II. O empresário
O capítulo anterior deu-nos uma visão geral da posição que desenvolverei com mais detalhes ao longo desse livro. Neste capítulo e nos demais, abordarei diferentes aspectos dessa posição à fim de examiná-los e expô-los mais minuciosamente. É perfeitamente adequado dedicar o primeiro desses capítulos ao papel do empresário no sistema de preço. Não só o empresário desempenha, na nossa opinião, o papel crucial no processo de mercado, como também esse papel tem sido — especialmente nas últimas décadas — quase sempre ignorado [1]. E esse hiato existe não só no que diz respeito à compreensão da função vital que a atividade empresarial desempenha no processo harmonizador, mas até mesmo no que diz respeito a uma apreciação da própria natureza da atividade empresarial.
A natureza da atividade empresarial
A função do empresário no mercado é de difícil compreensão. Isso pode ser demonstrado pela virtual eliminação dessa função em muitas das exposições contemporâneas da teoria do preço e, também, pela multiplicidade de tentativas cuidadosas, por parte de antigos autores, de definir ó empresário e distinguir sua função da função do capitalista ou do executivo contratado. Essas tentativas refletem o desejo de identificar com precisão algo cuja presença é sem dúvida percebida, mas que se presta, superficialmente apenas, a uma definição vaga. Na minha opinião, é possível detectar de uma maneira satisfatória o elemento fugidio da atividade empresarial. Acredito ademais que fazê-lo é da maior importância para a compreensão do processo de mercado. Uma distinção entre a teoria do mercado que endossamos aqui e a que predomina nos manuais contemporâneos da teoria do preço é a ausência, nos últimos, de uma apreciação adequada da natureza e função da atividade empresarial na economia de mercado.
Um esboço preliminar da minha posição quanto à natureza da atividade empresarial pode ser útil. Argumentarei que está presente em toda ação humana um elemento que, embora crucial para a atividade econômica em geral, não pode ser, ele próprio, analisado em termos de critérios de economização, de maximização de lucros ou de eficiência. Chamarei esse elemento, por razões que demonstrarei em seguida, de elemento empresarial. Além disso, argumentarei que o papel empresarial no mercado pode ser melhor compreendido pela analogia com o que chamei de elemento empresarial na ação humana individual. A alocação de recursos por meio das forças impessoais do mercado é frequentemente comparada com as tomadas de decisões de alocação feitas pelo indivíduo. É isso que fornece a base para a analogia a que me referi. Assim como os critérios de eficiência são, por si, insuficientes para a compreensão da ação humana individual, já que um fator crucial para a emergência da atividade individual econômica é o elemento “extraeconômico” empresarial, também o papel alocativo do processo de mercado não pode ser compreendido em termos de interação de atividades maximizadoras individuais unicamente. Um mercado que consista exclusivamente de indivíduos economizadores e maximizadores não gera o processo de mercado que procuramos compreender. Para que o processo de mercado emirja, exigimos adicionalmente a presença de um elemento que não é, em si, compreensível dentro dos estreitos limites conceituais do comportamento economizador. Sustentarei que, no mercado, esse elemento é melhor identificado como atividade empresarial; ele está, no que concerne aos elementos mais estritamente economizadores do mercado, exatamente na mesma relação lógica em que, na ação individual, os elementos empresariais se relacionam aos aspectos de eficiência da tomada de decisões. Voltemo-nos agora para uma elaboração mais detalhada da maneira de ver a atividade empresarial que delineei aqui.
Tomada de decisão e economização
A teoria do preço, tal como se desenvolveu durante as últimas quatro décadas, relaciona todos os fenômenos de mercado com decisões individuais. Como “microteoria”, ela considera que a determinação dos preços, das qualidades e quantidades de produtos, e dos meto-‘ dos de produção é feita pela interação das atividades economizadoras dos participantes individuais do mercado. Ela procura explicar as variações do mercado através das reações dos indivíduos que nele atuam a mudanças nos dados exógenos ao mercado (gostos, técnicas de produção e disponibilidade de recursos). A base da análise econômica da tomada de decisão individual está no seu próprio aspecto econômico. Desde a clássica definição de Lord Robbins (An Essay on the Nature and; Significance of Economic Science, 1932), o aspecto econômico da atividade individual tem sido compreendido em termos da alocação de meios escassos entre fins competidores. Considera-se que cada indivíduo se depara com um “problema econômico” — o problema de selecionar, em função de determinados meios, as vias de ação que podem assegurar a realização do maior número possível dos seus objetivos (na ordem de sua importância). Esse problema é às vezes expresso como sendo uma questão de assegurar a eficiência, ou “maximizar” a satisfação dos objetivos. O aspecto comum a todas as formulações robbinsianas do problema é a necessidade de alcançar um padrão de manipulação de determinados meios que corresponderá mais fielmente a uma determinada hierarquia de fins.
É minha posição que essa visão analítica de participantes do mercado economizadores, maximizadores ou que buscam a eficiência é, sob importantes aspectos, enganosamente incompleta. Ela levou a considerar-se que o mercado se compõe de uma multidão de indivíduos economizadores, cada um tomando suas decisões em função de uma determinada série de fins e meios. Na minha opinião, essa visão do mercado é responsável pela prejudicial ênfase exclusiva nas situações de equilíbrio já discutida. Uma multidão de indivíduos economizadores, cada um fazendo sua escolha em função de determinados fins e meios, não pode, sem a introdução de novos elementos exógenos, gerar um processo de mercado (que envolve sistematicamente séries mutáveis de meios disponíveis para os participantes do mercado).
Sustento que, em vez da economização, ficará demonstrado que é extremamente útil enfatizar a noção misesiana mais larga de ação humana. Na forma como foi desenvolvido por Mises, o conceito de homo agensé capaz de dar conta de tudo a que as noções de economização e propensão à eficiência podem levar. O conceito de ação humana, porém, ao contrário do de alocação e economização, não confina o tomador de decisões (ou a análise econômica das suas decisões) ao quadro de fins e meios dados. A ação humana, no sentido desenvolvido por Mises, envolve vias de ação seguidas pelo ser humano para “afastar o desconforto” e ficar “em melhor situação”. Sendo mais largo que a noção de economização, o conceito de ação humana não restringe a análise da decisão ao simples problema de alocar, que se coloca quando se justapõem meios escassos e fins múltiplos. Não se chega à decisão, no esquema da abordagem da ação humana, simplesmente pela computação mecânica da solução do problema de maximização implícito na configuração dos fins e meios dados. Ela reflete não simplesmente a manipulação de meios dados para corresponder fielmente à hierarquia de fins dados, mas também a própria percepção do quadro de fins-meios dentro do qual deve ter lugar a alocação e a economização.
O homem economizador de Robbins é dotado da propensão a moldar meios
determinados para adequar-se a fins determinados. O próprio conceito pressupõe alguma imagem determinada de fins e de meios; sem tal imagem, a economização não pode nem mesmo começar. O homo agens de Mises, por outro lado, é dotado não somente da propensão para perseguir fins eficientemente, uma vez claramente identificados fins e meios, como também da propensão e do estado de alerta necessários para identificar por que fins lutar e que meios estão disponíveis. A ação humana abrange o comportamento que busca a eficiência — típico dos economizadores robbinsianos — mas também engloba um elemento que, por definição, está ausente da economização. O comportamento economizador — ou, mais exatamente, sua análise — esquiva-se necessariamente da tarefa de identificar fins e meios. A noção economizadora, por definição, pressupõe que essa tarefa (e sua análise) tenha sido completada em outro lugar. A ação humana trata ambas as tarefas — a de identificar o quadro pertinente de fins-meios e a de buscar a eficiência a esse respeito — como uma atividade humana única e integrada. Na medida em que podemos identificar o quadro de fins – meios que o homo agens percebe como pertinente, podemos analisar sua decisão em termos robbinsianos ortodoxos de alocação – economização. Se a partir da noção mais estreita de economização não se dispõe de nenhuma explicação quanto a por que esse quadro particular de fins-meios é considerado pertinente e quanto ao que poderia fazer com que ele não fosse mais pertinente, é possível se chegar a esseinsight através do conceito mais amplo de ação humana. Ele está embutido na propensão de que o homo agens é dotado para um estado de alerta quanto à novos fins e quanto à descoberta de recursos desconhecidos até então. (É evidentemente verdade que a noção robbinsiana de economização pode, de maneira bastante adequada, explicar a busca de informação deliberada e preocupada com os custos. O homem economizador pode de fato ser visto como alguém que aloca quantidades imaginadas de meios entre projetos alternativos de pesquisa (com potencialidades imaginadas). Mas, ha medida em que essa buscapode ser abrangida pelo esquema de economização, ela claramente pressupõe algum pano de fundo de fins-meios imaginado. E o que enfatizamos aqui é que a noção de economização precisa excluir do seu domínio a explicação da pertinência desse pano de fundo particular.)
Por razões que esclarecerei em breve, escolho agora rotular esse elemento de vigilância para novos objetivos potencialmente interessantes e para novos recursos potencialmente disponíveis — elemento esse que, como vimos, está ausente da noção de economização, mas muito presente na de ação humana — de elemento empresarial da tomada humana de decisões. É esse elemento empresarial que é responsável por compreendermos a ação humana como ativa, criadora e humana, e não como passiva, automática e mecânica [2]. Uma vez captado o elemento empresarial na ação humana, não se pode mais interpretar a decisão como mero cálculo — que, em princípio, possa ser tomada pela manipulação mecânica de “dados” ou que estejacompletamente implícita nesses dados. É preciso agora reconhecer que a decisão humana não pode ser explicada simplesmente em termos de maximização, de reação “passiva” que toma a forma de escolha da “melhor” via de ação evidenciada pelas circunstâncias. Uma vez que o teórico identificou as circunstâncias que, na opinião do tomador de decisões, seriam relevantes, ele pode realmente explicar a decisão em termos de otimização calculista. Mas o reconhecimento explícito do elemento empresarial na tomada de decisões implica o reconhecimento de que essa explicação alocativa é, na melhor das hipóteses, apenas parcial; implica que tal explicação pressupõe a capacidade de identificar sem ambiguidade um quadro de fins-meios percebidos, por sua vez, sem ambiguidade, pelo próprio tomador de decisões antes da sua decisão; e que a psicologia da tomada de decisões em situações em que falte uma percepção preliminar de qualquer quadro de fins-meios por parte do tomador de decisões pode invalidar completamente essa explicação alocativa, exceto como artifício heurístico sem pretensões ao realismo.
O reconhecimento do elemento empresarial na tomada de decisões, porém, não implica simplesmente a consciência do limitado realismo das explicações alocativas das decisões humanas. Tal reconhecimento abre caminho para insights frutíferos que, de outra maneira, não estariam ao nosso alcance. Em particular, reconhecer esse elemento empresarial pode tornar possível ver-se a sucessão de decisões diferentes tomadas pelo mesmo indivíduo como um sequência unificada logicamente, onde cada decisão é compreensível como resultado lógico da decisão anterior. Em outras palavras, uma vez que nos tornamos sensíveis ao estado de alerta dos tomadores de decisões para novos fins e meios potencialmente interessantes, pode ser possível explicar o padrão de mudança nas decisões de determinado indivíduo como resultado final de um processo de aprendizagem gerado pela experiência acumulada das próprias decisões. Uma análise confinada às explicações alocativas é completamente incapaz de perceber tal continuidade em qualquer sequência de decisões, já que cada decisão é compreendida simplesmente em termos do seu próprio quadro pertinente de fins-meios. Nas explicações puramente alocativas, nenhuma decisão anterior pode ser usada para explicar decisões posteriores com base no aprendizado; se o padrão de fins-meios considerado pertinente pelo indivíduo quando de uma decisão posterior difere do que era considerado pertinente antes, não há, com o “esquema economizador”, nada mais que uma descontinuidade. Tal mudança exógena simplesmente eliminou uma situação de tomada de decisões e substituiu-a por outra. Não há nada, na formulação da visão economizadora da decisão, que nos diga como, na ausência de mudanças exógenas inexplicadas, um padrão de fins-meios pertinentes vem a ser substituído por outro. Devemos reconhecer o que chamamos de elemento empresarial a fim de perceber que os padrões mutáveis de fins-meios tidos como pertinentes para decisões sucessivas são o resultado, possivelmente compreensível, de um processo de experiência em que o estado de alerta do tomador de decisões para novas informações pertinentes gerou uma sequência continuamente mutável de decisões [3].
O empresário no mercado
A seção anterior apresentou uma visão da decisão individual que enfatiza o estado de alerta que os seres humanos mantém em relação a fins potencialmente interessantes que até então passavam despercebidos, e em relação a recursos, até então despercebidos, potencialmente interessantes e disponíveis. Reconhecer esse elemento na tomada individual de decisões, um elemento que rotulei de “empresarial”, ajudar-nos-á a compreender o papel do empresário no mercado e a ver o que separa a análise desse papel da análise dos papéis dos outros participantes.
Vimos que, se um quadro claramente identificável de fins e meios é considerado pertinente por um tomador de decisões antes da sua decisão, podemos explicar sua decisão de modo bastante satisfatório como tomada mecanicamente por cálculo com base nos dados de fins e meios. Em outras palavras, se acreditamos que as circunstâncias de uma decisão são precisamente conhecidas pelo tomador de decisões, podemos “prever” que forma essa decisão tomará pela simples identificação da via de ação ótima pertinente para as circunstâncias conhecidas. Ora, essa interpretação “mecânica” da tomada de decisões seria inteiramente aceitável num mundo de conhecimento e previsão perfeitos. Nesse mundo, não haveria campo de ação para o elemento empresarial. Se cada indivíduo sabe com certeza o que esperar, seus planos podem ser inteiramente explicados em termos de economização, de alocação ótima, e de maximização. Em outras palavras, pode-se demonstrar que seus planos estão em princípio implícitos nos dados que constituem seu conhecimento de todas as circunstâncias presentes e futuras pertinentes para a sua situação [4]. Evidentemente, porém, sabemos que os seres humanos não operam num mundo de conhecimento perfeito, e foi isso que nos levou a enfatizar a importância do estado de alerta que os indivíduos mantêm em relação às novas informações.
Logo, na medida em que a teoria econômica se preocupa com o mundo de conhecimento perfeito, é perfeitamente adequado analisar os fenômenos de mercado unicamente em termos de economizadores ou maximizadores robbinsianos. Nãohá nenhuma necessidade e, na verdade, nenhuma possibilidade, na teoria de um mundo assim, de introduzir a atividade empresarial como tal, ou de chamar a atenção para qualquer elemento empresarial na tomada individual de decisões; a hipótese do conhecimento perfeito elimina automaticamente todos esses elementos. O elemento empresarial na decisão individual entra em cena somente quando se abandona essa hipótese. Quando, porém, desviamos nossa atenção de um mundo em equilíbrio completo, onde o conhecimento é perfeito, para um mundo em desequilíbrio, onde o conhecimento está longe de ser perfeito, não podemos mais conduzir nossas investigações através, puramente, da análise de economizadores robbinsianos. Devemos, então, tratar de explicar como o processo de mercado fornece novas informações aos participantes — como os tomadores de decisões reveem sua visão do quadro de fins-meios pertinentes para suas situações. E é aqui que a noção de atividade empresarial entra em cena — de uma ou de ambas as diferentes maneiras que descrevemos a seguir.
