9. Sobre a Democracia, a Redistribuição e a Destruição de Propriedade

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Imaginem um governo mundial, eleito democraticamente de acordo com o princípio “uma pessoa, um voto” numa escala global. Qual seria o provável resultado dessa eleição? Provavelmente, formar-se-ia um governo composto por uma coalizão chinesa e indiana. E o que esse governo mais provavelmente decidiria realizar de modo a satisfazer os seus eleitores e, assim, ser reeleito? Tal governo provavelmente perceberia que o chamado mundo ocidental é muito rico e que o resto do mundo, em especial a China e a Índia, é muito pobre, entendendo que seria necessária uma redistribuição sistemática de riqueza e de renda. [1] Ou imaginem que, em seu próprio país, o direito de voto foi ampliado para as crianças a partir dos sete anos de idade. Embora o governo, provavelmente, não fosse composto por crianças, as suas políticas certamente refletiriam as “preocupações e demandas legítimas” das crianças de terem um acesso “adequado” e “igual” a vídeos, batatas fritas e limonada “grátis”. [2]

Com esses “experimentos imaginários” em mente, não pode existir dúvida sobre as consequências que decorreram do processo de democratização que se iniciou na Europa e nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX e que se concretizou após o final da Primeira Guerra Mundial. A sucessiva expansão da democracia e, por fim, o estabelecimento do sufrágio adulto universal fizeram dentro de cada país o que uma democracia global faria no mundo inteiro: colocar em marcha uma tendência aparentemente permanente à redistribuição de riqueza e de renda. [3]

O princípio “uma pessoa, um voto”, combinado com a “livre entrada” no governo democrático, implica que todas as pessoas (assim como os seus bens pessoais) ficam à mercê de serem pilhadas por todas as outras. Uma “tragédia dos comuns” se estabelece. [4] Pode-se esperar que as maiorias de “pobres” (“não possuidores”) incansavelmente tentarão enriquecer à custa das minorias de “ricos” (“possuidores”). Isso não significa dizer que haverá apenas uma classe de pobres e uma classe de ricos e que a redistribuição ocorrerá de maneira uniforme dos ricos para os pobres. Pelo contrário. Ao passo em que a redistribuição dos ricos para os pobres sempre desempenhará um papel de destaque, seria um despropósito sociológico supor que esta será a única ou até mesmo a forma predominante de redistribuição. [5] Afinal de contas, os “permanentemente” ricos e os “permanentemente” pobres normalmente são ricos ou pobres em decorrência de um determinado motivo. Os ricos, caracteristicamente, são indivíduos inteligentes e trabalhadores, e os pobres, normalmente, são indivíduos estúpidos ou preguiçosos (ou ambos). [6] Não é muito provável que os tolos, mesmo compondo a maioria, praticarão sistematicamente expedientes astuciosos e enriquecerão à custa de uma minoria de indivíduos brilhantes e cheios de energia. Ao invés disso, a maior parte da redistribuição será realizada dentro do grupo dos “não pobres”, e muitas vezes aqueles que se encontram em melhor situação realmente obterão sucesso em serem subsidiados por aqueles que se encontram em pior situação. Considere-se, por exemplo, a prática quase universal da oferta de ensino universitário “gratuito”, na qual a classe operária, cujos filhos raramente frequentam universidades, custeia através dos impostos a educação dos filhos da classe média! [7] Além disso, pode-se esperar que haverá muitos grupos e muitas coalizões concorrentes tentando obter vantagens à custa dos outros. Existirão vários critérios facilmente alteráveis definindo o que torna uma pessoa “rica” ou “possuidora” (merecedora de ser saqueada) e outra pessoa “pobre” ou “não possuidora” (merecedora de receber o saque). Ao mesmo tempo, os indivíduos se tornarão membros de uma multiplicidade de grupos de “ricos” e/ou de “pobres”, sofrendo perdas em razão de algumas das suas características e obtendo ganhos em razão de outras das suas características, com alguns indivíduos sendo os perdedores líquidos — e outros indivíduos sendo os ganhadores líquidos — da redistribuição.

O reconhecimento da democracia como uma máquina de redistribuição popular de riqueza e de renda, em conjunto com um dos princípios mais fundamentais da economia — o princípio de que, no final, as pessoas acabarão recebendo cada vez mais daquilo que estiver sendo subsidiado — fornece a chave para a compreensão dos tempos atuais. [8]

