3 Ambientalismo e Livre-Mercado

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A preocupação legítima com as questões ambientais

 

Como provedor de recursos vitais para a nossa sobrevivência, o meio ambiente tem sido fonte de preocupação constante para a humanidade. Provavelmente, desde que nossa espécie surgiu, já começamos a refletir sobre o eventual esgotamento dos recursos naturais à nossa disposição. Representações artísticas do Paleolítico, como pinturas, entalhes e esculturas, feitas há mais de 10.000 anos, já evidenciavam que mesmo sociedades pré-históricas tinham a necessidade de interpretar a oferta de bens naturais e serviços ambientais à medida que buscavam sobreviver em um mundo hostil e desenvolviam suas estratégias sociais.

Desde então, não é raro aparecerem pessoas reclamando incessantemente que produzimos em excesso, que consumimos demais, que devastamos extensas áreas, que extinguimos espécies, que poluímos o ar, a terra e o mar… Em suma, que estamos destruindo o planeta, e que tudo isso deve parar imediatamente, antes que seja tarde demais. Enquanto alguns preocupam-se genuinamente com tais questões e buscam soluções éticas e práticas, outros simplesmente vociferam ameaças e palavras de ordem, como verdadeiros profetas do apocalipse, e exigem que o mundo seja mudado imediatamente à sua imagem e semelhança.

Ambientalistas são pessoas que vêem grandes benefícios em comunidades naturais prístinas, em baixas taxas de extinção e em baixos níveis de poluição, preocupando-se com essa suposta destruição do planeta. Tudo isso é muito bonito, mas é um tanto irrelevante. Quem em sã consciência, afinal, discordaria desses benefícios? Todos nós queremos ter a oportunidade de admirar paisagens bucólicas, repletas de vida selvagem, respirando ar puro, bebendo água limpa e permitindo que as próximas gerações também possam usufruir a natureza – ninguém quer que tudo isso seja destruído. Mas o que significa destruir algo?

O químico francês Antoine-Laurent de Lavoisier já havia escrito em 1743: “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.” De fato, quando uma árvore é queimada, ela é transformada: gera-se calor, parte dos elementos se volatiliza e parte se deposita como cinzas. Quando uma floresta é derrubada, ela desaparece, mas uma fazenda, uma estrada ou uma cidade surge em seu lugar. Aliás, exatamente onde você está lendo este livro, em que hoje, muito provavelmente, há toda uma infra-estrutura urbana, existia há não muito tempo cobertura vegetal nativa. Parece que temos outras demandas que não as ambientais, não?

Na verdade, o que deveríamos nos perguntar é se esse tipo de transformação vale a pena dadas essas várias demandas que temos. A rigor, o que as pessoas estão dizendo quando afirmam, em tom alarmista, que a humanidade está destruindo o planeta é que a ação humana está gerando mudanças de que elas não gostam. E isso é apenas uma opinião, isso não dá a elas o direito de ameaçar cidadãos pacatos, clamando pelo uso do aparato coercitivo do estado. Como conciliar, então, demandas ambientalistas, muitas vezes legítimas, com o direito inalienável de um cidadão pacífico não ser agredido ou ameaçado de agressão?

Para responder a essa pergunta, muitos usam uma abordagem empirista, isto é, eles olham para as consequências das ações, procuram medir os resultados, colocam na balança o que consideram ser bom ou ruim e decidem de modo utilitarista o que julgam ser melhor. Para isso, comumente coletam dados, usam números e os interpretam estatisticamente. Em casos como esses, há uma frase popularizada pelo escritor estadunidense Mark Twain bastante pertinente: “Há três tipos de mentiras: mentiras, malditas mentiras e estatística”. Isso porque a estatística é, muitas vezes, usada para justificar argumentos fracos.

Graças à influência do inglês John Maynard Keynes, a maioria dos economistas acredita que a ação humana pode ser analisada por meio de modelos estatísticos, cujos resultados, por sua vez, podem ser usados para justificar a interferência estatal e o planejamento central. Essa visão keynesiana permeia a maioria dos cursos de economia, cujas grades curriculares estão repletas de modelagem matemática. O problema dessa abordagem empirista, desse emprego da estatística para justificar uma posição, é que dados – notadamente um conjunto grande deles – são facilmente manipuláveis, como já nos lembrara Mark Twain.

