Uma perspectiva austríaca sobre a igualdade

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Ludwig von Mises argumentou que a “filosofia do liberalismo do século XIX”, ou a tradição clássica do liberalismo, não se baseia na igualdade, mas na liberdade. Ele rejeitou a noção de que todos os homens são factualmente ou substantivamente iguais. Ele via a noção de igualdade substantiva — o que às vezes é chamado de igualdade real ou verdadeira igualdade — como incompatível com a liberdade individual, e como um cavalo de Troia para esquemas intervencionistas coercitivos destinados a igualar todos os membros da sociedade. Ele via a liberdade como essencial para a coexistência pacífica e para a própria civilização ocidental. Assim, Mises levou a sério a ameaça representada à paz e prosperidade pelos esquemas igualitaristas com os quais os governos visam igualar todos os seus cidadãos. Em seu livro Liberalismo, ele traçou as raízes da crença errada na igualdade até o Iluminismo:

              “Os liberais do século XVIII, guiados pelas ideias da lei natural e do iluminismo, exigiam para todos a igualdade nos direitos políticos e civis, porque pressupunham serem iguais todos os homens. . . .

No entanto, nada mais infundada do que a afirmação da suposta igualdade de todos os membros da raça humana. Os homens são totalmente desiguais. Mesmo entre irmãos, há diferenças das mais marcantes, quer nos atributos físicos, quer nos mentais. A natureza nunca se repete em sua criação; não produz nada às dúzias, nem são padronizados os seus produtos.”

De forma semelhante, Friedrich von Hayek rejeitou a ideia de que o ideal liberal clássico de justiça se baseia na igualdade. Ele argumentou na Constituição da Liberdade que a justiça deve ser baseada na liberdade individual, que não se baseia na presunção de que todos são iguais. Ele alertou que “não devemos ignorar o fato de que os indivíduos são muito diferentes desde o início…. Como fato, simplesmente não é verdade que ‘todos os homens nascem iguais.'” Murray Rothbard retomou esse tema em Igualitarismo como uma Revolta contra a Natureza, argumentando que um mundo em que todos os seres humanos são igualados pela coerção força do estado seria um mundo procrusteano de ficção de horror. Ele perguntou:

             “O que, de fato, é a ‘igualdade’? O termo tem sido muito invocado mas pouco analisado. A e B são ‘iguais’ se são idênticos um ao outro quanto a uma característica dada. Assim, se Smith e Jones têm exatamente 1,80m de altura, então pode-se dizer que são ‘iguais’ em altura. Se duas estacas são idênticas em comprimento, então seus comprimentos são ‘iguais’ etc. Existe uma e apenas uma maneira, portanto, pela qual duas pessoas podem ser ‘iguais’ no sentido mais puro: elas têm de ser idênticas em todas as suas características.”

Ainda assim, Hayek, assim como Mises, defendeu o princípio da igualdade perante a lei. Embora ambos rejeitassem a noção de igualdade substantiva, argumentaram que a igualdade formal — ou igualdade perante a lei — é essencial para a cooperação social sob o Estado de Direito. Se a igualdade perante a lei não se baseia na igualdade factual, em que ela se baseia? Pode parecer contraditório defender a igualdade formal enquanto se rejeita a igualdade substantiva, mas, como Hayek explicou, a igualdade substantiva na verdade mina a igualdade formal porque não reconhece a própria razão pela qual a igualdade formal é importante. A justiça no ideal liberal clássico era descrita como cega, não porque não haja diferenças entre as pessoas, mas porque a justiça é cega para suas diferenças. O princípio da justiça cega se perde completamente quando as pessoas assumem que só podemos ter os mesmos direitos quando, de fato, somos iguais, e que todos precisam ser iguais por meio de quaisquer intervenções que os tornem iguais, para alinhar com o fato de que todos queremos ter direitos iguais. A razão pela qual a justiça é cega é porque essa é a melhor forma de maximizar o alcance da liberdade individual. Sob a justiça cega, ninguém está sujeito a obrigações ou penalidades legais às quais outros não estão, baseadas puramente em sua identidade ou características pessoais. Como Hayek colocou: “Nada, no entanto, é mais prejudicial à demanda por tratamento igualitário do que baseá-la em uma suposição tão obviamente falsa quanto a da igualdade factual de todos os homens.” Tanto Mises quanto Hayek viam a liberdade individual como a única justificativa para a igualdade formal e insistiam que a igualdade perante a lei é a única forma de igualdade compatível com a liberdade. Em seu livro Liberalismo, Mises argumentou que:

              “…que [o liberalismo] tenha criado apenas a igualdade perante a lei, e não a igualdade real. Todo poder humano seria incapaz de tornar os homens realmente iguais. Os homens são e permanecerão sempre desiguais….. O liberalismo nunca almejou algo além disso…”