Toda redistribuição, independentemente do critério em que se baseia, envolve “tomar” algo dos proprietários originais e/ou dos produtores (os “possuidores”) e “entregar” esse bem para os não proprietários e os não produtores (os “não possuidores”). O incentivo para ser um proprietário original ou um produtor da coisa em questão é reduzido, e o incentivo para ser um não proprietário e um não produtor é estimulado. Assim, em consequência da prática de subsidiar indivíduos em função de serem pobres, haverá cada vez mais pobreza. Em consequência da prática de subsidiar pessoas em função de estarem desempregadas, mais desemprego será criado. A prática de sustentar mães solteiras com fundos públicos (recursos fiscais) conduzirá a um aumento nas taxas de filhos uniparentais, de “ilegitimidade” e de divórcio. [9] Com a proibição do trabalho infantil, ocorrerá transferência de renda das famílias com crianças para os indivíduos sem filhos (em decorrência da restrição da oferta de mão-de-obra, os salários aumentarão); portanto, a taxa de natalidade cairá. Por outro lado, com a prática de subsidiar a educação das crianças, engendra-se o efeito oposto: haverá transferência de renda daqueles indivíduos sem filhos ou com poucas crianças para aqueles indivíduos com muitos filhos; em consequência disso, a taxa de natalidade aumentará. Porém, em seguida, o valor de crianças novamente diminuirá, e as taxas de natalidade cairão em consequência do chamado sistema de previdência social, pois, com a prática de subsidiar os aposentados (os velhos, os idosos) por meio dos impostos cobrados dos atuais assalariados e criadores de riqueza (os jovens), a instituição da família — o vínculo intergeracional entre pais, avós e filhos — é sistematicamente enfraquecida. Os idosos, caso não tenham feito qualquer poupança para a sua própria velhice, já não mais precisam contar com a ajuda dos seus filhos; e os jovens (os quais, em geral, possuem menos riqueza acumulada) devem sustentar os velhos (os quais, normalmente, detêm mais riqueza acumulada) — em vez de as coisas serem o contrário (como é típico no seio das famílias). O desejo dos pais por filhos, assim como o desejo dos filhos por pais, diminuirá; o número de rompimentos familiares e de famílias disfuncionais aumentará; e a ação provedora — a poupança e a formação de capital — diminuirá ao mesmo tempo em que o consumo aumenta. [10]

Em decorrência da prática de subsidiar os fingidores de doenças, os neuróticos, os descuidados (negligentes), os alcoólatras, os viciados em drogas, os infectados pela AIDS e os física e mentalmente “diferenciados” através de regulamentações na área de seguros e através de seguros compulsórios de saúde, haverá mais doenças, mais fingimentos, mais neuroticismo, mais descuido (negligência), mais alcoolismo, mais toxicodependência, mais infecção por AIDS e mais retardo físico e mental. [11] Com a prática de forçar as pessoas honestas (não criminosas), incluindo as vítimas de crimes, a custearem a prisão dos criminosos (em vez de obrigar os criminosos a compensarem as suas vítimas e a pagarem o custo total da sua própria apreensão e da sua própria prisão), as taxas de crime aumentarão. [12] Com a prática de forçar os empresários (os empregadores), através de programas de “ação afirmativa” (“não discriminação”), a empregarem mais mulheres, mais homossexuais, mais negros ou mais membros de outras “minorias” além do número que eles gostariam de admitir nos seus negócios, haverá mais minorias empregadas, menos empregadores e menos empregados homens, heterossexuais e brancos. [13] Com a prática de obrigar os proprietários de terras privadas a subsidiar (“proteger”) “espécies ameaçadas de extinção” que residam nas suas propriedades através da legislação ambiental, haverá mais animais (e em melhor situação) e menos seres humanos (e em pior situação). [14]

Mais importante ainda: com a prática de obrigar os donos de propriedades privadas e/ou os indivíduos que trabalham no mercado (produtores) a subsidiar “políticos”, “partidos políticos” e “servidores públicos” (políticos e funcionários do governo não pagam impostos, mas são pagos através dos impostos) [15], haverá menos criação de riqueza, menos produtores e menor produtividade; e haverá cada vez mais desperdício, “parasitas” e parasitismo.

Os empresários (os capitalistas) e os seus empregados somente podem obter lucro ou renda ao produzirem bens (produtos ou serviços) que sejam vendidos no mercado. As aquisições dos compradores são voluntárias. Com a compra de um produto ou de um serviço, os compradores (os consumidores, os usuários) demonstram que dão maior valor a esse produto ou a esse serviço do que ao montante de dinheiro que utilizam para adquirir aquele bem. Em contraste, os políticos, os partidos políticos e os funcionários públicos não produzem nada que, por sua vez, seja vendido no mercado. Ninguém compra “produtos” ou “serviços” do governo. Estes, sim, são produzidos — e, sim, incorre-se em custos para produzi-los —, mas tais bens não são vendidos nem comprados. Por um lado, isso implica que é impossível determinar o valor deles e saber se esse valor justifica ou não os seus custos. Já que ninguém os compra, ninguém na verdade demonstra que considera que os produtos e os serviços governamentais valem os seus custos; e, de fato, não se pode saber se existe — ou não — alguém que lhes atribui qualquer valor. Do ponto de vista da teoria econômica, portanto, é totalmente ilegítimo supor — como sempre é feito na contabilidade da riqueza nacional — que os produtos e os serviços governamentais valem o custo de serem produzidos e, então, simplesmente adicionar esse número ao valor dos produtos e serviços “normais” — ofertados pela iniciativa privada (i.e., bens comprados e vendidos) — a fim de, por exemplo, obter o PIB (Produto Interno Bruto). Pode-se muito bem admitir que os produtos e os serviços governamentais não valem nada — ou até mesmo que eles sejam “males” ao invés de “bens”; portanto, o custo dos políticos e de todo o funcionalismo público deve ser subtraído do valor total dos bens produzidos privadamente. Com efeito, supor isso seria, sim, muito mais justificado. Pois, por outro lado — assim como em relação às suas implicações práticas —, a subvenção de políticos e de funcionários públicos resulta em incentivos para (1) “produzir” com pouca ou nenhuma consideração para com o bem-estar dos alegados consumidores e para (2) “produzir” com muita ou total consideração para com o bem-estar dos próprios “produtores” (i.e., os políticos e os funcionários públicos). Tanto faz se a sua produção satisfaz ou não os consumidores; os seus rendimentos continuam os mesmos. Assim, em consequência da expansão do setor “público”, haverá cada vez mais preguiça, descuido (negligência), incompetência, serviço péssimo, má educação (grosseria), desperdício — e até mais destruição; e, ao mesmo tempo, haverá cada vez mais arrogância, demagogia e mentira (“nós trabalhamos pelo bem comum”). [16]

