, o marxismo igualmente deixou vestígios no pensamento social da França, Grã-Bretanha, Estados Unidos, países escandinavos e Países Baixos.   Todavia, a influência das doutrinas marxistas foi incomparavelmente maior na Alemanha.   O fato de a sociologia do utilitarismo ser, geralmente, rejeitada na Alemanha, constitui, indubitavelmente, uma explicação para essa profunda influência [17].   Na Itália, também, a influência do marxismo foi particularmente significativa, embora não tão forte como na Alemanha.   Na Europa Oriental, na Hungria, e nas nações eslavas, porém, foi ainda maior que na Alemanha—isto é, foi maior nos países que dependiam inteiramente do pensamento alemão, apesar da hostilidade política.   O marxismo dominou o pensamento social russo, e, não só o pensamento dos seguidores dos partidos revolucionários, que combatiam abertamente o czarismo, mas também foi dominante nas universidades imperiais russas.   Altschul, o tradutor do Fundamental Economics de Gelesnoff, corretamente observou em seu prefácio da edição alemã: “Em nenhum outro país, as doutrinas econômicas marxistas invadiram tão rapidamente o ensino na universidade, exercendo uma influência sobre ele tão significativa, como na Rússia” [18].   Com seu ódio ao liberalismo e à democracia, o próprio czarismo, através da promoção do marxismo, preparou o caminho para a ideologia bolchevista.

 

 2.   NACIONAL (ANTIMARXISTA) SOCIALISMO

 

O socialismo marxista prega: “Luta de classe, não a luta entre nações!” Proclama: “Nunca mais guerra (imperialista)”.   Mas, no fundo do pensamento, acrescenta: “Guerra civil sempre, revolução sempre”!

O nacional socialismo prega: “Unidade nacional! Paz entre as classes!”, e subentende-se que acrescenta a isso: “Guerra ao inimigo estrangeiro” [19].

Essas duas soluções exprimem os ideais que estão dividindo a nação alemã em dois campos hostis.

O grande problema político da Alemanha é o nacional.   Ele aparece sob três formas diferentes: o problema de territórios linguisticamente misturados nas fronteiras das colônias alemãs na Europa; o problema da emigração (criação de colônias alemãs no além-mar); e o problema do comércio exterior, que deve fornecer o sustento material para a população alemã.

O marxismo não levou em conta, de maneira alguma, esses problemas.   Afirmava que só no futuro paraíso socialista não haveria disputa nacional.   “O ódio nacional se transformou em ódio de classes”, alimentado pela “classe média”, e tendo como beneficiária a “burguesia”, segundo proclamam os intelectuais do partido [20].   Como pode haver conflitos nacionais, depois que as distinções de classes e a exploração forem abolidas?

O problema nacional é um problema político mundial, o maior problema mundial de um futuro previsível.   Diz respeito a todas as nações, não apenas à nação alemã.   Durante os séculos XVIII e XIX, quando na Inglaterra e na França se formularam modernas doutrinas políticas, esse problema tinha para essas nações um significado diferente daquele que tem hoje.   O primeiro país civilizado para o qual o problema nacional, em sua forma presente, se tornou importante, foi a Alemanha.   Teria sido, então, tarefa da teoria política alemã estudá-lo e encontrar uma solução, através da política prática.   A Inglaterra e a França não conheciam os problemas do nacionalismo para os quais a fórmula de autodeterminação nacional não é suficiente.   A política alemã que enfrentou esses problemas durante décadas, devia ter aceitado o desafio e buscado a solução.   Mas a teoria e a prática alemã só puderam proclamar o princípio da força e da luta.   Sua aplicação isolou a nação alemã do mundo e a conduziu para a derrota na Grande Guerra.

As fronteiras populacionais não são claramente delineadas nas áreas em que o povo alemão se fixou, coincidentes com as ocupadas pelos dinamarqueses, lituanos, poloneses, tchecos, húngaros, croatas, eslovacos, italianos e franceses.   Em vastas regiões, os povos se misturam, e certos focos linguísticos manifestam-se nas mais distantes áreas estrangeiras, especialmente nos centros urbanos.   No nosso país, a fórmula da “autodeterminação das nações” deixa de ser suficiente.   Pois aqui estão as minorias nacionais que vão enquadrar-se num governo estrangeiro, se o principio da maioria determinar a política governamental.   Se for um estado liberal sob o regime da lei, que simplesmente protege a propriedade e a segurança pessoal de seus cidadãos, o regime estrangeiro é menos palpável.   Sente-se que, quanto mais fortemente o estado for governado, quanto mais o estado se voltar para o bem-estar social, mais o estatismo e o socialismo ganham alicerces.

Para a nação alemã, uma solução violenta para o problema seria menos satisfatória.   Se a Alemanha, uma nação cercada por outras nações no coração da Europa, de acordo com esse princípio, tivesse de agredir, provocaria uma coligação de todos os seus vizinhos para uma constelação política mundial: inimigos por todos os lados.   Nessa situação, a Alemanha acharia somente uma aliada, a Rússia, que está sendo hostilizada pelos poloneses, lituanos, húngaros e possivelmente pelos tchecos, mas que, em nenhum ponto, está em conflito direto com os interesses alemães.   Uma vez que a Rússia bolchevista, assim como a Rússia, czarista, só sabe negociar com outros países usando a força, já está procurando aliar-se ao nacionalismo alemão.   O antimarxismo alemão e o supermarxismo russo não estão muito distantes um do outro.   As várias tentativas de reconciliação do nacionalismo antimarxista alemão com o nacionalismo antimarxista da Itália fascista devem, porém, fracassar nas relações com o Tirol do Sul, do mesmo modo que uma reconciliação do chauvinismo húngaro deve fracassar nas negociações sobre o problema da Hungria Ocidental.