Em primeiro lugar, evidentemente, os tomadores de decisões, os participantes do mercado, passam a ser vistos, não simplesmente como maximizadores e economizadores robbinsianos mecânicos, mas co-; mo seres humanos engajados em ação humana misesiana, isto é, dando mostras do que chamei de elemento empresarial na tomada individual de decisões. “Todo participante de qualquer economia viva e real é sempre um empresário” [5]. A análise dos processos de mercado é capaz de explorar o insight de que os participantes não reagem simplesmente a determinados dados do mercado mas, ao contrário, demonstram um estado de alerta empresarial para possíveis mudanças nesses dados — um estado de alerta que pode ser utilizado para explicar como tais mudanças podem ocorrer de modo geral.
Em segundo lugar (e o mais importante para os objetivos desta seção), quando estendemos a análise econômica a um mundo de conhecimento imperfeito, torna-se possível achar lugar para uma função econômica completamente nova que, por definição, estava excluída do mundo de conhecimento perfeito. Torna-se possível introduzir um participante do mercado cujas decisões não podem de modo algum ser incluídas na categoria de economização robbinsiana. Podemos agora introduzir na análise a categoria deempresário puro, que significa o tomador de decisões cujo papel brota totalmente do seu estado de alerta em relação a oportunidades até então despercebidas [6]. Aqui é necessário algum esclarecimento e explicação.
O elemento empresarial, como vimos, também encontra um lugar nas decisões dos participantes do mercado cujos papéis não dependem da imperfeição do conhecimento. Assim, podemos considerar que o consumidor, que, sem nenhuma dificuldade, podemos imaginar, operando de uma maneira estritamente robbinsiana num contexto de conhecimento perfeito, põe em ação o elemento de atividade empresarial tão logo o colocamos num contexto de conhecimento imperfeito. Do mesmo modo, pode-se ver que um proprietário de recursos, vendendo seus recursos no mercado de meios de produção, num contexto de informação imperfeita, exerce um certo grau de atividade empresarial, enquanto no mundo equilibrado do conhecimento perfeito suas atividades se reduziriam a nada mais que economização. O que caracteriza esses casos é que o tomador de decisões parte de determinados meios (renda em dinheiro para o consumidor, recursos para o proprietário de recursos). Logo, nesses casos, é possível discutir como esses meios podem ser melhor explorados para favorecer os objetivos do tomador de decisões. Com esses objetivos dados, e com os preços do mercado (de produtos e de recursos) conhecidos com certeza, a “melhor via de ação” pode em princípio ser alcançada por um simples mecanismo de cálculo. Estando o tomador de decisões consciente da possibilidade de que preços melhores, digamos, possam estar à sua espera atrás da esquina, essa “melhor via de ação” não é mais puramente uma questão de cálculo ou economização; sua determinação depende também crucialmente da qualidade empresarial do tomador de decisões — da sua propensão para perceber que preços estão, realisticamente, à sua disposição.
Ao introduzir a expressão empresário puro na nossa análise, criamos a figura de um tomador de decisões que começa sem nenhum meio de qualquer espécie que seja [7]. Num mundo de conhecimento perfeito, isto é, num mundo do qual oportunidades inexploradas de ganho foram excluídas por definição, tal tomador de decisões simplesmente não tem nada a fazer. Não tem campo de ação para o exercício de qualquer tomada de decisões, robbinsianas ou outras. Sem meios, simplesmente não há vias de ação disponíveis. Mas introduzir um tomador de decisões sem meios na análise do mundo sem conhecimento perfeito é uma questão completamente diferente. Como os participantes nesse mercado não chegam a ser oniscientes, é provável que exista, a um momento qualquer, uma profusão de oportunidades das quais ainda não se tirou vantagem. Vendedores podem ter vendido por preços mais baixos que os preços que se podia de fato obter (em particular, podem ter sido vendidos recursos para a produção de produtos de que os consumidores precisam menos urgentemente que outros produtos que podem ser obtidos como os mesmos recursos). Compradores podem ter comprado por preços mais altos que os preços mais baixos necessários para garantir a posse do que eles estão comprando (em particular, consumidores podem estar comprando mercadorias produzidas com recursos que são mais caros que outros recursos capazes de produzir mercadorias comparáveis). A existência dessas oportunidades inexploradas abre um campo de ação para tomada de decisões que não depende, em princípio, de modo algum da economização robbinsiana. O que o nosso tomador de decisões sem meios precisa para chegar à melhor decisão é simplesmente saber onde existem essas oportunidades inexploradas. Tudo o que ele precisa é descobrir onde os compradores vêm pagando demais e onde os vendedores vêm recebendo de menos e suprir essa deficiência oferecendo para comprar por um pouco mais e para vender por um pouco menos. Descobrir essas oportunidades inexploradas exige estado de alerta. O cálculo não ajudará, e a economização e a otimização não darão, por si mesmas, esse conhecimento. Logo, não é possível, mesmo em princípio, simplesmente “deduzir”, a partir dos dados, a decisão do nosso novo tomador de decisões; ela não está de modo algum implícita nas circunstâncias em que ele se acha.
O artifício analítico de falar em termos de empresários puros permite uma simplificação da teoria do mercado que não tem sido sempre apreciada. Uma vez introduzido o empresário puro na nossa análise do processo de mercado, torna-se possível falar de um mercado onde todos os outros participantes são economizadores robbinsianos puros, sem nenhum elemento de atividade empresarial. É possível construir uma teoria do processo de mercado que explique como os preços de mercado, as quantidades e qualidades de insumos e produtos, mudam como consequência da interação de planos individuais, enquanto se faz a hipótese, ao mesmo tempo, de que todos os tomadores de decisões (exceto os empresários puros) são tomadores passivos de preços, que tratam simplesmente de otimizar contra o pano de fundo de dados pressupostos. Todas as mudanças em preços, quantidades e qualidades de insumos usados e produtos produzidos podem ser perfeitamente explicadas quando são atribuídas à atividade dos empresários puros, que não contêm nenhum elemento de economização robbinsiana na sua constituição. Um universo analítico onde não se permite a existência de nenhuma atividade empresarial (quer sob forma de um papel distinto no mercado, quer como um elemento na constituição de participantes do mercado com funções primordiais) não pode explicar nada além do padrão de equilíbrio; falta-lhe inteiramente o poder de explicar como preços, quantidades e qualidades de insumos e produtos mudam sistematicamente durante o processo de mercado. Mas, para tratar desses últimos problemas, revela-se agora que não é necessário complicar a análise das decisões de todos os participantes do mercado, transformando-os de tomadores de preços e economizadores passivos robbinsianos em participantes “empresariais” ativos misesianos. É possível continuar a análise das decisões dos consumidores e das decisões dos proprietários de recursos, exatamente do modo como essa análise procede num contexto de equilíbrio estrito; pode-se continuar a considerar que esses participantes do mercado reagem passivamente, não mais os preços reais do mercado em equilíbrio, mas aos preços que eles acreditam, provavelmente erradamente, serem os preços em equilíbrio. Os erros nas informações que esses participantes robbinsianos do mercado acreditam serem pertinentes produzirão então oportunidades para atividade lucrativa dos empresários puros. A atividade desses empresários puros pode então explicar como os preços, quantidades e qualidades dos insumos e produtos mudam [8].
Tampouco precisamos considerar essa simplificação da teoria do preço, segundo a qual os participantes do mercado são vistos quer enquanto economizadores robbinsianos puros, quer enquanto empresários puros (sem nenhum campo de ação para a economização robbinsiana), como um modelo artificial que, por mais adequado que seja como artifício heurístico, fracassa no entanto como explicação satisfatória do mundo real (onde todos os tomadores de decisões são dotados de elemento empresarial, ao menos até certo ponto). Essa simplificação significa somente que, embora cada ser humano aja de uma forma totalmente integrada que podemos analisar em dois componentes separados, a economização robbinsiana de um lado, e o tipo empresarial de atividade de outro, é analiticamente conveniente tratá-lo como se ele representasse dois tomadores de decisões inteiramente separados, um deles, um economizador passivo, e o outro, um empresário puro. (Isso não difere muito, afinal, do que fazemos quando discutimos, digamos, a “decisão de consumo”, embora saibamos perfeitamente bem que muitas decisões de comprar bens de consumo são acionadas por motivações que se pode descrever mais exatamente como pertencendo ao produtor ou ao investidor. E o mesmo se aplica quando decompomos o tapete comprado para o escritório de um homem de negócios em um componente que é insumo investido no negócio, e outro componente que é um produto de consumo.) [9].
O produtor como empresário
Essa discussão de atividade empresarial e essa explicação do papel do empresário puro na análise do processo de mercado ajudam a esclarecer não só a natureza do papel do “produtor”, mas também em que medida o seu papel se sobrepõe ao do empresário. Na medida em que o próprio produtor contribui com um recurso necessário (digamos, sua capacidade de organizar uma equipe de produção que funcione sem percalços a partir de uma série de fatores de produção descoordenados), ele é claramente apenas mais um proprietário de recursos. E mesmo quando consideramos que o produtor contribui com os recursos exigidos para realizar com êxito as transações de mercado necessárias para reunir os (outros) insumos para o processo produtivo e para fazer com que o produto seja vendido aos consumidores, é ainda possível considerá-lo simplesmente como um proprietário de recursos. Num mundo em equilíbrio, ele ainda estaria presente, contribuindo com sua parcela semana após semana para transformar os recursos nas mãos dos proprietários de recursos em produtos na cesta do consumidor.
Mas, uma vez que consideramos que o produtor compra recursos e vende produtos, é difícil deixar de reconhecer que um dos momentos mais críticos em todo o mercado, o momento em que provavelmente a pura capacidade empresarial é exigida, é precisamente o desse ponto de contacto entre o mercado de recursos e o mercado de produtos. Em outras palavras, muitas das oportunidades despercebidas para uma utilização mais eficiente dos recursos aparecem provavelmente sob forma de coordenação imperfeita entre as transações nos mercados de recursos e nos mercados de produtos. Os proprietários de recursos podem estar vendendo seus recursos a indústrias ou produtores que estão fabricando produtos que os consumidores precisam menos urgentemente que outros que poderiam ser fabricados com esses recursos. Os compradores podem estar comprando produtos produzidos com recursos mais caros que outros capazes de produzir esses mesmos produtos. Essa falta de coordenação se expressará em diferenças de preços — diferenças entre a soma de preços nos mercados de recursos de um conjunto de fatores capazes de produzir um produto e o preço desse produto no mercado de produtos. As oportunidades de lucro representadas por tais diferenças de preço abrem um dimensão para uma atividade puramente empresarial que não exige que o empresário contribua com nenhum recurso. Essa atividade consistirá exclusivamente em comprar recursos e vender produtos. (Ao pressupormos temporariamente que a produção é instantânea, evitamos por ora a necessidade de dotar o empresário de Capital financeiro.) É aqui que a tentação de identificar o “produtor” com o “empresário” torna-se de fato muito forte. E, de um ponto de vista estritamente formal, não deve haver nenhuma objeção a isso. Podemos de fato ver o produtor como empresário. Mas não devemos esquecer que, se desejamos vê-lo como um empresário puro, devemos livrar aquele elemento que definimos como produtor da responsabilidade de contribuir com quaisquer recursos que sejam para o processo produtivo. Se nosso produtor deve ser um empresário puro, devemos considerar que ele contrata todo o talento necessário para organizar os meios de produção numa equipe que funcione sem percalços e compratodos os recursos necessários para completar efetivamente as transações de que sua atividade empresarial lhe sugere participar.
O que tudo isso quer dizer é que, se desejamos aplicar a teoria do preço ao mundo da produção, as decisões do produtor são mais facilmente tratadas se o vemos em dois papéis distintos: o de empresário puro e o de proprietário de recursos. Como proprietário de recursos, consideramos que o produtor contribui com seus próprios serviços gerenciais e outros para a empresa, e insistimos, como economistas, em reconhecer o custo implícito desses serviços para a empresa [10]. Mas, na medida em que vemos o produtor como proprietário de recursos, não precisamos dotá-lo de nenhum elemento empresarial na sua constituição. Podemos vê-lo “maximizando” a receita proveniente dos seus recursos em termos exclusivamente de tomada de preços. O que é mais, grande parte do que é usualmente discutido sob a rubrica da “teoria de produção” pode ser compreendido sem referência a nenhuma atividade empresarial de qualquer espécie que seja. A escolha da combinação ótima de insumos é compreensível em termos estritamente robbinsianos — e isso porque, quando contemplamos o produtor como usuário de insumos, nós o vemos como começando com insumos que ele deve utilizar da forma mais eficiente possível à luz das vias de ação tecnologicamente disponíveis.
Mas quando vemos o produtor no seu outro papel, como empresário puro, nós o vemos de um perspectiva completamente diferente; nós o vemos começando sua tomada de decisões sem nenhum recurso com que possa contribuir para o processo de produção. Sob esse aspecto, nós o vemos antes que ele tenha adquirido os insumos a partir dos quais os produtos serão obtidos. Suas decisões como empresário puro não revelam absolutamente nenhum traço de economização robbinsiana; não há absolutamente nada a ser alocado. Como empresário puro, ele é visto exercendo nada mais que um estado de alerta quanto à existência de diferenças de preço entre insumos e produtos.
É importante dar-se conta de que a teoria típica da empresa maximizadora de lucros na teoria do preço, especialmente como ela é mostrada nos diagramas habituais, tende a mascarar completamente essa função puramente empresarial do produtor. A análise da maximização dos lucros opera habitualmente com funções de receita e custo conhecidas; essas funções nos são mostradas muito explicitamente como curvas no diagrama. Uma vez que presumimos que essas funções já são conhecidas, o resto é “simplesmente” uma questão de cálculos; a decisão ótima já está implícita nos dados de receita e custo. Ao pressupor que o produtor já está de posse de todas as informações de receita e custo nós, por assim dizer, já colocamos o lucro máximo obtenível ao seu alcance. Por mais complicado que o processo de determinar a combinação entre total produzido e preço maximizadora de lucros possa parecer aos estudantes, a solução já está embutida nos dados; sua descoberta não envolve nada que não possamos exigir de um maximizador robbinsiano passivo. Na teoria típica, não há nenhum elemento de atividade empresarial visível [11].
