6 – Da Economia do Laissez-Faire à Ética do Libertarianismo

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Por Hans-Hermann Hoppe

 

 

— I —

 

Ludwig von Mises, sem sombra de dúvida um dos mais rigorosos defensores de um sistema social de laissez-faire desimpedido por qualquer intervenção governamental na história do pensamento econômico, admite duas, e apenas duas, deficiências de um sistema de mercado puro. Embora, de acordo com Mises, seja geralmente verdadeiro que uma economia de mercado produz o padrão de vida mais alto possível, isso não acontecerá se uma firma conseguir assegurar preços monopolísticos para seus bens, e o mercado não poderá por si só produzir os bens de lei e ordem. Lei e ordem, ou a proteção da estrutura legal subjazendo à ordem de mercado, são considerados por Mises, em terminologia atual, como “bens públicos”, cuja produção deve ser feita pelo estado, o qual não é ele mesmo sujeito à disciplina do mercado, mas em vez disso baseia-se em coerção, especialmente em tributação compulsória.

Quando Murray N. Rothbard entrou em cena em 1962 com seu Man, Economy, and State, ele não apenas se tornou o mais importante estudante de seu amado professor Ludwig von Mises, mas sobre o ombro desse gigante ele também se estabeleceu, aos 36 anos, como um gigante intelectual por seu próprio mérito, indo, num espírito verdadeiramente misesiano, além do próprio Mises. Ele reconheceu a posição de Mises sobre o caráter excepcional de preços monopolísticos e bens públicos como incompatível com o próprio edifício da teoria econômica subjetivista apresentado em Ação Humana, e apresentou pela primeira vez uma defesa econômica completa e inteiramente consistente de um sistema de mercado puro.

Sobre o problema dos monopólios, Rothbard mostrou que no livre mercado nenhum preço pode ser identificado como monopolístico ou competitivo, quer pelo próprio “monopolista”, quer por qualquer observador externo “neutro”. A ortodoxia econômica, que inclui a economia austríaca misesiana, ensina que preços monopolísticos são preços maiores atingidos pela restrição da produção, preços pelos quais, então, as vendas trazem retornos mais altos que aqueles a serem ganhos ao se vender o produto de uma produção irrestrita a preços competitivos mais baixos. E – assim prossegue a história – uma vez que tais medidas restritivas que a motivação do lucro impele o monopolista a usar implicariam o consumidor pagar mais por menos, a existência de preços monopolísticos permite a possibilidade de falhas de mercado.[1] Como Rothbard salienta, há duas falácias relacionadas envolvidas nesse raciocínio.[2]

Primeiro, deve ser notado que toda mediada restritiva deve, por definição, ter um aspecto expansionista complementar. Os fatores de produção que o monopolista libera do emprego em uma linha de produção A simplesmente não desaparecem. Em vez disso, eles devem ser usados de outra forma: ou para a produção de outros bens de troca ou para uma expansão na produção do bem lazer para um dono de um fator trabalho. Agora suponhamos que o monopolista restrinja a produção na linha A no momento k em relação a t1, e os preços e retornos de fato subam. Seguindo a ortodoxia, isso faria dos preços mais altos em t2 um preço monopolístico e o consumidor seria prejudicado. Mas isso é realmente o que aconteceu? Essa situação pode ser distinguida de uma situação em que a demanda para o produto em questão mudou de t1 para t2 (a curva de demanda deslocou-se para a direita)? A resposta, é claro, é um não, uma vez que as curvas de demanda não são simplesmente “dadas” para nenhum bem. Devido à mudança na demanda para o bem em questão, o preço competitivo em t1 se tornou subcompetitivo em t2, e o preço mais alto em t2 é simplesmente um movimento desse preço subcompetitivo para o novo preço competitivo. O movimento restritivo do monopolista também não implica uma piora da situação dos consumidores, uma vez que, necessariamente, deve ser acompanhado de um movimento expansionista complementar em outras linhas de produção. A ação restritiva do monopolista não pode ser distinguida de qualquer mudança “normal” na estrutura de produção que seja causada por mudanças relativas na demanda do consumidor para os vários bens, incluindo lazer. “Não há nenhuma maneira” escreve Rothbard,

de distinguir tal “restrição” e expansão consequente de uma alegada situação de “preços de monopólio”.[3] Mas se um conceito não tem nenhuma base na realidade, então ele é vazio e ilusório, e não um conceito significante. No livre mercado não há maneira de distinguir um “preço de monopólio” de um “preço competitivo” ou de um “preço subcompetitivo”, ou ainda de estabelecer quaisquer mudanças como movimentos de um a outro. Nenhum critério pode ser encontrado que seja capaz de fazer essas distinções. O conceito é, portanto, insustentável. Podemos falar apenas do preço de livre mercado.[4]

Sobre a segunda alegada imperfeição do mercado, o problema dos bens públicos e em especial o do bem lei e ordem, Rothbard mostrou que os que advogam por essa posição não conseguem fundamentar sua afirmação de que há dois tipos de bens econômicos categoricamente diferentes – públicos e privados – aos quais seriam aplicados tipos de análises econômicas categoricamente diferentes. Mesmo que se assumisse que essa distinção se sustenta, eles não poderiam fornecer qualquer razão econômica de por que tais bens públicos devem ser ofertados pelo estado.[5] A ortodoxia diz que certos bens e serviços, dos quais lei e ordem são usualmente consideradas os protótipos, têm a característica de que seu gozo não pode ser restrito àquelas pessoas que de fato pagam por sua provisão. Tais bens são chamados de bens públicos. Como eles não podem ser ofertados pelo mercado (ao menos não em quantidade e qualidade suficientes) por causa desse problema de “carona” conectado a eles, mas mesmo assim são bens valorizados, o estado tem de entrar em cena para assegurar a sua produção, assim o argumento é apresentado.[6] Em sua refutação desse raciocínio, Rothbard primeiro nos chama a atenção para o seguinte: para algo ser um bem econômico em primeiro lugar, ele deve ser escasso e deve ser percebido como escasso por alguém. Em outras palavras, algo não é um bem em si mesmo, mas bens são bens aos olhos de seu detentor. Mas se bens não são bens em si, se nenhuma análise físico-química pode estabelecer algo como um bem econômico, então não há também nenhum critério objetivo fixo para classificar bens como públicos ou privados. Eles não podem ser privados ou públicos por si sós; seu caráter de público ou privado depende de quantas pessoas os consideram bens (ou se for o caso, males), com o grau em que eles são privados ou públicos mudando conforme essas avaliações mudam e indo de um até infinito. Mesmo algo aparentemente completamente privado como o interior de meu apartamento ou a cor da minha cueca pode, assim, se tornar bem público tão logo alguém passe a se importar com eles. E bens aparentemente públicos como o exterior de minha casa ou a cor de meu macacão podem se tornar bens extremamente privados tão logo outras pessoas deixem de se importar com eles. Ademais, todo bem pode mudar sua característica de tempos em tempos; pode até deixar de ser um bem público ou privado para se tornar um mal público ou privado, e vice-versa, dependendo apenas das mudanças nesse “me importo” ou “não me importo”. Entretanto, se isso é assim, nenhuma decisão pode ser baseada na classificação de bens como privados ou públicos: de fato, se isso fosse feito, não apenas seria necessário perguntar para virtualmente todas as pessoas sobre cada bem individual se elas se importam ou não, e se esse for o caso, até que ponto, para descobrir quem lucra com o que e quem devia participar em seu financiamento. Também seria necessário monitorar todas as mudanças em tais avaliações continuamente, com o resultado sendo de que nenhuma decisão definitiva poderia ser feita sobre a produção de qualquer coisa e todos nós estaríamos mortos como consequência de tal teoria absurda.