Uma solução violenta para a questão dos alemães que residem em áreas de fronteiras, seria menos aceitável para a própria nação alemã do que para os seus vizinhos, mesmo que houvesse perspectivas de solução.   De fato, a Alemanha, mesmo vitoriosa em todos os campos, necessitaria estar sempre preparada para a guerra e teria de enfrentar uma outra guerra: a de submissão pela fome, e, para tal eventualidade, teria de preparar sua economia.   Isto imporia uma carga que, a longo prazo, não poderia ser suportada sem sérias consequências.

O problema do comércio exterior, que a Alemanha precisou resolver durante o século XIX, é decorrência de uma transferência mundial da produção para áreas com condições de produção mais favoráveis.   Se houvesse liberdade completa de movimento, uma parte da população alemã teria emigrado, pois a agricultura alemã, bem como alguns ramos da indústria, não podia mais competir com países recentemente abertos à imigração, mais férteis, que ofereciam condições de produção mais favoráveis.   Por razões de política nacional, a Alemanha procurou evitar a emigração através de tarifas.   Não podemos analisar aqui por que esta tentativa estava destinada a fracassar [21].

O problema da migração é o terceiro dos problemas políticos práticos da Alemanha.   Neste país falta território para uma população em excesso.   E, mais uma vez, a teoria do nacionalismo alemão de antes da guerra não descobriu melhor solução que a violência para a conquista de mais território.

Na Europa, vivem na pobreza dezenas de milhões de pessoas que viveriam muito melhor na América e na Austrália.   A diferença de condições de vida entre um europeu e seus descendentes de além-mar continua a crescer.   Os emigrantes europeus encontrariam no além-mar o que seus países de origem não poderiam oferecer-lhes: um lugar ao sol.   Mas é muito tarde.   Os descendentes daqueles que, há uma, duas ou três gerações escolheram o Novo Mundo em lugar da Europa, não recebem bem novos emigrantes.   Os trabalhadores organizados dos Estados Unidos e dos países da Comunidade Britânica não permitem a entrada de novos competidores.   Seus movimentos sindicalistas não são dirigidos contra os empregadores, como a doutrina marxista prescreve; eles empreendem sua “luta de classes” contra os trabalhadores europeus cuja imigração reduziria a produtividade da força de trabalho marginal e, consequentemente, os salários.   Os sindicatos de trabalhadores das nações anglo-saxônicas foram favoráveis à participação na Grande Guerra porque queriam eliminar os últimos resquícios da doutrina liberal de livre movimentação e migração de mão de obra.   Este era o verdadeiro objetivo da luta a que eles aderiram completamente.   Inúmeros alemães que viviam em países estrangeiros foram espoliados da terra, privados de suas propriedades e lucros e “repatriados”.   Hoje, leis rigorosas proíbem ou limitam a imigração, não somente para os Estados Unidos, mas também para áreas importantes da Europa.   Os sindicatos dos Estados Unidos e da Austrália seriam favoráveis, sem hesitação, a uma nova guerra mundial, por mais horrível e sangrenta que fosse, caso se tornasse necessário defender as restrições de imigração contra um agressor, tal como o Japão, ou uma Alemanha rearmada.

Nesse ponto residem as dificuldades insuperáveis para as doutrinas marxistas e a política da Internacional Comunista.   Os teóricos procuram contornar as dificuldades, não as mencionando.   É significativo o fato de que a copiosa literatura alemã de antes da guerra sobre política social e econômica, que, de modo exaustivo, trata repetidamente do mesmo assunto, não contenha obras de pesquisa que possam explicar as políticas de restrições à imigração.   E, no exterior, somente alguns escritores ousaram abordar esse tópico que, obviamente, não combina com a doutrina da solidariedade das classes trabalhadoras [22].   Este silêncio, mais do que qualquer outra coisa, revela a tendência marxista na literatura social, particularmente, na literatura alemã.   Quando, finalmente, as convenções internacionais dos socialistas não puderam mais fugir ao exame dessa questão, habilmente a contornaram.   Se lermos, por exemplo, as atas da Convenção Internacional dos Socialistas de Stuttgart em 1907, veremos que a Convenção adotou uma resolução pouco convincente, caracterizada pelo próprio redator como um tanto “grosseira e dura”.   Mas a culpa deveria ser atribuída às circunstâncias.   Uma convenção socialista não é feita “para escrever romances.   Duras realidades estão chocando-se, e isso se reflete nessa resolução dura e grosseira”.   (Isto é uma forma de eufemismo para admitir que há alguma coisa de errado nas harmoniosas ideias de solidariedade internacional dos trabalhadores).   A ata então recomenda que “esta resolução, tão razoável e penosa seja adotada com unanimidade”.   Mas o representante australiano Kröner energicamente declarou: “A maioria do Partido dos Trabalhadores Australianos opõe-se à imigração de trabalhadores negros.   Como socialista, eu pessoalmente, reconheço o dever da solidariedade internacional e espero que, no devido tempo, consigamos conquistar todas as nações do mundo para a ideia do socialismo” [23].   Significa, em outras palavras: estabeleçam tantas resoluções quantas lhes aprouver; nós agiremos como nos agradar.   Desde que o Partido dos Trabalhadores subiu ao poder, a Austrália, como se sabe, tem as mais rígidas leis de imigração, contra trabalhadores negros e brancos.

Os antimarxistas nacionalistas da Alemanha poderiam prestar um grande serviço, solucionando o problema de emigração.   O pensamento alemão poderia desenvolver uma nova doutrina de liberdade universal e livre movimentação, que repercutiria junto aos italianos, escandinavos, eslavos, chineses e japoneses e, a longo prazo, nenhuma nação resistiria.   Mas nada do que precisa ser feito foi sequer iniciado, e certamente nada foi realizado.