Se desejamos focalizar nossa atenção sobre o produtor como empresário, não devemos investigar como a combinação que resulta menor custo dos insumos, ou até mesmo a combinação produto-quantidade-preço maximiazadora de lucros, serão determinadas a partir de informações sobre receita e custo dados. Devemos investigar que funções de receita e que funções de custo (refletindo não simplesmente eficiência tecnológica mas, o que é mais importante, julgamentos pertinentes do preço dos insumos e produtos) serão, na opinião do empresário-produtor, pertinentes para ele em geral. A atividade empresarial não consiste em agarrar, a qualquer preço, uma nota de dez dólares que já se descobriu estar repousando na própria mão; consiste em dar-se conta de que ela está na sua mão e está disponível para ser agarrada.
Lucros empresariais
Um ponto importante que emergiu da discussão anterior é que a propriedade e a atividade empresarial devem ser vistas como funções completamente separadas. Uma vez que adotamos a convenção de concentrar todos os elementos da atividade empresarial nas mãos de empresários puros, excluímos automaticamente do papel empresarial o proprietário de ativos. As decisões puramente empresariais estão, por definição, reservadas aos tomadores de decisões que não possuem absolutamente nada. Na medida em que um indivíduo está sendo visto come um proprietário de ativos, suas decisões devem ser analisadas, se se pretende aderir à convenção acima com consistência, em termos puramente robbinsianos. (E, na medida em que desejamos considerá-lo no seu papel empresarial, devemos considerar que um indivíduo que possui um ativo, como vimos no caso do produtor, “compra” os serviços desses ativos para si próprio.) Tudo isso se torna extremamente importante na definição exata de lucros empresariais puros e sua separação analítica de outros recebimentos.
Um proprietário de recursos adianta-se, como um economizador robbinsiano, para transformar seu pacote de ativos da forma mais desejável possível, à luz dos termos de troca postos à sua disposição pelo mercado e pela natureza ou por ambos. Assim, um trabalhador vende seu trabalho pelo salário mais alto que ele pode encontrar, e um consumidor usa sua renda em dinheiro para comprar a cesta mais desejável de produtos de consumo que ele pode encontrar. A melhor posição que resulta das decisões dos proprietários foi obtida tirando vantagem das vias disponíveis para trocar ativos inicialmente possuídos. Alguma coisa vai para o processo de economização, e alguma coisa mais desejável resulta dele.
O empresário puro, por outro lado, segue em frente movido pelo seu estado de alerta para descobrir e explorar situações em que ele é capaz de vender por preços altos aquilo que ele comprou por preços baixos. O lucro empresarial puro é a diferença entre os dois conjuntos de preços. Ele não é produzido pela troca de alguma coisa que o empresário valoriza menos por alguma coisa que ele valoriza mais. Ele provém da descoberta de vendedores e compradores de alguma coisa pela qual os últimos pagarão mais que os primeiros pedem. A descoberta de uma oportunidade de lucro significa a descoberta de alguma coisa obtenível em troca de nada. Nenhum investimento que seja é exigido; descobre-se que a nota de dez dólares grátis já está na sua mão.
Evidentemente, muitas das oportunidades de lucro empresarial despercebidas até então podem envolver processo de uma espécie, ou de outra que consomem tempo. Pode acontecer que um recurso capaz de produzir um produto de consumo urgentemente desejado seja empregado numa indústria que produz uma mercadoria muito menos valorizada; a diferença entre o baixo custo do recurso e a alta receita da mercadoria que o recurso pode tornar possível representa uma oportunidade de lucro. Mas se a produção da mercadoria altamente valorizada leva tempo, o alto preço de venda pode não estar disponível no exato momento em que o baixo preço de compra deve ser pago. A oportunidade de lucro exige o investimento de capital. Mas é ainda correto insistir que o empresário, enquanto empresário, não precisa de nenhum investimento de nenhuma espécie. Se o excedente (representando a diferença entre o preço de venda e o preço de compra) é suficiente para possibilitar ao empresário oferecer um pagamento de juros atraente o bastante para persuadir alguém a adiantar os fundos necessários, é ainda verdade que o empresário descobriu uma forma de obter lucro puro, sem a necessidade de investir o que quer que seja. O papel de capitalista, necessário para tornar o lucro empresarial possível nesse caso de produção que consome tempo, é preenchido pelos proprietários de recursos que acham o pagamento do juro suficientemente atraente, de modo que estão dispostos a vender recursos nas condições de um acordo que lhes promete receita somente a alguma data posterior. (Numa economia monetária, o papel de capitalista não precisa ser preenchido por proprietários de recursos dispostos a esperar por seu pagamento até que a produção tenha sido concluída. O papel de capitalista pode ser preenchido pelo “empréstimo” de capital em dinheiro — com que os salários dos recursos atualmente empregados podem ser pagos — mas a economia subjacente ao caso ainda envolve a “venda” de ativos atuais em troca da promessa de receita no futuro.) E evidentemente pode acontecer que um empresário possua recursos (ou dinheiro) e ache que valha a pena financiar seus próprios empreendimentos empresariais. Em outras palavras, o mesmo indivíduo pode ser ao mesmo tempo empresário e capitalista, exatamente como o mesmo indivíduo pode ser ao mesmo tempo empresário e proprietário de recursos. (Como vimos, o papel de capitalista pode ser considerado, num sentido importante, como um tipo especial de propriedade de recursos.) O ponto importante é que, analiticamente, o papel puramente empresarial não se sobrepõe ao de capitalista, mesmo se, num mundo em que quase todos os processos de produção são mais ou menos consumidores de tempo, as oportunidades de lucro empresarial exigem, tipicamente, capital. A distinção entre lucros empresariais puros e juros puros está agora bem estabelecida na teoria econômica; simplesmente procurarei mostrar aqui como a distinção emerge com excepcional clareza dentro do esquema do sistema desenvolvido neste capítulo.
Embora eu tenha enfatizado que os lucros empresariais puros são captados por empresários, nunca por proprietários, pode ser necessária uma observação explanatória a fim de evitar que eu seja mal compreendido. Suponhamos que um empresário compre alguma coisa a uma determinada data (digamos, um serviço de recurso), a fim de vendê-la (ou o produto daí resultante) a um preço mais alto a alguma data posterior. Ora, no momento da venda, isto é, na data posterior, a transação pode parecer nada mais que a venda de alguma coisa possuída. Se os lucros ganhos por esse empreendimento empresarial são calculados (subtraindo-se o preço pago a uma data anterior do preço de venda atual), poderia parecer que esses lucros foram ganhos por um proprietário que fez uma venda lucrativa. Mas, devo insistir, não é esse o caso. Na medida em que desejamos ver todo o empreendimento como um empreendimento empresarial, devemos focalizar a atenção sobre a decisão empresarial responsável pelo empreendimento. Essa decisão foi tomadaantes do ato original de compra; na verdade, foi uma decisão de comprar a fim de vender subsequentemente. Quando nos perguntamos qual foi a resultado final dessa decisão, podemos realmente responder que, quando da conclusão de todo o empreendimento, tornou-se evidente que a decisão empresarial original foi lucrativa. O excedente de preço de venda sobre o preço de compra é realmente lucro puro se o reportamos à decisão empresarial original. Esse excedente, porém, não deve ser visto como lucro empresarial se confinamos nossa atenção exclusivamente à decisão posterior, a decisão de vender a uma data posterior. No momento da venda, o proprietário-empresário está livre de abandonar o plano empresarial originalmente formulado, que exigia a venda imediata. Sua decisão final de vender, portanto, é tomada de modo completamente independente do plano original de vender; sua decisão posterior é então a decisão tomada por um proprietário. Se investigarmos essa decisão, então (na medida em que seguimos a convenção de classificar decisões como ou puramente empresariais, ou puramente robbinsianas) não podemos de modo algum relacioná-la com lucro empresarial. É simplesmente uma decisão de proprietário de vender ao preço de mercado. Somente quando relacionamos toda a sequência de transações de compra e venda ao plano empresarial original podemos falar de lucro.
Revela-se, assim, que a venda final nesse empreendimento produziu lucro empresarial, se o estamos reportando à decisão empresarial original, muito embora o ganho esteja sendo embolsado por umproprietário. Claramente, então, ao insistirmos no insight de que o lucro empresarial não é nunca captado por proprietários, estamos ao mesmo tempo insistindo que, se o recebimento de uma determinada soma em dinheiro é descrito como um ganho de lucros puros, isso não significa que esse mesmo recebimento não possa, ao mesmo tempo, ser visto de maneira igualmente correta como alguma coisa mais que lucros. Em outras palavras, a caracterização teórica correta de um determinado recebimento depende do caráter da decisão responsável por esse recebimento. E se, como acontece frequentemente, um determinado recebimento é a consequência de mais de uma decisão, cada uma delas necessária antes que o recebimento pudesse se materializar, então o caráter econômico do recebimento depende, para fins de qualquer discussão, de a que decisão, dentre as que contribuíram para ele, esse recebimento pode ser relacionado nessa discussão. Assim, no nosso exemplo, o excedente produzido pela venda final sobre o preço original de compra pode ser visto como o resultado final bem sucedido da decisão empresarial original; como tal, é lucro puro. Por outro lado, toda a receita recebida por essa venda final resultou da decisão final de vender (e essa decisão final, embora planejada ao tempo da decisão original de comprar, não estava de modo algumgarantida até ser realmente tomada); GO como tal, essa receita é simplesmente o produto da venda de uma ativo, e nenhuma parte dela é vista como lucro puro. Os lucros empresariais devem ser identificados somente quando relacionados a uma decisão puramente empresarial. Logo, o fato de esse rendimento estar sendo embolsado por um proprietário, e de poder efetivamente até mesmo ser visto, a partir de uma perspectiva diferente, como a consequência da decisão de um proprietário, não enfraquece de modo algum nossa insistência na tese de que o que está sendo visto como lucro empresarial não pode nunca ser relacionado ao exercício de qualquer papel de proprietário. Tudo isso será útil quando nos voltarmos para o exame da natureza da empresa e de sua relação com o empresário.
Atividade empresarial, propriedade e a empresa
A “empresa” tornou-se um termo padrão na teoria do preço tanto pura como aplicada. Na realidade, uma parte importante da teoria do preço é muitas vezes apresentada sob o título de “teoria da empresa”. Segundo a posição habitualmente assumida, um dos centros importantes de tomada de decisões na economia de mercado está dentro da empresa. Assim, uma parte importante da teoria microeconômica deveria dedicar-se a investigar exatamente quem, dentro da “empresa”, toma decisões e que considerações são levadas em conta quando se tomam tais decisões. E a partir desse ponto de vista que são discutidos problemas como o efeito da “separação da propriedade e do controle” sobre as decisões da sociedade anônima.
A verdade, todavia, é que, analiticamente, a empresa deveria ser reconhecida como uma entidade complexa. Como assinalou Papandreou, a empresa emerge somente quando “os proprietários dos serviços produtivos os vendem a um empresário” [12]. Logo, a empresa não é, de modo algum, a mesma coisa que o empresário puro. Ela é o que resulta depois que o empresário levou a cabo alguma tomada empresarial de decisões, especificamente, a compra de certos recursos. Uma vez que o empresário comprou alguns dos recursos necessários para produzir alguma mercadoria, ele está, por assim dizer, no negócio. Ele está comprometido (numa medida que depende da especificidade e da mobilidade dos recursos já adquiridos) como um ramo particular de indústria e, com a aquisição dos recursos adicionais necessários, está apto agora a tirar vantagem das suas aquisições anteriores. Esse empresário não é mais apenas um empresário puro; ele se tornou, como consequência de decisões empresariais anteriores, proprietário de recursos.
Por isso, quando, na teoria do preço convencional, fazem-se afirmações a respeito de decisões de maximização de lucros da empresa, não devemos perder de vista a complexidade da situação. Num sentido importante, a noção de lucro empresarial simplesmente não se aplica aqui. Mesmo se, ao dizermos que a empresa busca maximizar seus, lucros, queremos dizer que o empresário que dirige a empresa busca maximizar os lucros dele, devemos nos dar conta de que, na medida em que o empresário é o proprietárioda empresa (e portanto não pode mais ser visto de modo algum como um empresário “puro”), o que ele está buscando maximizar pode não ser lucro empresarial mas, ao contrário, as quase rendas a serem obtidas da propriedade dos recursos já adquiridos. É verdade que, quando ligamos os lucros da empresa às decisões empresariais anteriores de comprar os recursos iniciais necessários para começar a operar a empresa, devemos reconhecer que, na medida em que o fluxo de quase rendas atuais (devidamente descontados e somados reportando-os à data das compras originais) excede os custos de compra, estamos em presença de verdadeiros lucros empresariais. E, o que é mais, ao operar continuadamente o negócio, o empresário-proprietário pode explorar oportunidades de aplicar os recursos da empresa em empreendimentos excepcionalmente lucrativos. (Em tais casos, o empresário que possui a empresa, em seu estado de alerta empresarial descobriu maneiras de aplicar os recursos da empresa de modo a produzir um! excedente puro em receita sobre o valor de mercado de todos os recursos exigidos — inclusive o valor de mercado das quase rendas provenientes dos recursos da empresa já adquiridos. Logo, nós o vemos como um empresário puro que “compra” os recursos iniciais da empresa (ao seu baixo valor de mercado) e transforma-os de forma lucrativa em empreendimentos que outras pessoas não perceberam que eram atraentes.) Deve-se enfatizar que esses últimos lucros não são obtidos pelo empresário através de sua qualidade de proprietário da empresa. Ele poderia obter os mesmos lucros contratando de outra pessoa (ao seu baixo valor de mercado) o complexo de recursos que constitui a empresa e, depois, dispondo-se a aplicar esses recursos nos novos empreendimentos lucrativos que ele descobriu (contratando os insumos adicionais que possam ser necessários) [13].
Já observamos [14] que a teoria convencional da empresa tende a mascarar o elemento puramente empresarial na tomada de decisões dos produtores. E o fato de pressupor-se que a empresa toma decisões que maximizam “lucros” tende a fomentar o mal entendido de que é realmente a atividade empresarial que está no cerne da teoria da empresa. Por outro lado, tornou-se moda identificar o ímpeto de maximizar lucros não com a atividade empresarial, mas com a propriedade [15]. Na verdade, talvez a crítica mais séria feita à teoria do preço em geral por seus detratores dependa da acusação de que as realidades institucionais da sociedade anônima tornam irrelevante a hipótese de maximização de lucros porque a propriedade (à qual, exclusivamente, é atribuído o ímpeto de maximizar lucro) está na realidade separada da atividade empresarial (imaginada, imprecisamente, como o foco de controle que governa as operações lucrativas da empresa). Tudo isso reflete confusões, que estamos agora em posição de desfazer.
Propriedade, atividade empresarial e a sociedade anônima
Na vasta literatura que avalia a pertinência da teoria do preço ortodoxa à luz do predomínio contemporâneo da sociedade anônima, surpreendentemente, poucos esforços sérios foram feitos para “situar” a sociedade anônima em função das categorias fundamentais da teoria. Nossa discussão de atividade empresarial e sua relação com a propriedade da empresa pode mostrar-se útil. Reduzida ao essencial, a sociedade anônima é, nominalmente, propriedade dos seus acionistas, que contratam executivos para dirigir os negócios. Procuremos ignorar a fachada legal e identificar (a) os capitalistas e (b) os empresários, como categoriaseconômicas.
Além dos debenturistas, que são claramente capitalistas, todos reconhecem que os acionistas também são capitalistas. Sem prejulgar nesse ponto se os acionistas devem ser considerados empresários, é claro que, quando um acionista compra uma ação recentemente emitida, ele está fornecendo capital à empresa. (Se desejamos considerá-lo como empresário também, teremos de considerar que ele toma emprestado capital de si mesmo.) O fato de o acionista ser proprietário parcial da empresa não afeta o que acabamos de dizer. Ele está na posição de alguém que tomou emprestado capital de si mesmo a fim de comprar recursos; ele possui os recursos mas é, não obstante, também capitalista, já que “emprestou” o capital investido.
Quando um acionista recebe “lucros”, ele é às vezes descrito como um “proprietário” que recebe “seus” lucros empresariais. Evidentemente, porém, a propriedade não tem nada a ver com lucros empresariais. Na medida em que o acionista é visto como capitalista, o que ele recebe é juro implícito; na medida em que ele é visto como proprietário, o que ele recebe é quase renda. Se o acionista é empresário, então, os lucros empresariais que podem ser descobertos não podem ser atribuídos nem ao seu papel como capitalista, nem ao seu papel como proprietário.
Isso foi percebido, em parte e de uma forma não inteiramente satisfatória, por R.A. Gordon, num ensaio publicado em 1936 [16]. Depois de passar em revista diversas teorias de lucro empresarial, Gordon as rejeita porque elas identificam os lucros empresariais com renda de propriedade. Levar em conta o divórcio entre o controle e a propriedade na empresa de capital aberto, argumenta Gordon, mostra que a propriedade não precisa coincidir com a atividade empresarial. Ele identifica a atividade empresarial como a “força guiadora, integradora e iniciadora” — numa palavra, “controle” — necessária para a produção. Já que, do ponto de vista de Gordon, o controle na sociedade anônima é exercido por executivos, e não por acionistas, são os primeiros que são empresários, e não os últimos. O lucro empresarial deve, portanto, ser definido e explicado de modo tal que nem uma parcela dele possa ser ganha por acionistas. Recebimentos residuais e não contratuais que cabem aos acionistas podem ser explicados da maneira que se quiser — recompensa pelos riscos corridos, poder de atrito, ou o que for — mas não devem ser identificados com renda empresarial.
A discussão neste capítulo apoia Gordon na sua conclusão de que não se deve considerar que o lucro empresarial cabe aos proprietários na sua qualidade de proprietários. Para nós, porém, isso deriva simplesmente das definições das categorias analíticas pertinentes; para essa conclusão, não nos baseamos de modo algum na sua definição, pouco satisfatória, de atividade empresarial como “controle” [17], ou na premissa igualmente duvidosa de que os acionistas não devem de modo algum ser considerados empresários. (Ao contrário, na medida em que foram os acionistas os que primeiro promoveram a sociedade anônima, pelo menos uma parte do que recebem dessa sociedade deve, inquestionavelmente, ser vista como lucros empresariais ligados a suas decisões originais empresariais de dar início à empresa.).
A verdade é que a tentação de definir a atividade empresarial simplesmente como controle pode ser responsável por parte da confusão que cerca a localização da atividade empresarial na sociedade anônima. Presume-se que a continuidade das atividades da sociedade anônima estão claramente sob o controle de algum grupo de pessoas. Já que o empirismo de ocasião (baseado em “provas” tais como o comparecimento dos acionistas às assembleias e coisas no gênero) sugere que são os executivos, e não os acionistas, que estão “no controle”, a atividade empresarial é atribuída aos executivos. Para nós, o mero controle não é de modo algum suficiente para definir a atividade empresarial. Afinal de contas, os economizadores robbinsianos podem estar “no controle” de suas esferas pertinentes de tomadas de decisões. Tampouco, quando se identifica a atividade empresarial “a longo prazo” que deu início à empresa, pode-se ver que o controle atual não é nem mesmo uma condição necessária para a atividade empresarial. Para nós, a questão crucial gira em torno de se saber quem teve a visão e se manteve alerta para as oportunidades que até então eram despercebidas e que são as responsáveis pelas decisões efetivas na sociedade anônima. Obviamente, é impossível dar uma resposta a priori para essa pergunta, mas uma cuidadosa reflexão pode esclarecer as alternativas e apontar para algumas das suas implicações — que parecem ter sido frequentemente negligenciadas. Prosseguiremos examinando um simples exemplo hipotético.
Um exemplo hipotético
Imaginemos uma economia onde o alto preço da carne faz com que a caça pareça, no julgamento de A, um empreendimento lucrativo (para o qual é necessário apenas uma arma e os serviços de um caçador). Suponhamos que A resolva então entrar no negócio da caça e compre ou alugue uma arma (ao preço corrente de mercado). Essa compra é claramente uma compra empresarial. E se o “lucro” de uma semana — isto é, a receita de uma semana de caça menos o salário do caçador — excede o custo do aluguel da arma, então esse excesso é, visivelmente, puro lucro empresarial atribuível à compra da arma. Se outros se dão conta da lucratividade da caça, outras “empresas” de caça aparecerão, elevando o custo das armas e baixando o valor de mercado da carne, até que esse tipo de lucro empresarial puro desapareça para novas empresas potenciais. O custo do aluguel semanal de uma arma, mais os salários semanais do caçador, exaurirão a receita total semanal da caça.
Vejamos agora outro caso importante: A não apenas se adianta a outros homens de negócios na instalação da sua empresa de caça, como também está mais alerta, no que concerne a perceber onde existem melhores oportunidades para a caça, de modo que manda seu caçador fazer expedições que rendem uma maior receita de caça por semana (que as expedições enviadas por outras empresas, com caçadores de igual habilidade). Nesse caso, A estará ganhando lucros empresariais também, visto que o custo semanal de aluguel de uma arma e o salário semanal do caçador não exaurem a receita semanal total da caça.
Para nossos fins, porém, será da maior utilidade considerar ainda outro caso. Suponhamos que A não é um empresário mais alerta que outros na percepção de melhores oportunidades para expedições de caça. Mas suponhamos que ele contratou um caçador, B, e que, embora no trabalho de caça para o qual foi contratado, B não seja melhor que outros caçadores, ele é excepcionalmente alerta quanto a possibilidades de expedições de caça excepcionalmente valiosas. Para B, o trabalho que ele dispende na expedição mais valiosa não é maior que o exigido para uma expedição comum; logo, seu empregador A pode descobrir que ainda acaba por amealhar um excedente depois de deduzir (da receita bruta semanal da caça) o aluguel semanal da arma e o salário regular de caçador que B está recebendo. Descreveremos presumivelmente esse excedente como lucro empresarial, atribuído à visão de A (ou à sua sorte) em contratar Bem vez de outros caçadores. Na realidade, parece quase natural ver a capacidade de caçar como inseparável do estado de alerta para os méritos relativos de diferentes possibilidades de caça — descrever B, simplesmente, como um caçador mais bem dotado, e prever que o preço de mercado dos serviços de B, como consequência da competição entre os empregadores, subirá gradualmente até que o excedente de A desapareça. Mas persistamos, por ora, com a noção de que ele pode dividir as habilidade de B em duas partes distintas: a capacidade de usar uma arma e de atirar onde lhe mandam atirar (habilidade em que ele não é superior a outros caçadores); e a capacidade de perceber lugares insuspeitadamente bons onde atirar (no que ele é superior aos outros). Então devemos perguntar qual é exatamente o trabalho para o qual B está sendo contratado a um salário usual de caçador. Se B está sendo contratado somente para atirar onde lhe mandam atirar, então, evidentemente, B não terá a oportunidade de exercitar sua segunda habilidade, seu empregador não amealhará nenhum lucro, e seu salário não subirá. Se dizem a B que atire onde ele queira, mas não o encarregam da responsabilidade de descobrir o melhor lugar onde atirar, será apenas por acaso que B produzirá mais receita de caça que outros. Se B é contratado pra atirar onde ele achar que é melhor atirar, então somos tentados a dizer que B está sendo contratado para exercitar ambas as suas capacidades, embora, como resultado da falta de consciência geral do mercado para sua segunda capacidade especial, o salário não seja maior que o que é pago a outros caçadores que têm apenas a primeira habilidade. Assim, parece de novo que devemos esperar que a competição entre empregadores interessados em usar ambas as capacidades de B tenda a forçar seu salário total para cima. Antes de aceitar isso sem críticas, porém, façamos uma pausa para analisar o caso em pauta.
O cerne do problema está em saber até que ponto é possível descrever um empregador A como alguém que contrata a capacidade de B de ter o espírito alerta para oportunidades até então despercebidas para expedições de caça excepcionalmente bem sucedidas. Suponhamos, por ora, que aceitamos tal descrição como válida. Isso significaria que, em troca de um salário fixo, B comprometeu-se a submeter suas habilidades excepcionais (no que diz respeito a seu estado de alerta) aos interesses de A. Se B cumpre fielmente sua parte do acordo, poderíamos, de forma bastante exata, dizer que A, também, mantém um estado de alerta excepcional para possibilidades excepcionais de caça (já que, afinal de contas, foi A quem teve a visão de contratar a visão de B para os seus (de A) próprios fins). Podemos esperar que a competição de A seguirá gradualmente A e eventualmente forçará para cima o salário de B, acabando com o lucro de A. Ao mesmo tempo, se presumimos que B sabe que é superior (em estar alerta para possibilidades excepcionais de caça), somos forçados a perguntar por que ele, B, não instala sua própria empresa de caça e amealha os lucros empresariais para si mesmo. A resposta a essa pergunta deve ser, segundo nossas hipóteses, que B possui espírito alerta mas, por uma razão ou por outra, esse seu espírito alerta não éempresarial; isto é, a consciência que B tem de oportunidades melhores é suficiente para que ele venda seus serviços em troca de um salário, mas não tão suficientemente convincente para ele mesmo que seja capaz de inspirá-lo a buscar os lucros que ele suspeita que percebe. Se essa resposta é correta, então nossa conclusão deve ser que somente A demonstrou até agora possuir um espírito alerta superior com vistas a excepcionais possibilidades de caça que faz o empresário. A é o único empresário na sua empresa; B exerce habilidades de tipos diferentes, ele é um melhor caçador em virtude dessas habilidades, mas não é um empresário.
Mas, e se B não cumpre fielmente sua parte no acordo? E se B descobre campo de ação para, de alguma maneira, explorar para seu enriquecimento pessoal seu espírito alerta superior para possibilidades de caça? E se a ética de B (ou sua falta de ética) leva-o a enriquecer a si mesmo em vez de enriquecer seu empregador, auferir prestígio para si mesmo e proporcionar confortos para si mesmo (tanto em casa como no trabalho) em vez de aumentar os lucros do seu empregador? E se as circunstâncias da situação tornam A impotente para forçar B a cumprir o acordo fielmente (ou talvez mesmo para perceber que ele não o está cumprindo)? Aqui, A não amealha lucros empresariais pelas habilidades superiores de B; ele não foi capaz de fazer com que B submetesse essas habilidades aos seus (de A) próprios fins. A, certamente, não deu mostras de nenhuma atividade empresarial nesse ponto; ele não descobriu nenhuma forma de pôr sua arma para trabalhar que fosse superior aos métodos utilizados por outras empresas. A não conseguiu contratar a capacidade de estar alerta de B. E, evidentemente, não temos motivos, nesse caso, para perguntar por que B não instala sua própria empresa e assim amealha para si mesmo os lucros empresariais obtidos com seu próprio espírito alerta. Ele está amealhando esses lucros para si mesmo, usando a arma de A da melhor maneira possível (refletida na disposição dos consumidores em pagar receitas maiores).
Na realidade, se B está agindo assim, então B está de fato agindo de modo empresarial na sua posição atual. Saber se suas ações aéticas à luz do seu contrato de trabalho com A pode ser uma questão importante. Mas se a consciência de B não o perturba, e se A está impotente para interferir, então a situação é como nós a descrevemos. A, que agiu de modo empresarial ao conseguir originalmente a arma, está agora simplesmente pondo a arma para trabalhar da melhor maneira que conhece (que é contratar um caçador comum por um salário comum), mas suas decisões cotidianas atuais (de continuar a empregar B) não rendem nenhum lucro empresarial. B, que sabe como pôr uma arma para funcionar de formas excepcionalmente valiosas (formas desconhecidas por A e outras empresas de caça), descobre que, para amealhar os lucros empresariais que ele percebe estarem ao alcance de sua mão, não lhe é necessário alugar uma arma e instalar sua própria empresai Ele pode captar esses lucros empregando-se como caçador a um salário padrão, e depois ganhando para seu empregador uma receita semanal de caça padrão; e embolsando a receita adicional que só ele é capaz de obter com uma; arma.
A competição empresarial se aplicaria, é claro, independentemente de como B resolveu perseguir lucros. Outros ficariam sabendo das oportunidades que B foi o primeiro a descobrir, e os preços de mercado de armas ou carne, ou de ambas, entrariam em ação para eliminar o lucro empresarial. O que nosso exemplo demonstrou é que, se B possui um espírito alerta excepcional, podemos ter uma de duas situações, mas não ambas: ou A consegue contratar o espírito alerta de B — e, nesse caso, A é o único empresário em cena e o espírito alerta de B não é, de modo algum, empresarial — ou A não consegue empregar esse espírito alerta de B, e o próprio B capta as oportunidades que ele percebe — e, nesse caso o espírito alerta de B é de fato empresarial, e A não é, de modo algum, um empresário no que diz respeito ao espírito alerta de B. Em todos os casos, os lucros cabem ao empresário. Se A fica com os lucros, ele está agindo como empresário, não como um mero proprietário. Se B fica com os lucros, ele está agindo como empresário de si mesmo, não como um mero elemento contratado.