Segundo, mesmo que todas essas dificuldades fossem postas de lado, a conclusão alcançada pelos teóricos dos bens públicos é um claro non sequitur, como Rothbard mostra. Por uma razão: para chegar à conclusão de que o estado deve ofertar bens públicos que não seriam de outra forma produzidos, deve-se introduzir clandestinamente uma norma na cadeia de raciocínio. Do contrário, da afirmação de que, devido a algumas características especiais, certos bens não seriam produzidos, não se poderia jamais chegar à conclusão de que esses bens devem ser produzidos. Com uma norma sendo necessária para justificar suas conclusões, os teóricos dos bens públicos claramente deixaram as fronteiras da ciência econômica enquanto ciência positiva e transgrediram em direção ao campo da ética. Nenhum deles, entretanto, oferece algo ligeiramente semelhante a um claro sistema de ética. Além disso, mesmo o raciocínio utilitarista empregado por eles é flagrantemente incorreto. Pode muito bem ser que seja melhor ter esses bens públicos do que não tê-los, ainda que não deva ser ignorado que não há razão a priori para que isso deva ser assim, como é claramente possível, e mesmo sabido ser o caso, que existe um anarquista e que ele abomina a ação estatal e preferiria não ter os chamados bens públicos de modo algum se a alternativa for tê-los ofertados pelo estado. Mas mesmo que concedamos ao argumento tudo isso, a conclusão retirada ainda é inválida. Uma vez que para financiar os bens supostamente desejáveis, recursos devem ser retirados de usos alternativos possíveis, a única questão relevante é se esses usos alternativos em que esses recursos poderiam ser postos são ou não são mais valiosos que o valor atribuído aos bens públicos. A resposta a essa pergunta é perfeitamente clara: em termos das avaliações dos consumidores, o valor dos bens públicos é relativamente menor que o dos bens privados concorrentes, porque, se a escolha é deixada aos consumidores, eles evidentemente preferirão maneiras diferentes de gastar o dinheiro deles (do contrário, nenhuma coerção seria necessária em primeiro lugar). Isso prova que os recursos usados para a provisão de bens públicos são desperdiçados ao prover os consumidores com bens e serviços que são, no máximo, apenas de importância secundária. Em resumo, mesmo que se assuma que bens públicos existem, eles estarão em competição com bens privados. Para descobrir se eles são mais urgentemente desejados ou não, e até que ponto, há apenas um método: analisar os balanços de lucros e prejuízos de empresas privadas competindo livremente. Logo, sobre a oferta de lei e ordem, se chega à conclusão de que, mesmo que eles sejam bens públicos, a única maneira de termos certeza de que sua produção não ocorra à custa de bens privados mais bem valorizados e que o tipo de lei e ordem ofertado seja de fato o mais bem valorizado, a lei e a ordem, como qualquer outro bem, devem ser ofertados por um mercado de firmas competindo livremente.[7] Rothbard resumiu da seguinte maneira:

[A] visão [de que a ação no livre mercado deve ser levada em direção ao ótimo pela ação corretiva estatal] compreende completamente mal a maneira com que a ciência econômica afirma que a ação no livre mercado é sempre ótima. Ela é ótima, não do ponto de vista ético pessoal de um economista, mas do ponto de vista das ações voluntárias e livres de todos os participantes e ao satisfazer as necessidades expressadas livremente pelos consumidores. A interferência governamental, portanto, irá necessariamente e sempre se distanciar de tal ótimo.[8]

 

— II —

 

Porém, Rothbard não se contenta em ter desenvolvido uma defesa completa do sistema de mercado puro. Culminando em 1982 com seu segundo magnum opus, A Ética da Liberdade, ele vai adiante e nos oferece um sistema de ética compreensivo para complementar e completar a tarefa de justificar o laissez-faire.

Mises, junto da maior parte dos cientistas sociais, aceita o veredito humano de que a razão é e não pode ser senão a escrava das paixões. Isso quer dizer que a razão ou a ciência não podem fazer nada além de nos informar se certos meios são apropriados ou não para conseguir certos resultados ou fins. Está além dos poderes da razão, todavia, nos ensinar quais fins nós deveríamos escolher ou quais fins podem, ou não, ser justificados. Em última instância, quais fins são escolhidos é arbitrário de um ponto de vista científico; eles são uma matéria de capricho emocional. Para deixar claro, Mises, como a maioria dos outros economistas, está comprometido com uma espécie de utilitarismo. Ele prefere vida à morte, saúde à doença, abundância à pobreza. E na medida em que esses fins, em especial o objetivo de atingir o padrão de vida mais alto para todos, são de fato compartilhados por outras pessoas, como ele assume que geralmente sejam, como um cientista econômico, Mises recomenda que o curso correto de ação a escolher é uma política de laissez-faire.[9] E sem dúvidas, na medida em que a ciência econômica pode dizer isso, o argumento em favor do laissez-faire é um argumento muito importante. Entretanto, e se as pessoas não considerarem prosperidade como sendo o objetivo final? Como Rothbard sublinha, a análise econômica apenas estabelece que laissez-faire levará a padrões de vida mais altos no longo prazo. No longo prazo, porém, se estará morto. Então, por que não seria razoável para uma pessoa argumentar que, enquanto ela concorda perfeitamente com o que a economia diz, ela está, entretanto, ainda mais interessada em seu próprio bem-estar no curto prazo e, assim, claramente algo que não pode ser negado por nenhum economista, um privilégio ou subsídio seria a melhor coisa? Além disso, por que o bem-estar social no longo prazo deveria ser de grande interesse? Não poderiam as pessoas advogar por pobreza, quer como um valor supremo em si, quer como um meio de conseguir outro valor supremo como igualdade? A resposta, é claro, é que tais proposições são feitas. Entretanto, sempre que elas são feitas, não apenas a economia não tem nada a dizer, como, de acordo com Mises e outros utilitaristas, não há nada em absoluto que se possa dizer, uma vez que não existe nenhuma maneira científica e razoável de escolher entre valores conflitantes, pois em última instância eles são todos arbitrários.[10]

Contra essa posição, Rothbard alia-se com a tradição filosófica da ética racional afirmando que a razão é capaz de produzir afirmações de valor cognitivo acerca dos fins apropriados para os homens.[11] Mais especificamente, ele se alia com a tradição da lei natural ou a tradição dos direitos naturais do pensamento filosófico, que afirma que normas universalmente válidas podem ser discernidas por meio da razão como baseada na própria natureza do homem.[12] A Ética da Liberdade apresenta o argumento integral para normas libertárias de propriedade como sendo precisamente tais regras.

Concordando com Rothbard sobre a possibilidade de uma ética racional e, mais especificamente, sobre o fato de que apenas a ética libertária pode ser realmente justificada moralmente, eu proponho uma distinta abordagem não jusnaturalista para estabelecer essas duas afirmações relacionas. Tem sido uma disputa comum com a posição dos direitos naturais, mesmo da parte de seus leitores simpatizantes, que o conceito de natureza humana é “muito difuso e variado para oferecer um conjunto determinado de conteúdo de direito natural”.[13] Ademais, sua descrição de racionalidade é igualmente ambígua, pois não parece distinguir o papel da razão em estabelecer leis empíricas da natureza, de um lado, e leis normativas da conduta humana, de outro.[14] Evitando essas dificuldades logo de início, eu afirmo que a seguinte abordagem é mais direta e mais rigorosa no que diz respeito a seu ponto de partida, bem como no que diz respeito a seus métodos de derivar suas conclusões. Além disso, como explicarei adiante, minha abordagem também parece ser mais alinhada à de Rothbard no tocante às normas específicas do libertarianismo do que às bem vagas prescrições metodológicas dos teóricos dos direitos naturais.[15]

Deixe-me começar perguntando: o que há de errado com a posição tomada por Mises e por tantos outros de que a escolha entre valores é em última instância arbitrária? Primeiro, deve-se notar que essa posição assume que ao menos a questão de se julgamentos de valor ou afirmações normativas podem ser justificados é em si um problema cognitivo. Se isso não fosse assumido, Mises não poderia nem dizer aquilo que ele evidentemente diz e afirma ser o caso. Sua posição simplesmente não poderia existir como uma posição intelectualmente argumentável.

À primeira impressão, isso parece não nos levar muito longe. De fato, ainda parece estar muito distante desse insight a verdadeira prova de que afirmações normativas podem ser justificadas e de que é apenas a ética libertária que pode ser defendida. Todavia, essa primeira impressão está errada e já há muito mais ganho aqui do que se suspeita. O argumento mostra-nos que qualquer afirmação de verdade, uma afirmação conectada com qualquer afirmação que seja verdadeira, objetiva ou válida (todos os termos usados aqui como sinônimos), é e deve ser levantada e resolvida no curso de uma argumentação. Uma vez que não se pode contestar que isso é assim (não se pode comunicar e argumentar que não se pode comunicar e argumentar), e uma vez que se deve assumir que todo mundo sabe o que é afirmar algo como verdadeiro (não se pode negar essa afirmação sem afirmar que sua negação é verdadeira), esse fato tem sido apropriadamente chamado de “o a priori da comunicação e argumentação”.[16]

Argumentação nunca consiste de proposições flutuantes no ar afirmando serem verdadeiras. Em vez disso, argumentação é sempre uma atividade. Entretanto, dado que afirmações de verdade são levantadas e resolvidas em argumentação e que argumentação, para além de qualquer coisa que seja dita em seu decurso, é uma atividade prática, se segue que normas intersubjetivamente significativas devem existir – precisamente aquelas que tornam a ação uma argumentação – e que elas têm um status cognitivo especial, pois elas são as precondições práticas de objetividade e verdade.

Logo, chega-se à conclusão de que normas devem de fato ser assumidas como justificáveis enquanto válidas. É simplesmente impossível argumentar o contrário, porque a habilidade de argumentar iria de fato já pressupor a validade daquelas normas que subjazem qualquer argumento. Em contraposição aos teóricos dos direitos naturais, todavia, se vê que a resposta de quais fins podem ou não podem ser justificados não deve ser deduzida do conceito mais amplo de natureza humana, mas do conceito mais restrito da argumentação.[17] Com isso, então, o papel peculiar da razão de estar determinando o conteúdo da ética pode receber uma descrição precisa. Contrário ao papel da razão em estabelecer leis empíricas da natureza, ao determinar leis morais, a razão pode afirmar render resultados que podem ser mostrados como válidos a priori. Ele apenas explicita o já implicado no conceito da própria argumentação, e, ao analisar qualquer proposta de norma, sua função está meramente confinada a analisar se é ou não é logicamente consistente com a própria ética que o proponente deve pressupor como válida na medida em que ele é capaz de fazer sua proposição.[18]

Entretanto, quais são as restrições da ética implicada na argumentação cuja validade não pode ser contestada, porque contestá-la implicitamente a pressuporia? Bem normalmente tem sido observado que argumentação implica que uma proposição reivindica aceitabilidade universal ou deveria ser uma proposta de norma que seja “universalizável”. Aplicada à proposta de norma, essa é a ideia, como formulada na Regra de Ouro da ética ou no Imperativo Categórico Kantiano, de que apenas aquelas normas que podem ser justificadas são aquelas que podem ser formuladas como princípios gerais, que podem ser válidas sem exceção para todos.[19] De fato, como está implicado na argumentação que todos que podem compreender um argumento devem em princípio ser capazes de serem convencidos simplesmente devido à sua força argumentativa, o princípio da universalização da ética pode agora ser compreendido e explicado como sendo algo implicado no mais amplo a priori da comunicação e argumentação.[20] Porém, o princípio da universalização apenas nos oferece um critério puramente formal para a moralidade. Para deixar claro, verificadas contra esse princípio, todas as propostas para normas válidas que especificariam regras diferentes para classes diferentes de pessoas poderiam ser demonstradas como não tendo nenhuma legitimidade de ser aceitável universalmente como normas justas, a menos que a distinção entre diferentes classes de pessoas fosse tal que não implicasse nenhuma discriminação, mas que, em vez disso, pudesse ser aceita (de novo, por todos) como fundamentada na própria natureza das coisas. Entretanto, enquanto algumas normas podem não passar no teste da universalização, se atenção suficiente for dada à sua formulação, as normas mais ridículas (e o que é mais relevante: mesmo normas abertamente incompatíveis) poderiam passar fácil e igualmente. Por exemplo, “todo mundo deve ficar bêbado no domingo, ou do contrário será multado” ou “qualquer pessoa que beber qualquer bebida alcoólica será punida” são duas regras que não permitem discriminação entre grupos de pessoas e, portanto, ambas poderiam reivindicar satisfazer a condição de universalização.

Claramente, então, o princípio da universalização sozinho não nos ofereceria nenhum conjunto positivo de normas que pudesse ser demonstrado como justificado. Entretanto, há outras normas positivas implicadas na argumentação além do princípio da universalização. Para reconhecê-los, é necessário apenas lembrar três fatos inter-relacionados. Primeiro, que a argumentação não é apenas uma atividade cognitiva, mas também prática. Segundo, que a argumentação, como uma forma de ação, implica o uso do recurso escasso que é o corpo de cada um. E terceiro, que a argumentação é uma forma de interação livre de conflitos – não no sentido de que há sempre concordância sobre as coisas ditas, mas no sentido de que, enquanto a argumentação progride, é sempre possível concordar ao menos sobre o fato de que há discordância sobre a validade do que foi dito. Isso é apenas dizer que um reconhecimento mútuo do controle exclusivo de cada pessoa sobre o próprio corpo deve ser assumido como existente enquanto há argumentação (note, de novo, que é impossível negar isso e reivindicar que essa negação é verdadeira sem implicitamente ter de admitir sua verdade).

Portanto, teria de se concluir que a norma implicada na argumentação é a de que todos têm o direito de controlar exclusivamente seu próprio corpo como seu instrumento de ação e cognição. É apenas tão logo haja ao menos um reconhecimento implícito do direito de propriedade de cada indivíduo sobre seu próprio corpo que a argumentação pode acontecer.[21] Apenas se esse direito for reconhecido, é possível que alguém concorde com o que foi dito em um argumento e o que foi dito pode ser validado, ou é possível dizer “não” e concordar apenas sobre o fato de que há discordância. De fato, qualquer um que tentasse justificar qualquer norma teria de pressupor o direito de propriedade sobre seu corpo como uma norma válida, simplesmente para dizer “isso é o que eu afirmo ser verdadeiro e válido”. Qualquer um que tentasse contestar o direito de propriedade sobre seu próprio corpo seria pego em uma contradição.

Portanto, pode ser afirmado que sempre que uma pessoa reivindica que alguma afirmação pode ser justificada, ela assume, ao menos implicitamente, que a seguinte norma pode ser justificada: “ninguém tem o direito de agredir sem consentimento o corpo de nenhuma outra pessoa e, portanto, delimitar ou restringir o controle de ninguém sobre seu próprio corpo”. Essa regra está implicada no conceito de justificação argumentativa. Justificar significa justificar sem ter de contar com coerção. De fato, se se formular o oposto dessa regra (i.e., todos têm o direito de agredir sem consentimento as outras pessoas [uma regra que a propósito passaria formalmente pelo teste da universalização]), então é fácil ver que essa regra não é e nunca poderia ser defendida em uma argumentação. Fazê-lo pressuporia a validade precisamente de seu oposto (i.e., o já mencionado acima princípio da não agressão).

