Os austríacos voltam à Áustria

0

vienaEm 1905, Eugen von Böhm-Bawerk, então presidente da Akademie der Wissenschaften (Academia de Ciências), foi convidado para testar uma nova tecnologia que permitiria que gerações futuras pudessem ouvir sua voz.  Ele registrou uma bem humorada mensagem dizendo apenas que, infelizmente, o aparelho não poderia fazer o reverso, pois ele teria muito o que perguntar para as gerações futuras.  Semana passada, a voz de Böhm-Bawerk ecoou novamente no maravilhoso salão da academia que ele uma vez presidiu, e foi ouvida pela “geração futura”, formada por pessoas que estavam ali graças ao legado deste grande economista.

Professores, estudantes, intelectuais e empreendedores de 28 países diferentes se reuniram em Viena no evento que simbolizou o retorno da Escola Austríaca ao seu local de nascimento.  Precisamente no local onde Carl Menger defendeu sua dissertação e onde Böhm-Bawerk e Friedrich von Wiser debateram tantas vezes, assistimos a palestras dos maiores economistas da atualidade.  E o evento contou também com passeios por outros locais da fervilhante Viena, como a Universidade de Viena, a casa onde Ludwig von Mises nasceu e os restaurantes em que Mises almoçava e se reunia após seus seminários privados com seus alunos.  As músicas cantadas nestes encontros, compostas pelo filósofo Felix Kaufman, foram traduzidas para o inglês e cantadas novamente ao final do passeio.  Visitamos a escola em que Mises estudou dos dez aos dezoito anos — a qual estava em horário de aula —, e até entramos em uma sala de aula, na qual alunos estavam aprendendo mandarim.

As palestras foram brilhantes, começando com exposições sobre as origens escolásticas da Escola Austríaca, passando pelo nascimento da moderna economia na Viena de Menger (ainda dentro de uma muralha), e chegando à análise de problemas atuais sob a luz desta Escola.  Robert Murphy falou sobre o primeiro livro de Mises, The Theory of Money and Credit, para o qual ele escreveu recentemente um guia de estudo.  Joseph Salerno e Guido Hülsmann também falaram sobre a atualidade da obra e da importância dos trabalhos de Mises.  O cronograma completo do evento pode ser visto aqui.  Talvez o terceiro e último dia tenha sido o mais especial.  Ele começou com John Denson contando um pouco sobre a história da fundação do Mises Institute, em 1982.  Graças aos esforços de Lew Rockwell, a obra de Mises foi resgatada do limbo.  E em suas respectivass palestras, Doug French e Jeffrey Tucker contaram como a revolução tecnológica na era da internet fez com que esta obra alcançasse os quatro cantos do mundo.  E isso foi representado pelo quarto painel do dia, que contou com os presidentes de quatro institutos misesianos dentre vários que já surgiram em diversos países: Romênia, República Tcheca, Suécia e Brasil.  O seminário se encerrou com uma palestra do principal nome da Escola Austríaca da atualidade, Hans-Hermann Hoppe, que nos mostrou como Hayek contemporizou com os adversários socialistas e de como Mises jamais fugiu das implicações de sua teoria, sendo ele o grande “cavaleiro do liberalismo”.  Depois, ele sumarizou algumas dessas implicações sobre o sistema monetário, bancário e político, à luz das ideias de Mises e Rothbard, recebendo ao final uma grande ovação do público presente.

E este público foi uma atração à parte.  Doug French disse uma vez que o movimento austro-libertário mundial é um furacão, e que o Mises Institute estava no centro dele.  E foi assim que me senti lá.  Economistas austríacos e libertários da Austrália, Letônia, Noruega — até mesmo um tcheco, dono de uma pousada em Búzios, eu conheci lá.  Giorgio Fidenato e Leonardo Facco, fundadores do Movimento Libertario da Itália, junto com Marcello Mazzilli, conversaram comigo sobre a ideia de fundar um Instituto Mises Itália.  Os dois são empresários que se recusam a cumprir cada nova regulamentação imposta pelo governo italiano, sendo heróis da desobediência civil.  Leonardo, além de ter uma editora, que foi a primeira a publicar Hoppe na Itália, é jornalista, e morou durante muitos anos na Venezuela, onde, obviamente, escreveu muitas verdades sobre o presidente Chávez, e hoje está proibido de pisar naquele país.

Joakim Fagerström e Joakim Kämpe, do Mises Suécia, nos contaram que vão escrever um livro sobre os mitos do socialismo sueco, refutando-os um a um.  Eles sabem que, no mundo todo, a Suécia é utilizada como um exemplo de como o socialismo funciona; mas ambos não se conformam com tamanha inverdade.  Dentre outras maravilhas do socialismo nórdico, Fagerström me contou sobre o bisonho caso de um pai que está preso por educar seu próprio filho.  Vlad Topan, do Mises Romênia, relatou em sua palestra os grandes avanços que as ideias austríacas conseguiram em seu país, e nos bastidores conversou comigo sobre um recente debate ocorrido em seu país, no qual os conservadores levaram o filósofo Olavo de Carvalho para representar suas ideias, na crença de que bastaria apenas o grande filósofo falar, que os libertários ficariam sem respostas.  Vlad, reconhecendo o imenso conhecimento de Olavo, se limitou a expor a ética rothbardiana e o princípio libertário da não agressão, contando em seguida que Olavo não soube refutar estes princípios, admitindo que não conhecia a obra de Rothbard. (Após a publicação deste texto, o professor Olavo veio esclarecer que não houve debate algum, apenas a exposição inicial de Vlad, seguida de uma apresentação dele sobre outro tema.)