O antimarxismo nacional demonstrou ser improdutivo exatamente no ponto em que deveria ter dado a maior ênfase: o problema da política externa.   O seu programa para a integração da nação alemã na economia e na política mundial não é diferente, basicamente, do preceito da política alemã nas últimas décadas.   De fato, não é diferente da política recente, mais do que qualquer doutrina teórica é diferente das realidades enfrentadas pelo estatista, cujas tarefas diárias os afastam do que tinham programado.   Contudo, uma solução violenta é menos aplicável, hoje, do que foi na Alemanha de antes da guerra.   Nem mesmo uma Alemanha vitoriosa seria capaz de enfrentar os verdadeiros problemas da nação alemã.   No estágio atual dos negócios mundiais, a Alemanha jamais poderia prevalecer sobre interesses nacionais antagônicos de outros países.   Isto é, não poderia adquirir territórios no além-mar para colonizar e abrir mercados favoráveis à sua indústria.   Acima de tudo, ela nunca estaria a salvo de um reinício da guerra, em decorrência de uma nova coalizão de inimigos.

O antimarxismo nacional está deixando, também, de apresentar uma política apropriada para enfrentar os problemas atuais.   Na sua luta contra a integração forçada, as minorias alemãs nos países estrangeiros devem exigir a mais ampla democracia, porque apenas um governo autônomo pode protegê-las contra a perda de sua identidade alemã.   Devem pedir liberdade econômica total, porque toda intervenção, nas mãos do estado estrangeiro, torna-se um meio de discriminação contra a população alemã [24].   Mas como pode a população alemã nos territórios fronteiriços lutar por democracia e liberdade econômica se o próprio “Reich” tem uma política contrária?

O antimarxismo nacional também falhou no terreno científico.   O fato de as teorias marxistas de valor e distribuição de renda perderem seu prestígio não é da responsabilidade do antimarxismo, mas sim da Escola Austríaca, especialmente em função da crítica de Böhm-Bawerk, que os jovens amigos da economia teórica na Alemanha não puderam mais negligenciar.   Certamente, as tentativas de alguns autores de prestigiar Marx como filósofo tiveram pouca perspectiva de sucesso, porque, no final, o conhecimento filosófico na Alemanha alcançou um nível que torna os eruditos um tanto imunes às ingenuidades da “filosofia” de Marx, Dietzgen, Vorländer e Max Adler.   Todavia, no campo da sociologia, as categorias e ideias do materialismo marxista continuam a propagar-se.   Aqui, o antimarxismo poderia ter resolvido um importante problema, mas, em vez disso, se contentava em atacar aquelas conclusões finais do marxismo, que pareciam ser censuráveis politicamente, sem negar sua base e sem procurar substituí-la por uma doutrina abrangente.   O antimarxismo tinha de fracassar, porque, por razões políticas, procurou mostrar que o marxismo é animado pelo espírito ocidental, que é produto do individualismo—um conceito que não se coaduna com o caráter alemão.

O próprio ponto de partida é enganador.   Já mencionamos que não é permissível contrastar os sistemas universalista (coletivista) e o individualista (nominalista) de doutrina e política social como anunciado por Dietzel e Pribram, e agora defendido por Spann com seu antimarxismo nacionalista alemão.   Também não é certo considerar o socialismo marxista como sucessor da democracia liberal da primeira metade do século XIX.   A ligação entre o socialismo de Marx e Lassalle e o programa democrático inicial era muito superficial, e foi posta de lado por não ter mais razão de ser, logo que os partidos marxistas subiram ao poder.   O socialismo não é um aperfeiçoamento do liberalismo; é seu inimigo.   É ilógico deduzir uma similaridade dos dois de uma oposição a ambos.

O marxismo não surgiu do pensamento do Ocidente.   Como já mencionamos, essa história não conseguiu encontrar seguidores nos países do Ocidente porque não pôde sobrepujar a sociologia utilitarista.   A maior diferença entre as ideias alemãs e as do ocidente é a grande influência do pensamento marxista na Alemanha.   O pensamento alemão, porém, não será capaz de superar o marxismo até que descarregue o ódio que vota à sociologia britânica, francesa e americana.   O pensamento alemão não pôde, simplesmente, adotar a sociologia do ocidente, mas deve prosseguir modificando-se com base nela.

3.   SOMBART COMO MARXISTA E ANTIMARXISTA

 

O próprio Werner Sombart confessou com orgulho que dedicou boa parte da vida ao combate a Marx [25].   Foi Sombart, não os desprezíveis pedantes do mesmo estofo de Kautsky e Bernestein, que apresentou Marx à ciência alemã e familiarizou o pensamento alemão com as doutrinas marxistas.   Até a estrutura da principal obra de Sombart, Modern Capitalism, é marxista.   O problema que Marx levantou em Das Kapital e outras obras deve ser resolvido novamente, desta vez com os recursos do conhecimento avançado, e, assim como fez Marx, a análise teórica deve se harmonizar com a apresentação histórica.   O ponto de partida do trabalho de Sombart é inteiramente marxista, mas pode-se afirmar que suas descobertas ultrapassam as de Marx.   Assim, sua obra difere das publicações dos marxistas do partido, cujas ideias são rigidamente circunscritas pela doutrina partidária.