Pode parecer que com essa justificação da norma de propriedade acerca do corpo da pessoa não muito foi ganho, pois conflitos sobre corpos, para cuja possível evasão o princípio da não agressão formula uma solução justificável universalmente, compõem apenas uma pequena parcela de todos os possíveis conflitos. Entretanto, essa impressão está incorreta. Para deixar claro, as pessoas não vivem apenas de ar e amor. Elas precisam de um número maior ou menor de outros bens simplesmente para poder sobreviver – e apenas quem sobrevive pode sustentar uma argumentação, para não falar de viver uma vida confortável. No que diz respeito a todos esses bens, normas são também necessárias, enquanto houver avaliações conflitantes sobre seu uso. De fato, qualquer outra norma agora deve ser compatível logicamente com o princípio da não agressão para ser justificada e, mutatis mutandis, toda norma que pudesse ser mostrada como incompatível com esse princípio teria de ser considerada inválida. Além disso, assim como as coisas para as quais normas têm de ser formuladas são bens escassos – da mesma forma que o corpo de uma pessoa é escasso – e como é apenas necessário formular normas em primeiro lugar, porque os bens são escassos e não por serem tipos particulares de bens escassos, as especificações do princípio da não agressão, concebido como uma norma especial de propriedade fazendo referência a um tipo específico de bem, devem desde já conter aquelas de uma teoria geral da propriedade.

Primeiramente irei expressar a teoria geral da propriedade como sendo um arranjo de regras aplicáveis a todos os bens, cujo intuito é ajudar a evitar todos os conflitos sociais possíveis e, então, demonstrarei como essa teoria geral está implícita no princípio da não agressão. Segundo o princípio da não agressão, um indivíduo pode fazer o que quiser com o seu próprio corpo, desde que ele, ao agir assim, não agrida o corpo de outra pessoa. Da mesma forma, esse indivíduo pode fazer uso de quaisquer outros meios escassos, assim como faz uso de seu próprio corpo, desde que esses meios escassos já não tenham sido apropriados por outra pessoa – isto é, desde que eles ainda estejam em seu estado natural, sem proprietário. Tão logo recursos escassos tenham sido visivelmente apropriados – tão logo um indivíduo “misture seu trabalho” a esses recursos, para utilizar a frase de John Locke[22], e haja sinais objetivos disso –, então a propriedade (o direito ao controle exclusivo) poderá ser adquirida somente por meio de uma transferência contratual de títulos de propriedade, do proprietário anterior para o próximo; e qualquer tentativa de delimitar unilateralmente esse controle exclusivo facultado ao proprietário ou qualquer transformação não solicitada das características físicas dos meios escassos em questão será – em inteira analogia com agressões contra o corpo de terceiros – uma ação injustificável.[23]

A compatibilidade desse princípio com o da não agressão pode ser demonstrada por meio de um argumentum a contrario. Primeiro, note-se que, se ninguém tivesse o direito de adquirir e controlar qualquer coisa exceto seu próprio corpo (uma regra que passaria no teste formal da universalização), então qualquer sobrevivência seria impossível, todos nós deixaríamos de existir e o problema da justificação de declarações normativas simplesmente também não existiria. A existência desse problema só é possível porque nós estamos vivos, e nossa existência se deve ao fato de que nós não aceitamos – e não podemos aceitar – uma norma proibindo a propriedade sobre outros meios escassos além do nosso próprio corpo. Logo, o direito de adquirir e se tornar proprietário de tais bens deve ser assumido como existente. Agora, se assumirmos isso, mas não aceitarmos que um indivíduo tem o direito de adquirir tais direitos de controle exclusivo, por meio de seu próprio trabalho, sobre objetos naturais e nunca utilizadas (fazendo algo com objetos com os quais ninguém mais já havia feito qualquer coisa antes), e aceitarmos que outras pessoas tenham o direito de desconsiderar a propriedade desse indivíduo sobre objetos em que elas jamais trabalharam ou puseram em algum uso em particular, então se está dizendo que é correto adquirir títulos de propriedade não por meio do trabalho (isto é, estabelecendo algum elo objetivo entre uma determinada pessoa e um determinado recurso escasso), mas simplesmente por declaração verbal, por decreto.[24] Entretanto, defender que títulos de propriedade sejam adquiridos por meio de declarações e decretos é incompatível com o supracitado princípio da não agressão em relação ao corpo de terceiros. Pois, em primeiro lugar, se um indivíduo pudesse de fato se apropriar de algo por mero decreto, isso implicaria ser também possível decretar que o corpo de outra pessoa passasse agora a ser desse indivíduo. Claramente isso estaria em conflito com o vigente princípio da não agressão, que faz uma nítida distinção entre o corpo de um indivíduo e o corpo de outra pessoa. Ademais, essa distinção só pode ser feita dessa forma clara e inequívoca porque, para corpos, assim como para tudo mais, a separação entre “meu e seu” não se baseia em declarações verbais, mas na ação. A observação se baseia em algum determinado recurso escasso que foi transformado em uma expressão ou materialização da vontade própria do indivíduo – de modo que qualquer um possa ver e verificar, pois existem indicadores objetivos para tal. Mais importante ainda: dizer que a propriedade pode ser adquirida não por meio da ação, mas por meio de uma declaração, é algo que envolve uma óbvia contradição prática, pois ninguém poderia dizer e fazer tal declaração a menos que seu direito de controle exclusivo sobre seu corpo, bem como sobre seu próprio instrumento de vocalização, já esteja pressuposto, a despeito do que tenha sido realmente dito.

Como eu já tinha dado a entender antes, essa defesa dos direitos de propriedade é essencialmente a mesma de Rothbard. A despeito de sua fidelidade formal à tradição dos direitos naturais, Rothbard, no que considero seu argumento mais crucial em defesa de uma ética da propriedade privada, não apenas escolhe essencialmente o mesmo ponto de partida – argumentação –, como também dá uma justificação por meio de raciocínio a priori quase idêntica a essa aqui desenvolvida. Para provar isso, eu não posso fazer nada melhor do que simplesmente citá-lo:

Agora, qualquer pessoa participando em qualquer tipo de discussão, incluindo uma acerca de valores, está, por virtude de participar, viva e afirmando a vida. Pois se ele fosse realmente um opositor da vida, ele não teria interesse em continuar vivo. Logo, o suposto oponente da vida está de fato afirmando-a no próprio processo de discussão, e, portanto, a preservação e continuação da própria vida toma a estatura de um axioma incontestável.[25]

 

— III —

 

Até agora, foi demonstrado que o direito à apropriação original por meio de ações é inteiramente compatível com, e implicado no, princípio da não agressão como a pressuposição logicamente necessária para uma argumentação. Indiretamente, é claro, também foi demonstrado qualquer regra especificando direitos diferentes não poder ser justificada. Entretanto, antes de entrarmos em uma análise mais detalhada que explique por que qualquer outra ética que não esta seria indefensável, vale a pena uma discussão que jogará uma luz adicional à importância de algumas das estipulações da teoria libertária da propriedade; e é necessário fazer algumas observações sobre o que está ou não implicado ao classificar essas normas como justificadas.