Os “austríacos austríacos” do Institut für Wertewirtschaft mostraram que a tradição da escola austríaca continua viva na Áustria.  São intelectuais que dominam não só a área da economia, como também da epistemologia, filosofia, história, sociologia etc.  Enfim, são dignos herdeiros da tradição dos grandes mestres austríacos.  E eles estão cada vez mais presentes na mídia mainstream, dando entrevistas para rádios, escrevendo nos principais jornais e participando de programas de televisão.

Porém, é com certeza da República Tcheca que vem as melhores notícias.  O professor Josef Sima abriu sua palestra relembrando uma declaração do presidente de seu país, Václav Klaus: “Fui muito influenciado por Hayek, mas minha maior influência é mesmo Mises”.  Alguém consegue imaginar Obama ou Lula dizendo algo assim?  Ele me contou que a primeira vez que ouviu falar de Mises foi através das entrevistas de Klaus, e que Klaus fez reformas importantes, principalmente após o fim do comunismo, promovendo diversas privatizações.  Mas que, de lá pra cá, mesmo estando por anos no poder, não fez mais muita coisa pela liberdade — um grande sinal de que a via política realmente não é o melhor caminho para a liberdade.  Aliás, outro grande feito de Klaus foi na via educacional, escrevendo um livro denunciando a farsa do aquecimento global.  Sima é o presidente do Cevro Institut, que é uma faculdade com mais de 600 alunos, em que os livros básicos dos cursos são de Mises, Rothbard e Jesús Huerta de Soto.  O mesmo acontece na University of Economics, uma das maiores universidades de Praga, que é também dominada pelo pensamento austríaco.   Sim, os austríacos dominam a academia lá.  Se ainda não são mainstream, as raízes já estão plantadas.

Sima contou-me que um dos fatores que levou a este estado favorável de coisas foi, por mais irônico que isso seja, o período do comunismo.  Ele disse que quando o comunismo se esfacelou, não havia nenhum livro sobre nada que não fosse comunista no país, e quando, por exemplo, ele traduziu o livro Power & Market de Murray Rothbard, este passou a ser um dos dois ou três únicos livros sobre o tema de intervenções estatais disponíveis no país.  O mesmo é válido para o livro sobre dinheiro e sistema bancário de Huerta de Soto e para tantas outras traduções que ele fez — se alguém quisesse estudar sistema bancário, teria que estudar Jesús Huerta de Soto!  Ele contou que o Instituto Mises Tcheco e Eslovaco foi fundado por ex-alunos dele, e que existem pessoas que estudaram economia austríaca em todas as partes e ofícios da sociedade, inclusive jornalistas.  Que é normal abrir os principais jornais e ver notícias comentadas através de um olhar rothbardiano.  Parece que o próprio professor Sima é uma figura conhecida na mídia tcheca.  Ele contou também que era sempre convidado para participar das colunas “Sim e Não” dos principais jornais de Praga, até que passaram a pedir para ele que escolhesse um assunto e tomasse uma posição que eles iriam procurar alguém para ser a posição contrária.

No Brasil, infelizmente, estamos muito distantes deste cenário.  Em nossa grande mídia, não existe nenhum defensor consistente da liberdade.  Os poucos que se preocupam com este tema, por não possuírem uma base intelectual sólida na tradição austro-libertária, toleram e até apoiam os mais variados tipos de intrusões socialistas contra os direitos individuais.  No mundo acadêmico, então, o cenário é desolador.  Os estudantes de economia passam quatro anos na faculdade sem ouvir nem uma menção a algum economista austríaco.

Porém, felizmente, as coisas estão mudando por aqui.  Muitos estudantes de economia já se conscientizaram desta situação e tomaram a iniciativa de criar grupos de estudos dentro de suas universidades.  Começou em São Paulo, depois Brasília, e agora um grupo não só de economia austríaca como de estudos libertários foi criado no Rio de Janeiro.  Mises foi mencionado positivamente no novo best-seller do momento, e seu autor tem planos para escrever algo exclusivo sobre ele.  E cada vez mais os jovens se reúnem em torno das ideias libertárias e da sólida teoria econômica, como acontece no Liber.  O Mises Brasil continua o trabalho de traduções das obras austríacas iniciado pelo Instituto Liberal décadas atrás e planeja se expandir para a área de cursos on-line.  E a audiência do website cresce cada vez mais.  A batalha é dura, e o Brasil é um país bem maior do que a República Tcheca, mas vamos continuar nossa luta de difundir verdades e defender a liberdade individual.  Se eu pudesse usar algum dispositivo para mandar uma mensagem de volta a Böhm-Bawerk, ela seria: “Infelizmente, e por incrível que pareça, as ideias abiloladas de Marx — que você refutou completamente — estão dominando.  Mas aguarde alguns segundos (para nós, algumas décadas), que eu acho que as coisas vão mudar.”

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui