Cada um tem a sua teoria. Eis a minha. A origem do atual derretimento das bolsas está nas crises fiscais americana e europeia.
Nos EUA, a questão da dívida está completamente sem solução. O acordo sobre a elevação do teto da dívida não resolveu em nada o problema simplesmente porque, para os próximos anos, ficou resolvido que os gastos irão subir continuamente, só que a uma taxa de crescimento um pouco menor do que a inicialmente prevista. É isso que no linguajar político atual passou a ser chamado de “corte de gastos”: aumentar os gastos a uma taxa menor do que a anteriormente prevista. Os gastos subirão ano a ano, só que, na melhor das hipóteses, em um ritmo um pouquinho menor. (Estratagema idêntico, aliás, é seguidamente adotado pelo governo brasileiro).
A atual dívida americana está em US$ 14,3 trilhões. Caso os gastos do governo continuassem no ritmo atual, a dívida daqui a 10 anos estaria em US$ 25 trilhões. Porém, com o acordo firmado na semana passada entre Obama e o Congresso, a dívida americana irá aumentar para “apenas” US$ 22 trilhões — isso, repetindo, na melhor das hipóteses.
Ou seja, em vez de um aumento de 75% em 10 anos, haverá um aumento menor: 54%.
Ademais, o acordo deu ao Tesouro americano a autorização imediata para tomar emprestado e gastar US$ 2,5 trilhões adicionais durante os próximos 18 meses — quando o novo teto da dívida será atingido. Em contrapartida, determinou-se apenas que US$ 250 bilhões deixem de ser gastos por ano durante os próximos dez anos. Isso significa que, ao invés de um déficit orçamentário anual de US$ 1,4 trilhão, haverá um déficit de 1,15 trilhão por ano. E isso supondo que as receitas não irão cair, uma hipótese bastante irrealista, considerando-se a depressão vindoura.
Para piorar, essa prometida redução de US$ 2,5 trilhões (US$ 250 bilhões por ano durante dez anos) nos gastos governamentais estimados para o futuro não especifica absolutamente nada. Não há detalhes sobre em qual área o governo vai cortar, e nem em qual quantia. Consequentemente, não há motivos para o mercado financeiro mostrar alguma confiança de que algo realmente será “cortado” — principalmente quando a depressão se intensificar futuramente, o que gerará pressão para maiores gastos.
Acrescente a tudo isso a incerteza sobre se Obama irá conseguir finalmente realizar seu desejo de elevar impostos, de implantar seu sonhado Obamacare (saúde “gratuita” para todos) e de impor regulamentações ainda mais apertadas sobre a economia, e misture a tudo isso um pouco da imprevisibilidade europeia, a sobrevivência do euro, e o futuro de Itália, Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda. Aí pergunte-se a si mesmo: há alguma perspectiva de ascensão para os mercados financeiros?
Nesse período de grande incerteza, investidores tiram seu dinheiro das bolsas e aplicam em ativos que consideram ser seguros e muito líquidos. Muitos estão indo para o ouro, que atingiu sua cotação recorde, fechando em US$ 1.713 a onça. Outros ainda confiam nos títulos americanos, só que nos de longo prazo. Eles ficam tão receosos com a atual situação depressiva da economia — uma recessão tende a diminuir ainda mais os juros à medida que a economia afunda —, que acabam buscando refúgio em títulos de longo prazo, comprando-os à taxa de juros vigente hoje. Essa compra maciça de títulos de longo prazo faz com que os preços deles subam, e consequentemente os juros de longo prazo caiam.
O juro dos papeis de 10 anos da dívida dos EUA tocou a mínima de 2,325%, o nível mais baixo desde janeiro de 2009 e pouco acima da mínima recorde de 2,034%, atingida em dezembro de 2008, após o colapso do Lehman Brothers.
Essa retirada maciça de dólares das bolsas mundiais para serem aplicados em ouro e em títulos da dívida americana derruba as bolsas em todo o mundo, inclusive a Bovespa.
Enquanto os EUA e os países europeus não adotarem uma política econômica clara, e enquanto não ficar explícito se vão optar por mais governo ou menos governo, não há por que ser otimista com novas altas sustentadas das bolsas, muito embora curtos períodos de subida vertiginosa não estejam descartados.
Neste momento, o mercado financeiro é só para profissionais.