A ação humana, porém, não pode ser condensada em números. Melhor do que pensar empiricamente, escolhendo e interpre-tando dados da maneira que mais nos convém, é pensar antecipadamente, isto é, “a priori”. Essa visão apriorística é a proposta do libertarianismo: devemos ignorar todos os dados e nos focar na lógica do assunto. Devemos entender que qualquer que seja a solução adotada, ela não pode ferir aquilo que, por dedução lógica, é necessário para a convivência pacífica e perene entre pessoas. Exemplos devem, pois, ser vistos apenas como corroborações do que pode ser deduzido logicamente a priori.

Sendo assim, um libertário não prometerá soluções para todos os problemas ambientais – deixemos promessas desse tipo para os políticos. Ele dirá apenas que qualquer solução para os problemas ambientais que temos ou que venhamos a ter não poderá incluir a agressão ou a ameaça de agressão a pessoas pacíficas. E ele fará isso não com base em dados, mas sim com base em deduções lógicas que levam à ética da propriedade privada, como vimos no primeiro capítulo. Além disso, ele dirá que essa possível solução será testada dentro do livre-mercado, com seu mecanismo intrínseco de correção de erros, como vimos no segundo capítulo.

Se os problemas ambientais fazem parte das nossas preocupações desde que surgimos na Terra e se os recursos naturais são essenciais para nossa sobrevivência e nosso bem-estar, então obviamente há demandas por bens e serviços fornecidos pelo meio ambiente. Cabe a nós, portanto, canalizar essas demandas de forma que consigamos usar os recursos naturais de forma racional e evitar conflitos. Mais uma vez, a única forma possível para isso é por meio da ética da propriedade privada. Hoje em dia, porém, esses recursos naturais são quase sempre socializados, com todos os problemas que daí decorrem.

 

A tragédia dos comuns

 

Entre nós é quase unânime a ideia de que os recursos naturais não devem pertencer a alguém em particular, mas sim a toda a sociedade. “O meio ambiente não é mercadoria!” — esbraveja nosso preocupado justiceiro ambiental — “A água é de todos! Ninguém pode ser dono das florestas!” Bem, se a água ou as florestas são de todos, na verdade não são de ninguém. E se não são de ninguém, não há nenhum incentivo para que sejam conservadas. Ao contrário, o incentivo será para que sejam consumidas à exaustão. Essa ideia de que recursos naturais não podem ser mercadorias é a razão pela qual eles são levados ao esgotamento.

Antigamente, era comum aqui no Brasil os prédios terem um hidrômetro coletivo. Nesse caso, o consumo de água de um prédio era socializado: media-se o volume de água consumido por todo o prédio, dividia-se esse volume pelo número de apartamentos e cobrava-se de cada apartamento o valor médio. Assim, não adiantava você economizar água, porque se o seu vizinho a desperdiçasse, você também pagaria a conta. Logo, não havia nenhum incentivo para que os condôminos economizassem esse recurso. Pelo contrário, o incentivo era para que eles gastassem à vontade, já que os vizinhos teriam também de arcar com os custos.

Esse hidrômetro socializado era fonte de inúmeros conflitos e brigas homéricas em reuniões de condomínio. Qual a única solução possível? Isso mesmo, individualizar o consumo de água. Isso foi feito, e os prédios novos vêm sendo construídos com hidrômetros separados para cada apartamento, o que racionaliza o consumo de água e faz com que cada família pague exatamente o que gasta, nem mais, nem menos. Note que a socialização de um recurso natural – no caso, a água – não funciona nem em uma situação extremamente simples, como em um único prédio, envolvendo algumas poucas pessoas. O que dirá em uma escala maior, não?

O que tínhamos nesse exemplo do consumo socializado da água em prédios era o que ficou conhecido como “a tragédia dos comuns”. Em situações como essa, o incentivo de cada pessoa é para usar um recurso sem se preocupar com as consequências no longo prazo, o que leva a um consumo excessivo do mesmo, a uma falta de investimentos para provê-lo e, em última instância, à sua exaustão. Essa expressão, “a tragédia dos comuns”, foi popularizada por um biólogo estadunidense chamado Garrett Hardin, que publicou um artigo com esse título na revista Science, em 1968.