Após menos de uma centena de anos de democracia e de redistribuição, os resultados previsíveis encontram-se diante de nós. O “fundo de reserva” que foi herdado do passado está aparentemente esgotado. No mundo ocidental, por várias décadas (desde o final da década de 1960 ou o início da década de 1970), os padrões reais de vida estagnaram-se ou até mesmo caíram. [17] A dívida “pública” e o custo dos atuais sistemas de previdência social e de saúde pública conduziram à perspectiva de um iminente descalabro econômico. [18] Ao mesmo tempo, praticamente todas as formas de comportamento indesejável — desemprego, dependência do assistencialismo, negligência, imprudência, incivilidade, psicopatia, hedonismo e criminalidade — aumentaram, e os conflitos sociais e o colapso social alcançaram perigosos patamares. [19] Caso as tendências atuais continuem, é seguro dizer que o estado de bem-estar social ocidental (social-democracia) se desmoronará, assim como o socialismo oriental (estilo russo) desabou no final da década de 1980.

No entanto, o colapso econômico não conduz automaticamente à promoção do seu oposto, o progresso. As coisas, ao invés de melhorarem, podem se tornar ainda piores. O que é necessário além de uma crise são ideias — ideias corretas — e pessoas capazes de compreendê-las e de aplicá-las assim que surja a oportunidade. Em última análise, o curso da história é determinado pelas ideias, sejam elas verdadeiras ou falsas, e por pessoas agindo de acordo com — e sendo inspiradas por — essas ideias verdadeiras ou falsas. A atual bagunça também é o resultado de ideias; é a consequência da aceitação maciça, por parte da opinião pública, da ideia da democracia. Enquanto essa aceitação prevalecer, a catástrofe é inevitável, e não pode existir esperança de melhora mesmo após a sua concretização. Por outro lado, logo que a ideia da democracia for reconhecida como falsa e cruel — e as ideias podem, em princípio, ser modificadas quase instantaneamente —, a catástrofe pode, sim, ser evitada.

A tarefa central daqueles que desejam virar a maré e impedir um verdadeiro colapso é a “deslegitimação” da ideia da democracia, mostrando que ela é a principal causa da atual situação de “descivilização” progressiva. Para essa finalidade, deve-se, em primeiro lugar, ressaltar que é difícil encontrar muitos defensores da democracia na história da teoria política. Quase todos os grandes pensadores nutriam desprezo pela democracia. Até mesmo os Pais Fundadores dos Estados Unidos — um país que, hoje em dia, é considerado o modelo perfeito da democracia — opunham-se rigorosamente a ela. Sem uma única exceção, eles pensavam que a democracia nada mais era do que o governo do populacho, da gentalha, da multidão (“mob-rule”). Eles se consideravam membros de uma “aristocracia natural”; e, ao invés da democracia, eles defendiam a adoção de uma república aristocrática. [20] Além disso, até mesmo entre os poucos defensores teóricos da democracia — como Rousseau, por exemplo —, é praticamente impossível encontrar qualquer pessoa que defenda a democracia para agrupamentos humanos que não sejam comunidades extremamente pequenas (aldeias ou cidades). Com efeito, em pequenas comunidades — onde todos se conhecem pessoalmente —, a maioria das pessoas tem de reconhecer que a posição dos “ricos” (dos “possuidores”) está normalmente baseada nas suas realizações pessoais superiores, assim como reconhecer que a posição dos “pobres” (dos “não possuidores”) encontra a sua explicação típica nas suas deficiências pessoais e na sua inferioridade. Nessas circunstâncias, é muito mais difícil ser bem-sucedido em tentativas de saquear outras pessoas (e os bens pessoais delas) em vantagem própria. Em distinto contraste, em grandes territórios que englobam milhões ou até mesmo centenas de milhões de pessoas — onde os potenciais saqueadores não conhecem as suas vítimas (e vice-versa) —o desejo humano de enriquecer à custa do outro se depara com pouco ou nenhum obstáculo. [21]

Mais importante ainda: é preciso que fique claro — mais uma vez — que a ideia da democracia é imoral e não econômica. No tocante ao status moral do governo da maioria, deve ser ressaltado que ele permite que A e B se unam para roubar C, que C e A, por sua vez, juntem-se para roubar B e que, em seguida, B e C conspirem contra A  e assim por diante. Isso não é justiça, mas sim um escândalo moral; e, ao invés de o regime democrático e os seus defensores serem tratados com respeito, eles devem ser tratados com desprezo e ridicularizados como fraudes morais. [22]