Foi em 1896 que Sombart, com seu pequeno livro Socialism and the Social Movement during the Nineteenth Century, erigiu sua reputação como marxista e erudito.   O opúsculo teve diversas edições, e cada edição nova evidenciava as mudanças na posição de Sombart com relação aos problemas do socialismo e ao movimento social.   A décima edição, revista, está agora disponível em dois respeitáveis volumes [26] e procura demonstrar e justificar seu afastamento do marxismo—mas não do socialismo.   De fato, os dois volumes não se referem ao socialismo como tal, mas ao “socialismo proletário”, ao “marxismo”.

Sombart interessa-se apenas pela história e crítica do socialismo marxista.   Evita revelar sua própria doutrina social, que ele aborda ligeiramente em poucos trechos.   Com visível satisfação, fala das antigas associações da Idade Média—igreja, cidade, vila, clã, família, vocação —, “que envolviam o indivíduo, aqueciam-no e protegiam-no como a casca envolve a fruta”.   E com visível horror, fala do “processo de desintegração que abalou o mundo da fé, substituindo-o pelo mundo do conhecimento” [27].   A ideologia do socialismo proletário é vista como uma expressão desse processo de desintegração.   E, nas entrelinhas, censura o socialismo proletário por sua preferência expressa pelo industrialismo moderno.   “Qualquer que seja a crítica socialista que possa ter surgido contra o capitalismo, nunca se fizeram objeções baseadas no fato de que o capitalismo nos tenha proporcionado estradas de ferro e fábricas, siderurgias e máquinas, telégrafos e motocicletas, gravadores e aviões, cinemas, centrais elétricas, fundições e corantes de anilina”.   O proletarismo, de acordo com Sombart, apenas rejeita a forma social, não o fundamento da civilização moderna.   E, explicitamente, enfatizando sua própria posição, confronta o socialismo proletário com a “quimera pré-proletária”, de sabor “bucólico”, que sempre exaltou a agricultura como a mais nobre vocação e considerou a cultura agrária como seu ideal [28].

Esta paixão pela sociedade agrária e pela Idade Média merece alguns comentários.   Nós a encontramos, com frequência, na literatura antimarxista nacionalista, com variações, segundo cada autor.   Para Spann, o líder deste movimento, o ideal seria o retorno à Idade Média [29].

Quem descreve as instituições sociais e organizações econômicas da Idade Média como modelos para o povo alemão deveria estar ciente de que uma Alemanha bucólica poderia sustentar apenas uma fração da atual população, mesmo que fossem mínimas as expectativas.   Qualquer proposta, que reduzisse a produtividade da mão de obra, diminuiria também a população a ser sustentada, e a deterioração dos equipamentos de produção enfraqueceria as defesas nacionais, tão importantes do ponto de vista nacionalista.   O nacionalismo não pode buscar uma solução para o problema alemão, retornando à sociedade agrária.   A incompatibilidade dos ideais bucólicos com um acentuado desenvolvimento de forças nacionais pode explicar o profundo pessimismo das “teorias do juízo final” que estão surgindo sob várias formas.

Se fosse verdade que o espírito característico da nação alemã exige um retorno a métodos de produção, que conduzam a uma produtividade da força de trabalho mais baixa, e que, inversamente, as nações do ocidente, as nações latinas do sul e as nações eslavas do Leste Europeu pensem de forma diferente e apliquem métodos de produção que assegurem uma produtividade mais alta, haveria um perigo bastante concreto de que inimigos mais numerosos e produtivos viessem a subjugar a nação alemã.   Os que filosofam sobre a vitória não pedem, então, concluir que foi falta de capacidade dos alemães de se adaptarem que os impediu de fazer uso dos métodos capitalistas de produção?  Não podem considerar a mentalidade dos alemães deficiente e incapaz de manter um equilíbrio espiritual diante dos progressos tecnológicos modernos?

Essa peculiaridade do espírito alemão é certamente uma característica materialista comum a diferentes escritores idealistas que acreditavam que algumas exterioridades da vida bloqueiam o caminho do crescimento interno e do desenvolvimento de forças internas.   Quem não sabe como salvaguardar seu equilíbrio, quando cercado por motocicletas e telefones, não o saberá também, seja na selva, seja no deserto.   Em outras palavras, não encontrará força para, com o essencial, superar o não essencial.   O homem deve estar apto a proteger-se, onde quer que viva e em quaisquer circunstâncias.   O que nos compele a procurar em eras passadas e lugares remotos um harmonioso crescimento de personalidade é uma espécie de psicopatia.

Sombart, como já afirmamos, revela o seu ideal social apenas nas entrelinhas.   Não pode ser criticado por isto.   Pode-se, porém, culpá-lo por não oferecer uma definição precisa do conceito de socialismo num livro em que procura apresentar e analisar um determinado tipo de socialismo.   A análise que faz da ideologia socialista, na introdução do seu livro, é a sua parte mais fraca.   Sombart rejeita a teoria de que o socialismo é uma ordem social baseada na propriedade pública dos meios de produção.   Argumenta que o conceito de socialismo teria, obviamente, de ser um conceito social, ou de ciências sociais, e não de um campo específico da vida social, tal como a economia.   As emoções que acompanham a controvérsia sobre o socialismo revelam que o termo socialismo deve abranger problemas ainda mais profundos que os concernentes à “tecnologia econômica” [30].   Mas a definição proposta por Sombart implica, afinal, uma volta—não despida de ambiguidade—a única característica relevante do socialismo.   Após extensa análise, Sombart chega à conclusão de que a ideia de socialismo contém sempre os seguintes componentes:

1.   O ideal de uma condição racional da sociedade deve ser confrontado com uma condição histórica irracional, isto é, uma avaliação das condições sociais como perfeitas ou menos perfeitas.   Certas características do ideal comum a todos os tipos de socialismo relacionam-se com a essência anticapitalista do socialismo: o socialismo deve necessariamente rejeitar uma economia que vise a lucros por causa dos objetivos irracionais que surgem de seu princípio motor.   Como o dinheiro simboliza a economia capitalista, que visa ao lucro, ele é um dos alvos favoritos da crítica socialista.   Todos os males deste mundo vêm da luta pela posse do anel dos Nibelungos.   O socialismo, portanto, deseja a devolução do ouro ao Reno.   O socialismo, assim como se opõe à economia “livre”, também se opõe a seus alicerces: propriedade “livre”, ou seja, propriedade privada e contrato “livre”, ou seja, contrato de trabalho.   É isto que dá origem à exploração, a pior mancha da vida social, cuja erradicação é o objetivo fundamental de todos os tipos de socialismo.

