No entanto, seria impossível eliminar a herança, a não ser que todos os outros tipos de presentes também fossem eliminados. O imposto de 100 por cento sobre a herança, seguidamente sugerido como a forma de eliminá-la, não conseguiria isso. Pois, se os demais tipos de presentes fossem permitidos, o imposto poderia ser facilmente sonegado. Dinheiro e propriedades poderiam simplesmente ser transferidos a título de presentes de aniversário, presentes de natal etc. Os pais poderiam até ter presentes guardados para serem entregues no primeiro aniversário dos filhos após a morte de um deles, o pai ou a mãe.
A solução para o problema da riqueza ganha ilicitamente, com crimes de colarinho branco ou por outras formas, não está em impedir que a geração seguinte obtenha os fundos ganhos desonestamente, mas em assegurar que esses fundos não sejam ganhos, em primeiro lugar. A atenção deveria estar antes focada em retomar a propriedade ilícita e devolvê-la à vítima.
Argumentar-se-á que os 100 por cento de imposto sobre a herança são a “segunda melhor” política? Que, já que não temos o poder de despojar os criminosos de seus ganhos desonestos, sejam feitas tentativas de negar-lhes a oportunidade de passarem suas fortunas para os filhos? Isso é contraditório. Se está faltando poder para fazer justiça aos criminosos, porque os colarinhos-brancos criminosos controlam o sistema da justiça, então, evidentemente, há falta de poder para impor-lhes o imposto de 100 por cento sobre a herança.
Na verdade, mesmo que um imposto desses pudesse ser aprovado e entrasse em vigor, a criação do igualitarismo que realmente anima propostas desse tipo não vingaria. Pois o verdadeiro igualitarismo não significa apenas uma igual distribuição do dinheiro, mas também uma igual distribuição de considerações de ordem não monetária. Como os igualitários iriam reparar as iniquidades entre os que veem e os que são cegos, os que têm talento musical e os que não têm, os que são bonitos e os que são feios, os que são presenteados e os que não são? E as iniquidades entre os que têm disposição alegre e os que são inclinados â melancolia? Como os igualitários os mediariam? Será que se poderia tirar o dinheiro dos que têm “felicidade demais” e dá-lo aos que têm “de menos”, como compensação? Quanto vale uma disposição alegre? Será que 10 dólares anuais comprariam cinco unidades de felicidade?
O ridículo de uma postura dessas poderia levar os igualitários a adotarem uma “segunda melhor” política, como a usada pelo ditador em “Harrison Bergenon”, um dos contos do livro Welcome to the monkey house de Kurt Vonnegut*. No conto, as pessoas fortes eram obrigadas a carregar pesos, a fim de ficarem niveladas com o resto do povo; os indivíduos com tendência musical eram obrigados a usar fones de ouvido que emitiam sons estridentes, na proporção de seu talento musical.
Pela lógica, é a isso que conduz o desejo de igualitarismo. A eliminação da herança monetária é apenas o primeiro passo.
São o herdeiro e a instituição da herança que se põem no caminho entre a civilização tal qual a conhecemos e um mundo em que não seja permitido que qualquer talento ou felicidade frustre a igualdade. Se a individualidade e a civilização forem prezadas, o herdeiro será colocado sobre o pedestal que, afortunadamente, merece.
*Vonnegut, Kurt. Welcome to the monkey house, Dell, 1970. (N.A.)