Por outro lado, no tocante à qualidade econômica da democracia, deve ser incansavelmente enfatizado que a verdadeira fonte da civilização humana e da prosperidade não se encontra na democracia, mas sim na propriedade privada, na produção e nas trocas voluntárias. Em particular, contrastando com os grandes mitos, é preciso sublinhar que a falta de democracia não teve essencialmente nada a ver com a falência do socialismo de estilo russo. O problema do socialismo não é o modo de seleção dos políticos; o seu defeito é a própria política (a supremacia das decisões políticas). Em vez de cada produtor privado decidir de forma independente o que fazer com os seus recursos particulares — como ocorre num regime de propriedade privada e de contratualismo —, com os fatores de produção total ou parcialmente socializados, cada decisão exige a permissão de outra pessoa. É irrelevante para o produtor a maneira como aqueles indivíduos que lhe outorgam permissão sejam escolhidos. O que importa para ele é que a permissão (a autorização) deve ser buscada. Enquanto este for o caso, o incentivo dos produtores para produzir é reduzido, e o empobrecimento será a consequência. A propriedade privada é incompatível com a democracia — assim como é incompatível com qualquer outra forma de poder político. [23] Em vez da democracia, a justiça e a eficiência econômica exigem uma sociedade de propriedade privada pura e irrestrita — uma “anarquia da produção” em que ninguém manda em ninguém; na qual todas as relações entre os produtores são voluntárias e, portanto, mutuamente benéficas. [24]

Por último, no tocante a razões de ordem estratégica, a fim de aproximar-se do objetivo de uma ordem social não exploradora — i.e., a anarquia de propriedade privada —, a ideia do majoritarismo deve ser virada contra o próprio governo democrático. Sob qualquer forma de controle governamental, incluindo a democracia, a “classe dominante” (os políticos e os funcionários públicos) representa apenas uma pequena percentagem do total da população. Embora seja possível que cem parasitas possam levar uma vida confortável com os bens produzidos por mil hospedeiros, mil parasitas não conseguem viver à custa de uma centena de hospedeiros. Com base no reconhecimento desse fato, parece possível convencer a maioria de eleitores de que se trata de uma ampliação da injustiça deixar que pessoas que vivem à custa dos impostos pagos por outras pessoas tenham o direito de determinar o nível dessas exações; assim, essa maioria decidiria, democraticamente, abolir o direito de voto de todos os funcionários governamentais e de todos aqueles que recebem benefícios do governo (tanto os destinatários do assistencialismo quanto os indivíduos que possuem contratos com o governo).

Adicionalmente, em conjunto com essa estratégia, é necessário reconhecer a enorme importância da secessão e dos movimentos separatistas. Se as decisões da maioria estão sempre “corretas”, então a maior de todas as possíveis maiorias — uma maioria mundial e um governo democrático global — deve, em última instância, ser considerada “correta” [25], ocorrendo as consequências previsíveis no início deste capítulo. Em contraste, a secessão implica sempre o rompimento entre populações menores e populações maiores. Trata-se, assim, de um argumento contra o princípio da democracia e do majoritarismo. Quanto mais avança o processo de secessão para o nível de pequenas regiões, de cidades, de bairros, de vilas, de aldeias e, em última instância, de lares individuais e de associações voluntárias de núcleos familiares e de empresas, mais difícil será manter o nível atual de políticas redistributivistas. Ao mesmo tempo, quanto menores forem as pequenas unidades territoriais, mais provável será que alguns indivíduos — com base no reconhecimento popular da sua independência econômica, das suas grandes realizações profissionais, da sua vida pessoal moralmente impecável e dos seus juízos e gostos superiores — ascendam às fileiras das elites naturais voluntariamente reconhecidas e deem legitimidade à ideia de uma ordem natural de árbitros, juízes e jurisdições sobrepostos e concorrentes (não monopolistas) e livremente (voluntariamente) financiados (tal como existe ainda hoje na área do comércio internacional e do turismo internacional). Uma pura e genuína sociedade de leis privadas — esta é a resposta à democracia e a qualquer outra forma de governo político (coercitivo).

 

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Notas

[1] A população combinada da China e da Índia está em torno de 2,2 bilhões de pessoas (de uma população mundial de cerca de seis bilhões de indivíduos). Em contrapartida, a população combinada da Europa Ocidental e da América do Norte é de cerca de 700 milhões de pessoas. (Dados de 2001.)

[2] Durante meados do século XIX, a expectativa média de vida na Europa Ocidental e na América do Norte era de aproximadamente 40 anos. Nessa época, além de estar restrito exclusivamente ao sexo masculino e de estar submetido a significativos requisitos mínimos de propriedade, o direito de voto estava limitado a uma exigência de idade mínima de, normalmente, 25 anos (em alguns lugares, como o Reino Unido e a Suécia, essa exigência não era inferior a 21 anos; e, em outros, como a França e a Dinamarca, essa exigência não era superior a 30 anos). Hoje em dia, ao passo em que a expectativa média de vida na Europa Ocidental e na América do Norte subiu para bem acima dos 70 anos, o direito de voto foi estendido em todo lugar para os sexos masculino e feminino; todos os requisitos mínimos de propriedade foram eliminados; e a idade mínima de voto, de modo geral, foi abaixada para os 18 anos. Se os requisitos originais de “maturidade” tivessem sido mantidos, a idade mínima de voto, pelo contrário, deveria ter sido aumentada, passando da média de 25 anos para cerca de 50 anos!