No artigo, Hardin citou o exemplo do gado em pastagens: quando o pasto era particular, o fazendeiro limitava o seu uso de modo que o rebanho sempre tivesse plantas para forragear, evidenciando um pensamento de longo prazo; já quando o pasto era compartilhado com outros fazendeiros, ele era superutilizado, porque se o rebanho de um fazendeiro não consumisse logo as plantas, os rebanhos dos demais fazendeiros o fariam – consequentemente, os pastos rapidamente se exauriam, graças a um pensamento de curto prazo. “É o olho do dono que engorda o boi!” — já nos lembra a sabedoria popular.

O que vale para o consumo de água em um prédio ou de plantas forrageiras em um pasto vale para outros bens naturais e serviços ambientais. Essa ideia arraigada na mente da grande maioria das pessoas de que eles devem ser socializados faz com que inevitavelmente caiamos na tragédia dos comuns e que fatalmente tenhamos conflitos insolúveis relacionados a esses recursos. Em situações como essas, em que temos a tragédia dos comuns, fazer campanhas pedindo à população que “mude seus hábitos” para salvar o planeta é completamente inútil, dado o incentivo muito mais forte para que ocorra o exato oposto.

 

As pseudossoluções estatais

 

Lamentavelmente, quase todas as medidas tomadas hoje para evitar problemas ambientais pedem mais do veneno que os causam: clamam por mais intervenção estatal e dão ainda mais poder para políticos decidirem de forma coercitiva e centralizada como os bens naturais serão consumidos e como os serviços ambientais serão fornecidos. Não há a menor chance de isso dar certo. Além de essas medidas serem antiéticas, o que, por si só, já basta para que sejam sumariamente rechaçadas, são antieconômicas, porque levam a uma alocação irracional de recursos, e ineficientes, porque não resolvem os problemas que se propõem a resolver.

Pensemos primeiro na questão ética. Quando alguém, muitas vezes de forma até bem-intencionada, pede que algo que supostamente faça mal ao meio ambiente – digamos, sacolas plásticas – seja proibido, o que ele está pedindo é que o estado, enquanto detentor do monopólio da agressão, use o poder de suas armas para obrigar cidadãos pacíficos a fazer algo que normalmente não fariam, sob ameaça de multa, prisão ou morte. Ou seja, ele está defendendo a pseudossolução de um conflito por meio da força e permitindo que políticos decidam como aplicá-la. Convenhamos, isso não parece ser uma boa ideia.

Quando alguém defende medidas desse tipo, está abrindo as portas do inferno. Ele está preferindo o uso da força estatal para obter o que imagina ser uma vantagem para si ou para os outros em vez de alternativas voluntárias. E uma vez que tenha sido dado poder a políticos para coagir pessoas pacatas a fazer algo que não querem, não haverá limites para a coerção estatal. Quem defende tais medidas, cedo ou tarde, também terá os fuzis do estado apontados para si, obrigando-o a fazer algo que considera inaceitável. Uma vez que se relativiza a propriedade privada, não há mais como se evitarem injustiças.

Além da questão ética, a intervenção estatal – com suas implacáveis taxações, suas infinitas regulações, suas enormes distorções no sistema de preços, seus inúmeros favorecimentos aos amigos do rei – traz uma série de problemas econômicos à conservação do meio ambiente. Pedir impostos, regulações e proibições empobrece enormemente a população, já que retira capital do sistema produtivo e o coloca no sistema parasitário. Logo, fazer isso, ainda que usando como justificativa a preservação do meio ambiente, traz pobreza, já que impõe vários custos que vão ter de ser pagos pela população como um todo.

Portanto, usar os problemas ambientais para pedir mais intervenção estatal é só encenação de virtude – é tão somente querer sentir-se moralmente elevado perante seus pares, é apenas querer impor violentamente uma opinião, deixando a conta para todos, especialmente os mais pobres, pagarem. Como dizem por aí, “fazer caridade com o dinheiro dos outros é fácil”. E é mesmo. Apenas abrindo voluntariamente a própria carteira e, de alguma forma, dispondo-se a contribuir financeiramente com aquilo que imagina ser bom à preservação do meio ambiente é que alguém demonstra que, de fato, se preocupa com a questão ambiental.

O empobrecimento generalizado provocado pela intervenção estatal na economia dificulta ou até impossibilita isso. Quem está passando por dificuldades financeiras não pode se dar ao luxo de ficar se preocupando com questões ambientais. Alguém que esteja tendo dificuldades para colocar comida à mesa para sua família sequer vai considerar, digamos, pagar o dobro por uma dúzia de ovos orgânicos. Lembre-se, nossas ações visam à melhora de nosso bem-estar. Apenas quando as nossas demandas mais básicas estiverem satisfeitas é que nos preocuparemos com as demais.