2.   A avaliação das condições sociais e a adoção de um ideal racional correspondem necessariamente ao reconhecimento da liberdade moral, da liberdade de lutar por um conjunto de objetivos, com as próprias forças, e à fé na possibilidade de realização desse ideal.

3.   O ideal e a liberdade dão origem inevitavelmente a uma aspiração à realização do ideal, num movimento que, nascendo da liberdade, do historicamente dado, caminha para o racionalmente desejado.   Mas toda adesão ao socialismo significa uma renúncia à força motriz, isto é, significa, do ponto de vista do indivíduo, compromisso, sacrifício, limitação do particular [31].

Só pode haver uma razão para Sombart escolher esse desvio, em vez de adotar a única definição comprovadamente viável de socialismo: sua aversão em abordar os verdadeiros problemas econômicos do socialismo, aversão que transparece em toda a sua obra e que é a sua maior deficiência.   O fato de Sombart nunca ter levantado a questão de ser ou não possível e exequível um sistema socialista é ainda mais sério que o fato de se recusar a oferecer uma definição clara do socialismo: essa é a única questão fundamental para uma compreensão do socialismo e do movimento socialista.

Sombart, porém não quer examinar o socialismo em geral; quer analisar o socialismo proletário, ou marxismo.   Entretanto não define de forma satisfatória nem mesmo o socialismo proletário que, de acordo com ele

é um resquício meramente intelectual do movimento social moderno, como eu já tinha definido desde a primeira edição deste livro.   Socialismo e movimento social são …  a realização da ordem social do futuro que se ajusta aos interesses do proletariado, ou a tentativa dessa realização.   O socialismo procura sua realização no mundo do pensamento, o movimento socialista, no mundo da realidade.   Todos os esforços teóricos empreendidos no sentido de revelar a meta desejada ao proletariado que aspira ao poder, para chamá-lo às armas, mobilizá-lo para a batalha e mostrar-lhe o caminho através do qual a meta pode ser alcançada, tudo isso abrange o que chamamos socialismo moderno [32].

O mais notável nessa definição é seu caráter marxista.   Não é mera coincidência que Sombart tenha julgado conveniente manter essa mesma definição inalterada desde a primeira edição do seu livro, ou seja, desde o tempo em que, por conta própria, ainda seguia as pegadas de Marx.   Ela contém um importante elemento do discurso marxista: o socialismo convém ao interesse do proletariado.   Este é um pensamento marxista específico, expressivo apenas dentro da estrutura marxista como um todo.   O socialismo “utópico” da fase pré-marxista e o socialismo estatal nas últimas décadas se voltavam não para os interesses de uma classe, mas para os interesses de todas as classes e de toda a coletividade.   O marxismo introduziu dois axiomas: o de que a sociedade está dividida em classes cujos interesses estão em eterno conflito; e o de que os interesses do proletariado—só realizáveis através das lutas de classes—exigem a nacionalização dos meios de produção, de acordo com seus próprios interesses e em oposição aos interesses das outras classes.

Essa mesma ideia perpassa por várias partes do livro.   Num determinado momento, Sombart observa que muito poucos autores marxistas influentes vêm do proletariado “e, portanto, não passam de partes interessadas” [33].   E é então, categórico: “O proletariado pertence ao sistema capitalista, e o caráter inevitável das hostilidades contra os capitalistas é decorrente das condições de classe do proletariado.   Essa hostilidade assume certas formas no movimento social: sindicatos, partidos socialistas, greves etc.” [34].   Não se pode negar que a filosofia materialista da história é, neste ponto, totalmente aparente.   Certamente, Sombart não tira a conclusão que Marx, de forma bastante lógica tirou nesse caso: a de que o socialismo está vindo com a inevitabilidade de uma lei natural [35].   De acordo com Sombart, a “ciência do capitalismo”, fundada por Marx, introduziu “a ideia da regularidade da vida econômica em nossa era”.   Revela “que o cumprimento de qualquer exigência socialista específica depende de condições objetivas bastante reais e que, portanto, o socialismo nem sempre é realizável”.   Marx, assim, criou “cientificamente” a ideia da resignação que conduz, de maneira lógica, do socialismo para as reformas sociais [36].   Não precisamos nos deter por mais tempo, questionando se a conclusão de Sombart é uma decorrência lógica das doutrinas de Marx, ou de conscientemente permanecer no terreno científico do marxismo.

(Sombart esboçou uma conclusão a partir da reforma social em trabalhos anteriores, criando o “Sombartismo”, ao qual os marxistas ortodoxos se referem depreciativamente, como sempre fazem, quando alguma coisa lhes desagrada.)

Sempre que Sombart procura descrever o capitalismo, o faz no contexto de Marx e Engels, quase sempre com as palavras destes [37].

As características da posição de Sombart com relação ao marxismo são, portanto, as seguintes: embora hoje em dia não aceite a versão ingenuamente materialista do socialismo que tinha seu fundador, Sombart edifica suas mais refinadas doutrinas socialistas sobre os alicerces do marxismo.   Apesar de esboçar conclusões práticas diferentes daquelas a que chegaram os marxistas ortodoxos, na verdade, não se opõe, de forma alguma, ao socialismo.