[3] Como um indicador bruto dessa tendência, podem ser relacionadas as sucessivas expansões do eleitorado durante o final do século XIX e o início do século XX, com a ascensão do número de participantes socialistas e social-democráticos (e com a concomitante diminuição de partidos liberais clássicos). Alguns exemplos devem ser suficientes. (1) Alemanha: Nos anos 1871, 1903 e 1919, o número total de votos expressos foi, respectivamente, 4,1, 9,5 e 30,5 milhões; a participação do eleitorado socialista foi, respectivamente, de 3%, 32% e 46%; a participação do eleitorado liberal clássico foi, respectivamente, de 46%, 22% e 23%. (2) Itália: Nos anos 1895, 1913 e 1919, o número total de votos expressos foi, respectivamente, 1,3, 5,1, e 5,8 milhões; a participação do eleitorado socialista foi, respectivamente, de 7%, 18% e 32%; a participação do eleitorado liberal clássico foi, respectivamente, de 80%, 56% e 35%. (3) Reino Unido: Nos anos 1906 e 1918, o número total de votos expressos foi, respectivamente, 7,3 e 21,4 milhões; a participação do eleitorado socialista foi, respectivamente, de 5% e 21%; a participação do eleitorado liberal clássico foi, respectivamente, de 49% e 25%. (4) Suécia: Nos anos 1905, 1911 e 1921, o número total de votos expressos foi, respectivamente, 0,2, 0,6 e 1,7 milhão; a participação do eleitorado socialista foi, respectivamente, de 9%, 28% e 36%; a participação do eleitorado liberal clássico foi, respectivamente, de 45%, 40% e 19%. (5) Países Baixos (Holanda): Nos anos 1888, 1905 e 1922, o número total de votos expressos foi, respectivamente, de 0,3, 0,8 e 3,3 milhões; a participação do eleitorado socialista foi, respectivamente, de 3%, 17% e 27%; a participação do eleitorado liberal clássico foi, respectivamente, de 40%, 28% e 9%.

[4] A “tragédia dos comuns” se refere à utilização excessiva, ao desperdício ou ao esgotamento dos recursos de uso comum (como bens de propriedade pública). Consultar Managing the Commons, editado por Garrett Hardin e John Baden (San Francisco: W. H. Freeman, 1977).

[5] Sobre isso, conferir Joseph A. Pechman, “The Rich, the Poor and the Taxes They Pay”, em Public Interest (outono de 1969); e Murray N. Rothbard, For A New Liberty: The Libertarian Manifesto (New York: Collier, 1978), p. 157–162.

[6] Consultar Edward C. Banfield, The Unheavenly City Revisited (Boston: Little Brown, 1974), especialmente o capítulo 3. Normalmente, explica Banfield, a pobreza é apenas uma fase de transição, restrita à fase inicial da carreira profissional do indivíduo. A pobreza “permanente”, por outro lado, é causada por determinados valores culturais e determinadas atitudes: pela visão de curto prazo (orientada para o presente) do indivíduo — ou, em termos econômicos, pelo seu elevado grau de preferência temporal (o qual se correlaciona fortemente com a baixa inteligência; ambos — inteligência fraca e alta preferência temporal — parecem ter uma base genética comum). Ao passo em que o primeiro — a pessoa que se encontra temporariamente pobre, mas que está gradualmente ascendendo — é caracterizado pela sua visão de longo prazo (orientada para o futuro), pela sua autodisciplina e pela sua vontade de renunciar à imediata gratificação com a finalidade de, em troca, obter um futuro melhor, a pessoa que se encontra numa situação de pobreza permanente se caracteriza pela sua visão de curto prazo (orientada para o presente) e pelo seu hedonismo. Escreve Banfield:

Se [a “classe baixa” de indivíduos] tem alguma consciência do futuro, ela se traduz na ideia de que ele é algo fixo, fadado, além do seu controle: as coisas acontecem com o indivíduo; ele não as torna realidade. O impulso regula o seu comportamento — ou porque ele próprio não é disciplinado o suficiente para sacrificar uma satisfação presente por uma satisfação futura; ou porque ele não possui o senso de futuro. Ele é, portanto, radicalmente imprevidente. (…) Ele trabalha apenas para manter-se vivo, movimentando-se de um emprego não qualificado para outro, não nutrindo interesse pelo seu trabalho. (…) Ele é descuidado com as suas coisas (…); e, mesmo quando são quase novas, elas são suscetíveis de estarem permanentemente defeituosas (“fora de ordem”) em virtude da falta de pequenos reparos ou consertos. O seu corpo é, também, uma coisa “para ser trabalhada, mas não reparada”. (páginas 61–62)

[7] Sobre isso, consultar Armen Alchian, “The Economic and Social Impact of Free Tuition”, em idem, Economic Forces at Work (Indianapolis, Indiana: Liberty Fund, 1971); e Murray N. Rothbard, Por Uma Nova Liberdade O Manifesto Libertário (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013), cap. 7. Outros exemplos que envolvem esse tipo de redistribuição são: os subsídios agrícolas, que favorecem, em especial, grandes e abastados agricultores/fazendeiros; o salário mínimo, que favorece os trabalhadores mais especializados e mais bem pagos (e sindicalizados) em detrimento dos trabalhadores não especializados ou não qualificados (e não sindicalizados); e, obviamente, todas as formas de medidas legislativas de “proteção dos negócios” (tarifas protecionistas), que favorecem os abastados proprietários das corporações em detrimento da massa de consumidores comparativamente pobres.