O sistema de preços do livre-mercado é que vai permitir que quantifiquemos a importância da questão ambiental frente às outras demandas. Logo, um outro problema trazido pela intervenção estatal é a distorção nesse sistema de preços, que impossibilita que saibamos exatamente quais são as preferências subjetivas dos indivíduos. Se não é possível saber o quão importante é a conservação ambiental face ao resto, não é possível determinar quanto de nossos escassos recursos deve ser alocado para esse fim. Qualquer tentativa de se planejar isso centralmente será ineficiente.

Ainda, a expansão artificial de crédito via diminuição da taxa de juros, que os bancos centrais periodicamente determinam, estimula o consumo excessivo, cria bolhas especulativas caracterizadas por uma ilusão de riqueza e coloca pressão sobre os recursos naturais. Socialismo, com seu planejamento central da economia, aumenta a preferência temporal, faz com que as pessoas pensem apenas no curto prazo e estimula o consumismo. Por exemplo, as bolhas imobiliárias decorrentes dessa expansão artifical de crédito implicam maiores demandas por madeira e calcário, colocando pressão sobre florestas e cavernas.

Além disso, a intervenção estatal via impostos, regulações e proibições favorece as grandes corporações, pois impõe barreiras de entrada quase intransponíveis a novos concorrentes. Protegidas da concorrência, essas corporações não têm mais nenhum incentivo para atenderem eventuais demandas legítimas de seus clientes relacionadas ao meio ambiente. Toda essa intervenção estatal também impõe custos altíssimos à atividade empreendedorial, desestimulando inclusive aqueles que estão dispostos a arriscar o próprio capital na busca por soluções para os problemas ambientais.

Um outro problema é o sistema judiciário estatal. Por ser monopolista, coercitivo e juspositivista, ele não tem como funcionar para fornecer justiça. Uma vez que, na legislação estatal, a propriedade privada é relativizada, é muito difícil para aquele que é prejudicado por problemas ambientais se defender. Lembre-se dos desastres ambientais que aconteceram recentemente no país, como rompimentos de barragens e derramamentos de óleo no mar. Alguém foi punido por isso? As vítimas receberam alguma forma justa de restituição? Claro que não. A justiça estatal funciona apenas para proteger os políticos e seus comparsas.

A intervenção do estado, socializando os custos das suas pseudossoluções, transforma toda a questão ambiental em uma grande tragédia dos comuns, fazendo com que até mesmo aqueles que nunca prejudicaram o meio ambiente paguem pelos problemas causados pelos demais e, ainda por cima, não vejam nenhum resultado concreto, só encenação de virtude. O estado não está nem aí para o meio ambiente. Para políticos, o ambientalismo é simplesmente uma excelente desculpa para ganhar votos, taxar ainda mais a população, aumentar o controle social e beneficiar esse pequeno grupo de aristocratas a que pertencem.

Assim, algo extremamente importante como a conservação do meio ambiente se torna apenas mais um instrumento de propaganda, de doutrinação e de controle. A intromissão estatal politiza a questão ambiental, dividindo as pessoas e tornando-as facilmente manipuláveis. A crença de que bens naturais e serviços ambientais devam ser públicos cobra um alto preço. Como bem disse Albert Einsten, “insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados distintos”. Se quisermos solucionar os problemas ambientais, já passou da hora de tentarmos algo diferente.

 

A solução real

 

Mateus mora em uma pequena cidade no interior do Paraná, onde trabalha na loja de móveis de seu pai. Os moradores daquele bairro vêm debatendo acaloradamente o que fazer com uma pracinha que existe perto da loja. Mateus, que nos últimos anos se tornou um aguerrido ativista ambiental, sabe exatamente o que fazer com a praça: devem ser plantadas ali árvores nativas, para que sejam restaurados, ainda que minimamente, os serviços ambientais que as florestas da região, outrora tão abundantes, forneciam em um passado não tão distante.

O que Mateus não consegue acreditar é que há pessoas que pensam diferente. “Como ousam?” — pergunta ele. Para seu espanto, há pessoas como Viviane, que levam seus filhos à praça e que acreditam que um parquinho de diversões cairia muito bem ali. Há aqueles como Roberto, que passeiam com seus cachorros e que acham que um extenso gramado deixaria o local perfeito. Há ainda pessoas como Ana, que não querem nada disso e que preferem um estacionamento, já que vão trabalhar de carro. Note que, nesse exemplo, temos um recurso, o espaço, e várias opiniões de como ele deve ser usado. Como superar essas diferenças?

