Argentina e Venezuela adotaram com vigor um infeliz, embora bastante familiar, modismo econômico que recorrentemente arrebata a América Latina — o controle de preços. Para piorar, até mesmo o Equador parece ter resolvido entrar na dança.
Em uma desatinada tentativa de “suprimir” a acentuada inflação de preços, os governos destes países estão recorrendo à milenarmente fracassada prática de fixar preços a níveis artificialmente baixos. Como qualquer economista digno de sua formação sabe perfeitamente, isso irá gerar apenas escassez.
Venezuela
Na Venezuela, o governo determina o preço de vários bens de consumo, inclusive o da gasolina, cujo valor está congelado em US$0,058 por galão [o equivalente a R$0,03 por litro]. Como mostra o gráfico, cuja fonte é o próprio Banco Central da Venezuela, 20,4% de todos os bens de consumo da economia simplesmente sumiram das lojas e supermercados.
Embora o congelamento mantenha os preços dos bens em níveis ostensivamente baixos no mercado oficial, eles inevitavelmente geram prateleiras vazias, privando vários consumidores de ter acesso a bens essenciais (falta até papel higiênico na Venezuela).
Isso, por sua vez, produz uma inflação “reprimida” — por causa do controle de preços, a “verdadeira” taxa de inflação de preços é artificialmente contida, quando não reprimida por meio de intervenções estatais de estilo soviético.
O gráfico abaixo mostra a evolução da taxa de câmbio da moeda venezuelana, o bolívar fuerte, no mercado negro. Em fevereiro, ainda antes da morte de Hugo Chávez, o bolívar perdeu 21,72% do seu valor em relação ao dólar no mercado negro (ou seja, no livre mercado). Essa desvalorização se acelerou após o anúncio da morte de Chávez [linha preta vertical].
Pouco antes de sua morte, o governo Chávez reconheceu que o bolívar estava em apuros e oficialmentedesvalorizou a moeda em 32%, fazendo com que a taxa de câmbio oficial saísse de 4,29 para 6,29 bolívares por dólar. Porém, a esse valor, o bolívar ainda está sobrevalorizado em 74% se levarmos em conta o valor da taxa de câmbio da moeda no livre mercado.
Como mostra o gráfico abaixo, desde 2005, a taxa de câmbio do bolívar em relação ao dólar no mercado negro vem divergindo crescentemente da taxa de câmbio oficial.
Linha vermelha: taxa de câmbio oficial; linha azul: taxa de câmbio no mercado negro
Dado que esse mensurador — alterações na taxa de câmbio do bolívar em relação ao dólar no mercado negro — é o que melhor estima o real valor de uma moeda, é possível inferir que a inflação de preços “reprimida” na Venezuela está atualmente em 153%.
Linha vermelha: inflação divulgada pelo governo; Linha azul: inflação implícita estimada pela desvalorização do bolívar frente ao dólar no mercado negro
A desvalorização simbólica feita pelo governo venezuelano em fevereiro foi a sétima desvalorização oficial do bolívar sob Chávez, o que mostra que o governo está jogando um jogo já perdido.
É possível a Venezuela evitar uma crise monetária gerada pelo colapso de sua moeda? Sim, e de maneira relativamente simples: substituindo o bolívar pelo dólar. Essa opção, conhecida como dolarização, foi a que sugeri ao então presidente Rafael Caldera quando eu era seu conselheiro em 1995. E foi a solução adotada de maneira amplamente bem-sucedida pelo Equador, país em que fui conselheiro do ministro da economia e das finanças.
Equador
Após uma longa e turbulenta história de moedas ruins, o Equador abandonou o Sucre em 2000 e o substituiu pelo dólar. Desde então, a inflação de preços vem se mantendo em níveis excepcionalmente baixos para um país latino-americano.
Com a exceção de 2008 (8,83%) e 2011 (5,41%), a inflação de preços sempre se manteve abaixo dos 4%. Não é de se espantar, portanto, que a dolarização tenha atingido uma aprovação de 82% da população equatoriana.
Embora o presidente Rafael Correa, eleito em 2007, seja um adepto da Revolução Bolivariana chavista, ele sabiamente manteve o dólar como a moeda do país. O dólar forneceu uma forte âncora para a economia equatoriana (e para o governo Correa), e conseguiu proteger o país dos males econômicos que afligem vários de seus vizinhos.