Esse exemplo demonstrou também que o exercício da pura atividade empresarial não precisa envolver a compra de todos os meios de produção. O empresário (B) pode adquirir um meio de produção (digamos, trabalho), vendê-lo a outro empresário (A) que adquiriu um segundo meio de produção (digamos, uma arma) e, assim, estar em posição de amealhar os lucros que ele percebe estarem disponíveis (pela utilização do complexo de insumos de formas que outros não notaram). Se as armas não são monopolizadas pela empresa de A, os lucros de B serão eventualmente erodidos pela competição. (Mesmo que a empresa de A monopolize as armas, os lucros de B serão ainda diminuídos à medida que outros empresários adquirem trabalho e competem pelo emprego de B com a empresa de A. Como demonstrarei no próximo capítulo, a pura atividade empresarial, por definição, não é nunca monopolizada.) Apliquemos agora à sociedade anônima o que nosso exemplo nos ensinou.
Novamente a sociedade anônima
O exemplo nos mostrou que, se o contexto institucional da sociedade anônima é tal que executivos, ao controlarem as operações da empresa, podem amealhar lucros privados para si mesmos, podemos de fato atribuir-lhes atividade empresarial — não no sentido de “controle”, mas no sentido de pôr recursos em uso em oportunidades melhores (e mais “lucrativas”) que outros, até então, não perceberam. Nada no exemplo sugere que isso deva representar qualquer afastamento grave do esquema econômico da empresa privada enfocado ria teoria do preço ortodoxa. O observador casual pode não ser capaz de identificar facilmente os elementos, no interior da sociedade anônima sofisticada, que correspondem às categorias simples utilizadas na teoria do preço, com sua visão simples da empresa maximizadora de lucros. Mas vimos que, por mais complicada que a sociedade anônima seja, por mais complexos que sejam os aspectos “políticos”, “organizacionais” ou “sociológicos” da relação acionista-direção, pode-se discernir sem dificuldades a presença da atividade empresarial em vários níveis possíveis e do consequente ganho de lucros por tomadores de decisões alerta. Nada em tudo isso sugere que, numa economia de mercado caracterizada por sociedades anônimas, as decisões quanto à utilização dos recursos serão acionadas por motivos outros que não seja pô-las em uso da forma mais lucrativa que os tomadores de decisões relevantes conhecem [18]. É claro que, se focalizarmos nossa atenção na sociedade anônima como uma unidade econômica integrada única, não descobriremos necessariamente que as decisões tomadas dentro das empresas são capazes de maximizar os “lucros” do acionista, mas isso não deve ser motivo de preocupação. No nosso exemplo hipotético de caça, vimos que, a fim de que B use a arma de A para fornecer a maior quantidade e a melhor qualidade de carne para os consumidores, não era necessário que as decisões tomadas por B fossem calculadas de modo a maximizar os lucros de A. E devemos, evidentemente, admitir que, na medida em que a direção é capaz de enriquecer somente de forma não pecuniária, não será mais verdade que a pressuposição de maximização de lucro monetário possa ser usada sem críticas [19]. Mas a proposição geral de que a motivação do lucro governa a tomada individual de decisões na economia de mercado, é especialmente as implicações dessa proposição para o bem estar, pode ser inteiramente válidas para uma economia em que a propriedade acionária e o controle gerencial estão inteiramente divorciados um do outro [20].
Pode-se talvez objetar que a habilidade de um executivo de sociedade anônima em acolchoar seu próprio ninho, ao mesmo tempo em que opera a empresa, pode não ser a expressão do seu excepcional estado de alerta empresarial em pôr os recursos da empresa em uso de maneira válida paras os consumidores. Talvez sua capacidade de acolchoar seu próprio ninho seja simplesmente sua habilidade em roubar os acionistas, enquanto seu desempenho não supera o nível padrão de desempenho gerencial. Talvez a capacidade de B de enriquecer-se através do uso da arma de A não provenha do seu uso da arma em oportunidades melhores, mas da sua capacidade de reter um pouco da receita que um uso da arma dentro da média, comum, poderia render. Se fosse assim, então a arma (e os recursos da sociedade anônima) estaria de fato sendo usada de uma forma que não estaria de acordo com as pressuposições de maximização de lucro.
O exame do nosso exemplo hipotético de caça deveria nos iluminar a esse respeito. Se a propensão de B para embolsar uma parte das receitas da empresa não reflete nenhuma superioridade empresarial na utilização da arma da empresa, A pode descobrir em breve que sua receita semanal não é suficiente para cobrir o salário normal de B e o custo do aluguel semanal médio (implícito) da arma. De qualquer forma, será em pouco tempo evidente que a utilidade de B para a empresa é menor que a do caçador com salário semelhante mas sem as perturbadoras propensões de B. Não devemos temer (ética e proteção policial à parte) que caçadores com a propensão de B para atacar os cofres persistirão por muito tempo nos seus empregos. A isso, no entanto, pode-se objetar: e se o poder que B, como caçador titular, possui dentro da empresa de A é tal que é capaz de assegurar-lhe um emprego permanente? E se os acionistas não dispõem do poder efetivo para demitir a direção? Estamos então de fato presumindo que as forças competitivas entre caçadores e entre pessoal de direção são, por algum motivo não especificado, impotentes para assegurar uma tomada de decisões que maximizem os lucros. A validade dessa hipótese é evidentemente uma questão de fato institucional, que não pode ser resolvida por um raciocínio a priori. (Se válida, implica que a simples ocupação do cargo confere um certo grau de monopólio ao diretor titular.) E, de novo, se essa pressuposição é válida, então pelo menos a longo prazo gente como A saberá que, ao comprar uma arma e constituir uma empresa de caça, um dos riscos prováveis é a probabilidade de que seus caçadores vão atacar os cofres regularmente. Se, à luz desse custo conhecido da manutenção de um negócio através da constituição de uma empresa, A persiste em fazê-lo, devemos concluir que, no seu julgamento empresarial,o custo vale a pena.
Resumamos. Nosso principal objeto tem sido pôr em questão a conclusão habitual de que, quando os diretores de uma sociedade anônima são capazes de se beneficiar às custas dos acionistas, as decisões que são tomadas violam a pressuposição de maximização de lucros, básica para a teoria do preço. Vimos, na realidade, que os executivos são os verdadeiros empresários somente na medida em que as oportunidades empresariais para benefício pessoal existem de fato, e que onde tais oportunidades são abraçadas isto está plenamente de acordo com o fundamento lógico de maximização de lucros da economia de mercado. (E, por outro lado, se as oportunidades para ganho executivo pessoal não são empresariais no seu caráter, então vimos que se pode confiar nas forças competitivas, quer a curto prazo, quer a longo prazo, ou em ambos, para assegurar a tendência universal que age no sentido de dispor dos recursos produtivos das formas mais eficientes conhecidas pelos empresários.)
Atividade empresarial e conhecimento
Parece ser necessário tecer alguns comentários a fim de esclarecer a relação entre a noção de estado de alerta empresarial, desenvolvida neste capítulo, e a ideia alternativa de que a atividade empresarial pura representa um melhor domínio sobre a informação. Há uma certa tentação de conceber o empresário como alguém que simplesmente sabe, com mais exatidão que outros, onde se podem comprar recursos mais baratos, onde se podem vender produtos por preços mais altos, que inovações, tecnológicas ou outras, darão provas de serem mais férteis, que ativos se pode esperar que cresçam mais em valor, e assim por diante. Ao explorar esse melhor conhecimento, o empresário capta lucros para si mesmos. Nessa interpretação, o lucro empresarial (e o campo de ação tomada de decisões empresariais, em geral) desaparece, no mercado em equilíbrio geral, porque a pressuposição de conhecimento perfeito associada com o estado de equilíbrio geral remove quaisquer possibilidades para um melhor conhecimento.
A dificuldade em conceber a atividade empresarial em termos de conhecimento superior deriva da necessidade de distinguir claramente atividade empresarial e meios de produção. A busca da evasiva categoria analítica de atividade empresarial origina-se do insight de que uma explicação do fenômeno de mercado de lucros puros implica um papel no mercado que não pode ser reduzido a apenas um tipo especial de meio de produção. O conhecimento, ou pelo menos os serviços de homens que possuam conhecimento, pode, afinal de contas, ser contratado no mercado de meios de produção. O trabalhador mais altamente qualificado tende a fazer jus a salários mais altos no mercado de trabalho, e o indivíduo mais bem informado tende a fazer jus a salários mais altos no mercado de serviços de tomadores de decisões de negócios. Se é para manter a posição de que a atividade empresarial representa algo que não deve ser tratado como um meio de produção, não dará certo defini-la simplesmente em termos de conhecimento [21].
No entanto, dificilmente podemos negar que o que gera oportunidades para lucro empresarial puro é a imperfeição do conhecimento j por parte de participantes do mercado; que essas oportunidades podem ser empregadas por quem quer que descubra sua existência antes que outros o façam; e que o processo de ganhar esses lucros é ao mesmo tempo um processo de correção da ignorância do mercado. Se todos os participantes do mercado fossem oniscientes, os preços dos produtos e os preços dos fatores deveriam, a qualquer momento, estar em completo ajustamento, sem deixar nenhum diferencial de lucro; não se pode imaginar que nenhuma oportunidade para a aplicação interessante de recursos, através de qualquer tecnologia cognoscível, ou para a satisfação de qualquer desejo dos consumidores que se possa conceber, tenha sido deixada inexplorada. Somente a introdução da ignorância abre a possibilidade de tais oportunidades inexploradas (e as oportunidades para lucros puros a elas associadas), e a possibilidade de que o primeiro a descobrir o verdadeiro estado de coisas possa captar os lucros a ele associados por meio da invocação, da criatividade e da mudança.
Mas, por mais estreita que seja a ligação entre o elemento de conhecimento e a possibilidade de ganhar lucros puros, a noção, difícil de captar, de atividade empresarial não está, como vimos, totalmente contida na mera posse de um melhor conhecimento das oportunidades do mercado. O aspecto de conhecimento queé crucialmente pertinente para a atividade empresarial não é tanto o conhecimento substantivo de dados de mercado, como o estado de alerta, o “conhecimento” de onde encontrar dados de mercado. Uma vez que se imagina que o conhecimento dos dados do mercado já é possuído com absoluta certeza, afastou-se da imaginação, como notamos anteriormente [22], a oportunidade para novas tomadas de decisões empresariais (e não “robbinsianas”). Inversamente, também já vimos que o conhecimento de oportunidades que é possuído sem a certeza exigida para captá-las exige um nível separado e adicional de atividade empresarial capaz de explorar esse conhecimento possuído — tal conhecimento incerto sendo então um fator de produção contratado, com o papel empresarial desempenhado por alguém que confia que esse conhecimento contratado é capaz de assegurar lucros [23].
É por isso que, nesse livro, falo do elemento essencialmente empresarial na ação humana em termos deespírito alerta para a informação, e não em termos de possuir a informação. O empresário é a pessoa que contrata os serviços de meios de produção. Entre esses meios, podem estar pessoas com melhor conhecimento de informações de mercado, mas o próprio fato de que esse detentores de informação contratados não a exploraram eles mesmos mostra que, talvez no seu sentido mais verdadeiro, esse conhecimento é possuído, não por eles, mas por aquele que os está contratando. É este que “sabe” quem contratar, que “sabe” onde encontrar os que dispõem das informações de mercado necessárias para localizar oportunidades de lucro. Sem que ele próprio possua os dados que são conhecidos daqueles que ele contrata, o empresário contratante, não obstante, “conhece” esses dados no sentido de que o seu espírito alerta — sua propensão para saber onde buscar informações — domina o curso dos acontecimentos.
No fim das contas, o tipo “conhecimento” exigido para a atividade empresarial é mais o “saber onde procurar conhecimento”, que o próprio conhecimento de informações concretas de mercado. A expressão que capta melhor esse tipo de “conhecimento” parece ser estado de alerta. É verdade que também o “estado de alerta” pode ser contratado; mas quem contrata um empregado alerta, atento às possibilidades de descobrir conhecimento, dá, ele próprio, mostras de um espírito alerta em grau ainda mais elevado. O conhecimento empresarial pode ser descrito como a “ordem mais elevada de conhecimento”, o conhecimento últimonecessário para utilizar informações disponíveis já possuídas (ou que podem ser descobertas). Uma relação comparável pode ser notada com relação à própria operação de contratar. Uma decisão de contratar um meio de produção não é necessariamente uma decisão empresarial; afinal de contas, um gerente de pessoal pode ser contratado especificamente devido ao seu talento em tomar decisões sábias em termos de contratação. Mas se um meio de produção está tomando as decisões de contratação, está implícito que esse meio de produção foi, ele próprio, contratado por alguém que tomou uma decisão de contratar, e assim por diante. A decisão empresarial de contratar é assim a decisão última de contratar, responsável em última instância por todos os fatores que são direta ou indiretamente contratados para o seu projeto [24]. Exatamente da mesma forma, a atitude alerta do empresário é o tipo de conhecimento abstrato, muito geral e rarefeito ao qual devemos, em última análise, creditar a descoberta e exploração de oportunidades especificamente desencavadas por aqueles que ele teve a sabedoria de contratar, direta ou indiretamente.
Atividade empresarial e processo equilibrador
Afirmou-se no primeiro capítulo que a nossa ênfase no pro-, cesso de mercado, e não no equilíbrio de mercado mais comumente enfatizado, origina-se de uma consciência do papel da atividade empresarial, que é largamente ignorado pelas exposições contemporâneas da teoria do preço. É por essa razão que dei prioridade á noção de atividade empresarial. Estou agora em posição de antecipar as discussões de capítulos posteriores, e indicar, brevemente, como o papel empresarial, tal como eu o desenvolvi, é de fato o elemento crucial no processo de mercado.
Um estado de desequilíbrio de mercado é caracterizado por ignorância generalizada. Os participantes do mercado não estão conscientes de oportunidades reais para trocas lucrativas que estão à sua disposição no mercado. O resultado desse estado de ignorância é que inúmeras oportunidades são perdidas. Para cada produto, e para cada recurso, perdem-se oportunidades para troca mutuamente lucrativa entre compradores e vendedores potenciais; Os vendedores potenciais não estão conscientes de que estão à sua espera compradores suficientemente ávidos, que poderiam fazer com que valesse a pena vender. Compradores potenciais não estão conscientes de que estão à sua espera vendedores suficientemente ávidos, que poderiam fazer com que fosse atraente comprar. Recursos estão sendo usados para produzir produtos que os consumidores valorizam menos urgentemente porque os produtores (e produtores potenciais) não estão conscientes de que esses recursos podem produzir mais urgentemente’ desejados. Produtos estão sendo produzidos com recursos extremamente necessários para outros produtos porque os produtores não estão conscientes de que recursos alternativos e menos criticamente necessários podem ser usados para alcançar os mesmos resultados.