Uma opção é aquela “via política” de Oppenheimer. “Vou votar no Jorginho do Açougue para vereador, porque ele prometeu transformar aquela praça em uma pequena floresta!” — declara orgulhosamente Mateus. Será que isso é uma boa opção? Quando escolhemos essa via, estamos defendendo que, uma vez eleito, Jorginho, junto com outros comparsas, roube, via impostos, não só o próprio Mateus, mas também Viviane, Roberto, Ana e demais cidadãos para fazer algo com que muitos não concordam. E isso assumindo, ingenuamente, que o Excelentíssimo Vereador Jorginho do Açougue vá fazer o que prometeu.

Ao se escolher essa via, o conflito não é resolvido; ao contrário, ele é exacerbado. Agora, mesmo os que não concordam com aquele uso da praça são obrigados a financiá-lo. O vencedor daquela divergência de opiniões é decidido pela força, por aquele que consegue capturar a máquina coercitiva do estado. É este o sistema em que vivemos hoje e é patente sua injustiça. Neste sistema, a grande maioria da população tem seu direito à autopropriedade sistematicamente violado para que alguns se iludam com pequenas mudanças e uma pequena casta de privilegiados se aproveite de nossas preferências subjetivas.

Não seria melhor uma outra opção? Não seria melhor tentarmos aquela “via econômica” de Oppenheimer? Não seria melhor nos lembrarmos de que os recursos, por definição, são escassos? Aceitando a realidade como ela é, aí sim teremos alguma chance de resolver esses inevitáveis conflitos de forma pacífica. E se aquela praça fosse privatizada e o dono pudesse fazer dela o que quisesse, cobrando para tal? Nesse caso, se ele percebesse que há demanda por uma praça bastante arborizada e que há pessoas como Mateus, dispostas a pagar por isso, ele poderia se arriscar nessa empreitada.

A escritora estadunidense Ayn Rand certa vez escreveu: “Podemos ignorar a realidade, mas não podemos ignorar as consequências de ignorar a realidade.” No caso do meio ambiente, mesmo se ignorarmos o fato de que os recursos naturais são escassos, tratando-os como “direitos” e procurando socializá-los, a realidade baterá à nossa porta: cairemos na tragédia dos comuns, haverá um incentivo para a exaustão desses recursos e surgirão vários conflitos, cujos vencedores serão determinados pela força. Assim, se quisermos realmente solucionar esses problemas, a solução é o livre-mercado, é privatizar os recursos naturais.

Antes de mais nada, a privatização de tais recursos é a única solução ética. Recorde-se de que, como vimos no primeiro capítulo, a ética da propriedade privada pode ser deduzida logicamente e é universal: ela é válida para qualquer pessoa, em qualquer lugar e a qualquer momento. Sendo assim, ela previne conflitos, protege os mais fracos e nos dá um embasamento jurídico claro para punir os que não a respeitam e para restituir os que são desrespeitados. Seguindo essa ética, um recurso natural será daquele que primeiro dele se apropriar ou daquele que o receber de outrem por meio de uma troca voluntária.

Uma vez privatizados, os recursos naturais podem ser comercializados em um livre-mercado, cujos preços, agora livres das distorções estatais, refletem fielmente as preferências subjetivas das pessoas. Como no exemplo da praça, temos várias demandas, das quais a proteção ao meio ambiente é apenas uma. Hoje em dia, dadas as interferências econômicas estatais, não temos como saber qual é a exata posição da proteção ao meio ambiente dentro dessa lista de necessidades. Apenas o sistema de preços em um livre-mercado nos permite aferir o quão importante são as questões ambientais em relação às outras demandas.

Ao contrário do que os justiceiros ambientais querem lhe fazer acreditar, a proteção ao meio ambiente não é uma prioridade para muitas pessoas, que colocam outras necessidades, igualmente legítimas, na frente. Um estudo do Pew Research Center, publicado em 2015, mostrou que a grande maioria das pessoas não considera a proteção ao meio ambiente algo relevante quando comparada com outros objetivos em suas vidas. Na verdade, elas priorizam demandas como alimentação, saúde, segurança e educação para, só depois, se preocuparem com questões ambientais.