É justamente este histórico que torna incompreensível sua recém-anunciada decisão de implementar, a partir de maio, controles de preços em 46 produtos alimentícios. A inflação de preços em 2012 foi de 4,16%. Já em março deste ano, o valor acumulado em 12 meses caiu para 3%, a menor taxa em 2 anos. No entanto, os preços dos alimentos subiram 0,77% no mês (após ter caído 0,15% em fevereiro), o que já incitou os burocratas a anunciarem um controle de preços.
É de se esperar que o governo se dê conta desta insensatez e abandone qualquer ideia de inovar neste seara.
Argentina
A Argentina, país que nunca se cansa de tentar reinventar as leis econômicas, vem vivenciando o mesmo dilema da Venezuela. Os preços da gasolina e dos bens nos supermercados estão congelados. Segundo o governo, a inflação de preços é de 10% ao ano. Mas nenhum argentino acredita nisso. Estatísticas independentes afirmam que a inflação de preços está na casa dos 30% ao ano. No mercado negro, o valor do dólar é 60% maior do que o câmbio oficial, controlado pelo governo. Isso coloca a inflação de preços implícita da Argentina em mais de 70%.
Linha vermelha: inflação divulgada pelo governo; Linha azul: inflação implícita estimada pela desvalorização do peso frente ao dólar no mercado negro
Os argentinos praticamente não poupam seus pesos. Assim que eles recebem pesos, eles gastam para se livrar deles. Segundo estimativas de 2010, mais de 50% das famílias argentinas não utilizam o sistema bancário, certamente traumatizadas pelo corralito de 2001/2002. Elas poupam em dólares e guardam este dinheiro ou dentro de casa ou em bancos no exterior.
Justamente por isso, o governo argentino está fechando o cerco, dificultando ao máximo a compra de dólares. Quem é pêgo transacionando dólares nas ruas pode ir preso. Isso empurrou as operações literalmente para o subterrâneo.
De acordo com o The Wall Street Journal, compradores e vendedores de dólares estão se encontrando em “cuevas” escuras, geralmente locais escondidos nos fundos dos estabelecimentos, para fazer suas transações.
O mercado de câmbio na Argentina foi para o subterrâneo. Com o governo restringindo cada vez mais o acesso a moedas estrangeiras, os argentinos em busca de dólares, uma mercadoria cada vez mais rara, estão sendo empurrados para cuevas — operações clandestinas, realizadas nos fundos escuros de estabelecimentos, nas quais o cliente paga caro para trocar pesos por dólares.
Comprar dólares para poupar é uma atividade proibida pelo governo argentino, e as autoridades permitem a venda de apenas pequenas quantias de moeda estrangeira para viagens ao exterior. Para obter tais divisas, os viajantes têm de enviar pela internet um pedido à Receita Federal dias antes de sair do país, e eles normalmente recebem autorização para comprar uma quantia muito menor do que pediram.
As empresas têm de ter aprovação do governo para importar equipamentos e materiais à taxa de câmbio oficial, mais barata. A Receita Federal trabalha com cachorros nos postos alfandegários para farejar pessoas que estejam viajando com dólares escondidos e não-declarados.
Na Argentina, quem tem dólares quer pagar por bens e serviços em pesos. Mas só se conseguirem converter dólares em pesos ao câmbio de mercado negro. Caso contrário, será melhor pagar em dólares, mas só se o comerciante estiver disposto a aceitar converter seus preços em dólares à taxa de livre mercado. Normalmente, chega-se a um valor de meio termo. Ou seja, a Argentina está praticamente em um estado de escambo.
Conclusão
Além da escassez e da inflação reprimida, controles de preços podem levar a consequências políticas não imaginadas. Uma vez que os controles de preços são implementados, é muito difícil revogá-los sem que isso gere inquietação popular — veja os distúrbios que ocorreram em 1989 na Venezuela, quando o presidente Carlos Perez tentou abolir o congelamento de preços.
Com o fim do boom no setor de commodities, as economias populistas da América Latina tendem a sofrer. A próxima rodada de revoluções não será bonita.
Uma visita à Argentina e à Venezuela equivale a um Ph.D. em catástrofes monetárias e incompetência econômica. É um ótimo exemplo prático de como os políticos podem realmente destruir uma economia quando se esforçam para tal.
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