[8] Sobre a economia da redistribuição, ver Ludwig von Mises, Socialism: An Economic and Sociological Analysis (Indianapolis, Indiana: Liberty Fund, 1981), especialmente o capítulo 34; Murray N. Rothbard, Power and Market: Government and the Economy (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1977), páginas 169 e seguintes; e idem, Por Uma Nova Liberdade O Manifesto Libertário (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2013), cap. 8.

[9] Para conhecer uma detalhada investigação empírica desses assuntos (assim como de muitos outros temas relacionados), ver Charles Murray, Losing Ground: American Social Policy, 1950–1980 (New York: Basic Books, 1984).

[10] Em relação aos efeitos da “previdência social”, das normas estatais de frequência escolar obrigatória e da proibição do trabalho infantil — efeitos esses que engendram a destruição progressiva das famílias —, ver Allan C. Carlson, What Has Government Done to Our Families? (Auburn, Alabama: Ludwig von Mises Institute, 1991); ver também: Bryce J. Christensen, The Family vs. the State (Auburn, Alabama: Ludwig von Mises Institute, 1992).

[11] Para conhecer uma das análises mais originais (pioneiras), mais profundas e mais clarividentes sobre esse tema, conferir Ludwig von Mises, Socialism: An Economic and Sociological Analysis (Indianapolis, Indiana: Liberty Fund, 1981), p. 429–432 e p. 438–441. No início da década de 1920, Mises descreveu os efeitos da “previdência social” da seguinte forma:

Ao enfraquecer ou destruir completamente a vontade de estar bem e de estar em condições para o trabalho, a previdência social cria a doença e a incapacidade para o trabalho; ela estimula o hábito de reclamar. (…) Em suma, trata-se de uma instituição que tende a encorajar as doenças (para não mencionar os acidentes) e a reforçar consideravelmente os efeitos físicos e psíquicos dos acidentes e das doenças. Como uma instituição social, ela torna o povo física e mentalmente doente — ou pelo menos ajuda as doenças a se multiplicarem, aumentarem e se intensificarem. (p. 432)

Além disso, Mises atinge o cerne da questão e explica a razão pela qual o seguro contra a maioria dos riscos de acidentes e de saúde — e, em particular, contra o risco de desemprego — é economicamente impossível:

O valor do seguro de saúde e de acidentes se torna problemático em razão da possibilidade de que os segurados desencadeiem ou, pelo menos, intensifiquem a situação contra a qual estão segurados. Entretanto, no caso do seguro-desemprego, a situação contra a qual se está segurado nunca pode desenvolver-se a menos que a pessoa segurada assim o deseje. (…) O desemprego é um problema de salários, não de trabalho disponível. É tão impossível segurar-se contra o desemprego quanto segurar-se, por exemplo, contra a não comercialização de mercadorias. (…) O seguro-desemprego é, definitivamente, um contrassenso. Jamais poderá haver qualquer fundamento estatístico para um seguro desse tipo. (p. 439)

Sobre a lógica do risco e do seguro, ver Ludwig von Mises, Ação Humana — Um Tratado de Economia (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), cap. 6; sobre as consequências sociais disgênicas da “seguridade” social (previdência social), ver Seymour W. Itzkoff, The Road to Equality: Evolution and Social Reality (Westport, Connecticut: Praeger, 1992); e idem, The Decline of Intelligence in America (Westport, Connecticut: Praeger, 1994).

[12] Sobre o crime e a punição, ver Murray N. Rothbard, A Ética da Liberdade (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010), cap. 13; Assessing the Criminal, editado por Randy E. Barnett e John Hagel (Cambridge, Massachusetts: Ballinger, 1977); e Criminal Justice? The Legal System vs. Individual Responsibility, editado por Robert J. Bidinotto (Irvington-on-Hudson, N. Y.: Foundation for Economic Education, 1994).

[13] Sobre o direito e a economia da “ação afirmativa” e da discriminação, ver Richard A. Epstein, Forbidden Grounds (Chicago: University of Chicago Press, 1992); e Discrimination, Affirmative Action and Equal Opportunity, editado por Walter Block e Michael Walker (Vancouver: Fraser Institute, 1982).

[14] Em relação à conservação e ao ambientalismo, ver Murray N. Rothbard, “Conservation in the Free Market”, em idem, Egalitarianism as a Revolt Against Nature and Other Essays (Washington, D. C.: Libertarian Review Press, 1974); idem, Power and Market: Government and the Economy (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1977), p. 63–70; idem, “Law, Property Rights and Air Pollution”, em idem, The Logic of Action Two (Cheltenham, U. K.: Edward Elgan, 1997); e Llewellyn Rockwell Jr., The Anti-Environmentalist Manifesto (Burlingame, California: Center for Libertarian Studies, 1993).