Não obstante, o meio ambiente tem sua importância, como nos mostra a comoção da população frente a várias questões ambientais. Esse tipo de comoção, que surge, por exemplo, quando há um derramamento de óleo no mar, evidencia que as pessoas, em algum grau, valorizam a conservação. A privatização dos bens naturais e dos serviços ambientais faria com que essa valorização deixasse de ser simplesmente encenação de virtude e passasse a ser espontânea, virtuosa e autêntica. Assim, se o meio ambiente importa, ele será valorizado no livre-mercado conforme outras demandas mais prioritárias venham a ser satisfeitas.

Portanto, só com um crescimento econômico significativo é que as pessoas passam a se preocupar com o meio ambiente. Mesmo que não haja um livre-mercado de fato, a mera diminuição da intervenção estatal já faz com que a economia comece a prosperar – e quanto maior essa diminuição, mais próspera a economia. Nesse caso, com mais dinheiro no bolso, podemos contribuir com causas ambientais; do contrário, atemo-nos ao que é prioritário. Não tem jeito, é assim que funciona. Quantas vezes você já não deixou de contribuir com alguma causa ambiental por não ter dinheiro? Pois é, o que vale para você vale para os outros.

A aplicação de um sistema de preços aos recursos naturais também faz com que aqueles que consumam mais paguem mais, o que evita a tragédia dos comuns. Além disso, ele cria incentivos para que recursos naturais sejam ofertados de forma eficiente, já que envia sinais quanto ao que deve ser conservado ou transformado, seja um bem natural, como um pedaço de floresta, seja um serviço ambiental, como a prevenção de enchentes. Quanto mais escasso esse bem ou esse serviço, mais caro se torna. Isso é um incentivo para que empreendedores invistam, produzam e ofertem tal recurso, reduzindo, posteriormente, seu preço.

 

Por um livre-mercado de preservação ambiental

 

Deixe-me lhe contar uma outra história bastante ilustrativa. Na década de 1840, uma praga dizimou as culturas de batata na Europa setentrional, levando a uma grande carestia. Milhões de pessoas ficaram desnutridas, muitas delas morreram e outras tantas foram obrigadas a emigrar, levando a um grande declínio populacional. A diminuição da oferta desse bem natural levou a um aumento de preço não só da própria batata, mas também de outros alimentos. Isso é simplesmente a lei de oferta e procura, algo de que não temos como escapar: se a procura é a mesma e se há menos de um dado recurso, cada item dele custa mais.

Aí mais uma vez, cheio de boas intenções, nosso justiceiro grita: “Que absurdo, esses agricultores eram uns capitalistas gananciosos! A população morrendo, e eles aumentando os preços! O governo deveria ter intervindo e controlado tudo!” Bom, se o governo tivesse intervindo, o problema só teria piorado. Um controle de preços teria trazido duas consequências negativas. O preço artificialmente baixo dos alimentos teria levado, primeiro, a um esgotamento quase que imediato de todo o pequeno estoque que havia e, segundo, a uma ausência de incentivos para que empreendedores procurassem normalizar a oferta.

Como as coisas seguiram seu curso, os preços altos dos alimentos fizeram com que algumas pessoas arriscassem o próprio capital na esperança de que pudessem lucrar mais depois, ofertando aqueles bens tão raros e procurados. Uma dessas pessoas foi o agrônomo inglês John Bennet Lawes, que, nessa mesma década de 1840, desenvolveu o “superfosfato” e deu início à indústria de fertilizantes químicos, que levou a um brutal aumento da produtividade agrícola e foi fundamental para a solução da crise. O que salvou os europeus, pois, não foram as boas intenções de ninguém, mas sim o desejo por lucro de empreendedores como Lawes.

E eis de novo o papel fundamental dos empreendedores. Em uma economia de livre-mercado, eles se antecipam e procuram oferecer o que acreditam ser mais desejado, coordenando o uso dos recursos, inclusive os naturais. Consumidores, por sua vez, respondem comprando ou não o que lhes é oferecido. Graças ao sistema de preços, lucros e prejuízos sinalizam se e como recursos devem ser realocados. Já que nossos limitados recursos podem ser alocados de infinitas maneiras, temos de fazer escolhas, sacrificando alguns de nossos desejos em função de outros. Qual a conclusão inescapável disso?