Sombart reprova Marx, não por sua doutrina de luta de classes, mas pela politização e conclusão que Marx extrai da doutrina: de que é inevitável a vitória do proletariado [38].   Em outras palavras, Sombart não nega a existência da separação de classes no marxismo; nem diz que os interesses propriamente ditos das várias camadas da população, envolvidas numa divisão de trabalho, não conflitem uns com os outros ou estejam em harmonia.   Diz, porém, que a ética deve sobrepor-se ao conflito de interesses de classe.   Além do princípio de classes “existem outros princípios sociais—como os de natureza idealista”.   Mas o marxista torna o conceito de classes absoluto [39].   Sombart aparentemente acredita que o homem deve preterir seus interesses de classe e dar prioridade a interesses mais elevados, a interesses nacionais.   Reprova os marxistas, porque eles não pensam em termos de pátria, porque conduzem políticas mundiais, advogam a luta de classe na política interna e permanecem pacifistas e antinacionalistas na política externa.

Sombart ignora completamente a crítica científica à doutrina de classe do marxismo.   E é necessário que assim seja, uma vez que ele quer ignorar o utilitarismo e a teoria econômica e considera, em última análise, o marxismo a verdadeira ciência do capitalismo.   De acordo com Sombart, “Marx fundou (…) a ciência do capitalismo” [40].   Há muito tempo, esta ciência “demonstrou, conclusivamente, que este sistema econômico contém a essência da destruição e dissolução da civilização.   Karl Marx foi o maior, se não o primeiro precursor desta sabedoria” [41].   A fim de fugir das conclusões que devem ser tiradas das teorias de Marx, Sombart não conhece nada melhor que apelar para Deus e os valores externos.

Sombart está perfeitamente certo quando declara que não é função da ciência fazer “julgamentos de valor, isto é, revelar a inferioridade em termos de palavras, análises e princípios particulares do socialismo do proletariado”.   Contudo, está errado quando declara que a crítica científica é “apenas uma descoberta de relações e a significação dessas relações que se fazem não só entre as diversas doutrinas e os requisitos políticos correspondentes, mas também entre, de um lado, o conteúdo de todo o sistema e, de outro, as questões básicas da civilização intelectual e o destino da humanidade” [42].   Esta é a posição do historicismo que, abstendo-se de desenvolver suas próprias teorias científicas, se contenta em perseguir as inter-relações das teorias científicas e relações entre as teorias científicas e os sistemas metafísicos de pensamento.   A teoria sociológica que o marxismo representa, apesar de suas deficiências, só pode ser analisada à luz de sua notória inutilidade para a explicação de fenômenos sociais.   E só pode ser substituída por uma teoria que seja mais abrangente [43].

Como não poderia deixar de ser, a crítica de Sombart ao socialismo do proletariado repousa num julgamento subjetivo do que considera “valores básicos” do proletariado.   Aqui, visão do mundo confronta-se com visão do mundo, metafísica confronta-se com metafísica.   É uma questão de fé, não de percepção, sem qualquer suporte científico.   Naturalmente, justamente por esse motivo, não existem muitos leitores que apreciem o trabalho de Sombart.   Sem se restringir ao campo limitado do trabalho científico, ele oferece sínteses metafísicas.   Não se trata de mera pesquisa científica, mas da apresentação de matéria permeada com o espírito e a personalidade do homem e pensador, Sombart.   E é justamente isto que confere ao livro seu caráter e importância.   Essa obra, no final, só convence os leitores que já compartilham do ponto de vista de Sombart.

Sombart não critica os meios pelos quais o socialismo se propõe alcançar os seus objetivos.   Entretanto, qualquer análise científica do socialismo deve, em primeiro lugar, examinar a tese da maior produtividade da produção socialista para depois questionar a viabilidade do método socialista de produção.   A crítica de Sombart não vai além de uma abordagem da questão da inevitabilidade do socialismo.

O livro de Sombart é um fenômeno literário especial.   Frequentemente acontece que, no curso da vida, intelectuais mudem de opinião, e no livro seguinte defendam aquilo a que se opuseram antes.   Mas era sempre através de um livro novo que se revelava a mudança intelectual, como aconteceu, por exemplo, com as Leis de Platão, obra que se seguiu à sua República.   Todavia, é muito raro que um autor revele sua realidade de conflito constante em relação a um problema a cada nova revisão da mesma obra, como faz Sombart.   Contudo, não devemos concluir que a presente edição contenha a versão definitiva de suas afirmações sobre socialismo.   Há muitos anos de trabalho pela frente, novas edições de Socialism serão necessárias, não só porque as edições anteriores estão esgotadas, mas também porque Sombart ainda não esgotou seu trabalho sobre os problemas do socialismo.   O livro na atual forma representa meramente um estágio da luta de Sombart contra o marxismo.   Ele ainda não se libertou tanto quanto pensa ter-se libertado.   Resta-lhe muito trabalho intelectual a fazer.

A luta interna de Sombart com os problemas do marxismo é sintomática do pensamento de muitos eruditos alemães.   Cada edição do livro reflete muito bem o que os líderes intelectuais da Alemanha vêm pensando sobre este problema.   As mudanças de opinião contidas nessas diferentes edições refletem as mudanças de opinião dos intelectuais alemães que seguiram a sua liderança durante uma geração.

 

 

1.      ANTIMARXISMO E CIÊNCIA

 

O antimarxismo aprova integralmente a hostilidade do marxismo em relação ao capitalismo.   Por outro lado, os antimarxistas ficam indignados com o programa político do marxismo, especialmente no que diz respeito a seu suposto internacionalismo e pacifismo.   A indignação, porém, não os conduz ao trabalho cientifico, nem mesmo à política.   No melhor dos casos, os leva à demagogia.