A tarefa de uma teoria do mercado é fornecer um insight do desenrolar de acontecimentos postos em movimento pelo estado de desequilíbrio do mercado. A questão crucial concerne à natureza das forças que provocam mudanças nas decisões de compra, venda, produção e consumo que constituem o mercado. E é aqui que a noção empresarial é indispensável. Enquanto percebemos todos os tomadores de decisões como exclusivamente robbinsianos, cada um selecionado “mecanicamente” a melhor via de ação entre as alternativas que se acredita estarem disponíveis, falta completamente à nossa teoria o poder de explicar como os planos de ontem são substituídos hoje por novos planos. Enquanto nossos tomadores de decisões continuam a acreditar que as vias de ação alternativas tornadas disponíveis para eles pelo mercado são o que eles acreditavam que elas eram ontem, estamos impotentes (se não recorrermos a mudanças exógenas em gostos ou em disponibilidade de recursos) para explicar por que um plano feito hoje difere do que foi feito ontem. Se os fins e meios que hoje só oferecem continuam exatamente como se acreditava que eles fossem ontem, os tomadores de decisões chegarão “automaticamente” às mesmas posições ótimas produzidas pelos dados de ontem. Para que algum preço mude, ou para que ocorra alguma mudança em método de produção ou na escolha do produto, devemos presumir que alguns tomadores de decisões não estão mais tentando realizar os planos que eles buscavam realizar ontem. Não há nada no quadro de um mercado de tomadores de decisões puramente robbinsianos, mesmo com a injeção de doses maciças de ignorância quanto aos fins e meios que se acredita serem relevantes, que possa explicar como as experiências de mercado de ontem podem justificar as mudanças em planos que poderiam gerar alterações em preços totais de produção, ou no uso de insumos.
Para isso, é necessário introduzir o insight de que os homens aprendem com suas experiências no mercado. É necessário postular que, a partir dos erros que levaram os participantes do mercado a escolher vias de ação menos que ótimas ontem, pode-se esperar que se desenvolvam mudanças sistemáticas em expectativasquanto aos fins e meios que podem gerar alterações correspondentes nos planos. Algumas pessoas entraram no mercado ontem tentando realizar planos baseados nas suas crenças a respeito dos fins que valia a pena perseguir e dos meios disponíveis. Essas crenças refletiam expectativas a respeito das decisões que outros estariam tomando. Os preços que um participante do mercado esperava receber pelos recursos ou produtos que ele venderia, e os preços que ele esperava ter de pagar pelos recursos ou produtos que ele compraria, concorriam todos para determinar a via de ação de mercado ótima para ele. A descoberta, no decurso das experiências de mercado de ontem, de que outros participantes do mercado não estavam tomando essas decisões esperadas pode ser vista como geradoras de mudanças nas expectativas correspondentes de preço com as quais os participantes do mercado entram no mercado hoje.
Para um tal processo de descoberta de quadros mutáveis de fins e meios è necessário introduzir alguma coisa externa aos termos de referência de economização robbinsiana. Para os fins do economista, não é necessário explorar a psicologia do processo de aprendizagem, que é o resultado de experiências de mercado onde se descobriu que certos planos eram inviáveis (ou onde se descobriu que vias de ação alternativas e preferíveis estavam disponíveis) [25]. Mas é necessário introduzir formalmente ria nossa teoria o insight de que pode-se confiar em tal processo de aprendizagem. Para isso, o reconhecimento do elemento empresarial na ação individual é completamente adequado. Tão logo alargamos nossa visão teórica do tomador individual de decisões, passando do economizador robbinsiano “mecânico” para o homo agens de Mises, com os componentes empresariais universalmente humanos de estado de alerta na sua constituição, podemos dar conta da tarefa de explicar as mudanças que as forças do mercado geram sistematicamente.
E o artifício analítico de concentrar toda a atividade empresarial no papel de empresários puros hipotéticos possibilita-nos ter sucesso no mesmo tipo de explicação. Podemos dessa forma continuar a imaginar um mercado onde os consumidores e os proprietários de recursos são economizadores estritamente robbinsianos, exclusivamente tomadores de preços, e transportar todo o fardo das mudanças de preços e mudanças de métodos de produção e de qualidade e quantidade de produção sobre os ombros de empresários puros. Como vimos antes, isso se torna ainda mais fácil quando percebemos a quase inevitabilidade de o papel empresarial ser preenchido pelo produtor.
Tudo isso leva-me a expressar uma certa insatisfação com o papel destinado ao empresário no sistema schumpeteriano. Voltaremos mais tarde nesse capítulo à visão do empresário de Schumpeter, bem como aos pontos de vista de outros autores importantes nesse tópico. Basta observar aqui que o empresário de Schumpeter e otme desenvolvemos aqui podem, de muitas maneiras, ser considerados — e, permitam-me acrescentar, isso é tranquilizador — o mesmo indivíduo. Mas há um aspecto importante — mesmo que seja só em ênfase — em que o tratamento de Schumpeter difere do meu. O empresário de Schumpeter age paraperturbar uma situação de equilíbrio existente. A atividade empresarial rompe o fluxo circular contínuo. O empresário é descrito como iniciador de mudanças e como gerador de novas oportunidades. Embora cada explosão de inovação empresarial leve eventualmente a uma nova situação de equilíbrio, o empresário é apresentado como uma força desequilibradora, e não equilibradora. O desenvolvimento econômico, que Schumpeter, evidentemente, faz depender tremendamente da atividade empresarial, é “inteiramente estranho ao que pode ser observado na… tendência para o equilíbrio” [26].
Em contraste, meu próprio tratamento do empresário enfatiza os aspectos equilibradores do seu papel. Vejo a situação onde o papel empresarial impõe-se como uma situação de desequilíbrio inerente e não de equilíbrio — como uma situação plena de oportunidades para mudanças desejáveis e não como uma situação de total placidez. Embora para mim, também, seja somente através do empresário que as mudanças possam surgir, vejo essas mudanças como mudanças equilibradoras. Para mim, as mudanças que o empresário inicia são sempre rumo ao hipotético estado de equilíbrio; são mudanças provocadas em reação ao padrão existente de decisões erradas, um padrão caracterizado por oportunidades perdidas. O empresário, na minha visão, leva a um ajuste mútuo aqueles elementos discordantes que resultaram da ignorância anterior do mercado.
Minha ênfase nessa diferença entre a discussão de Schumpeter e a minha sublinha a importância crucial da atividade empresarial no processo de mercado. Um tratamento como o de Schumpeter, que invoca a atividade empresarial como uma força exógena elevando a economia de um estado de equilíbrio (para eventualmente atingir outro estado igual como resultado da ação de “imitadores”), transmite provavelmente a impressão de que para atingir o equilíbrio, nenhum papel empresarial é, em princípio, necessário. Um tal tratamento, em outras palavras, provavelmente gerará a visão terrivelmente errada de que o estado de equilíbrio pode-se estabelecer a si mesmo, sem nenhum dispositivo social para aplicar e ordenar as informações dispersas que são a única origem de um tal estado [27].
É para enfatizar minha visão contrária, de que somente a atividade empresarial poderia (pelo menos em teoria, ressalvando-se as mudanças exógenas), eventualmente, levar ao equilíbrio, que acho necessário chamar a atenção para a atividade empresarial como um agente reativo. Vejo o empresário, não como uma fonte de ideias inovadoras ex nihilo, mas como alguém alerta para as oportunidades que já existem e que estão esperando para serem notadas. No desenvolvimento econômico, também, o empresário deve ser visto como alguém que reage a oportunidades, e não como quem as cria; como uma pessoa que capta oportunidades de lucro, e não como alguém que as gera. Quando métodos lucrativos de produção utilizadores de capital estão tecnologicamente disponíveis, e quando o fluxo de poupança é suficiente para fornecer o capital necessário, a atividade empresarial é necessário para garantir que essa inovação será de fato introduzida [28]. Sem a atividade empresarial, sem o estado de alerta para a nova possibilidade, os lucros a longo prazo podem continuar inexplorados. É altamente desejável manter um esquema de análise que mostre o processo de mercado funcionando essencialmente da iy mesma maneira para uma economia simples, em que não são feitos planos a longo prazo, e para uma economia complexa, em que tais planos, envolvendo o uso de capital, são feitos. Para esse processo, é essencial invocar a atividade empresarial. A maioria das abordagens contemporâneas da teoria do preço deixa de perceber isso, o que é talvez a principal causa da minha insatisfação em relação a essas abordagens. A ênfase infeliz de Schumpeter no empresário que afasta a economia do equilíbrio ajuda a promover a crença, totalmente errônea, de que a atividade empresarial é, de algum modo, desnecessária para compreender a maneira como o mercado tende para a posição de equilíbrio [29].
A literatura sobre a atividade empresarial
Como foi observado anteriormente, uma das nossas queixas quanto às teorias contemporâneas do preço provém da sua virtual eliminação da atividade empresarial. O que é necessário, argumentei, é uma reformulação da teoria do preço a fim de readmitir o papel do empresário na sua posição de direito, papel crucial para a própria operação do mercado. A despeito das minhas críticas a esse respeito, porém, não posso de modo algum afirmar que o papel empresarial não mereceu atenção cuidadosa na literatura. Existe, evidentemente, uma linha bem desenvolvida de contribuições à teoria da atividade empresarial e do lucro empresarial. O que é mais, essas discussões envolveram vários dos nomes mais conhecidos do pensamento econômico moderno. E, de tempos em tempos, ainda aparecem artigos nos jornais lidando com um ou outro aspecto do problema. Minha queixa não se dirige às falhas nessa literatura; ao contrário, lamento que ó papel do empresário não seja reconhecido como crucial para a determinação de mercado do curso dos movimentos de preço. Parece desejável, nesse ponto, fazer uma breve referência à literatura sobre lucro empresarial e indicar os aspectos em que minha abordagem diverge das várias linhas de pensamento que devem ser distinguidas nessa literatura [30].
Como observação geral preliminar, vale a pena notar que a preocupação principal de muitos dos que contribuíram para essa literatura parece ser a de explicar o lucro, e não a de delinear o papel do empresário. O último ponto parece ter sido feito simplesmente como um passo para completar a tarefa principal. Na minha própria exposição, vimos que o fenômeno de lucros é inseparável da própria possibilidade de existência da atividade empresarial em geral. Mas minha preocupação tem sido com a atividade empresarial como principal força motriz no processo de mercado. Estou preocupado com o lucro porque a noção de atividade empresarial é inseparável da oportunidade de lucro. Mas foi a importância da atividade empresarial que inspirou minha investigação, o que não ocorre com grande parte da literatura da qual trato agora. Comentarei brevemente o papel empresarial, na medida em que ele encontra expressão (1.) no que o Professor Bronfenbrenner chamou de “teoria ingênua do lucro” [31]; (2.) no sistema de Schumpeter; e (3.) na obra do Professor Knight e dos seus seguidores. Finalmente, procurarei identificar minha própria abordagem com a do Professor Mises.
1. A teoria “ingênua” do lucro considera os lucros como um retorno pela contribuição empresarial à produção. Essa contribuição é, pelo menos nas exposições mais antigas, vista como a decisão final de arcar com a incerteza. Já que essa contribuição é essencial para todos os processos de produção, o lucro emerge como uma parcela distributiva “normal” — as “recompensas por arcar com a incerteza e o risco” [32]. Tal como ela foi reformulada por Bronfenbrenner, a teoria vê o lucro “como mera remuneração pelo subconjunto de incertezas que se origina de não se ter qualquer direito contratual sobre a renda de alguém”. Isso “identifica a atividade empresarial, não com responsabilidades gerenciais, organizacionais ou inovadoras, mas exclusivamente com a natureza precária dos seus direitos legais” [33]. Saber se, de fato, o mercado tem normalmente de remunerar a função de fornecer serviços produtivos de natureza empresarial (isto é, sem uma base contratual) depende de questões tais como a possível aversão à incerteza, considerações tributárias, a vantagem de ser seu próprio patrão, os prazeres de uma vida tranquila, e coisas assim.
E claro que a teoria “ingênua” do preço, bem como sua reformulação pelo Professor Bronfenbrenner, está preocupada com um aspecto do processo de mercado completamente diferente daquele que examinei nesse capítulo. Pode haver razão para reservar a expressão “atividade empresarial” para a função de arcar com a incerteza (ou para sua variante por Bronfenbrenner) e para identificar uma parcela distributiva separada como remuneração normal exigida para fazer com que alguém desempenhe essa função. Não faz nenhum sentido discordar a respeito de definições. Além disso, as relações econômicas que a teoria “ingênua” do lucro seleciona para sua atenção podem até ser importantes. Mas minha própria discussão mostrou que está presente no processo de mercado um elemento — que resolvi rotular de atividade empresarial — de que a teoria ingênua do lucro simplesmente não tratou; que o funcionamento do mercado depende quase inteiramente da presença desse elemento; e que está associada a esse elemento a captação de oportunidades para ganhos que não são explicadas pela teoria “ingênua”. Não peço desculpas por aplicar a expressão “atividade empresarial” a esse elemento; mas tenho de distinguir as funções teóricas das minhas próprias discussões das’ que outros procuraram desenvolver. “Se arcar com a incerteza ou fornecer serviços em bases não contratuais envolve normalmente uma desutilidade nítida, é realmente útil assinalar isso e identificar a remuneração com que o mercado vence a relutância geral em fornecer tais serviços. Mas isso não nos deixa menos necessitados de uma teoria que reconheça o papel do estado de alerta para oportunidades não reconhecidas de ganhos. Será talvez útil, nesse ponto, comentar rapidamente o papel daincerteza na minha própria discussão de estado de alerta empresarial.
Num certo sentido, evidentemente, essa discussão da atividade empresarial tem sido muito dependente da ausência de conhecimento perfeito. Somente num mundo onde os homens cometem erros (no sentido de não perceberem as melhores oportunidades) podem surgir aquelas oportunidades para ganho puro que oferecem campo de ação para a atividade empresarial. Somente se oportunidades não são imediatamente conhecidas pode emergir um papel especial para o estado de alerta para novas oportunidades. E é evidentemente verdade que, num mundo tal, mesmo um empresário alerta, descobrindo o que parece ser uma oportunidade atraente, pode ter dúvidas consideráveis quanto ao empreendimento. E quanto maior o tempo de espera para que o dispêndio exigido pelo empreendimento possa trazer as receitas esperadas, menos seguro de si é provável que o empresário esteja. Assim, a atividade empresarial (como descrita aqui), indubitavelmente, envolve incerteza e risco [34].
Mas deve ficar claro que a atividade empresarial, tal como eu a discuti, não depende de forma alguma de qualquer atitude específica por parte dos tomadores de decisões em relação ao ato de arcar com as incertezas. Mesmo que os tomadores de decisões não dessem mostras nem de aversão, nem de preferência em relação à incerteza como tal, mesmo se eles deixassem totalmente de reconhecer o caráter relativamente precário de todas as oportunidades percebidas de lucro, nós ainda teríamos de achar um lugar, dentro da nossa teoria do processo de mercado, para o estado de alerta empresarial e para o seu efeito sobre a disponibilidade continuada de oportunidades percebidas para lucro puro.