Ao usar esse argumento, não se tem de afirmar ter derivado um “dever” de um “ser”. De fato, pode-se muito bem adotar a visão quase que universalmente adotada de que o abismo entre “dever” e “ser” é logicamente intransponível.[26] De fato, classificar essas regras da teoria da propriedade dessa maneira é um assunto puramente cognitivo. Dessa classificação da ética libertária como “boa” ou “justa” não se segue que se deve agir de acordo com ela; da mesma forma que do conceito de verdade e validade não segue que se deve buscar a verdade e validade. Dizer que é justo também não exclui a possibilidade de as pessoas proporem ou mesmo aplicarem regras que sejam incompatíveis com esse princípio. De fato, a situação no que diz respeito a normas é bem similar àquela em outras disciplinas de inquérito científico. O fato, por exemplo, de que certas afirmações empíricas são justificadas ou justificáveis e outras não o são não implica que todos defendam apenas afirmações válidas objetivas. Pelo contrário, pessoas podem estar erradas, até intencionalmente erradas. Mas a distinção entre objetivo e subjetivo, entre verdadeiro e falso, não perde nenhum pouco de sua significância por causo disso. Em vez disso, pessoas que o fizessem teriam de ser classificadas ou como desinformadas, ou como mentirosas intencionais. O caso é similar no que diz respeito a normas. É claro que há pessoas, muitas delas, que não propagam ou aplicam regras que podem ser classificadas como válidas conforme o significado de justificação que acabei de dar acima. Entretanto, a distinção entre normas justificáveis e não justificáveis não se dissolve por causa disso, assim como aquela entre afirmações objetivas e subjetivas não se desfaz devido à existência de pessoas desinformadas ou mentirosas. Em vez disso, e por conseguinte, aquelas pessoas que propaguem e apliquem essas normas inválidas diferentes teriam de ser classificadas como desinformadas ou desonestas, enquanto se fez claro para elas que suas propostas e aplicações de normas alternativas não podem e nunca poderão ser justificáveis em argumentação. Haveria ainda mais justificação em fazê-lo no caso moral que no caso empírico, uma vez que as validades do princípio da não agressão e do princípio da apropriação original por meio da ação como seu corolário logicamente necessário devem ser consideradas como ainda mais básicas que quaisquer outros tipos de afirmações verdadeiras ou válidas. Pois o que é válido ou verdadeiro deve ser definido como aquilo sobre o qual todo mundo – agindo de acordo com esse princípio – pode concordar. Como eu já mostrei, ao menos a aceitação implícita dessas regras é o pré-requisito para ser capaz de estar e vivo e argumentar.

Por que outras teorias não libertárias da propriedade são impossíveis de serem justificadas? Primeiro, deve-se notar que, como ficará claro logo abaixo, todas as alternativas ao libertarianismo que já foram praticadas, bem como a maioria dos princípios não libertários teoricamente já propostos, sequer passariam pelo primeiro teste formal da universalização, e apenas por isso já fracassariam! Todas essas outras versões contêm normas dentro de suas estruturas de regras e princípios com a forma “algumas pessoas podem, e outras pessoas não podem”. Entretanto, tais regras que especificam diferentes direitos ou obrigações para diferentes classes de pessoas não têm nenhuma chance de serem aceitas como justas por todos os potenciais participantes em uma argumentação por razões puramente formais. A menos que a distinção feita entre diferentes classes de pessoas seja aceita por ambos os lados dos argumentadores como sendo algo fundamentado na natureza das coisas, tais regras não seriam aceitas, pois elas implicariam que um grupo fosse beneficiado com privilégios legais à custa de discriminações complementares a outro grupo. Algumas pessoas, tanto aquelas que têm a permissão de fazer algo quanto aquelas que não têm, não poderiam concordar que essas são regras justas.[27] Dado que a maioria das propostas éticas alternativas, praticadas ou defendidas, depende da aplicação e imposição de regras como “algumas pessoas têm a obrigação de pagar impostos, e outras têm o direito de consumi-los” ou “algumas pessoas sabem o que é bom para você e têm o direito de ajudar você a obter essas supostas bênçãos mesmo que você não as queira, mas você não tem o direito de saber o que é bom para elas e ajudá-las apropriadamente” ou “algumas pessoas têm o direito de determinar quem tem coisas em excesso e quem tem coisas em escassez, e outras têm a obrigação de aceitar essa determinação” ou, até mais diretamente, “a indústria da informática deve pagar subsídios a agricultores, os empregados aos desempregados, aqueles que não têm filhos, àqueles que têm”, ou vice-versa – todas elas devem ser descartadas e rejeitadas como candidatas sérias à reivindicação de ser uma teoria válida de normas enquanto normas para a propriedade, porque todas elas indicam, por meio de sua própria formulação, que não são universalizáveis.

Porém, fica a pergunta: o que haverá de errado com uma ética não libertária caso essa situação seja resolvida e haja de fato uma teoria formulada que contenha normas exclusivamente universalizáveis do tipo “ninguém tem o poder de” ou “todo mundo pode”? Ainda assim, a validade de tais propostas jamais poderia ser comprovada – não por razões formais, mas devido a suas especificações materiais. Com efeito, embora as alternativas facilmente refutáveis com relação às suas pretensões de validade moral podem ao menos ser praticadas, a aplicação dessas versões mais sofisticadas – as quais passariam no teste da universalização – se comprovariam, por razões materiais, fatais: mesmo que se tentasse, elas simplesmente jamais poderiam ser implementadas.

Há duas especificações correlatas na teoria libertária da propriedade, sendo que, para pelo menos uma delas, qualquer teoria alternativa estaria em conflito direto. De acordo com a ética libertária, a primeira dessas especificações é que a agressão seja definida como uma invasão à integridade física da propriedade de terceiros.[28] Existem tentativas populares de definir isso como uma agressão ao valor ou à integridade psíquica da propriedade de outra pessoa. O conservadorismo, por exemplo, objetiva preservar uma dada distribuição de riqueza e de valores e tenta controlar aquelas forças que poderiam alterar o status quo impondo controle de preços, regulamentações e controles comportamentais. Claramente, para poderem fazer isso, o direito de propriedade ao valor das coisas – algo que não existe – teria de ser assumido como justificável, e uma agressão aos valores, mutatis mutandis, teria de ser classificada como uma agressão injustificável. Não é só o conservadorismo que utiliza essa ideia de propriedade e agressão; o socialismo redistributivista também. O direito de propriedade aos valores deve ser assumido como legítimo quando o socialismo redistributivista me permite, por exemplo, exigir compensação das pessoas cujas chances ou oportunidades afetam negativamente as minhas. O mesmo é válido quando exijo alguma compensação pelo cometimento de “violência psicológica” ou “estrutural”.[29] Para poder exigir tal compensação, o que esse indivíduo deve ter feito para mim – isto é, afetar minhas oportunidades, minha integridade psíquica ou meu sentimento sobre o que me é devido – teria de ser classificado como um ato agressivo.

Por que essa ideia de proteger o valor da propriedade é injustificável? Primeiro, ao passo que cada indivíduo, pelo menos em princípio, pode ter controle total sobre se suas ações irão ou não alterar as características físicas de algo, e consequentemente pode ter completo controle sobre se tais ações são justificáveis ou não, o controle sobre se suas ações irão ou não afetar o valor da propriedade de outra pessoa não depende desse indivíduo, mas sim da avaliação subjetiva de terceiros. Portanto, ninguém pode determinar ex ante se suas ações serão classificadas como justificáveis ou injustificáveis. Tal indivíduo teria primeiro de interrogar toda a população para ter a certeza de que as ações que ele está planejando fazer não alterarão as avaliações de terceiros em relação à propriedade deles. Mesmo assim, ninguém poderia agir até que um acordo universal tivesse sido firmado sobre quem deve fazer o que com o que, e em que ponto no tempo. Claramente, por causa de todos os problemas práticos envolvidos, antes de qualquer acordo ser obtido todos já estariam mortos e ninguém mais poderia argumentar.[30] De modo ainda mais decisivo, essa posição em relação à propriedade e à agressão não poderia nem mesmo ser efetivamente argumentada, pois argumentar em favor de qualquer norma significa que está havendo conflito em relação ao uso de alguns recursos escassos; afinal, não fosse isso, simplesmente não haveria necessidade de nenhuma discussão. Entretanto, para que se possa argumentar que há uma maneira de se resolverem tais conflitos, deve ser pressuposta a permissão de se praticarem ações antes de qualquer acordo ser feito, pois se ações não fossem permitidas antes do acordo, então ninguém poderia sequer argumentar – dado que isso é uma ação. Entretanto, se alguém pode agir (e, na medida em que a ação existe como uma posição intelectual, a posição sendo examinada deve assumir que alguém pode agir), então tal ato só é possível por causa da existência de fronteiras objetivas de propriedade – fronteiras que qualquer um pode reconhecer como tal, por conta própria, sem ter antes de concordar com outra pessoa em relação ao sistema de valores e avaliações dela. E tal ética protetora de valores deve também, apesar de tudo o que diz, pressupor a existência de fronteiras objetivas de propriedade, em vez de fronteiras determinadas por avaliações subjetivas, nem que seja para permitir que qualquer pessoa viva faça suas propostas morais.