Pode-se perguntar por que a lei se preocuparia em manter a igualdade formal, ou o tratamento igualitário perante a lei, se as pessoas, de fato, não são iguais. Mises deu dois motivos. A primeira razão é que a liberdade individual é essencial para a cooperação social. Ele argumentava que a liberdade individual é justificada porque promove o bem do todo, e que o liberalismo clássico “sempre teve em vista o bem do todo, não o de qualquer grupo especial.” O bem de um todo só pode ser alcançado por meio da cooperação social, e não pode haver cooperação social onde os homens não sejam livres. Ele definiu a sociedade como “uma associação de pessoas para ação cooperativa”, e a cooperação é maximizada quando as pessoas são livres para se envolver em trocas pacíficas e voluntárias baseadas na divisão do trabalho. O bem do todo e a cooperação social dependem, por sua vez, da liberdade individual e dos direitos de propriedade privada. Mises via isso como a distinção essencial entre liberalismo clássico e socialismo:

              “O liberalismo se distingue do socialismo, que, de modo semelhante, declara lutar pelo bem de todos, não em razão do objetivo a que visa, mas pelos meios que escolheu para a consecução desse objetivo.”

A segunda razão é “a manutenção da paz social.” Mises argumentava que a coexistência pacífica é essencial para a civilização e a prosperidade, e exige que todos tenham os mesmos direitos perante a lei. Um sistema jurídico que concede privilégios especiais a um grupo às custas de outro leva inevitavelmente a ressentimento, hostilidade, conflito e, por fim, guerra. Mises argumentou que “privilégios de classe [ou grupo] devem desaparecer para que o conflito por eles possa cessar.” Da mesma forma, Rothbard enfatizou que esquemas igualitários levam inexoravelmente ao conflito, alertando que qualquer sociedade que busque igualdade inicia o caminho da tirania: “Uma sociedade igualitária só pode esperar alcançar seus objetivos por meio de métodos totalitários de coerção.”

Socialistas se opõem à noção liberal clássica de igualdade formal argumentando que, se os homens não são, de fato, iguais, então a lei deveria, tanto quanto possível, ao menos tentar tornar os homens iguais. Eles sugerem alcançar isso abolindo quaisquer privilégios desfrutados por alguns que não estejam disponíveis para outros, ou criando direitos especiais para aqueles que não possuem os privilégios desfrutados por outros, para compensar suas desvantagens. Mises rejeitou essa noção de “privilégio”. O que um homem ganha com sua habilidade ou talento, o que é adquirido sob as regras da propriedade privada, não pode ser considerado um “privilégio”, pois é justificado como necessário para a cooperação social e o bem de todos:

               “O fato de que, em um navio que esteja singrando os mares, um homem seja o capitão e os demais constituam a tripulação, e, portanto, estejam sob seu comando, sem dúvida, é uma vantagem para o capitão. Não obstante, não constitui privilégio do capitão, se ele possui a capacidade de dirigir o navio entre recifes numa tempestade, e, por isso, de estar a serviço não apenas de si mesmo, mas de toda a tripulação.”

Mises, portanto, via a igualdade formal, ou igualdade perante a lei, como um componente essencial da liberdade. Sua defesa da liberdade baseava-se, por sua vez, no fato de que a liberdade é essencial para o florescimento humano. A importância da liberdade como base filosófica da igualdade é clara — segue-se que quaisquer “direitos” de igualdade que minem a liberdade individual são inválidos. Eles são, de fato, direitos falsos, como disse Rothbard.

 

 

 

 

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1 COMENTÁRIO

  1. “Ele definiu a sociedade como “uma associação de pessoas para ação cooperativa”, e a cooperação é maximizada quando as pessoas são livres para se envolver em trocas pacíficas e voluntárias baseadas na divisão do trabalho.”

    Eis aqui a justificativa intelectual – ainda que intuitiva nos homens práticos, para a perseguição implacável a Igreja Católica. Porque destruir, matar e roubar a Igreja não visava essencialmente o clero secular, mas as ordens militares e de vida monástica. Estas ordens sacras sem ser contra a propriedade privada, não cooperavam com o “mercado”. Em um mundo liberal desesperado por escravos voluntários, homens servindo a Deus e inspirando outros era um problema.

    O libertarianismo, Murray Fucking Rothbard, Mises, Herr Hoppe e toda a gangue de anarcocapitalistas, estão na margem do sistema – sendo assim socialistas, com pé no paraíso e outro fora. Sem rejeitar o ateísmo, o libertarianismo não atrapalha, mas também não ajuda. Porque a destruição do estado não leva a um mundo de trocas voluntárias, do tipo materialista made in USA, mas a um ancapistão teocrático católico. De modo que ao rejeitar a Igreja Católica, a gangue de ladrões e assassinos em larga escala estatal poderá ser aniquilada apenas formalmente, pois materialmente terá se transformada em outra coisa. E mais poderosa.

    O caso do vagabundo do Milei é isso. Este goleiro rejeitou a Igreja Católica e se aliou aos sionistas. Este Instituto é obcecado com 8 estado de Israel que até parece aqueles maconheiros de centro acadêmico. Mas os sionistas colocaram o mundo de cabeça para baixo brincando de ateísmo e estado laico?

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