É que, em um livre-mercado, a quantidade de natureza a ser preservada será exatamente aquela que a população como um todo considerar necessária. Talvez eu e você consideremos essa quantidade pequena; talvez aqueles justiceiros ambientais se decepcionem. Paciência, a vida é assim… Contudo, todos nós poderemos participar da economia de mercado, encorajando pacificamente outros a aprimorarem esse cenário que consideramos insuficiente. Isso não é melhor do que defender que alguns políticos roubem o povo na esperança de que, por milagre, façam o que deles se espera?

“Mas e se uma empresa desperdiçar recursos naturais?” — pergunta o inquieto justiceiro. Ora, em um ambiente de livre mercado, não há barreiras de entrada. Dado que os recursos são escassos e que os empreendedores buscam o lucro, há um estímulo muito forte para se usar a menor quantidade possível desses recursos. Se uma empresa for gerida de forma irresponsável, gastando mais recursos naturais do que precisa, há todo um incentivo para que outras tomem o seu lugar. É justamente esse mecanismo de competição do mercado que faz com que empreendedores perdulários sejam rapidamente eliminados.

“E a poluição?” — continua, incansável, nosso justiceiro — “esses empreendedores insensíveis vão poluir tudo!” Mas será? Você já tentou jogar seu lixo no quintal do seu vizinho? Provavelmente não, mas você sabe que, se jogar, seu vizinho não vai aceitar a sujeira passivamente. “Quem tem cuida” — já diz o ditado. Aqui é a mesma coisa: se rios, lagos, florestas e afins forem particulares, ninguém vai deixar sua propriedade ser poluída pelo lixo dos outros. Se, porventura, isso vier a acontecer, o proprietário certamente irá buscar reparação e punição por meio de tribunais.

E, naturalmente, esse tribunais também serão privados. Se o sistema judiciário estatal não tem como funcionar por ser monopolista, coercitivo e juspositivista, tribunais privados – voluntários e jusnaturalistas – terão os incentivos corretos para produzir justiça barata e de qualidade. Em um sistema de justiça desse tipo, os custos pelos danos causados em agressões ou catástrofes ambientais incidirão sobre os que de fato as provocaram e não sobre os pagadores de impostos. Da mesma forma, as reparações e indenizações irão diretamente para aqueles que sofreram os danos e não para o bolso do governo.

Se você está lendo este livro é porque, mui provavelmente, preocupa-se com o meio ambiente. Mesmo que você esteja certo em suas preocupações, isso não lhe dá o direito de pedir que fuzis sejam apontados para pessoas pacíficas, obrigando-as a fazer algo que não querem. O que você pode fazer, porém, é procurar expor o seu ponto de vista e convencer seus interlocutores. Nesse caso, o convencimento é válido, pois eventuais mudanças de hábito da população evidenciarão mudanças reais de mentalidade e não medo de sofrer represálias por não seguir uma legislação imposta agressivamente pelo estado.

O economista espanhol Jesús Huerta de Soto resumiu bem a questão: “A melhor maneira de se preservar a natureza é estendendo a criatividade empreendedorial e os princípios do livre mercado para todos os recursos naturais, o que requer a completa privatização destes e uma correta definição e defesa dos direitos de propriedade. Sem esses direitos, o cálculo econômico se torna impossível, a correta alocação de recursos para as aplicações mais demandadas é impedida e todos os tipos de comportamentos irresponsáveis são encorajados, o que leva à exaustão e à destruição injustificadas de vários recursos naturais.”

Em suma, pensando praxeologicamente, podemos afirmar que: (1) a provisão de bens naturais e serviços ambientais é importante para o bem-estar humano; (2) há, porém, outras demandas mais importantes para esse bem-estar, como alimentação, educação, saúde e segurança; (3) a importância dada ao meio ambiente tende a aumentar à medida que o livre-mercado enriquece as pessoas e satisfaz o que elas consideram prioritário; (4) qualquer intervenção estatal é antiética e antieconômica e (5) qualquer solução para conflitos relacionados ao meio ambiente passa pelo respeito à propriedade privada. Vamos pensar nessas soluções?

 

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Marco Batalha
é biólogo, com mestrado e doutorado em Ecologia. Professor titular da Universidade Federal de São Carlos. Tem mais de 90 artigos científicos, publicados em revistas como Diversity and Distributions, Ecology, Oecologia, Oikos e Plant Ecology. É autor do livro 'O Ambientalista Libertário'.

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