A ideia de se proteger o valor em vez da integridade física também é falha por um segundo motivo correlato. Evidentemente, o valor de uma pessoa – por exemplo, para o mercado de trabalho ou mesmo para um matrimônio – pode ser, e de fato é, afetado pela integridade física das outras pessoas. Assim, se o valor da propriedade tivesse de ser mantido, então a agressão física a outras pessoas deveria ser permitida – só assim um aleijado ou uma mulher feia melhorariam sua situação no mercado de trabalho e no mercado matrimonial, respectivamente. Entretanto, é somente porque as fronteiras de uma pessoa – isto é, as fronteiras da propriedade de uma pessoa sobre seu próprio corpo como seu domínio de controle exclusivo, o qual nenhuma outra pessoa pode cruzar sem que isso a torne uma agressora – são fronteiras físicas (fronteiras averiguáveis objetivamente, e não apenas subjetivamente imaginárias), que todos podem concordar com alguma coisa independentemente (e concordar significa um acordo entre unidades tomadoras de decisão independentes!). É somente porque as fronteiras de uma propriedade protegida são objetivas (isto é, fixadas e reconhecidas como tendo sido fixadas antes de qualquer acordo convencional) é que pode haver argumentação e possivelmente um acordo entre duas unidades tomadoras de decisão independentes. Ninguém pode argumentar a favor de um sistema de propriedade que defina as fronteiras da propriedade em termos subjetivos, pois o simples fato de ser capaz de dizer tal coisa pressupõe que, ao contrário do que a teoria diz, tal indivíduo tem necessariamente de ser uma unidade fisicamente independente – caso contrário, ele não teria autonomia para dizer isso.

A situação não melhora em nada para essas propostas éticas alternativas quando analisamos a segunda especificação essencial da teoria libertária da propriedade. As normas básicas do libertarianismo são caracterizadas não apenas pelo fato de que a propriedade e a agressão são definidas em termos físicos; é também de igual importância entender que a propriedade é definida como privada e individualizada e que o significado de apropriação original – o que evidentemente implica fazer uma distinção entre o antes e o depois – já foi especificado a priori. É com essa especificação adicional que as propostas éticas alternativas e não libertárias entram em conflito. Em vez de reconhecer a importância vital da distinção do antes-depois ao se arbitrarem reivindicações conflitantes de propriedade, elas propõem normas que na realidade estabelecem que a prioridade é irrelevante para tal tomada de decisão, o que significa que aqueles que chegaram por último têm o mesmo direito à propriedade de algo que aqueles que chegaram primeiro e ali se estabeleceram. Claramente, essa ideia está presente quando o socialismo redistributivo obriga os proprietários naturais de riqueza e seus herdeiros a pagarem um determinado tributo, de modo que os desventurados que chegaram por último possam tomar parte no consumo dessa riqueza. Também está presente quando o proprietário de um recurso natural é forçado a reduzir (ou aumentar) sua atual exploração tendo em vista o interesse da posteridade. Em ambos os casos, só faz sentido fazer tal coisa quando se assume que a pessoa que acumulou a riqueza primeiro, ou que utilizou os recursos naturais primeiro, cometeu por meio disso um ato de agressão contra os que ali chegaram por último. Caso eles não tenham feito nada de errado, então os que chegaram por último não podem fazer nenhuma reivindicação contra eles.[31]

O que há de errado com essa ideia de descartar essa distinção do antes-depois como sendo moralmente irrelevante? Em primeiro lugar, se aqueles que chegaram por último (aqueles que não fizeram nada com algum recurso escasso) de fato tivessem tantos direitos quanto os que chegaram primeiro (aqueles que fizeram alguma coisa com os bens escassos), então ninguém jamais poderia fazer nada com coisa alguma, pois os primeiros teriam antes de obter a autorização de todos os que chegarão por último. Só após essa autorização é que os primeiros poderiam fazer o que intencionavam. Nem nós, nem nossos antepassados, nem nossa prole poderíamos ou iríamos sobreviver, dizer ou argumentar qualquer coisa caso alguém lá do passado tivesse seguido essa regra. Para que qualquer pessoa – no passado, presente ou futuro – possa argumentar alguma coisa, ela deve estar viva no momento da ação. Ninguém pode esperar e suspender suas ações à espera de que todos aqueles que pertencem à indeterminada classe de retardatários calhe de estar por perto e autorize suas ações. Ao contrário: na medida em que um indivíduo esteja sozinho em um local sem dono, ele tem de ser capaz de agir, utilizar, produzir e consumir bens imediatamente, antes de fazer qualquer acordo com pessoas que simplesmente não estão ali (e que provavelmente nunca estarão). Por outro lado, se o indivíduo estiver na companhia de terceiros e houver conflito sobre como usar um determinado recurso escasso, ele deve poder resolver o problema em um ponto definido do tempo e com um número definido de pessoas, em vez de ter de esperar um período indefinido de tempo por um número não específico de pessoas. Portanto, para simplesmente poder sobreviver – um pré-requisito para poder argumentar a favor ou contra alguma coisa –, os direitos de propriedade não podem ser concebidos como sendo algo atemporal e não específico no que tange ao número de pessoas envolvidas. Ao contrário: eles devem ser considerados originários da ação de indivíduos específicos ocorrida em pontos definidos no tempo.[32]

Ademais, a ideia de abandonar a distinção do antes-depois seria simplesmente incompatível com o princípio da não agressão como o fundamento prático da argumentação. Argumentar e possivelmente concordar com alguém (mesmo que haja discordância) significa reconhecer o direito prévio ao controle exclusivo do próprio corpo. Caso contrário, seria impossível para qualquer pessoa dizer alguma coisa em um ponto definido do tempo e, da mesma forma, seria impossível qualquer outra pessoa responder, pois elas já teriam deixado de ser, individualmente, uma unidade tomadora de decisões fisicamente independente. Eliminar a distinção do antes-depois é, portanto, equivalente a eliminar a possibilidade de argumentar e de se chegar a um acordo. Entretanto, uma vez que é inegável que não há possibilidade de uma pessoa argumentar sem que seu direito ao controle de seu próprio corpo seja previamente reconhecido e aceito como justo, então uma ética defensora dos direitos iguais para os retardatários que não faça essa distinção jamais poderia ser aceita por ninguém. Só o fato de alguém dizer que ela poderia ser aceita já implica uma contradição, pois a capacidade de poder dizer algo já pressupõe a existência, em um ponto definido do tempo, de uma unidade tomadora de decisão independente.

Por conseguinte, somos forçados a concluir que a ética libertária não apenas pode ser justificada por meio de um raciocínio apriorístico, como também somos obrigados a reconhecer que nenhuma alternativa ética pode ser defendida argumentativamente.

 

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Notas

[1] Veja Ludwig von Mises, Human Action: A Treatise on Economics, 3rd rev. ed. (Chicago: Regnery, 1966), pp. 357ff.; idem, “Profit and Loss”, em Planning for Freedom (South Holland, Ill.: Libertarian Press, 1974), esp. p. 116. Nesse ensaio Mises toma uma posição diferente, uma que se poderia dizer proto-rothbardiana.

[2] Veja Murray N. Rothbard, Man, Economy, and State (Los Angeles: Nash, 1972), cap. 10, esp. pp. 604-14.