Para qualquer pensador, que se preocupe com a precisão científica, o ponto censurável do marxismo está na teoria, que, entretanto, parece não incomodar os antimarxistas.   Vimos como Sombart continua a apreciar Marx como homem de ciência.   O antimarxismo desaprova apenas os sintomas políticos do sistema marxista, não o conteúdo científico.   Lastima os danos causados ao povo alemão pelas políticas marxistas, mas não vê os danos causados à vida dos intelectuais alemães pela vulgaridade e deficiência dos problemas e soluções propostas pelos marxistas.   Acima de tudo, os antimarxistas não conseguem perceber que os problemas políticos e econômicos são consequências dessa calamidade intelectual.   Não avaliam a importância da ciência para a vida diária e, sob a influência do marxismo, acreditam que a história é formada por uma “força real” em vez de ser um produto de ideias.

Não podemos concordar totalmente com a convicção antimarxista de que a recuperação da Alemanha deva começar com a vitória sobre o marxismo.   Mas essa vitória, se tiver de ser permanente, deve ser fruto do trabalho da ciência, não de um movimento político gerado por uma indignação.   A ciência alemã deve livrar-se dos grilhões do marxismo, baseado no historicismo, que durante décadas o manteve intelectualmente impotente.   Deve pôr de lado o medo de teorizar no campo da economia e da sociologia, passando a considerar as realizações teóricas (mesmo as da Alemanha), que emergiram da última geração.

As declarações de Carl Menger, há mais de quarenta anos, sobre a moderna literatura econômica alemã, são válidas, ainda hoje, e aplicam-se a todas as ciências sociais:

Pouco notada no exterior, raramente compreensível no estrangeiro por causa de suas tendências peculiares, a economia alemã, durante décadas, permaneceu ilesa diante de fortes oponentes.   Por ter uma inabalável confiança em seus próprios métodos, muitas vezes lhe fez falta uma séria autocrítica.

Quem seguiu uma outra direção na Alemanha foi ignorado, não contestado [44].

Só um estudo aprofundado das obras de sociologia alemã e estrangeira, que fosse diferente do estatismo e do historicismo, poderia ajudar a libertar a sociologia da estagnação da teoria predominante na Alemanha.   A ciência alemã não seria a única beneficiária.   Graves problemas aguardam uma solução que não pode ser obtida sem a cooperação alemã.   Novamente se impõem as palavras de Menger:

Todas as grandes nações civilizadas têm uma missão particular no progresso da ciência.   Qualquer aberração, produzida por um número consideravelmente grande de eruditos de uma nação, deixa uma lacuna no desenvolvimento do conhecimento científico.   A economia também não pode passar sem uma colaboração coerente do intelecto alemão [45].

Acima de tudo, a ciência alemã deve fazer uma correta avaliação sobre a importância do marxismo.   É verdade que marxistas e antimarxistas superestimam o marxismo como sistema científico.   É verdade que mesmo que neguem ter sido Marx o primeiro autor da essência do conteúdo da doutrina marxista, não negam a validade da doutrina em si.   Apenas quem vê o mundo sem antolhos marxistas pode abordar os grandes problemas de sociologia.   Só quando a ciência alemã estiver livre dos equívocos marxistas em que se encontra emaranhada hoje, e só então, a força das palavras de ordem marxistas deixará de se fazer sentir na vida política.__________________________________________________________________________

Notas

[1] Weltwirtschaftliches Archiv (Arquivos de economia mundial), vol. 21, 1925.

[2] Nota do editor americano: Na Alemanha, posteriormente, esses seguidores vieram a ser chamados de “nacional socialistas”‘ ou “nazistas”.

[3] Nota do tradutor para o inglês: Neste ensaio o autor usou, ainda, o termo sociologia para o que mais tarde chamou de praxeologia, ou seja, a teoria geral da ação humana.

[4] Schmoler, “Volkswirtschaft, Volkswmtschaftslehre und-methode” (Poupança, economia e método econômico), Handwörterbuch der Staats-wissenschaften (Manual de ciências sociais), 3.a ed., vol. VII, p. 426.

[5] Ibid., p. 443.

[6]Ibid., p. 445.

 [7]F. Engels, Vorrede zum III. Bana des “Kapitals” (Prefácio do vol. 3 de Das Kapital), 3.a ed., -Hamburgo, 1911, p. XII et seq.

[8] Böhm-Bawerk Einige strittige Eragen der Kapitalstheorie (Algumas questões discutidas de capital e juro), Viena, 1900, p. 111 et seg. também sobre Brentano, ef. O. Spann, Der wahre Staat (O verdadeiro estado), Leipzig, 1923, .p. 141 et seq.

[9] Ver B. H. Kelsen, Sozialismus und Staat (Socialismo e estado), 2.a ed., Leipzig, 1923.

[10] Ver Dietzel, “Individualismus”, in Handwörterbuch, 4.n ed., cap. V, p. 408, et seq. A. Pribram, Die Entstebung der individualistichen Sozialphilosophie (O desenvolvimento da filosofia social individualista), Leipzig, 1912, p. 1 et seq. Para uma crítica desta versão, ver L. Von Wiese, “Dietzel’s Individualism”, in Kölner Viertcljakrshefte für Sozialwissenschaften (Revista trimestral de Colônia de Ciências Sociais), Munique e Leipzig, vol. II, 1922, p, 54 et seq.

[11]A. Smith, The Theory of Moral Sentiments. Edimburgo, 1813, parte II, seção III, cap. III, p. 243 Edição americana: The Theory of Moral Sentiments (Indianapolis, Liberty Classics, 1976, p. 195).