[15] Sobre isso, consultar Murray N. Rothbard, Power and Market: Government and the Economy (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1977), cap. 2, página 84 e seguintes. Para reconhecer essa importante verdade, é necessário apenas suscitar esta questão: “O que aconteceria se todos os impostos fossem abolidos?” Será que isso implicaria, por exemplo, que a renda de todos aumentaria, passando da renda líquida (depois da incidência de impostos) para a renda bruta (antes da incidência de impostos)? A resposta é um retumbante “não”. Pois algo está sendo realizado com os impostos recolhidos. Eles são usados, por exemplo, para pagar os salários dos funcionários do governo. Os seus salários não poderiam aumentar caso os impostos fossem abolidos. Em vez disso, os seus rendimentos cairiam para zero — o que demonstra que eles, na verdade, não pagam imposto algum. Como explica Rothbard: “Se um burocrata recebe um salário anual de US$ 5.000,00 e paga US$ 1.000,00 em ‘impostos’ para o governo, é mais do que óbvio que ele, simplesmente, recebe um salário anual de US$ 4.000,00 e não paga nenhum imposto. Todos os chefes de estado e de governo pura e simplesmente optaram por um dispositivo contábil complexo e enganoso para fazer parecer que o burocrata paga impostos da mesma forma como o fazem quaisquer outros indivíduos que obtêm essa mesma renda.” (ibid., páginas 278 e 142) Uma vez que isso tenha sido bem compreendido, torna-se óbvio o motivo pelo qual certos grupos — tais como os professores de ensino fundamental e de ensino médio e os professores universitários — se mostram quase sempre (e de modo uniforme) a favor do aumento dos impostos. Eles, portanto, não estão aceitando generosamente uma maior carga tributária sobre si mesmos. Ao invés disso, impostos mais altos são os meios pelos quais eles aumentam os seus próprios salários financiados por impostos. Sobre a questão da dicotomia entre os pagadores de impostos e os consumidores de impostos (ou sugadores de impostos), ver também John C. Calhoun, A Disquisition on Government (New York: Liberal Arts Press, 1953), p. 16–18.

[16] Sobre os erros fundamentais envolvidos nos procedimentos padrões de contabilidade da riqueza nacional e sobre uma alternativa construtiva, ver Murray N. Rothbard, America’s Great Depression (Kansas City: Sheed and Ward, 1975), p. 296–304; e idem, Power and Market: Government and the Economy (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1977), p. 199–202.

[17] Para conhecer um instrutivo estudo que utiliza as sugestões de Rothbard para um método alternativo de contabilidade da riqueza nacional, ver Robert Batemarco, “GNP, PPR and the Standard of Living”, em Review of Austrian Economics, 1 (1987).

[18] Para consultar um resumo geral, verificar Victoria Curzon Price, “The Mature Welfare State: Can It Be Reformed?”, em Can The Present Problems of Mature Welfare States Such as Sweden Be Solved?, editado por Nils Karlson (Estocolmo: City University Press, 1995), especialmente as páginas 15–19.

[19] Nos Estados Unidos, por exemplo, entre 1960 e 1990, a taxa de homicídios dobrou, as taxas de estupro quadruplicaram, a taxa de roubos aumentou cinco vezes, e a probabilidade de tornar-se vítima de grave agressão aumentou 700%. Sobre isso, consultar Seymour Itzkoff, The Decline of Intelligence in America (Westport, Connecticut: Praeger, 1994); e Roger D. McGrath, “Treat Them to a Good Dose of Lead”, em Chronicles (janeiro de 1994).

[20] Ver Erik von Kuehnelt-Leddihn, Leftism Revisited: from de Sade and Marx to Hitler and Pol Pot (Washington D. C.: Gateway Regnery, 1990), especialmente o capítulo 6. Dos fundadores americanos, Alexander Hamilton era um monarquista. Da mesma forma, o governador da Pensilvânia, Robert Morris, nutria fortes inclinações monárquicas. George Washington manifestou a sua profunda aversão à democracia em uma carta de 30 de setembro de 1798 a James McHenry. John Adams estava convencido de que toda sociedade gera aristocratas tão inevitavelmente quanto um milharal gera alguns milhos de espigas grandes e alguns milhos de espigas pequenas. Em uma carta a John Taylor, ele enfatizou, como Platão e Aristóteles, que a democracia, em última análise, evolui para o despotismo; e, em uma carta a Jefferson, ele declarou que “a democracia invejará todos, lutará contra todos, esforçar-se-á para destruir a todos; quando, por acaso, acontecer que se torne suprema por um curto período de tempo, ela será vingativa, sangrenta e cruel”. James Madison, em uma carta a Jared Parks, queixou-se da dificuldade “de proteger os direitos de propriedade contra o espírito da democracia”. E até mesmo Thomas Jefferson — que, provavelmente, é o mais “democrático” dos Fundadores — confessou em uma carta a John Adams que ele considerava

A aristocracia natural (…) como a bênção mais preciosa da natureza para a instrução, a confiança e a governança da sociedade. E, na verdade, teria sido incoerente que a Criação tivesse concebido os seres humanos para a vida em sociedade e não tivesse lhes dado força e sabedoria suficientes para gerir os assuntos da sociedade. Talvez possamos até mesmo dizer que essa forma de governo é a melhor, pois promove da maneira mais eficaz uma genuína seleção de aristocratas naturais para os cargos governamentais?