[3] Ibid., p. 607; ênfase adicionada.

[4] Ibid., p. 614. Veja também Walter Block, “Austrian Monopoly Theory: A Critique”, Journal of Libertarian Studies 1, no. 4 (1977); Hans-Hermann Hoppe, Eigentum, Anarchie, und Staat (Opladen: WestdeutscherVerlag, 1987), cap. 5; idem, A Theory of Socialism and Capitalism (Boston: Kluwer Academic Publishers, 1989), cap. 9.

[5] Veja Rothbard, Man, Economy, and State, pp. 883–90; idem, “The Myth of Neutral Taxation”, Cato Journal (Fall, 1981).

[6] Mises não é de modo algum um teórico dos bens públicos completamente ortodoxo. Ele não compartilha com os teóricos ortodoxos e os teóricos da escolha pública a visão comum e ingênua do governo como sendo algum tipo de organização voluntária. Ao invés disso, e inequivocamente, diz ele, “a característica essencial do governo é a execução de seus decretos por meio de espancamento, assassínio e encarceramento. Aqueles que pedem por mais interferência governamental estão pedindo em última instância por mais compulsão e menos liberdade” (Human Action, p. 719). Sobre isso, veja a abordagem realista refrescantemente feita por Joseph Schumpeter (Capitalism, Socialismand Democracy [New York:Harper and Bros., 1942], p. 198), que diz que “a teoria que concebe os impostos sobre a analogia de mensalidades de clubes ou a compra dos serviços de, digamos, um médico apenas prova quão distante e descolada essa parte das ciências sociais está dos hábitos científicos da mente”. Mises também não ignora, como a maioria dos teóricos dos bens públicos invariavelmente faz, a multiplicidade de falácias envolvidas na literatura econômica sobre “externalidades” em voga hoje em dia (Human Action, pp. 654-61). Quando a posição de Mises é classificada como ortodoxa aqui, é porque ele, nesse respeito, não diferente do resto dos teóricos dos bens públicos, assume dogmaticamente que certos bens (lei e ordem, no caso dele) não podem ser oferecidos por indústrias competindo livremente; e que ele também, no que diz respeito a lei e ordem ao menos, “prova” a necessidade de um governo por meio de um non sequitur. Portanto, em sua “refutação” do anarquismo, ele escreve: “A sociedade não pode existir se a maioria não está disposta a impedir, pela aplicação ou ameaça de ação violenta, minorias de destruir a ordem social. Esse poder está investido no estado ou governo” (Human Action, p. 149). Mas claramente, da primeira afirmação, a segunda não se segue. Por que não poderiam agências de proteção privada fazer esse trabalho? E por que o governo seria capaz de fazer o trabalho melhor que tais agências? Aqui o leitor procura em vão por respostas.

[7] Sobre o problema específico da oferta de livre mercado de lei e ordem, veja Murray N. Rothbard, For A New Liberty, rev. ed. (New York: Macmillan, 1978), cap. 12; idem, Power and Market (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1977), cap. 1; também Gustave de Molinari, “The Production of Security”, Occasional Paper No. 2 (1849; reimpresso, New York: Center for Libertarian Studies, 1977).

[8] Rothbard, Man, Economy, and State, p. 887; sobre isso também veja Walter Block, “Public Goods and Externalities: The Case of Roads”, Journal of Libertarian Studies 7, no. 1 (1983); Hoppe, Eigentum, Anarchie, und Staat, cap.1; idem, A Theory of Socialism and Capitalism, cap. 10.

[9] Sobre isso, veja Mises, Human Action, pp. 153-55.

[10] Para a crítica a Mises feita por Rothbard, veja Murray N. Rothbard, The Ethics of Liberty (Atlantic Highlands, N.J.: Humanities Press, 1982), pp. 205-12.

[11] Para várias abordagens cognitivas quanto à ética, veja Kurt Baier, The Moral Point of View: A Rational Basis of Ethics (Ithaca, N.Y.: Cornell UniversityPress, 1961); Marcus Singer, Generalization in Ethics (New York: A. Knopf,1961); Paul Lorenzen, Normative Logic and Ethics (Mannheim: Bibliographisches Institut, 1969); Stephen Toulmin, The Place of Reason in Ethics (Cambridge: Cambridge University Press, 1970); Friedrich Kambartel, ed., Praktische Philosophie and konstruktive Wissenschaftstheorie (Frankfurt/M:Athenäum, 1974); Alan Gewirth, Reason and Morality (Chicago: University of Chicago Press, 1978).

[12] Sobre a tradição dos direitos naturais, veja John Wild, Plato’s Modern Enemies and the Theory of Natural Law (Chicago: University of Chicago Press, 1953); Henry Veatch, Rational Man: A Modern Interpretation of Aristotelian Ethics (Bloomington, Ind.: Indiana University Press, 1962); idem, For An Ontology of Morals: A Critique of Contemporary Ethical Theory (Evanston, Ill.: Northwestern University Press, 1971); idem, Human Rights: Fact or Fancy? (Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1985).

[13] Alan Gewirth, Law, Action, and Morality, em Rocco Porreco, ed., Georgetown Symposium on Ethics: Essays in Honor of Henry B. Veatch (New York: University Press of America, 1984), p. 73.

[14] Veja a discussão em Veatch, Human Rights, pp. 620-67.

[15] Dissociar-me da tradição dos direitos naturais não é dizer que eu não posso concordar com sua avaliação crítica da maior parte da teoria ética contemporânea – de fato, eu concordo com a refutação complementar de Veatch de toda ética do desejo – (teleológica, utilitária), bem como a ética do dever (deontológica) (ibid., cap. 1). Eu também não afirmo que seja impossível interpretar minha abordagem como caindo numa tradição de direitos naturais “corretamente concebida” (veja também a nota 17 abaixo). O que é afirmado, entretanto, é que a abordagem seguinte é claramente fora de sintonia com o que a abordagem de direitos naturais veio a se tornar e que não deve nada a essa tradição como ela se apresenta.

[16] Veja K. O. Apel, “Das Apriori der Kommunikationsgemeinschaft und die Grundlagen der Ethik”, em idem, Transformation der Philosophie (Frankfurt/M.:Suhrkamp, 1973), vol. 2; também Jürgen Habermas, “Wahrheitstheorien”, em Helmut Fahrenbach, ed., Wirklichkeit und Reflexion (Pfullingen: Neske, 1974); idem, Theorie des kommunikativen Handelns (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1981), vol. 1, pp. 44ff.; idem, Moralbewusstsein und kommunikatives Handeln (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1983).

[17] É claro, uma vez que a capacidade de argumentação é uma característica essencial da natureza humana – nem ao menos poderia se falar da última sem a primeira – também poderia ser arguido que normas que não possam ser defendidas efetivamente no decurso da argumentação são também incompatíveis com a natureza humana.

[18] Metodologicamente, essa abordagem exibe uma semelhança com aquilo que Gewirth descreveu como o “método dialeticamente necessário” (Reason and Morality, pp. 42-47) – um método de raciocínio a priori modelado à semelhança da ideia kantiana de deduções transcendentais. Infelizmente, porém, em seu importante estudo Gewirth escolhe o ponto de partida errado para sua análise. Ele tenta derivar um sistema ético não do conceito de argumentação, mas do conceito de ação. Entretanto, claramente isso não pode funcionar, porque da afirmação correta de que na ação um agente deve necessariamente pressupor a existência de certos valores ou bens não se segue que tais bens são universalizáveis e que, portanto, deveriam ser respeitados por outros como os bens do agente por direito. Gewirth poderia ter notado a “neutralidade” ética da ação, se ele não estivesse penosamente ignorante da existência da bem estabelecida “pura ciência da ação” ou “praxeologia” como apresentada por Mises. Incidentalmente, um conhecimento da praxeologia poderia também tê-lo afastado de muitos erros que derivam de sua distinção errônea entre bens “básicos”, “aditivos” e “não subtrativos” (ibid., pp. 53–58). Em vez disso, a ideia de verdade ou direitos universalizáveis, ou bens apenas surge com a argumentação como uma subclasse especial de ações, mas não com ações em si, como é claramente revelado pelo fato de que Gewirth, também, não está engajado simplesmente em uma ação, mas mais especificamente em uma argumentação quando ele quer nos convencer da verdade necessária de seu sistema ético. Entretanto, com a argumentação sendo reconhecida como o único ponto de partida apropriado para o método dialeticamente necessário, uma teoria ética libertária (i.e., não gewirthiana) segue como será mostrado.