[12] Ver Kant, “Idee zu einer allgemeinen Geschichte in weltbürgerlihcer Absicht” (Ideias sobre uma história geral, de uma perspectiva cosmopolita), Collected Works, Insel Ed, Leipzig, vol. I, p. 227 et seq.

[13] Menger, Untersuchungen über die Methode der Sozialwissenschaften (Pesquisas sobre os métodos das ciências sociais), Leipzig, 1883, p. 78. (Edição em língua inglesa: Problems of Economics and Sociology,Urbana, UH, University of Illinois Press, 1963). A crítica de F. v. Wieser à doutrina racionalista-utilitarista em geral, e à formulação de Menger em particular, poupa a essência dessa doutrina (Ver Wieser, Theorie der gessellschaftlichen Wirtschaft (Teoria da economia social), Tübingen, 1914, sec. I, p. 242 et seq.). Sua importância está na distinção que ela faz entre o líder e as massas—provavelmente sob a influência de Tarde—e na maior ênfase no princípio da heterogeneidade de objetivos—denominação de Wundt.

[14] Ver A. Smith op. cit., parte IV, p. 417 et seq. (Edição americana: ,p. 297 et seg.).

[15] Barth, Die Philosophie der Geschichte ais Soziologie (A filosofia da história como sociologia), 3.a ed., Leipzig, 1922, p. 260.

[16]O. Spann, “Klasse und Stand” (Classe e Propriedade), Hand-würterbuch, 4.a ed., vol. V, p. 692.

[17] Se nos Estados Unidos a influência dos antiutilitaristas (por exemplo a de Weblen) se propagar, o marxismo também se propagará com todas as suas consequências.

[18] Gelesnoff, Grundzuge der Volkswirtschaftslehre (Fundamentos de Economia) Leipzig, 1918, p. 111,

[19] Não devemos procurar ideias de socialismo nacional apenas dentro do Partido Nacional Socialista, que é apenas uma parte—e, em termos de tática de partido, uma parte particularmente radical—do movimento maior do nacional-socialismo que encerra todos os partidos do povo. Os mais eminentes porta-vozes do nacional socialismo são os autores Oswald Spengler e Othmar Spann. Um resumo bem esclarecedor das ideias do nacional-socialismo encontra-se no programa do Maior Partido do Povo Alemão da Áustria, escrito por Oito Conrad, Richllinicn deulscher politík. Programmatischc Grundlagen der Gross-deutschen Volkspariei(Diretrizes da política alemã. Princípios do programa do maior partido do povo alemão), Viena, 1920.

[20] Ver O. Bauer, Die Nationalitatenfrage und die Sozialdemo-kratie (O problema da nacionalidade e da democracia social), Viena 1907, p. 263, 268.

[21] Procurei explicar o motivo na obra de minha autoria, Natíon Staat und Wirfschaft (Nação, estado e economia), Viena, 1919, p. 45 et seq.

[22] A análise mais abrangente encontra-se em Prato, Il protezionismo operário, Turim, 1910 (Tradução francesa de Bourgin, Paris, 1918). O livro permaneceu quase desconhecido na Alemanha.

[23] International Convention of Socialists at Stuttgart, 18 a 24 de agosto de 1907, Berlim, 1907, p. 57-64.

[24] Ver a excelente análise de F. Wolfrum, “Der Weg Zur deutschen Freiheit” (O caminho para a liberdade alemã) Freie Welt, Gablonz ,vol. IV, Livreto 95, e “Staatliche Kredithife” (Assistência ao crédito pelo estado),Freie Welt, Livreto 99. Na Tchecoslováquia, toda intervenção do governo serve para tornar minoritários os tchecos; no Tirol do Sul e na Polônia, italianos e poloneses fazem o mesmo.

[25] Ver W. Sombart, Das Lebenswerk von Karl Marx (A obra de Karl Marx), lena, 1909, p. 3

[26]W. Sombart, Der proletarische Sozialismus. Marxismus (Socialismo proletário, marxismo), 10.a ed., rev., de Sozialtsmus und soziale Bewegung (Socialismo e movimento social), lena, 1924; vol. I, The Doctrine. vol. II, The Movement.

[27] íbid., vol. I, p. 31.

[28] íbid., vol. I,p. 257 et seq.

[29] Ver O. Spann, op. cit., p. 298 et seq.

[30] Ver Sombart, Sozialismus und soziale Bewegung, op. cit. vol. I, .p. 5 et seg.

[31] O grifo é meu. íbid., vol. I, p. 12 et seq.

[32] IBID-, vol. I, p. 19 et seq.

[33]Ibid., vol. I, p. 75.

[34] Ibid., vol. II, p. 261.

[35] Ibid., vol. I, p. 305.

[36]Ibid., vol. I, p. 304.

[37] Ibid, vol. I, p. 32 et seq.

[38]Ibid., vol. I, p. 368

[39] ibid., vol. I ,p. 356.

[40]Ibid., vol. I, p, 304.

[41] Ver W. Sombart, “Das Finstere Zeitalter” (A idade das trevas), Neue Freie Presse, (A nova imprensa livre), 25 de dez. 1924.

[42]Ibid.

[43] Não posso me aprofundar na crítica da doutrina de classes; recomendo que o leitor consulte minha obraGerneinwirtschaft, Iena, 1922, -p. 265-352. (Edição em língua inglesa: Socialism (Londres: Jonathan Cape, 1936), p. 281-358).

[44] C. Menger, op. cit., p. XX et seq.

[45]Ibid., p. XXI.

 

 

 

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Ludwig von Mises
Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de 'praxeologia'.

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