Para caracterizar, assim, a atitude geral dos fundadores, a declaração mais apropriada é a de John Randolph de Roanoke: “Eu sou um aristocrata: eu amo a liberdade; eu odeio a igualdade.”

[21] O livro Contrato Social, de Rousseau, que surgiu em 1762, tinha como propósito, na verdade, ser um comentário teórico sobre a situação política de Genebra, o seu país natal, que então era uma cidade-estado independente com menos de 30.000 habitantes governada, com efeito, por uma pequena oligarquia hereditária formada pelos chefes das famílias aristocráticas mais proeminentes do local, a qual controlava o Pequeno Conselho e o Conselho dos Duzentos. O argumento de Rousseau em prol do “povo” e da “soberania popular” foi concebido como um ataque a essa oligarquia, mas de modo algum significava a defesa da democracia direta e da participação política universal (como é hoje entendido). Em vez disso, o que Rousseau tinha em mente quando escreveu em favor do “povo soberano” era apenas os membros do outro órgão político de Genebra, o Grande Conselho, que era composto por cerca de 1.500 membros e incluía, além da camada aristocrática superior de Genebra, a sua aristocracia hereditária inferior.

[22] Felizmente, apesar da incessante propaganda realizada pelos professores de escolas financiadas e controladas pelo governo — tal como a repetição do slogan “a democracia significa que todos nós governamos a nós mesmos” — e por gente famosa laureada com o prêmio Nobel, como James Buchanan e a sua Escola da “Escolha Pública” — a qual diz absurdos como “os governos, assim como as empresas, são instituições voluntárias” (James M. Buchanan e Gordon Tullock, The Calculus of Consent [Ann Arbor: University of Michigan Press, 1962], p. 19) —, ainda existe bom senso suficiente tanto no meio acadêmico quanto no seio do público em geral para haver ouvidos simpáticos a tais críticas. Quanto ao meio acadêmico, um economista tão destacado como Joseph A. Schumpeter observaria, em relação a pontos de vista tais como o de Buchanan, que “a teoria que estuda os impostos através da analogia com as mensalidades de um clube ou com a aquisição do serviço de, digamos, um médico só demonstra o quão longe essa parte das ciências sociais se encontra dos hábitos científicos das mentes”. (Joseph A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy [New York: Harper, 1942], p. 198) E, no tocante ao público em geral, pode-se encontrar conforto nas palavras do grande jornalista e escritor americano Henry Louis Mencken, que escreveu:

O homem médio, sejam quais forem os seus erros em outras áreas, pelo menos vê claramente que o governo é algo que se encontra fora dele e fora da generalidade dos seus semelhantes — ele vê que o governo é um poder separado, independente e hostil, estando só parcialmente sob o seu controle e sendo capaz de causar-lhe grandes danos. (…) Será de pouca importância o fato de que roubar o governo seja universalmente considerado como um crime de menor magnitude do que roubar um indivíduo ou até mesmo uma empresa? (…) Quando um cidadão comum é roubado, um homem digno está sendo privado dos frutos do seu trabalho e das suas economias; quando o governo é roubado, o pior que acontece é que certos patifes e tratantes ficam com um pouco menos de dinheiro com que brincar do que tinham antes. A ideia de que eles mereciam esse dinheiro nunca lhes passa pela cabeça; e, para a maioria dos homens sensatos, tal ideia parece ridícula, é uma piada. Eles, os indivíduos do governo, são simplesmente uns malandros que, por um acidente jurídico, adquiriram o dúbio e vago direito de embolsar uma parte dos ganhos dos seus semelhantes. Quando aquele montante é diminuído por uma iniciativa privada, a atividade, como um todo, torna-se muito mais nobre. (A Mencken Chrestomathy [New York: Vintage Books, 1949], p. 146–147; ver também: H. L. Mencken, Notes on Democracy [New York: Knopf, 1926].)

[23] Sobre isso, consultar Hans-Hermann Hoppe, Uma Teoria do Socialismo e do Capitalismo (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010); idem, “Desocialization in a United Germany”, em Review of Austrian Economics, 5, n. 2 (1991); Murray N. Rothbard, “The End of Socialism and the Calculation Debate Revisited”, em idem, The Logic of Action One (Cheltenham, U. K.: Edward Elgar, 1997); e idem, “How and How Not To Desocialize”, em Review of Austrian Economics, 6, n. 1 (1992).

[24] Sobre isso, consultar Murray N. Rothbard, A Ética da Liberdade (São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010); Hans-Hermann Hoppe, The Economics and Ethics of Private Property (Boston: Kluwer, 1993), especialmente a parte II; ver também: Anthony de Jasay, Choice, Contract, Consent: A Restatement of Liberalism (London: Institute of Economic Affairs, 1991).

[25] Ver também Murray N. Rothbard, Power and Market: Government and the Economy (Kansas City: Sheed Andrews and McMeel, 1977), página 189 e seguintes.

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