2. No sistema shumpeteriano, a atividade empresarial consiste em introduzir novos processos de produção — de produzir novos produtos, ou produzir velhos produtos de novas maneiras. O inovador-empresário perturba o fluxo constante da produção e do mercado, criando novas maneiras de fazer coisas, e novas coisas a fazer. Ao preencher esse papel, ele está, ao mesmo tempo, criando lucros para si mesmo. Ao afastar-se da atividade de rotina, o empresário shumpeteriano é capaz de gerar distâncias temporárias entre o preço dos insumos e o preço dós produtos. A tendência universal de “o valor dos meios de produção originais se aproximar, com a fidelidade de uma sombra, ao valor do produto” [35] é, por um breve período, desafiada com sucesso pelo ousado pioneiro que abre novas trilhas. Até que os imitadores forcem uma vez mais os preços à conformidade, o inovador pode amealhar lucros puros. Talvez uni dos aspectos mais importantes da exposição de Schumpeter seja ter mostrado claramente que o lucro puro não deve ser entendido como uma remuneração pelos serviços de qualquer meio de produção. O lucro, ao contrário dos pagamentos por serviços de fatores, não é um “freio à produção” [36]; nem se pode dizer do lucro — como se pode dizer dos custos dos fatores — “que é o bastante para fazer surgir precisamente a quantidade de serviço empresarial exigida” [37].
Sob muitos aspectos, a imagem do empresário que procurarei delinear mostra muita
semelhança com a que foi elaborada por Schumpeter. O inovador schumpeteriano é, afinal de contas, o tomador de decisões cujo estado de alerta para oportunidades despercebidas lhe possibilitou afastar-se do funcionamento repetitivo rotineiro das oportunidades geralmente conhecidas. A distinção que Schumpeter faz longamente [38] entre a maneira como os homens agiriam no “fluxo circular costumeiro”, por um lado, e quando “se deparam com uma nova tarefa” por outro, está sem estreita analogia com minha própria distinção entre a tomada de decisões “robbinsiana” e a atividade empresarial. “A pressuposição de que a conduta seja pronta e racional”, observa Schumpeter, é, embora nunca completamente realista, suficientemente válida, “se as coisas têm tempo para forçar a lógica nos homens” [39]. Na rotina do fluxo circular, pode-se dizer que é perdoável considerar os tomadores de decisão como inteiramente “econômicos”; mas nos contextos de mudança potencial, a pressuposição de racionalidade torna-se em grande parte irrelevante. Isso é muito semelhante à minha própria afirmação de que, embora num mundo equilibrado de conhecimento perfeito, a alocação robbinsiana seja um esquema adequado no qual é possível compreender todas as decisões que estão sendo tomadas, a presença de informações imperfeitas cria espaço para uma dimensão adicional na tomada de decisões: a intensidade com que a decisão reflete o estado de alerta para oportunidades inexploradas. Por outro lado, essa dimensão não pode, como vimos, ajustar-se a um esquema robbinsiano de fins-meios. Como Schumpeter observa, ao opor o contexto onde padrões rotineiros de atividades estão sujeitos a mudanças ao do fluxo circular, “(o que) era um dado familiar torna-se uma incógnita” [40].
Do mesmo modo, meu empresário e o empresário-inovador de Schumpeter têm em comum que, ao menos no seu papel essencialmente empresarial, eles não contribuem com serviços de fatores para a produção; o lucro que ganham não é remuneração necessária para atrair um insumo necessário para o processo de produção. A produção pode ser realizada com os insumos cujas remunerações já foram computadas como custos no cálculo de lucros puros. O empresário contribui apenas com a pura decisão de dirigir esses insumos para o processo selecionado, e não para outros processos.
Nó entanto, minha descrição do empresário difere da de Schumpeter, e a função empresarial no sistema shcumpeteriano não é idêntica à que expus. Para mim, p aspecto importante da atividade empresarial não é tanto a capacidade de romper com a rotina quanto a capacidade de perceber novas oportunidades que outros ainda não notaram. A atividade empresarial, para mim, não é tanto a introdução de novos produtos ou de novas técnicas.de produção quanto a capacidade de ver onde novos produtos se tornaram insuspeitadamente valiosos para os consumidores e onde novos métodos de produção tornaram-se factíveis sem que outros o saibam. Para mim, a função do empresário não consiste tanto em alterar as curvas de custo ou de receitas que ele vê adiante de si [41], quanto em notar que elas se alteraram.
O que a atividade empresarial provoca dentro do sistema shcumpeteriano é a perturbação do fluxo circular, a criação do desequilíbrio a partir do equilíbrio [42]. Para mim, ao contrário, o papel do empresário, embora evidentemente seja a origem do movimento no interior do sistema, tem uma influência equilibradora; é o estado de alerta empresarial em função de oportunidades despercebidas que cria a tendência para o fluxo circular regular do equilíbrio. Para Schumpeter, a atividade empresarial é importante sobretudo por deslanchar o desenvolvimento econômico; para mim, ele é importante sobretudo por possibilitar que o processo de mercado funcione em todos os contextos — sendo a possibilidade de desenvolvimento econômico vista simplesmente como um caso especial [43].
3. A teoria do lucro do Professor Knight é bem conhecida. O lucro surge como consequência do contexto constantemente mutável dentro do qual se desenvolve a atividade econômica e a incerteza a ele associada a respeito dos resultados finais de vias de ação alternativas. O lucro é resíduo, se houver, deixado para o empresário depois que ele paga as rendas contratuais combinadas com o fator quê ele contrata. O empresário e identificado como quem está em última instância no controle do empreendimento, em última instância responsável por todos os recebimentos e todos os dispêndios, e assim sujeito à incerteza que cerca o montante e o sinal da diferença entre eles [44]. Os lucros não são vistos como remuneração por arcar com essa incerteza, mas como diferenças criadas pela incerteza entre o valor esperado dos serviços de recursos e seu valor real [45]. Os lucros ganhos por qualquer empresário determinado dependem tanto da sua própriacapacidade e sorte, com do nível geral de iniciativa e capacidade no mercado [46]. Alguns seguidores da teoria do lucro do Professor Knight enfatizam que a chamada hipótese de maximização de lucros na teoria estática da empresa não tem nada a ver, não obstante o papel possivelmente vital que ocupa nesse contexto, com os lucros puros que são gerados, dentro do contexto dinâmico, pela incerteza e a mudança [47]. Esta “não pode ser deliberadamente maximizada previamente” [48].
O empresário knightiano não dá mostras das características distintivas com que dotei o empresário. A própria ênfase na incerteza no sistema knightiano tem tendido a mascarar o fato de que, quando o empresário entra num empreendimento admitidamente arriscado, ele o faz porque acredita que, no fim das contas, tal empreendimento oferece uma oportunidade atraente. O grande interesse com o qual o Professor Knight considera a questão de saber se, ex-post, os lucros superam as perdas, desvia a atenção do insight,extremamente importante, de que, vista ex ante, toda decisão empresarial tomada considera apenas lucros. Ao desviar os nossos olhos da natureza da atividade empresarial vista ex ante, estamos rejeitando um instrumento útil para compreender como são tomadas decisões no mercado, e como essas decisões determinam a evolução dos preços. O que não se percebe, na exposição do Professor Knight, é o papel ativo, vigilante, inquiridor da atividade empresarial. Tratar o lucro como resíduo deixa de revelar que, do ponto de vista do empresário em potencial, a oportunidade de lucro está, como toda sua incerteza, ali; ela não é vista como alguma coisa que pode ou não sobrar depois que todas as obrigações contratuais foram cumpridas. A conclusão de que os lucros empresariais não podem ser maximizados previamente esconde a busca deliberada de oportunidades de lucro que vimos ser a essência do papel empresarial.
Por outro lado, embora o tratamento por Knight do papel empresarial não seja plenamente satisfatório, sua identificação de onde está localizada a atividade empresarial é soberba. Knight identifica a atividade empresarial com controle e responsabilidade [49] (devendo a última ser compreendida como o “ato de arcar com a incerteza”). Além disso, o conceito de controle de Knight é altamente sofisticado: o controle final é apresentado como inseparável da responsabilidade final [50]. Portanto, o exame feito por Knight sobre a atividade empresarial na sociedade anônima moderna não está de modo algum prejudicado pela identificação acrítica de controle empresarial com atividades dos diretores de empresas. Foi esse tipo de identificação que eu condenei na análise feita por Gordon sobre o mesmo problema [51]. A meu ver é um sinal da excelência do conceito de controle empresarial de Knight o fato de esse conceito ter recebido a desaprovação de Gordon por ter-se tornado “tão atenuado que chega a ser de pouca importância em qualquer análise de liderança empresarial ativa”. Sustento que é precisamente essa qualidade “atenuada” do conceito de atividade empresarial de Knight que lhe possibilita analisar a economia da sociedade anônima sem confusões. É fácil ver que a noção de controle final de Knight é imediatamente identificável com minha própria noção de “conhecimento último” [52] — isto é, com o estado de alerta empresarial.
Outra semelhança entre a posição de Knight e a minha é o papel da “maximização de lucros” na teoria da empresa. Temos observado que os autores que seguem Knight assinalaram a confusão que resulta da identificação dos “lucros estáticos” relevantes para a teoria da empresa com os lucros knightianos gerados dinamicamente como resultado da incerteza. Essa aguda observação compara-se à minha observação anterior [53] de que a teoria ortodoxa da empresa ignora completamente até mesmo a possibilidade e necessidade da tomada de decisões empresariais. Com as curvas de receitas e custo vistas como dados, a decisão da empresa, dentro do esquema dessas curvas, não permite nenhuma estado de alerta empresarial para possíveis mudanças nesses dados. A diferença entre a posição de Knight a esse respeito e a minha já foi esclarecida. Para ele, a ênfase não está posta na decisão deliberada do empresário de captar os lucros que ele percebe estarem à mão, como resultado de mudanças nos dados que outros não notaram. Para mim, é exatamente essa exploração deliberada de oportunidades percebidas que é essencial para o papel empresarial.
A atividade empresarial segundo Mises
É nas obras do Professor Mises [54] que se pode encontrar, expressas concisamente em algumas poucas páginas, a maioria das ideias a partir das quais desenvolvi minha própria discussão, um tanto dispersiva e digressiva, do papel do empresário. E foram os insights de Mises a respeito do caráter do processo de mercado que lançaram as bases para a construção desta teoria da atividade empresarial. A maneira de Mises expressar o que chamei de estado de alerta empresarial consiste em definir a atividade empresarial como ação humana “vista a partir do aspecto de incerteza inerente a toda ação” [55]. “Empresário significa homem agente com relação às mudanças que ocorrem nos dados do mercado” [56]. A fim de dar-se conta da semelhança essencial entre minha formulação e a de Mises, basta considerar sua ênfase na atividade empresarial como a força motriz na alocação de recursos a fim de corresponder aos desejos dos consumidores. O mercado, enfatiza Mises diversas vezes, tende a eliminar do papel empresarial todos, exceto aqueles capazes “de prever melhor que outras pessoas a demanda futura dos consumidores” [57].
Minha compreensão da visão misesiana do empresário e da sua semelhança com a minha própria visão pode ser expressa caracterizando-se a visão de lucro misesiana, e a minha própria, como uma teoria do lucro de “arbitragem”. As oportunidades de lucro surgem quando os preços dos produtos nos mercados de produtos não estão ajustados aos preços dos serviços de recursos nos mercados de fatores. Em outras palavras, “algo” está sendo vendido a preços diferentes em dois mercados, como consequência da imperfeição da comunicação entre os mercados. Esse “algo”, é verdade, é vendido sob formas físicas diferentes nos dois mercados: no mercado de fatores, aparece como um pacote de insumos, e no mercado de produtos, aparece como um bem de consumo. Mas, economicamente, ainda temos a “mesma” coisa sendo vendida a preços diferentes, porque o pacote de insumos contém tudo o que é tecnologicamente exigido (e não mais que o que é exigido) para produzir o produto. O empresário nota a discrepância de preço antes que outros a notem. O que distingue essa situação do caso habitual de arbitragem é que as compras de insumos precedem as vendas de produtos; ao tempo da decisão de produzir, os preços dos produtos não existem, exceto como previsões. O empresário advinha que os preços futuros dos produtos não estarão perfeitamente ajustados aos preços atuais dos insumos. Embora a exposição de Mises enfatizasse mais que a minha a inevitável incerteza que cerca a atividade empresarial (num mundo onde a produção toma tempo), é claro que, para Mises, como para mim, os lucros originam-se da ausência de um ajuste entre o mercado de produtos e o mercado de fatores; e que a atividade empresarial bem sucedida consiste em notar tais desajustes antes que outros os notem. “O que faz emergir o lucro é o fato de que o empresário julga os preços futuros dos produtos mais corretamente que outras pessoas os julgam e compra um pouco ou todo o fator de produção a preços que, vistos do ponto de vista do estado futuro do mercado, são extremamente baixos”.
E, evidentemente, foi à ênfase de Mises na ação humana que opus à economização robbinsiana. Minha identificação, dentro da ação humana, do elemento empresarial que está, por definição, excluído da economização, simplesmente repete a afirmação de Mises de que a função empresarial — ação vista pelo seu aspecto de especulação — é inerente a toda ação [58]. (Minha discussão do estado de alerta empresarial evitou deliberadamente enfatizar seu caráter de especulação. Reconheci [59], é claro, que, num mundo de incerteza, toda decisão empresarial, por maior que seja o estado de alerta que ela reflita, deve até certo ponto constituir um jogo de azar. Mas foi meu objetivo assinalar que a decisão do empresário — a despeito do seu caráter inevitavelmente especulador — representa seu julgamento de que uma oportunidade de lucro existe. Toda ação humana é especulativa; minha ênfase no elemento estado de alerta existente na ação tem a intenção de assinalar que, longe de serem entorpecidos pela inevitável incerteza do nosso mundo, os homens agem segundo seus julgamentos de que oportunidades foram deixadas inexploradas por outros.)
Dois outros aspectos da teoria da atividade empresarial de Mises são de grande importância para o tema central desse livro. O primeiro deles tem a ver com o caráter essencialmente competitivo da atividade empresarial. O segundo tem a ver com as implicações da atividade empresarial para o bem-estar. Esses importantes aspectos da teoria não serão discutidos dessa vez. Cada um deles será abordado no momento adequado num capítulo subsequente.
NOTAS
[1]. Para um reconhecimento recente disso, ver por exemplo W.J. Baumol, “Entrepreneurship in Economic Theory”, American Economic Review 58 (maio de 1968): 72.