Sobre as falhas da tentativa de Gewirth de derivar direitos universalizáveis da noção de ação, veja também as observações perspicazes de MacIntyre, After Virtue: A Study in Moral Theory (London: Duckworth, 1981), pp. 64-65; Habermas, Moralbewusstsein und kommunikatives Handeln, pp. 110-11; e Veatch, Human Rights, pp. 159-60.

[19] Veja os trabalhos citados nas notas 11 e 12 acima.

[20] Veja os trabalhos citados na nota 16 acima.

[21] Deve-se notar aqui que apenas porque a escassez existe é que existe um problema de formular leis morais; na medida em que bens forem superabundantes (bens livres), nenhum conflito sobre o uso desses bens é possível e nenhuma ação-coordenação é necessária. Logo, se segue que qualquer ética, corretamente concebida, deve ser formulada como uma teoria da propriedade, i.e., uma teoria da atribuição de direitos de controle exclusivo sobre meios escassos, pois apenas então é que se torna possível evitar conflitos que seriam de outro modo insolúveis e inescapáveis. Infelizmente, filósofos morais, em sua ampla ignorância da ciência econômica, dificilmente têm visto isso com a clareza suficiente. Em vez disso, como Veatch (Human Rights, p. 170), por exemplo, eles parecem pensar que eles podem fazê-lo sem uma definição precisa da propriedade e direitos de propriedades, para então acabar em um mar de indefinições e ad hoc.

Sobre os direitos humanos como direitos de propriedade, veja também Rothbard, The Ethics of Liberty, cap. 15.

[22] John Locke, Two Treatises on Government, ed. Peter Laslett (Cambridge: Cambridge University Press, 1970), esp. vols. II, V.

[23] Sobre o princípio da não agressão e o princípio da apropriação original, veja também Rothbard, For A New Liberty, cap. 2; idem, The Ethics of Liberty, caps. 6-8.

[24] Essa é a posição tomada por Jean-Jacques Rousseau, quando ele nos pede que nós resistamos às tentativas de apropriar recursos dados pela natureza, por exemplo, ao cercá-los. Ele diz em seu famoso dictum: “Cuidado ao ouvir esse impostor, vocês estarão condenados se vocês esquecerem que os frutos da terra pertencem a todos e que a própria terra pertence a ninguém” (“Discourse upon the Origin and Foundation of Inequality Among Mankind”, em Jean-Jacques Rousseau, The Social Contract and Discourses, ed. G.D.H. Cole [New York: 1950], p. 235). Entretanto, usar esse argumento é apenas possível se for assumido que reivindicações de propriedade podem ser justificados por decreto. De que outra forma poderiam “todos” (mesmo aqueles que nunca fizeram nada com o recurso em questão) ou “ninguém” (nem aqueles que fizeram uso dele) ter algo a menos que reivindicações de propriedade forem fundadas por mero decreto?

[25] Rothbard, The Ethics of Liberty, p. 32; sobre o método de raciocínio a priori empregado no argumento acima veja também, idem, Individualism and the Philosophy of the Social Sciences (San Francisco: Cato Institute, 1979); Hans-Hermann Hoppe, Kritik der kausalwissenschaftlichen sozialforschung. Untersuchungen zur Grundlegung von Soziologie und Ökonomie (Opladen: Westdeutscher Verlag 1983); idem, “Is Research Based on Causal Scientific Principles Possible in the Social Sciences?” Ratio (1983); supra cap. 7; idem, ATheory of Socialism and Capitalism, cap. 6.

[26] Sobre o problema de derivar um “deve ser” de um “ser”, veja W. D. Hudson, ed., The Is-Ought Question (London: Macmillan 1969).

[27] Veja Rothbard, The Ethics of Liberty, p. 45.

[28] Sobre a importância de definir agressão como invasão física, veja também Rothbard, ibid., caps. 8-9; idem, “Law, Property Rights and Air Pollution”, Cato Journal (Spring, 1982).

[29] Sobre a ideia de violência estrutural como distinta da violência física, veja Dieter Senghass, ed., Imperialismus und strukturelle Gewalt (Frankfurt/M.: Suhrkamp, 1972). A ideia de definir agressão como uma invasão do valor da propriedade também subjaz as teorias de John Rawls e Robert Nozick, não importa quão diferentes esses dois autores possam ter parecido para muitos comentadores. Pois como poderia Rawls pensar de seu assim chamado princípio da diferença (“Desigualdades sociais e econômicas devem ser dispostas de modo que elas sejam razoavelmente esperadas que sejam para a vantagem e benefício de todos – incluindo os menos favorecidos”, John Rawls, A Theoryof Justice [Cambridge, Mass.: Harvard University Press 1971], pp. 60-83, 75ff.), como justificado a menos que ele acredite que ao simplesmente incrementar sua riqueza relativa uma pessoa mais afortunada comete uma agressão, e uma pessoa menos afortunada tem, então, uma reivindicação válida contra a pessoa mais afortunada apenas porque a posição relativa em termos de valor do último deteriorou?! E como poderia Robert Nozick reivindicar ser justificado para uma “agência de proteção dominante” proibir competidores a despeito de quais tenham sido suas ações? (Robert Nozick, Anarchy, State, and Utopia [New York: Basic Books, 1974], pp. 55f.) Ou como ele poderia acreditar ser moralmente correto proibir as assim chamadas trocas não produtivas, i.e., trocas em que uma parte estaria em melhor condição caso a outra parte não existisse ou que ao menos não fizesse nada (por exemplo, no caso de um chantageado e um chantagista), a despeito de se essa troca envolveu ou não invasão física de qualquer tipo (ibid., pp. 83–86) a menos que ele pense que o direito de ter a integridade do valor (em vez da integridade física) de sua propriedade preservado existe? Para uma crítica devastadora da teoria de Nozick em especial, veja Rothbard, The Ethics of Liberty, cap. 29; sobre o uso falacioso da análise de curvas de indiferença, empregadas tanto por Rawls como por Nozick, idem, Toward a Reconstruction of Utility and Welfare Economics (New York: Center for Libertarian Studies, Occasional Paper Series, No. 3, 1977).

[30] Veja também Rothbard, The Ethics of Liberty, p. 46.

[31] Para uma embaraçosa tentativa filosófica de justificar uma ética de retardatários, veja James P. Sterba, The Demands of Justice (Notre Dame, Ind.: Notre Dame University Press, 1980), esp. pp. 58ff., 137ff.; sobre o absurdo de tal ética, veja Rothbard, Man, Economy, and State, p. 427.

[32] Deve-se notar aqui que apenas se os direitos de propriedade forem conceituados como direitos de propriedade privada originando no tempo é que então se torna possível fazer contratos. Claramente, contratos são acordos entre unidades fisicamente independentes enumeráveis baseados no reconhecimento mútuo das reivindicações de propriedade de cada contratante a coisas adquiridas antes no tempo em relação ao acordo e que, então, dizem respeito à transferência de títulos de propriedade sobre coisas definidas de um proprietário anterior definido para um proprietário posterior definido. Algo como contratos não poderiam ser sequer concebidos em uma ética de retardatários!

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