[2]. Uma série de autores chamou a atenção para a passividade do tipo robbinsiano de tomador dé decisões que domina a teoria microeconômica contemporânea. Ver, especialmente, G.L.S. Shackle, The Nature of Economic Thought, Selected Papers 1955-64 (Nova York: Cambridge University Press, 1966), p. 130. Para uma breve discussão da diferença entre a abordagem de Shackle e a minha, ver I.M. Kirzner, “Methodological Individualism, Market Equiubrium, and Market Process”, 11 Político 32 (1967): 787-99. Ver também I.M. Kirz-ner, The Economic Point of View (Princeton, N.J.: Van Nostrand, 1960), pp. 121 passim.
[3]. Sobre esse ponto, ver pp. 51-52.
[4]. Num mundo de conhecimento perfeito, o único campo de ação para a tomada de decisão relaciona-se com oportunidades para a troca — quer com o homem, quer com a natureza — de algo que se valoriza relativamente pouco por algo que se valoriza mais. Num mundo de conhecimento imperfeito, pode existir a qualquer momento dado algo que está sendo vendido por mais que um preço no mercado. Uma vez notada essa diferença de preços, uma vez que alguém a conhece, descobriu-se uma oportunidade de lucro. É provavelmente de valor duvidoso separar a descoberta de tal oportunidade da sua exploração. Se se faz tal separação, porém, deve-se observar que a “decisão”de aproveitar uma oportunidade de lucro, uma vez que a oportunidade foi descoberta com suficiente certeza, pode ser considerada, para nossos objetivos, uma decisão “robbinsiana”. Ela é tomada sem ambiguidade a partir dos dados (e é na realidade semelhante ao caso robbinsiano especial em que o economizador tem apenas o fim único e, evidentemente, aplica simplesmente todos os meios disponíveis para alcançá-lo, sem pensar em outra coisa). Nenhum elemento empresarial é exigido para essa “decisão”. A atividade empresarial é exigida para a descoberta da oportunidade de lucro; uma vez que se escolheu separar artificialmente a descoberta da oportunidade da sua exploração real, deve-se reconhecer que a decisão posterior é puramente robbinsiana (a despeito do fato de não haver nenhuma “alocação” envolvida).
[5]. L. Mises, Human Action (New Haven: Yale University Press, 1949), p. 253.
[6]. “A economia, ao falar de empresários, tem em vista não homens mas uma função definida. Essa função… é inerente a toda ação. (…) Ao personificar essa função numa figura imaginária, recorremos a um artifício metodológico”. Mises, Human Action, pp. 253-54 (grifo nosso).
[7]. Embora eu assinale que a atividade empresarial pura exige que consideremos que o tomador de decisões começa sem meios, não se depreende daí que toda a tomada de decisão feita sem meios iniciais deva, necessariamente, ser empresarial. Num mundo de conhecimento imperfeito, como já observamos (ver cap. 2, n.4) um empresário que já tenha descoberto a existência de uma oportunidade de lucro puro deve ter sua decisão subsequente de explorar essa oportunidade considerada como já implícita nos dados como uma decisão que não, é de nenhuma forma empresarial. (Na verdade, seria quase permissível considerar a oportunidade de lucro, uma vez que imaginamos artificialmente que ela foi descoberta com certeza suficiente — separadamente do ato da sua exploração — como sendo um meio, agora à disposição do empresário que exauriu, nessa maneira de ver as coisas, seu papel empresarial e tornou-se um economizador robbinsiano de pleno direito com apenas um único fim.) Ver p. 34.
[8]. Ver contudo abaixo.pp. 111-112, para uma discussão mais aprofundada de como se pode imaginar o modelo de mercado onde todos, exceto os empresários puros, são economizadores robbinsianos puros.
[9]. Cf. o exemplo de Schumpeter sobre “distinção entre um trabalhador e um proprietário de terras, os quais podem também, casualmente, formar uma personalidade econômica composta, chamada fazendeiro”. J.A. Schumpeter, Business Cycles (Nova York: McGraw-Hill, 1964), p. 77.
[10]. Ver H.T. Koplin, “The Profit Maximization Assumption”, Oxford Economic Papers 15 (julho de 1963): 130-39.
[11]. A esse respeito, ver cap. 2, n. 4 e n. 7. Pontos de vista muito semelhante sob muitos aspectos aos que sustentamos aqui foram expressados por H. Leibenstein numa série de ensaios. Especialmente em “Allocation Efficiency vs. ‘X-Enfficiency'”, American Economic Revíew56 (junho de 1966): 392-415, e “Entrepreneurship and Development”, American Economic Review 58 (maio de 1968): 72-83, Leibenstein enfatiza as limitações da teoria do preço ortodoxa ao tratar apenas da eficiência alocativa na sua teoria da empresa, pressupondo que a função de produção seja “claramente definida, plenamente especificada e completamente conhecida”, e pressupondo “que o conjunto completo de insumos está especificado para todas as empresas existentes ou potenciais na indústria e é conhecida de todas elas”. Para Leibenstein, o campo de ação para a atividade empresarial surge, em grande medida, do irrealismo dessas pressuposições. Entre as diferenças que separam a abordagem de Leibenstein da minha, talvez a mais importante seja a seguinte: para Leinbenstein, a atividade empresarial e a “ineficiência-x” que fornece o campo de ação para a atividade empresarial são aspectos importantes do mercado que foram negligenciados. Para mim, a atividade empresarial e a imperfeição do conhecimento que fornece campo de ação para a atividade empresarial são os elementos essenciais no processo de mercado em geral. Ver mais adiante, p. 169.
[12]. A.G. Papandreou, “Some Basic Problems in the Theory of the Firm”, em A Survey of Contemporary Economics, ed. B.F. Haley (Homewood, 111.: Richard Irwin, 1951), 2: 183.
[13]. Nesses pontos, cf. R. Triffin, Monopolistic Competition and General Equilibrium Theory (Cambridge: Harvard University Press, 1940), pp. 172-77, 181-84.
[14]. Acima,” p. 34.
[15]. Para exemplo recente disso, ver A.A. Alchian, “Corporate Management and Property Rights”, emEconomic Policy and the Regulation of Corporate Securities, ed. H.G. Manne (Washington, D.C.: American Enterprise Institute, 1968), pp. 342-43. As discussões nessa e nas seções anteriores deixarão claro o único sentido em que pode ser argumentado que os lucros cabem somente ao proprietários. Se um empresário adquiriu ativos por um preço baixo e é capaz de obter pela sua venda subsequente (ou pela venda dos produtos produzidos por esses ativos) uma receita que excede seu gasto com a compra original, ele captou lucros. É de fato sua propriedade desses ativos que lhe possibilita agora garantir o excedente de receita. Já vimos, contudo, que essas receitas tornam-se visíveis como lucros empresariais somente quando reportadas à decisão — tomada antes que a propriedade estivesse estabelecida — de comprar os ativos.
[16]. R.A. Gordon, “Enterprise, Profits, and the Modern Corporation”, em Exploration in Economics (Nova York: McGraw-Hill, 1936), reeditado em Readings in the Theory of Income Distribution, ed. Fellner e Haley (Nova York: Blakiston, 1949), pp. 558 passim. Ver também S. Peterson, “Corporate Control and Capitalism”,Quarterly Journal o f Economics 79 (fevereiro de 1965) 1-24; e O.E. Wiliamson, “Corporate Control and the Theory of the Firm”, e A.A. Alchian, “Corporate Management and Property Rights”, ambos em Economic Policy and the Regulation of Corporate Securities, ed. H.G. Manne (Washington, D.C.: American Enterprise Institute, 1969).
[17]. Contudo, ver mais adiante, pp. 59-60.
[18]. Ver H.G. Manne, Insider Trading and the Stock Market (Nova York: Free Press, 1966), para uma demonstração pioneira do insight de que “lucros de insider” ganhos por executivos de empresas de capital aberto são lucros empresariais puros.
[19]. Para uma abordagem profunda do problema de incorporar emolumentos não pecuniários à hipótese habitual de maximização de lucros, ver H.T. Koplin, “The Profit Maximization Assumption”, Oxford Economic Papers15 (junho de 1963): 130-39.
[20]. Nesse ponto, ver Triffin, Monopolistic Competition, p. 186.
[21]. Cf. F. Machlup, The Economics of Seller’ Competition (Baltimore, Md.: Johns Hopkins University Press, 1952), pp. 225-31, para uma discussão da distinção entre atividade empresarial e o exercício da responsabilidade gerencial. Ver também G. J. Stigler, “The Economics of Information”, Journal of Polítical Economy 69 (junho de 1961): 213-25, para um tratamento dos aspectos não empresariais do conhecimento no mercado.
[22]. Ver cap. 2, n. 4.
[23]. Ver acima, p. 44.
[24]. Cf. as declarações seguintes de F.H. Knight em Risk, Uncertainty and Profit (Boston: Houghton and Mifflin, 1921): “O que chamamos de ‘controle” consiste sobretudo em selecionar alguma outra pessoa para fazer o ‘controle”‘ (p. 291); “A decisão responsável não é ordenar concretaménte uma política, mas ordenar um ordenador como ‘trabalhador’ para ordená-la” (p. 297). Cf. também Triffin, Monopolistic Competition, p. 184 e n. 39.
[25]. VerF.A. Hayek, “EconomicsandKnowledge”,em Individualism and Economic Order (Londres: Routledge and Kegan Paul, 1949), p. 46; I.M. Kirzner, “Methodological Individualism”, p. 795.
[26]. J.A. Schumpeter, The Theory of Economic Development (Cambridge: Harvard University Press, 1934), p. 64.
[27]. Ver F.A. Hayek, “The Use of Knowledge in Society”, American Economic Review 35 (setembro de 1945): 529-30 (reeditado em Individualism and Economic Order, pp. 90-91), para a acusação de que o próprio Schumpeter torna-se vítima dessa visão errada.
[28]. Ver M.N. Rothbard, Man, Economy and State (Princeton, N.J.: Van Nostrand, 1962), 2: 493-94.
[29]. Para maior discussão dos pontos levantados nessa seção, ver I.M. Kirzner, “Entrepreneurship and the Market Approach to Development”, em Toward Liberty (Menlo Park, Calif.: Institute for Humane Studies, 1971).
[30]. Para revisões gerais da literatura, ver F.H. Knight, “Profits” em Encyclopedia of Social Sciences (Nova York: Macmulan, 1934), reeditado em Readings in the Theory of income Distribution, ed. W. Fellner e B. Haley (Nova York: Blakiston, 1949); J.F. Weston, “The Profit Concept and Theory: A Restatement”, Journal of Political Economy 62 (abril de 1954): 152-70.
[31]. M. Bronfenbrenner, “A Reformulation of Naive Profit Theory”, Southern Economic Journal 26 (abril de 1960): 300-309. As referências de páginas desse artigo remetem à sua reedição em Readings in Microeconomics, ed. W. Breit e H. Hochman, 1 edição (Nova York: Holt, Ririehart and Winston, 1968).
[32]. Bronfenbrenner, “Reformulation of Naive Profit Theory”. Ver também J.F. Weston, “The . Profit Concept and Theory”, p. 152, e J.F. Weston, “Profit as Payment for the Function of Uncertainty-Bearing”, Journal of Business 22 (abril de 1949): 106-18.
[33]. Bronfenbrenner, “Reformulation of Naive Profit Theory”, p. 364.
[34]. Schumpeter, evidentemente, negou repetidas vezes que alguém, a não ser o capitalista, corra riscos. (Ver Theory of Economic Development, p. 137; History of Economic Analysis (Londres: Allen and Unwin, 1954, p. 536 n.) O fato de, num certo sentido, ser indubitavelmente, verdade, não deveria, contudo, impedir-nos de compreender que, em outro sentido, somente o elemento empresarial na tomada de decisões (inclusive a do capitalista) enfrenta o risco. A tomada de decisões robbinsiaha, como vimos, vê fins e meios como dados;por maior que seja a incerteza que nos é dada por esses dados, o fato de que eles são dados escuda o economizador robbinsiano da possibilidade ex ante de mudanças no quadro de fins-meios.
[35]. Schumpeter, Theory of Economic Development, p. 160.
[36]. Ibid., p. 153.
[37]: Ibid., p. 154.
[38]. Ibid., pp. 79 passim.
[39]. Ibid., p. 80.
[40]. Ibid.
[41]. Ver Triffin, Monopolistic Competition, p. 168.
[42]. Novos produtos e métodos introduzidos pelo empresário são descritos por Schumpeter como “desequilibradores” (J. A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy (Nova York: Harper and Row, 1962), p. 132).
[43]. Ver mais acima, pp. 00-00, para comentários adicionais sobre a diferença entre a discussão de Schumpeter e a minha. Pode-se observar que a afirmação famosa de Schumpeter de que a competição perfeita é incompatível com a inovação empresarial (Capitalism, Socialism and Democracy, pp. 104-5) dá mostras de não percepção de que é o caráter equilibrador da competição perfeita que, por definição, exclui o campo de ação para a atividade empresarial. Ver mais a esse respeito adiante, pp. 94-95
[44]. A teoria do lucro de Knight é apresentada no seu Risk, Uncertainty and Profit. Ver também seu ensaio “Profits” (citado acima, cap. 2, n. 30).
[45]. J.F. Weston, “Profits as the Payment for Uncertainty Bearing”; também J.F. Weston, “Enterprise and Profit, Journal of Business 22 (julho de 1949): 141-59, e “A Generalized Uncertainty Theory of Profit”,American Economic Review 40 (março de 1950): 40-60.
[46]. Knight, Risk, Uncertainty and Profit, p. 284.
[47]. Weston, “Generalized Uncertairtfy Theory of Profit”, p. 54; ver também Bronfenbren-ner, “Reformulation of Naive Profit Theory”, 40: 361-62, 369.
[48]. M. Friedman, “The Methodology of Positive Economics”, em seu Essays in Positive Economics (Chicago: University of Chicago Press, 1953), p. 21, n. 16.
[49]. Knight, Risk, Uncertainty and Profit, p. 271. passim.
[50]. Ibid., pp. 291-98.
[51]. Ver acima, pp. 40-41.
[52]. Ver acima, pp. 49-50
[53]. Ver acima, p. 34
[54]. Ver L. Mises, Human Action, pp. 253-57,286-97; idem, “Profit and Loss”, em Planning for Freedom, 2 edição (South Holland, 111.: Libertarian Press, 1%2), 108-50. Mises não arca, evidentemente, com nenhuma responsabilidade pelas eventuais falhas no presente capítulo.
[55]. Mises, Human Action, p. 254.
[56]. Ibid., p. 255.
[57]. Ibid., p. 288.
[59]. Ver acima, p. 56. Sobre especuladores como empresários, ver L.M. Fraser, Economic Thought and Language (Londres: A. and C. Black, 1937), 394-95.